The Queen's Path escrita por Diamond


Capítulo 41
Capítulo XLI - 15 de Janeiro de 1873




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Retomar o controle de sua vida incluía, entre outras práticas, resgatar alguns hábitos antigos. Acostumado a levantar-se cedo, Edgar abriu os olhos logo que os raios de sol invadiram seu quarto. Ainda que seu brilho estivesse enfraquecido diante do vigor da estação mais fria do ano, já não lhe restava vontade alguma de dormir. Estava um tanto farto de permanecer em repouso, mas seu ombro parecia exigir mais dias de descanso, para seu desconsolo.

Sarah, por outro lado, nunca parecia ter dormido o suficiente, e despertaria muito mais tarde se lhe fosse permitido. Ciente desse fato, o Duque tornou o rosto para o lado surpreendeu-se ao encontrá-la já desperta, absorta numa espécie de meditação reflexiva enquanto o observava de maneira contemplativa. Aquele olhar, complexo demais para ser interpretado, lhe atiçava a curiosidade, mas seria deselegante questionar-lhe em que pensava. Resignado diante de seu interesse frustrado, o rapaz moveu-se com cuidado, despertando-a de seu transe. Com o braço sadio, ele a trouxe para perto de si, recepcionando-a com um abraço tenro, que serviria como um gesto silencioso de “bom dia”. Em resposta muda, a menina lhe dirigiu um sorriso meigo, repousando a cabeça sobre o peito de seu consorte logo em seguida.

As primeiras horas do dia foram gastas àquela maneira, em silêncio, enquanto afagavam um ao outro de maneira sonolenta, quase preguiçosa. Ele mantinha os olhos semicerrados, distante em suas próprias divagações, quando a jovem rompeu com a quietude do local.

— Edgar, há um assunto que eu gostaria de tratar com você — Sarah anunciou, e buscando analisar as reações de seu companheiro, ergueu o torso e apoiou os braços contra o macio colchão. — Como sabe, hoje teremos outra reunião com as famílias fundadoras, que anseiam em saber quais serão nossos próximos passos. É provável que seja um encontro longo, cheio de percalços, mas creio que esteja na hora de desfazer a péssima impressão que causei anteriormente. Por isso, eu gostaria de contar com a sua presença.

— Não acha que Phillip, na condição de seu Secretário Real, é a pessoa mais indicada para acompanhá-la num evento como esse? — o rapaz questionou, com um genuíno ar de dúvida, e sem qualquer agressividade em suas palavras.

— Sim, ele estará presente, cumprindo com a sua função — a jovem confirmou, demonstrando-se resoluta em seu pensamento. — No entanto, você é o único capaz de comparecer como meu consorte. É muito importante para mim, e eu me sentiria mais segura de ver um outro rosto amigo ao meu lado.

O Duque suspirou profundamente, ponderando aquele inusitado pedido. Ainda que estivesse cansado dos cuidados excessivos que sua condição atual exigia, não sentia qualquer urgência em tornar a conviver com aquele odioso grupo de aristocratas egocêntricos. No entanto, foi uma agradável surpresa perceber que sua companheira mostrava-se atenta aos seus desejos e intenções. Sentia que, caso se recusasse a fazê-lo, ela se mostraria compreensiva e respeitaria sua decisão. Mas como declinar um apelo tão simples e inocente, vindo de alguém que vinha lhe dedicando tanta atenção e cuidado?

— Se isso lhe proporcionar alguma segurança, então pode contar com a minha presença — Edgar respondeu com brandura, lhe direcionando um sorriso discreto, mas encorajador.

Sarah mal conseguia acreditar no retorno positivo que havia acabado de receber. Estava receosa de que seu consorte ainda não estivesse em condições físicas e mentais de suportar um encontro estressante como aquele. Precisava admitir que o apoio do jovem Avelar servia-lhe como uma fonte extra de energia para agir da maneira correta perante aqueles nobres.

Incapaz de conter sua euforia, a menina abraçou seu pescoço enquanto exibia um sorriso largo. Após depositar um beijo estalado na bochecha do rapaz, que sequer teve tempo suficiente para reagir aquela inesperada carícia, ela apressou-se em afastar da larga cama.

— Preciso me encontrar com Evangeline agora, há muito a ser feito antes da chegada das famílias fundadoras — a menina anunciou, enquanto caminhava em direção a porta de seu cômodo. — Eu cuidarei de tudo, então trate de descansar um pouco mais enquanto isso. Retornarei em breve para ajudá-lo a trocar suas vestes.

— Eu já cresci o bastante para conseguir me vestir sozinho, está bem? — ele retrucou de imediato, em meio a uma risada fraca. Vinha sendo constantemente mimado nos últimos dias, o que o fazia se sentir como uma criança inabilitada para a menor das tarefas.

— Longe de mim querer prejudicar sua recuperação. Não seja tão resistente e me permita ajudá-lo, ao menos uma vez na vida — ela pontuou, agraciando-o com mais um de seus largos sorrisos antes de deixar o quarto para trás.



Ganhando os corredores do castelo, a jovem praticamente saltitava em direção à casa de banho, onde sua governanta a aguardava. Considerando as últimas crises que fora obrigada a enfrentar, ver as diversas áreas de sua vida finalmente rumando por um caminho menos tortuoso e mais alegre era motivo suficiente para preenchê-la de um otimismo quase ingênuo.

Como Jacques costumava lhe dizer, a vida muito se assemelhava a um campo vasto. Haviam dias ensolarados, sendo imperioso usufruir das bonanças o máximo possível, enquanto não surgia no horizonte a próxima nuvem cinzenta. Nas proximidades, inexistia qualquer espécie de abrigo, de modo que nas situações extremas não lhe restavam mais que duas alternativas: lutar contra a tempestade ou deixar-se abater por ela. Sarah optou lutar, até que não lhe restassem mais forças para fazê-lo.

— Achei que ainda estivesse dormindo. Estava prestes a ir acordá-la em seu quarto — Evangeline comentou, logo ambas encontraram-se no corredor, caminhando em direções opostas. De imediato, ela pôde perceber a aura tranquila que a jovem trazia consigo, muito diferente de seu estado de nervos às vésperas de seu primeiro encontro com as famílias fundadoras, semanas atrás. — Você me parece contente. Aconteceu algo especial?

— Ah, minha querida… — a menina suspirou, de maneira sonhadora. — Sinto um imenso alívio de ver que tudo está retornando ao seu estado de normalidade. Isso não é maravilhoso?

— Imagino que sim — Evangeline respondeu, em meio a um sorriso maternal, ocasião em que ambas passaram a caminhar juntas.

Pouco depois, a menina já se encontrava despida e mergulhada numa banheira morna, cheia de espumas de banho. A governanta ocupava-se em lavar seu cabelo, assim como esfregar suas costas, ao passo que Sarah cantarolava uma melodia baixinho, distraída com as pequenas bolhas perfumadas.

— Muito me agrada vê-la de tão bom humor — a antiga servente comentou, enquanto empregava uma massagem relaxante em seus ombros. — Mas diga-me, como tem sido a recuperação de Edgar? Você não consegue imaginar minha aflição quando soube desse terrível acidente.

— O médico esteve aqui ontem para avaliar seu estado e acredita que, dentro de uma semana, conseguirá dispensá-lo da tala imobilizadora — ela respondeu, com uma expressão desejosa estampada em seu rosto. Tinha pressa em deixar aquele incidente e todas as situações desagradáveis que o precederam para trás, sem nem ao menos buscar compreender o que ocasionou o repentino distanciamento de seu consorte. O convívio pacífico e o companheirismo de antes estava de volta, e com isso, os detalhes e as justificativas pouco lhe importavam.

— Estou feliz por vê-la tomando as rédeas de sua vida. Sua mãe ficaria muito orgulhosa — a governanta pontuou, massageando seus fios castanhos agora. Tinha algo em mente que almejava falar já há algum tempo, mas foram tantas ocorrências no ano anterior que simplesmente não havia ânimo para tal assunto. — Até mesmo os ares deste castelo mudaram, já não se percebe mais o clima de tensão que havia antes. Melhor que isso, só se houvessem algumas crianças que pudessem encher esses corredores de vida, não concorda?

— Você disse...  crianças? — Sarah indagou, com um misto de espanto e incredulidade.

— Evidentemente. Já estamos há quase um ano desde o seu casamento, a chegada de um filho é a próxima coisa que se espera.

Evangeline afastou-se por um instante, no intuito de buscar um robe felpudo para secar a jovem rainha. No entanto, Sarah não tinha vontade alguma de sair daquela banheira. Ao invés disso, desejava mergulhar ali, sem qualquer expectativa de responder aqueles comentários despretensiosos de sua governanta, mas que passaram a ressoar em sua mente como marteladas vigorosas.

Então era isso que as pessoas esperavam dela agora? Aguardavam pela chegada de um herdeiro? Como ela poderia pensar em tal coisa, quando já haviam tantas vidas que dependiam dela e de suas decisões para sobreviver? Como cogitar a ideia de ser mãe, se ela mesma jamais tivera a oportunidade de conviver com a sua? “Quando penso que estou livre de questionamentos para os quais sequer imagino a resposta...”, pensou com certo fastio, enquanto deixava a banheira e parte de sua euforia para trás.



— Assim como na primeira conferência, estou certo de que haverá um esforço comum para tentar desmoralizá-la novamente — Edgar avaliou, enquanto caminhava ininterruptamente dentro do gabinete. Havia um imenso alívio em deixar sua cama, mesmo que isso envolvesse um desagradável encontro como aquele prometia ser. — Como já deve ter percebido, eles não apreciam serem abertamente contrariados.

— E ainda assim, não deve aceitar todas as suas imposições, por mero receio de desagradá-los — Phillip acrescentou, não se incomodando em dirigir o olhar ao consorte da rainha. — Você, mais do que qualquer um, sabe exatamente qual o melhor direcionamento para seu reino e seu povo.

— Mas não se esqueça de que suas decisões afetam não só os plebeus, mas aos nobres também — o jovem Avelar pontuou, torcendo a boca de maneira discreta. — E que, para qualquer mudança mais expressiva, será necessário a anuência da maioria deles.

— O que são apenas detalhes a serem ponderados posteriormente, uma vez que…

— Está bem, já chega!

Os dois rapazes tornaram o rosto de imediato, permitindo que seus olhos recaíssem sobre a figura altiva de Sarah. Mostravam-se atordoados diante da inesperada interrupção de seu combate velado. A voz da menina soou imponente e autoritária, e foi responsável por restabelecer a ordem, além de instaurar um silêncio inquietante no ambiente.

Foram longos minutos escutando dezenas de adendos e observações, vindos tanto de seu Secretário Real, quando do Duque de Odarin, o que lhe adicionou muito pouca confiança para aquela reunião, mas lhe trouxe uma indesejada sensação de atordoamento, como se estivesse presa no olho de um furacão. Apesar do notável esforço de ambos em tentar ajudá-la, previa que seria quase impossível conciliar discursos tão distintos entre si. Nesse caso, já não fazia sentido continuar escutando-os. Teria de achar um ponto de equilíbrio sozinha, à sua própria maneira.

— Acredito que já esteja na hora de nos reunirmos com os demais representantes — a jovem rainha anunciou, erguendo-se de seu assento e seguindo com passos firmes em direção a porta. — Melhor não os deixar esperando além do necessário.

Pela primeira vez naquele dia, os dois rapazes empregaram uma rápida troca de olhares, admirados com a iniciativa que haviam acabado de presenciar. Em seguida, se viram obrigados a apressar seus passos, visto que a moça já caminhava longe, em direção ao salão de reuniões.



Os empregados cruzavam o salão a todo instante, responsáveis por entreter aquele pequeno grupo formado por pouco mais de vinte aristocratas com as mais diversas opções de comidas e bebidas, das mais variadas espécies. Assim que uma bandeja era esvaziada, o servente que a transportava esgueirava-se entre os demais de maneira hábil, afoito em trazer o próximo aperitivo.

Parada junto à porta, Evangeline mantinha seus olhos de águia atentos à movimentação. Não havia nenhuma outra pessoa que detivesse tantas funções de confiança naquele castelo quanto ela, cumprindo-as sempre de maneira louvável. Nenhum detalhe lhe escapava, e tal característica fazia com que seus inferiores se reportassem a ela com um misto de temor e respeito. Assim sendo, por mais que estivesse compenetrada em fiscalizar a recepção dos convidados, as conversas ao seu redor não passavam inteiramente despercebidas. A todo momento, entre risadas e conversas esdrúxulas, era possível distinguir comentários maldosos cujo intuito era ridicularizar sua menina, entre outros aspectos de seu reinado. “Como se governar fosse uma tarefa fácil. Deveriam se colocar em seu lugar, e só então veriam como esse é um fardo pesado”, concluiu, enquanto sentia verdadeira aversão cada uma daquelas pessoas. Onde havia ido parar o respeito?

Os nobres divertiam-se abertamente às custas da ingenuidade de Sarah. O salão estava envolto numa agitação excessiva, que aliada às vozes cada vez mais altas, indicavam que os representantes começavam a exagerar no álcool. A governanta, percebendo o inconveniente, estava prestes a suspender o serviço de bebidas, mas sua intenção foi interrompida por uma repentina movimentação atrás de si.

As vozes silenciaram-se de imediato, logo que as portas ornamentadas se abriram. De trás delas, surgiu um oficial para anunciar em termos formais a entrada de sua majestade. Com um passo largo para o lado, ele afastou-se e revelou a figura diminuta da jovem rainha, devidamente acompanhada de seu consorte e seu Secretário Real. Abrindo espaço para a sua entrada, a senhora ensaiou uma polida reverência, que foi acompanhada pelos demais presentes.

Em seu semblante, não havia sinais evidentes de ansiedade ou de pânico, como ocorrera no encontro anterior. Ainda que seus sentimentos interiores fossem um mistério, ela trazia serenidade em seu rosto jovial. Levou um breve momento para notar o comparecimento de cada um dos representantes, somente então seguindo em direção à larga mesa onde se sucederia aquela conferência. Ao vê-la tomar a dianteira, os demais replicaram os mesmos movimentos, cada um se dirigindo ao seu assento marcado, enquanto Evangeline retirava-se do cômodo, sendo prontamente seguida pelos serventes.

— Inicialmente, gostaria de agradecer mais uma vez pela presença de todos os representantes das famílias fundadoras. É realmente uma benção para Odarin vê-los ativos em suas funções e gozando de boa saúde — ela comunicou com eloquência, além de agraciar a todos com um sorriso recatado, ainda que elegante. Seus gestos e modo de falar não pareciam forçados como antes, mas esbanjavam naturalidade, como se há muito estivesse habituada a tais formalidades. — Nessas últimas semanas, dediquei-me a um intenso estudo acerca da real situação econômica de nosso reino que, como todos sabem, não tem navegado por águas tranquilas. Verificamos que, apesar da arrecadação nos ter proporcionado saldos positivos, os investimentos têm sido insuficientes para permitir a subsistência da maioria.

— Está nos dizendo que além de tutelar os interesses de nossas famílias, temos também de nos preocupar com escória que vive em redor? — disparou um dos fidalgos, sem fazer cerimônias ao demonstrar seu descontentamento com aquela linha raciocínio. — Compreenda, Majestade, que conferir mais recursos à plebe apenas fará com que Odarin perca sua força produtiva.

— Como? — Sarah questionou, com uma genuína dúvida estampada em seu rosto. — Se não lhe for incômodo, peço-lhe que demonstre as razões que o levam a crer nisso.

— Ora, mas é evidente. Logo que dispuserem de qualquer capital excedente, se tornarão preguiçosos e já não haverá mais bons empregados a quem possamos contratar — esclareceu o homem de cabelos grisalhos e de aparência vaidosa, sem sequer se dar conta das várias interpretações que aquele pensamento poderia acarretar. — Valores limitados os incentivam a trabalhar mais, além de fazê-los valorizem com mais afinco o ofício que possuem.

— Nesse caso, creio que será uma medida prudente cortar pela metade as provisões destinadas a nobreza. — O apontamento de Phillip gerou olhares estupefatos em sua direção, principalmente de seu pai, o Barão Chevalier. Nada ao qual ele já não estivesse acostumado em seu seio familiar. — Afinal, seguindo por essa linha de raciocínio, a baixa nos mantimentos incentiva o labor e leva a valorização da função.

— O que o nobre companheiro deseja arguir é que pessoas de pouca instrução não detém o conhecimento necessário para lidar com grandes quantias, tendendo ao uso irresponsável e ocasionando prejuízos que se estendem a todas as classes — interpelou um dos representantes mais idosos, já conhecido por suas escusas persuasivas, mas sem qualquer fundamento.

— Então sugere que tornar a educação acessível aos menos favorecidos proporcionará, a longo prazo, investimentos mais seguros e trabalhadores mais especializados? — Antes mesmo que pudesse conferir a eles tempo suficiente para ponderarem aquelas palavras, ela prosseguiu. — Mas que excelente ideia, Conde Van Berger. É sempre muito proveitoso para nós, jovens e inexperientes, poder contar com a sabedoria dos mais versados.

Edgar dedicava-lhe toda a atenção com notável espanto em seu semblante. Percebia ali uma profunda mudança de comportamento, perceptível pelo modo como não se abalava pelas imposições incoerentes e demonstrava segurança para contornar as afrontas sem confrontá-los diretamente, estabelecendo assim um clima ameno para discussões. Ademais, vê-la frustrando as expectativas daqueles que aguardavam ansiosos pelo momento em que perderia o controle diante da pressão e do nervosismo era, no mínimo, gratificante.

Com um rápido olhar para o lado oposto da mesa, ele pôde avaliar por alguns instantes a figura empertigada de Phillip, que encarava a jovem rainha com admiração. Muito à contragosto, ele precisava admitir que o rapaz era mais do que diligente em suas funções, além de demonstrar bastante apreço a menina inexperiente. Por quê, então, havia uma estranha sensação de desconfiança que instalava-se em seu peito todas as vezes que se encontravam juntos?

A pergunta lhe surgia de maneira recorrente e ele adoraria possuir a resposta para tal questionamento.



Depositando no chão do armazém um pesado conjunto de utensílios, Elliot finalmente pôde suspirar aliviado. Era certo que havia certa frustração em gastar horas desobstruindo a entrada do castelo da neve acumulada durante a noite, quando sabia que a encontraria em estado igual ou pior na manhã seguinte. No entanto, pouco poderia ser feito a respeito. Embora a tarefa não fosse realmente conexa com as suas funções, ele via-se na obrigação de auxiliar seu velho pai nos trabalhos mais pesados, ainda que sua ajuda não tivesse sido requisitada.

— Você precisa de mais alguma coisa? — o rapaz questionou, escorando-se na parede por um instante enquanto recuperava o fôlego. A despeito do vento frio e da baixa temperatura, tinha a fronte suada pelo esforço físico e sentia-se sedento por um pouco de água.

— Penso que não, é suficiente por hoje — Jacques respondeu, após breves instantes de reflexão. Tornando o rosto para o filho, o jardineiro vislumbrou o momento exato em que ele vestia um casaco envelhecido e punha uma boina amarronzada sobre os fios claros. — Elliot, não me agrada vê-lo trabalhando de maneira tão inconstante aqui no castelo. Ora está ocupado com seus cavalos, ora dispõem-se a fazer longas viagens como intermediador de transações comerciais. Dedicar-se à várias atividades distintas ao mesmo tempo não me parece uma postura coerente.

— Não precisa se preocupar, está tudo sob controle — o tratador afirmou, sentindo um olhar pesado recaindo sobre suas costas. — Marco cuidará dos estábulos por mim nos próximos dias, então ninguém irá reparar em minha ausência.

— Ele não irá com você?

— Não dessa vez — esclareceu, concentrado em terminar de fechar os botões de seu surrado agasalho. — O estado de Martha agravou-se bastante nos últimos meses, não tem sido prudente deixá-la sozinha. Até mesmo os reparos de utensílios e serviços de carpintaria estão sendo feitos na própria vila, para que ele possa acompanhá-la de perto.

Elliot manteve a cabeça baixa o máximo de tempo que pôde, evitando assim os olhos inquisidores de seu pai. Muitos eram os pensamentos que o assombravam e que o impediam de se dedicar integralmente àquele ofício que tanto amava. Havia um sentimento ímpar de realização em trabalhar com aqueles animais que eram seu objeto de interesse desde pequeno, mas fatores externos pareciam agir como uma muralha em sua vida.

Constantemente, recordava-se do velho Earnshaw, em como sua afeição pelo trabalho e pelo castelo o levaram a um fim trágico. Nutria por aquele espaço e por seus cavalos um carinho especial, mas receava constatar de que suas memórias afetivas futuramente se transformassem em grilhões, tornando-o um escravo de recordações do passado. Exatamente da mesma maneira Jacques vivia. Não era aquela espécie de futuro que almejava para si.

— Eu irei até a casa da Delia, antes de partir — o rapaz anunciou casualmente, tentando desfazer o clima de tensão que havia se instalado ali, contra a sua vontade. — Anthony descartou muitos utensílios domésticos nos últimos dias, talvez algum deles possa lhe ser útil.

— Eu espero que saiba o que está fazendo — o mais velho alertou, com um tom grave em sua voz. — E tenha em mente que, muito embora ela seja uma boa moça, não é certo tratá-la como uma mera substituta.

Era desconcertante — e até mesmo um tanto vergonhoso — perceber que o jardineiro era capaz de ler seus pensamentos e antever suas ações. Mesmo que Marco tivesse se distanciado da camponesa ruiva, ele fizera questão de permanecer ao seu lado, de modo a não deixá-la desamparada. Ele conhecia sua realidade por completo e fazer-se presente era a única forma que conseguia pensar para demonstrar seu apoio incondicional. Não havia segunda intenções naquele comportamento. Ou ao menos ele tentava se convencer disso.

Você não pode substituir o Marco, e ela não pode substituir a Sarah”, ele repetia mentalmente o mandamento, até que a ideia lhe soasse convincente o bastante.


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