Namjoon sabia que não era uma boa ideia seguir as ideias de Yoongi, principalmente quando o mais velho não havia descansado bem. E mesmo depois de anos se conhecendo, mesmo depois de um ano estudando na mesma faculdade, o rapaz de cabelo azul ainda seguia o amigo cegamente.

E por isso ele se encontrava as 5:20am no telhado de um dos prédios da faculdade, no frio de fim de verão e Namjoon queria xingar o mais velho.

—Sério, hyung. Não tinha um lugar ou uma ideia melhor, tipo, não fumar?

Yoongi apenas soltou a fumaça na cara do mais novo como punição. Não existia motivo que o fizesse desistir do cigarro, nem mesmo as doenças e vida curta que vinham acompanhadas.

—Teoricamente eu não posso sair após o toque de recolher do dormitório, mesmo sendo um veterano, e a praça mais próxima é duas estações daqui. Antes ser flagrado fora do meu quarto no telhado da faculdade que em outro ponto da cidade.

—E por que me arrastar junto?

—Que tipo de melhor amigo você está sendo, Joon-ah?

—Não use esse tom comigo! Não tem graça usar chantagem emocional comigo, hyung!

Yoongi acabou engasgando com o cigarro ao rir ao mesmo tempo que tragava. Namjoon não conseguia ficar bravo quando o loiro finalmente ria sinceramente assim, apenas negando com a cabeça como ele conseguia ser tão infantil as vezes.

Ambos foram interrompidos com um despertador e alguém grunhindo. Os dois viraram lentamente em direção a origem do som. Havia uma mini escada que dava acesso à antena do telhado e embaixo dessa algo ou alguém, enrolado em dois casacos diferentes, se mexia provavelmente lutando para acordar. O despertador ainda estava tocando.

Quando finalmente se sentou, os casacos caíram revelando um rapaz, mais jovem que os dois sem dúvidas. O cabelo dele estava em um verdadeiro estado de cama, completamente bagunçado e os olhos ainda fechados. Ele procurou cegamente pelo celular, finalmente desligando o despertador.

Quando o garoto finalmente abriu os olhos, foi para arregalar eles, quase os fazendo saltar para fora igual desenhos animados, surpreso ao ver os dois no telhado. Foi Namjoon quem percebeu que não era apenas surpresa, mas medo também.

Ele começou a mexer nas coisas a sua volta freneticamente, parecendo checar as coisas deles. Foi então que Yoongi notou as duas mochilas além dos casacos, o celular e uma almofada desgastada que havia sido usada como travesseiro. O garoto provavelmente estava vendo se não haviam roubado nada.

—Hey, está tudo bem! - Namjoon chamou a atenção dele. -Estamos aqui apenas para meu hyung fumar. Não viemos te fazer mal.

Isso não pareceu ser o suficiente para tranquilizar o outro, que já tinha todas suas coisas guardadas nas pequenas mochilas e de pé. Yoongi franziu o cenho ao ver que apesar de mais alto, o garoto era muito magro para ser saudável, a pele era naturalmente bronzeada, mas o rosto dele estava pálido, círculos roxos em baixo do olho que competiam com as que o loiro também tinha.

Ele estava com a respiração acelerada e a única coisa que impediu ele de entrar em um ataque do pânico, foi seu celular tocando o despertador de novo.

—Droga! - O rapaz começou a ir para a beirada da mureta do telhado, literalmente jogando as malas dele e subindo no tronco de uma árvore próxima.

—Que merda? Onde você vai??? - Eles estavam no oitavo andar e Yoongi não queria presenciar um suicídio no nascer do sol obrigado.

—Os primeiros funcionários da faculdade chegam a essa hora e dois deles vem ao telhado fazer vistoria. - O rapaz respondeu após se transferir para a árvore com sucesso.

—Ta brincando. - Namjoon praticamente rosnou.

—E não é mais fácil descer as escadas e se esconder em uma sala?

—Boa sorte tentando ir por esse método. - Deu de ombros, começando a descer os galhos de forma experiente.

Namjoon de repente estava na mureta, disposto a seguir o garoto.

—Ta brincando, Joon. Saí dai. Você é o rei da destruição.

—Fica quieto e vem logo, hyung. Se eles te pegam aqui, é no meu ouvido que você vai reclamar da detenção mesmo sendo sua ideia.

Yoongi não sabia como de fumar no telhado da faculdade se transformou em escalar uma árvore para fugir dos funcionários, mas de alguma forma ele e Namjoon haviam conseguido seguir o mais novo.

Isso até os galhos simplesmente acabarem e Yoongi ainda não enxergar o chão.

—Que merda é essa? Se eu morrer eu vou voltar e fazer da vida de vocês um inferno!!!

—Você não vai morrer, hyung.

—Cala a boca, Joon. Você ainda nem chegou no final para ver o fim da vida como eu estou vendo. Se eu me machucar você vai me pagar!!

—Você não vai se machucar. - Não era a voz de Namjoon dessa vez, mas a grossa e profunda do outro garoto. -Você só precisa soltar, hyung.

—está maluco? Se eu soltar e cair eu vou quebrar o braço!

—Apenas confia em mim.

Yoongi não sabia dizer o que aconteceu naquele momento. Ele sentiu algo, como se fosse um choque, passar por seu corpo e sua mente ficar completamente vazia. Quando ele voltou a si, estava caído em um colchão inflável, piscando para o céu que estava alaranjado com o nascer do sol.

—Viu! Está vivo! - E ao virar para o lado, o rapaz tinha um sorriso.

—Sua sorte! - Bufou. -Ou caçaria você no inferno.

O rapaz deu uma risada, e era incrível como essa ação no tom de voz dele dava arrepios em Yoongi. Que decidiu ignorar completamente esse sentimento. Assim como sair logo do colchão antes que fosse a vez de Namjoon de cair lá de cima.

—Bom, eu acho que vocês conseguem seguir adiante daqui?

Yoongi acenou com a cabeça.

—Tenha um bom dia, hyung! - E com um sorriso o rapaz foi embora.

—E você não perguntou o nome dele? - Namjoon perguntou assim que caiu no colchão.

—Cala a boca. Vamos logo pro quarto, estou com frio.

O rapaz de cabelo azul bufou, mas o seguiu mesmo assim.

—/-

Um mês e meio se passou e Yoongi se via de novo no telhado. Ele havia recebido uma ligação de casa, não muito agradável, e um dos projetos que havia entregado voltou com uma observação. Ele tinha que refazer em uma semana. O stress era tão grande, que mesmo sem motivos para parar de fumar, o loiro que estava conseguindo evitar o ato, se viu obrigado a jogar tudo para o alto.

Ele percebeu o garoto na terceira tragada e antes do despertador. Talvez fosse coincidência encontrar ele dormindo ali de novo, mas algo dentro de Yoongi dizia o contrário, enquanto observava-o.

Antes que pudesse notar todos detalhes do que estava amostra do outro, dormindo novamente encolhido embaixo daqueles dois casacos, alguém tentou abrir a porta, fazendo os dois pularem de susto.

Não deveria ser um jeito agradável de acordar, mas quando a pessoa tentou abrir de novo, xingando do outro lado, eles acharam melhor não estar ali.

—Te ver de novo nessa situação, que irônico.

O garoto bufou.

—Eu que deveria dizer isso, hyung. - Jogou as mochilas e se pendurou na árvore, esticando a mão para ajudar o mais velho.

—Por que você ainda dorme aqui mesmo sabendo que tem que acordar nessas situações? - Não aguentou a curiosidade enquanto desciam.

O rapaz não respondeu ele, até terem caído no colchão em segurança.

—E você, hyung, único lugar para fumar?

O loiro acabou rindo com isso. Quase ninguém o respondia de volta assim.

—Justo. - Deu de ombros. -Quer aproveitar que atrapalharam seus planos e tomar um café da manhã?

—Huuun. - Ele parecia realmente considerar a ideia.  -Você vai pagar? - E deu um sorriso de canto.

—Nem sabe meu nome e já está abusado desse jeito. - Bufou, mas fez um movimento com a mão para que o mais novo o seguisse. Ele conhecia uma padaria 24h ali perto da faculdade onde poderiam ter uma alimentação decente sem um preço absurdo.

—Min Yoongi. Todo mundo conhece você. Algo como ‘o demônio do departamento de música.’

Yoongi rosnou com isso. Ele não era muito fã dessa reputação que ele tinha, mas servia para algo. Para evitar gente insuportável e interesseira na vida dele.

—E qual seu nome?

—Kim Taehyung. - O mais novo finalmente alcançou os passos dele, andando ao seu lado. Isso que ele era mais alto e tinha pernas mais longas.

Yoongi fez um som para indicar que apreciava a informação. Pelo menos agora não seria mais o ‘garoto que dorme no telhado.’

Os dois caminharam em silêncio até a padaria, algo que Yoongi apreciava pela hora. Quando finalmente chegaram, o mais novo pediu o lanche mais simples com uma água, o que o loiro achou um absurdo. Ele quem estava pagando e Taehyung nem pedia algo mais consistente?

Yoongi pegou um ramen.

Eles se sentaram em uma das mesinhas do lado de fora, apreciando o café da manhã deles antes de terem que sair correndo para suas respectivas aulas.

—Então...Eu sei seu nome, mas o que você faz?

—Major em psicologia e minor em medicina e química.

Yoongi ficou tão surpreso, que o macarrão escorregou de seus lábios de volta para o pote.

—Quantos anos você tem?

—Eu estou em um interrogatório? - Perguntou com um sorriso divertido, embalando o sanduíche dele. Havia comido pouco mais que a metade.

—Sim. Nas horas vagas sou um detetive que é pago para descobrir a vida dos outros. - Revirou os olhos, voltando a comer o ramen dele.

—Eu acho que você é seu próprio cliente dessa vez. - Taehyung acabou rindo alto do olhar que recebeu como resposta. -Mas eu tenho vinte.

—Shit. Você é mais novo do que eu e faz três cursos diferentes, ao mesmo tempo?!

—É...Um pouco impaciente para esperar e fazer duas faculdades. - Ele parecia voltar a ser um pouco mais calado, isolado do mundo, enquanto colocava a garrafinha dele dentro de sua mala, junto com o lanche embalado. Era como se ele estivesse guardando para mais tarde.

—Percebo. Você é muito novo para se jogar em uma situação assim, mas, eu não tenho nada haver com sua vida. - Deu de ombros, focando em terminar logo sua comida.

—Somos mesmo muito novos para decisões de vida? Eu acho que a vida é muito curta e imprevisível para estabelecermos um ritmo. - Yoongi quase engasgou de novo com o macarrão dele. -Muito obrigado pelo café da manhã, hyung. Espero nos encontrarmos de novo em um situação onde a gente não tenha que estar fugindo.

E com um sorriso morno, como se o verão não estivesse prestes a acabar, Taehyung foi embora.

Yoongi percebeu que estava conseguindo sentir o cheiro da pimenta de seu Ramen, apenas quando acabou espirrando pelo desconforto.

—/-

Taehyung não esperava que ele fosse realmente rever o mais velho, em uma situação melhor como havia dito. Entrar no laboratório de química no dia seguinte e descobrir que ele era seu novo parceiro de bancada.

—Bom dia! - Cumprimentou ele com o melhor sorriso, recebendo o olhar mais sonolento que já havia visto. E Taehyung já havia visto muitas expressões na vida dele.

—Como um dia pode ser bom antes das nove da manhã. - Isso fez o mais novo rir.

—Por que está fazendo bioquímica, hyung?

—Eu tinha que fazer uma matéria obrigatória da área de ciências e me joguei aqui achando que pegaria a turma da noite. Acabei em uma aula as sete da manha.

—Oh. - Taehyung começou a arrumar as coisas. Ele tinha um certo toque de como deixar os utensílios em cima da bancada. -A turma da noite fechou no semestre passado, sinto muito que não te informaram isso.

—Eu odeio a coordenação dessa faculdade. - O loiro resmungou sem tirar o rosto do mármore da bancada.

A aula foi interessante, por assim dizer. Taehyung tinha uma rotina na bancada dele, e justamente por isso era um dos poucos alunos sem um parceiro, além das notas altas e satisfatórias. Yoongi fez tudo para não ficar no caminho dele, optando pelas anotações enquanto ficava com a parte prática.

E Taehyung não sabia explicar como o loiro parecia se encaixar tão fácil ali, completar tão fácil essa parte que faltava. A sincronia deles, fazendo com que o projeto saísse na primeira tentativa de forma tão perfeita que nem o mais novo acreditava.

Talvez não fosse tão ruim assim ter um parceiro de bancada se fosse o loiro.

Quando a aula acabou e foram liberados para a próxima antes do almoço, não esperava Yoongi se despedir. Talvez fosse rude dele achar que o mais velho simplesmente faria o dele e iria embora sem reconhecer sua presença, mas era o que Taehyung estava acostumado em acontecer.

Outro sentimento inexplicável se instalou dentro de si, e se perguntava como poderia ser um bom aluno de psicologia sem entender o que acontecia com ele mesmo.

—/-

Yoongi queria jogar o mouse longe. Ele tinha um dia pra terminar o projeto que havia voltado e nada parecia o satisfazer.

—Você precisa de uma pausa, hyung.

O loiro lançou o olhar mais ameaçador para o garoto que estava largado no sofá, mexendo no celular com toda calma do mundo.

Infelizmente Changkyun já era imune ao seu mau humor.

—O que você está fazendo? - Yoongi desistiu, girando a cadeira para ficar de costas para o computador.

—Esperando o hyung terminar de gravar. Ele disse que ia me levar para almoçar no fast food novo que abriu no campus.

O loiro arqueou uma sobrancelha.

—E desde quando Kihyun tem dinheiro?

—Shhhh! - O mais novo finalmente se sentou no sofá, colocando o dedo sobre os lábios. -Não lembra que ele é pobre.

Com isso Yoongi deu a primeira risada sincera do dia, chegando a se jogar para trás na cadeira. Namjoon chegou de olhos arregalados na sala.

—Uou! Que milagre aconteceu durante minhas aulas da tarde?

—Não estrague tal milagre fazendo perguntas. - Changkyun jogou a almofada nele.

—Yah! Eu sou seu hyung também.

—Nem parece. - O mais novo fingiu voltar a dormir.

Essa era a rotina de Yoongi quando ele não estava em aulas obrigatórias ou teorias que ele achava completamente dispensável estando no penúltimo ano do curso. O estúdio era praticamente sua segunda casa e ele dividia com alguns amigos, que dividiam o mesmo sonho.

E ele tinha que parar de esquecer que independente do quão ruim seu dia era, ele tinha com quem contar. Que o pequeno ciclo social dele era um dos melhores, que ele podia confiar em qualquer um de olhos fechados. Ele batalhou para ter esses amigos especiais, e por isso ele era extremamente protetor com eles. Principalmente os mais novos.

E a imagem de Taehyung não deveria ter se unido a cabeça dele como se fosse alguém tão importante quanto os outros. Sacudiu a cabeça, voltando-se para o computador. Ele tinha um projeto para terminar e não podia deixar seus pensamentos vagarem para seu parceiro de bioquímica.

—/-

Taehyung desistiu de tentar entender o parágrafo que estava lendo, se esparramando na cadeira e observando em volta dele. Por estar prestes a fechar a biblioteca, havia ele, a moça responsável e mais dois alunos.

Ele não gostava que a biblioteca fechava cedo. Ela era quente, confortável, e ele passava todo o tempo livre dele ali. Se tivesse pelo menos mais uma hora, poderia tentar tirar um cochilo em um dos sofás confortáveis que tinha.

Mas hoje ele teria que dormir em outro lugar, o telhado estava sendo vigiado depois da noite anterior, em que descobriram a porta trancada pelo lado de fora. Por sorte nunca desconfiaram de Taehyung.

Por sorte ele morava em Seoul desde os 16 e já sabia onde poderia ir sem correr nenhum perigo.

Taehyung deixou um suspiro frustrado e decidiu que não renderia mais no estudo. Recolheu suas coisas, usando uma última vez o banheiro da faculdade antes de caminhar para o sentido oposto dos outros prédios, saindo do câmpus.

Ele não se diria sozinho. Ele tinha o céu, as estrelas e seus pensamentos. As noites eram calmas e davam espaço para respirar. Os dias eram voltados apenas ao estudo. E talvez agora um pequeno rapaz loiro dividindo bancada com ele.