Era só mais um dia. Talvez com um pouco mais de sorte porque eu havia conseguido um lugar no ônibus. Minhas pálpebras estavam pesadas devido ao sono e eu cheguei a encostar a minha cabeça em um cilindro metálico, porém, nem a superfície gelada me despertou para o dia.

O dia que pulsava ao meu redor com pessoas e seus estilos variados de roupas e conversas. Elas eram o dia. A vida. Pulsante ao meu redor, enquanto eu me afundava na escuridão sob as minhas pálpebras.

Não sei exatamente porquê, mas acabei por abrir os olhos quando o ônibus parou em um ponto qualquer. E aí eu vi você subir nele. E estava tão absurdamente linda que foi como se eu entrasse em transe. Como se cada parte adormecida em mim vibrasse: você era a vida.

Seus cabelos negros e lisos com as pontas levemente descoloridas. Seus óculos que por coincidência tinha o mesmo formato dos meus, redondos. A franja caída de uma forma bagunçada sobre a testa pálida.

Havia o mesmo batom vermelho em sua boca. Mas nem todas suas roupas eram pretas como de costume. Na verdade, você estava bem simples com aquele short azul claro, e o casaco marrom sobre a blusa desbotada.

Mas eu ainda assim me perdi em você. Me perdi em sua beleza.

— Ei, você está bem? – Perguntei espontaneamente, seus olhos encontram os meus, você se aproximou de mim e meu corpo se inclinou em súbita.

— Sobre o quê? – Seu olhar era distante, você sempre pareceu uma bagunça para mim. Como se nunca estivesse ali, mas sempre longe, perdida em algum canto de sua mente.

— Eu soube que passou mal na aula passada.

Ela deu de ombros e afirmou:

— Sim, eu me sinto envergonhada por ter chamado atenção.

Eu sorri, um pouco embriagada pela sua presença. E começamos a falar sobre vergonha e sobre não se importar pelo o que os outros acham.

Sabe, eu me apaixonei pela sua imagem que romantizei.

Não por você.

E eu me contradigo toda falando sobre isso porque, para ser sincera, eu te acho perdida demais, mesmo eu também sendo.

Acontece que o que é profundo para você, é leviano para mim. E meu paradoxo é que na verdade eu me apaixonei literalmente pela sua beleza. Por tudo aquilo superficial que mostra ao mundo. E quando você fala do seu universo, ele é absurdamente diferente do meu.  

Mas eu faria um quadro seu como se fosse a minha musa.  

Tiraria várias fotografias e as espalharia pela casa.

Com a sua beleza eu inventaria mil e uma personagens, cada uma com um traço específico seu, como as duas pintinhas que tem na orelha.

Eu me apaixonei pelas fotos que imaginei de nós duas juntas, como se fossemos um casal. Sua beleza padrão mas de certa forma peculiar, combinaria perfeitamente com meus traços distorcidos.

Já falaram uma vez, na fila da cantina: - Vocês deveriam se beijar.

Lembro que começou a rir completamente envergonhada e eu estraguei tudo dizendo que não ficava com amigas.

A verdade é que eu ficaria com você.

Eu beijaria a sua boca porque o contorno dela é lindo. Beijaria para manchar de vermelho os meus lábios ressecados. Eu beijaria você até a alma. Mesmo eu a achando um tanto pacata, mesmo eu achando sua cor tão difusa da minha. Como se não combinássemos.

Mas aí eu lembro do dia que fomos a uma festa da faculdade, e que bebemos vinho barato e você dançou em meu corpo. Eu não só lhe beijaria.

Eu amaria cada detalhe seu.

Provaria cada pedaço da sua pele e sentira o gosto do que é.

Mas aí eu me lembro de nossos papos. E da forma como você não se encaixa naquilo que procuro. Já foi o tempo que beleza era o suficiente para fazer com que eu quisesse ficar com alguém.

Hoje em dia eu só a olho e te admiro. Muito mesmo.

Mas não procuro um rosto bonito, eu procuro uma alma que combine com a minha.