Abiodun escrita por Ahelin
Notas iniciais do capítulo
Postando um pouquinho mais cedo do que o usual, olha eu aqui eee
O tema da terceira rodada é a música "Velha e Louca", da Mallu Magalhães. Nas nas finais, vou deixar explicadinho como eu encaixei um indie amorzinho numa história de dor e sofrimento fjsklf
Novamente, agradecimentos especiais à Anna, aquela linda.
Boa leitura!
Em três anos, Abiodun pertencera a três senhores. A estadia naquele paraíso era ainda pior do que a viagem até ele. Assim que chegara, lustraram-lhe os dentes com sabão forte, rasparam-lhe os longos cabelos que sua esposa costumava trançar com carinho e cobriram-lhe a pele com óleos e sebo de animais para que as marcas de sua antiga vida de guerreiro desaparecessem.
Os dias eram longos; e as noites, desassossegadas. Neles, esgotava-se realizando trabalhos pesados sob o sol, enquanto na escuridão, não descansava, temendo que seus filhos tivessem o mesmo destino.
Cabanas eram incendiadas e fugas eram ordenadas por outros que, como ele, não aceitavam seu cativeiro; mas os revoltosos sempre eram mortos, e quando capturados, eram torturados frente aos outros escravos como exemplo.
Não era tratado como homem, nem mesmo como animal; ali, era reles mercadoria, produto que servia para satisfazer as regalias e desejos concebidos pelo homem branco. Em pouco tempo, entendeu o significado atribuído à sua cor, aprendeu a obedecer para sobreviver, e descobriu o fardo de sua vida.
Em sua última moradia, conheceu Sirhan, que nascera em uma aldeia não muito distante da sua. Compartilhavam língua-mãe e religião, o que favoreceu a amizade que surgia. A única diferença entre eles era a visão cética de Sirhan perante o otimismo de Abiodun.
Sim, gastava cada segundo livre sonhando com o dia em que voltaria para sua casa; pois, ao contrário de muitos outros, conservava vivas suas esperanças.
— É inútil — censurava-lhe o amigo, sempre que tentava expor suas ideias.
— Hoje não, Sirhan — retrucava-o, recusando-se a deixar que o outro lhe tirasse seu raro riso torto.
Certa vez, durante uma comemoração noturna na Casa Grande, um homem adentrou a senzala carregando duas garrafas de vinho. Foi aplaudido por todos; a noite também seria de festa para eles.
Beberam, riram, ergueram a voz e cantaram, mesmo estando um tanto roucos. Naquele momento, suas diferenças não importavam, pois grandes dificuldades e um pouco de álcool, têm o poder de aproximar os mais distintos homens.
De madrugada, sentaram-se em torno da fogueira e contaram suas histórias. Ainda havia um pouco de vinho e quem pegasse a garrafa seria o falante da vez. Na vez de Abiodun, ele falou sobre sua esposa Ituri, sua pequena Lisha e seu amado Manu; além do amargo dia em que foi enganado e levado para aquele lugar. Descobriu que nem todos tiveram a mesma sorte; alguns foram simplesmente vendidos pelos chefes, carcereiros ou familiares.
— O que vai dizer para eles quando voltar sem nada? — perguntou-lhe um dos homens, debochando. Aparentemente, todos, exceto Abiodun, já tinham perdido a fé.
— Alguma mentira — respondeu, sem pestanejar. Não lhe importava o que achassem de suas crenças. — Que o país é lindo, que fiz bons amigos e tive bons momentos para toda uma vida; mas senti falta deles e voltei.
— Esqueça. Não há mais vida fora daqui — insinuou outro, em português.
— E você, Sirhan? — Abiodun ignorou o que ouviu e entregou a garrafa ao amigo a seu lado.
— Eu? — riu o homem que, concordando com seu nome, realmente parecia um lobo quando ria. — Hoje eu não sei de nada.
Deitaram-se pouco antes do sol nascer, mas nenhum deles se importava. A essa altura, aquelas histórias pareciam distantes como outras encarnações.
Ao amanhecer, corria o boato de que os senhores estavam furiosos com o roubo de uma enorme quantidade de vinho. Achariam o culpado e ele seria punido. Todos tremeram quando um homem foi jogado no chão em frente às cabanas.
As costas de Sirhan estavam rasgadas pelo chicote e ele gemia de dor. Abiodun correu, ajoelhou-se e virou o amigo que respirava com dificuldade. Seu pescoço tinha marcas de corda e seu abdome estava retalhado. Logo, a última centelha de vida em seus olhos se foi, e sua voz ressoou na mente conturbada do outro.
É inútil.
Ele não conteve as lágrimas. Estava mais decidido do que nunca a escapar daquele inferno.
— Hoje não, Sirhan — proferiu, levantando-se e atirando uma pedra no assassino. Tudo que conseguiu com o ataque de raiva foi um forte soco no rosto, que o derrubou.
— Escravo nojento! — disse o branco, caminhando para longe.
Abiodun cuspiu e o líquido vermelho manchou seus lábios.
Naquela noite, fugiria do paraíso.
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E aí? Diz aí o que achou, eu tô bem insegura fjsklf
Bom, independente do resultado dessa rodada, ganhando ou perdendo, esse é o penúltimo capítulo da história. Deus queira que eu arranje força de vontade pra continuar se for eliminada né, vamo na fé
Agora, hora da história! Na minha interpretação, a música tem uma visão otimista do mundo e das situações, e foi essa visão que eu tentei passar por meio do Abiodun. Algumas passagens específicas também serviram de inspiração, como "nem vem tirar meu riso torto com conselho // pode falar que eu não ligo // pode falar, não importa" (no modo como ele se mantém firme nas suas crenças mesmo quando tudo e todos apontam que ele está errado), "levanto a voz e canto/ mesmo que um tanto rouca" (como eles conseguiram aproveitar um momento de alegria em meio a tudo que estava acontecendo), além do trocadilho com o sangue na boca dele ("hoje eu passei batom vermelho") que foi inevitável c:
Então, foi isso. Obrigada e boa sorte pra mim ♡