Time Web escrita por Mabée


Capítulo 9
Capítulo 9 - Pausa


Notas iniciais do capítulo

Ontem foi meu aniversário. Aceito parabéns atrasados



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Peony caminhava pelas ruas de Nova York com passos calmos, aproveitando a brisa matinal e os pensamentos que rodeavam sua cabeça. Não tinha como definir o que ela sentia após ter feito sua "boa ação", como ela gostava de chamar. Seu coração parecia aquecer-se a cada batida e seu corpo estava relaxado com nunca antes.

Sua personalidade sempre fora forte — sua mãe costumava chamá-la de Bravinha — e ela sabia que puxara do pai. Não era algo que a incomodava, toda a teimosia e arrogância, apesar de às vezes parecer um método de defesa criado inconscientemente para sobreviver no mundo. Peony sempre soube que os mais duros na queda eram os que alcançavam o sucesso, e sempre focou muito na área do futuro, não tendo tempo para amizades.

Mas agora ela sentia-se satisfeita por estar balanceando bem sua vida. Parecia que uma onda de maturidade navegava em sua corrente sanguínea, agitando seu corpo. A situação podia ser pequena, mas para ela, significava muito. Evoluções, certo?! Primeiro foi Gwen, que caiu do céu e infiltrou-se em sua vida, mas não provocava desprezo da parte da outra; e agora era Peter, que lhe trazia conforto e uma sensação ótima de companhia.

Talvez eu consiga chegar no Harry um dia, pensou ela, seguindo o raciocínio.

Não que eles tivessem conversado muito anteriormente, ou trocado sorrisos por onde se trombavam, mas Peony não conseguia não o admirar. Era como se tudo que ela quisesse na vida ele já tivesse, e isso a impressionava. Sucesso. Por ser um Osborn, ele já estaria comandando a empresa fundada pelo pai apenas pelo legado. Peony não via isso como interesse, mas apreciava pessoas com ambições e que seguiam seu futuro desde cedo, algo que não era tão comum.

Ela não sabia dizer o porquê, mas algo nos olhos verdes de Harry a hipnotizava. Era como se ela não pudesse desgrudar os seus próprios, ou quebraria o encanto. Por mais que ele não tivesse a notado anteriormente, a garota não conseguia evitar. Não que ela sentisse algo por ele, claro. Aliás, ela não tinha tempo para isso.

A garota passou por uma padaria e comprou um croissant e o comeu enquanto seguia pelas ruas. Sua cabeça doía um tanto por ter ficado acordada até tarde vendo Star Wars pela quinquagésima vez, e o barulho do trânsito ao seu lado não ajudava muito. A garota bocejou e caçou pelos fones de ouvido na mochila, plugando no celular e selecionando sua playlist favorita, deixando no aleatório. Nos pequenos fones, a batida leve de uma música do The Fray começou a soar enquanto ela seguia o trajeto.

Assim que acabou o croissant, jogou a embalagem em uma lata de lixo e enfiou as mãos nos bolsos frontais do moletom amarrotado e respirou fundo a brisa fria que lhe gelou os pulmões. Quando a música estava chegando no refrão, seus ouvidos deixaram de captar o som e a garota ficou confusa, tirando o celular do bolso e tocando na tela, vendo que não funcionava. Vendo que a bateria provavelmente havia acabado, colocou os dedos delicadamente nos ouvidos, na intenção de tirar os fones, quando viu que o cenário ao seu redor também estava silencioso, e o mais curioso, parado.

Literalmente parado.

Peony olhou ao redor vendo a rua completamente parada, os carros nas mesmas posições, pessoas congeladas em seus lugares, pássaros presos no ar. Sentindo uma pontada na nuca, a garota guardou os fones de ouvido e deu alguns passos para frente, testando para ver se ela conseguia se mover, e ela conseguia. A garota tentou correr até uma mulher que parecia estar caminhando na calçada antes de ter sido completamente congelada, tocando-lhe o ombro para ver se recebia algum movimento. Nada. Peony conseguia tocar em seu casaco, até mesmo segurá-lo, mas nada fazia com que a mulher se movesse. Passando a mão à frente de seus olhos, também não notou nenhum sinal.

Isso até o momento em que ela escutou uma cantoria baixa, como se fosse uma voz indistinguível que soava fundo em seus ouvidos, aproximando-se cada vez mais. A garota chacoalhou a cabeça e tentou dar-se alguns tapas no rosto para ver se acordava do tal sonho, sem sucesso. De repente, algo surgiu em seu campo de visão e lhe atraiu a atenção de modo obsceno.

Parecia que o cenário havia se tornado um quadro semi-pronto e alguém passou uma pincelada contínua e rápida em tons de verde fluorescente. Era como se as faixas verdes estivessem indicando algum caminho, e a cantoria já estava começando a assustá-la. A garota respirou fundo tentando se acalmar e olhou para baixo, vendo o colar que brilhava com intensidade, lhe deixando ainda mais intrigada. Ela analisou bem o ouro velho e percebeu que a cantoria parecia vir de dentro.

Olhando novamente para a frente, decidiu seguir o caminho das linhas flutuantes verdes. Aquilo tudo era muito misterioso, causando-lhe sempre a sensação de curiosidade e medo, não sendo uma boa mistura. Os pés pareceram criar vida própria e a garota já sentia o croissant revirando no estômago, mas ela respirou fundo e seguiu o caminho.

À medida que caminhava, a música parecia ficar mais alta, causando ainda mais nervosismo em seu sistema. A jovem já havia cruzado ao menos cinco quarteirões diferentes, mas a caminhada não pareceu tão longa assim que chegou ao fim da linha. O verde fluorescente agora finalizava em uma esfera que se movimentava no ar, não parando ali por acaso. A "chegada" estava em frente à um prédio que não parecia ser muito frequentado, tendo poucos andares e poeira em cada um de seus parapeitos. Alguns degraus guiavam à porta de madeira que descascava e ninguém ao redor parecia notar o casarão, ou já estavam acostumados.

Com os dedos tremendo e o estômago ainda embrulhado, a jovem tentou dar meia-volta, mas parecia que uma força sobrenatural a puxava para frente, e nada que ela fizesse podia evitar. Quando Peony percebeu, já estava empurrando a porta que rangeu lentamente, sobressaindo no barulho da cantoria que havia chegado em um tom tão alto que doía a cabeça da jovem. Dentro do aposento não havia um único traço de luz, e após dar um passo para frente, a porta fechou-se em um único movimento, fazendo com que todos os ossos de seu corpo saltassem.

Agora com todos os pelos arrepiados, a garota abraçou seu torso enquanto esperava que alguma luz acendesse, preparando-se para qualquer espécie de combate. A curiosidade matou o gato, pensou ela. A cantoria estava mais clara agora, soando em apenas um jogo de tons de voz, mas sem dizer nada, e isso estava começando a deixá-la louca. A jovem aproximou-se de onde tinha como referência a parede e procurou por algum interruptor, até o momento em que ouviu um barulho de rachadura.

Seu corpo congelou e ela não sabia o que fazer. Ela sentiu o chão tremer e ouviu barulho de coisas caindo, só então a garota percebeu o que estava acontecendo. Seu desespero tornou-se ainda maior, e ela caminhava de lateral para procurar algo em que pudesse se agarrar para que não caísse do abismo que se formava. A cantoria cessou e o tremor tornou-se ainda maior, agora mexendo até com as batidas de seu coração.

Quando Peony sentiu algo na parede, já era tarde demais. Suas palmas suadas deslizaram da superfície que ela não conseguira identificar e a garota estava em queda. O vendo batia contra seu corpo, trazendo arrepios que lhe percorriam a espinha toda e fazia seu estômago querer mandar embora qualquer resquício de comida que estivesse ali dentro. A garota sentiu um grito escapar pela garganta e jogou os braços para o alto, em movimentos desesperados.

Aguardando a queda, a garota frustrou-se quando o vento cessou, e ela não estava mais no ar. Seu corpo não se chocou contra o chão nem nada do tipo, na verdade, foi ainda mais estranho. Era como se, antes de tombar totalmente, a velocidade total havia parado e ela havia caído sentada sem machucar um músculo. Mais parecia que uma aura mágica estivesse envolvendo seu corpo e fazendo com que sua aterrissagem fosse perfeita. Seu coração ainda estava acelerado e seus braços tremiam, mal conseguindo suportar o peso do torço, falhando a cada respiração.

De repente, foi como se vários holofotes fossem ligados ao mesmo tempo, todos iluminando a garota diretamente. Com a traseira da mão, a jovem tapou os olhos ainda sensíveis pelo tempo passado no escuro e ela tentou espiar para ver o que havia ocorrido. Só então percebeu que estava rodeada de vários montes de objetos de ouro velho que refletiam uma única luz que vinha de cima, fazendo o efeito da iluminação forte. Assim que a jovem se acostumou, levantou-se lentamente, firmando as pernas para que pudesse olhar ao redor.

Era absurdo! Todos os objetos ali deveriam valer horrores. Peony encontrou todos os tipos de coisas que podiam ser feitas por ouro velho, desde joias até cálices e sapatos. A garota viu objetos que ela jamais imaginaria que poderiam ser feitos do tal material, mas tudo isso lhe trazia certa familiaridade. O ambiente tinha cheiro de lojas de relíquias e metal, lhe trazendo uma leve coceira ao nariz, talvez pela poeira que estava sendo acumulada ali. Peony estava cercada por um forte de apenas objetos de ouro velho e não tinha escapatória, então ela sentiu-se insegura do que fazer em seguida. Escalar? Saltar? Cavar?

               — Não daria certo — soou uma voz atrás de si.

A garota saltou de susto e virou-se no mesmo instante. Assim que estava completamente de frente com o dono da voz, seus arrepios voltaram e ela sentira vontade de fugir. É mais um sonho, certo? Eu estou desmaiada?

               — Você está acordada — afirmou o homem.

Peony o encarou com os olhos arregalados, surpresa com o que ele dizia.

               — O que…? Você está…

               — Lendo sua mente? — Questionou ele. — Sim, eu estou.

               — C-Como…

               — Logo você entenderá, Peony.

Ela não teve coragem para questionar como ele sabia seu nome, mal conseguia se mover ali, estranhando toda a situação. Sua voz era mais clara agora, e a forma física parecia mais real do que nos sonhos que ela teve anteriormente. Sua pele era tão clara quanto a neve que pousava em sua janela em dias de inverno e os olhos tão negros quanto o escuro que antes a rodeava. Algo nele parecia familiar, não pelos sonhos, mas algo que ela não conseguia associar direito. Seu corpo alto estava coberto por uma túnica escura com traçados dourados que reluziam junto do ouro velho atrás de si. Em sua cabeça, não havia um único fio de cabelo, e o rosto ossudo a assustava.

               — Eu te trouxe até aqui — ele afirmou. — Já estava na hora de nos conhecermos.

               — Por que? — Questionou a garota, mais confusa do que nunca, mal conseguindo desgrudar os olhos do homem. — Eu não tenho a mínima ideia de quem você é, por que deveríamos nos conhecer?

               — Às vezes estamos associados a pessoas que sequer conhecemos, e mesmo assim deveríamos em um futuro indefinido. Você não me conhece, mas sente que sim, certo? — Questionou ele e a garota quis negar, mas não se sentiu confortável mentindo. — Sei que está cheia das dúvidas, mas por favor, deixe-me terminar de falar para que possa perguntá-las.

Assentindo novamente, Peony umedeceu os lábios e sentiu uma onda de calma inundar seu corpo. Com um movimento rápido, o homem ergueu as mãos e todo os montes de objetos de ouro velho ergueram-se, formando uma cúpula flutuante ao redor deles, intactos enquanto pairavam no ar. Os olhos da jovem encheram-se de encanto ao ver tudo aquilo que ela nunca imaginou que veria na vida logo em sua frente. O homem aproximou-se da parede de objetos e movimentou a mão, fazendo-a girar lentamente.

               — Antigamente, quando sequer existiam crenças, as pessoas viviam em caos. Eram doenças atrás de doenças e mortes inexplicáveis, tudo guiado por situações que jamais foram registradas por conta de não serem visíveis. As pessoas acreditavam no que queriam e tratavam certos atos como acreditavam em grande maioria, não partindo para o lado bom.

"A natureza sempre fez parte da humanidade, por mais que os mortais sempre insistiram em destruí-la, mal sabendo que estavam destruindo a si mesmos. As trevas são reais, assim como a luz, mas suas influências existiam em forças tão grandes e viviam mescladas em uma balança natural, formando as emoções. Poderes foram guiados àqueles que acreditavam nas forças naturais e não duvidavam destas, e estes se juntavam em pequenos grupos para poder unir as habilidades concebidas e tornar os lugares mais seguros para a humanidade, tratando dos cinco elementos: espírito, ar, terra, fogo e água. Os que questionavam não acabaram sendo premiados, e tornaram-se rancorosos, juntando-se contra os de fé em grupos ainda maiores, como sempre foi, criando rumores sobre bruxaria e fazendo as crenças serem ridicularizadas em multidão. Mas eram estas crenças que salvavam a humanidade do caos"

"Você já deve ter aprendido que bruxaria não eram boa coisa. As pessoas costumavam queimar em estacas aqueles que consideravam bruxas, mesmo que não prejudicassem a ninguém. A natureza nos deu a sabedoria para usar nossos poderes e nos trouxe dádivas como relíquias poderosas e protetores que cuidariam de nossas vidas, mas o fogo sempre fora um inimigo. O único fenômeno capaz de matar uma região natural por inteiro sempre fora a chama, e isso nunca mudou. Os questionadores sabiam, e por inveja, atiçavam fogo naqueles que capturavam."

"Ganhamos um nome, Wicca, e fugíamos cada vez mais do mal humano. Nossos poderes envolviam tudo que estivesse dentro dos cinco elementos, mas o fogo não era uma opção. Ninguém tinha controle dele, e era impossível ter a habilidade que controlasse a chama, tendo apenas uma única exceção; quem tivesse o livro Chave. Em toda nossa história, sempre visamos as práticas wiccanas a partir da escrita, aprendendo a manusear as habilidades a partir dos tutoriais, mas havia apenas um livro que ninguém sabia onde encontrar, e esse era o Chave. Quando este caísse em mãos perigosas, o mundo estaria perdido, então prezávamos para que a natureza o escondesse bem, e se achado, que fosse por alguém que tivesse cuidados. Foi quando o céu se tornou sombrio e as pragas começaram a surgir na Europa que soubemos que o livro havia sido achado. Então veio o incêndio de Roma, em que Nero fora o grande culpado, apesar de não ter sido ele. Desde então, as chamas tornaram-se tão grandes que outra habilidade fora aprendida: a chama verde."

"Apesar de termos traços célticos em nossa história, a prática da adoração de nossos deuses é um mito. Acreditamos nestes, e somos gratos pela natureza, mas nossa adoração é essencialmente voltada aos elementos naturais, os quais guardamos com cuidado. E assim que houve as destruições causadas pelas chamas verdes, muitos de nós foram aprisionados e queimados pela chama natural, fazendo nosso coven perder o número cada vez mais. O que já foram mais de dez mil espalhados, agora sobraram apenas doze que andam juntos."

"E aqui entra o livro chave, pego por uma alma que um dia já fora boa, mas nunca presenteada pela natureza. Os dedos puros que folheavam as páginas tornaram-se podres, e os olhos inocentes tornaram-se vingativos, agora sob o poder maligno. Essa alma, não satisfeita, juntou mais questionadores e criou seu próprio grupo, agindo sob a influência das trevas que já não mais balanceavam na vida natural. Então os mais poderosos começaram a perder suas vidas, e fenômenos inéditos passaram a ocorrer, resultando em situações que você jamais compreenderia, e outras que você compreenderia até demais."

               — Hm… certo? — A garota mordeu o lábio inferior enquanto raciocinava tudo que havia sido dito. — E onde que eu entro nisso?

               — Seu papel entra após uma compreensão para a qual você ainda não está preparada, Peony — afirmou o homem. — Mas você já deve ter percebido que há dons dentro de si que os outros ao seu redor não possuem.

               — Então eu sou uma dos presentados? — A garota sentiu um nó formar-se na garganta. Onde eu me meti?!

               — Não. Estes são limitados. Foram apenas os que nasceram nos séculos em que a natureza escolhera. Após aquilo, não houveram mais presenteados.

               — Eu não estou entendendo nada…

O homem fez um sinal com o dedo e uma pequena caixa veio até suas mãos, brilhando por ser de ouro velho e tendo desenhos verdes na tampa. Ela flutuava acima de suas palmas e ele parecia normal ao ver aquilo, como se já lhe fosse comum.

               — As relíquias passam de famílias e famílias, entregues pelos presenteados, e têm como objetivo carregar forças naturais que protegem das trevas. Estas que estão aqui ainda não estão em seus momentos para ser dadas, como essa caixa, que será entregue à uma família daqui a cem anos — afirmou o homem, mandando a caixa para o lugar anterior. — Em seu pescoço há outro exemplo de relíquia.

               — Eu achei nas coisas de minha mãe, isso não é meu, pode pegar de volta — a garota retirou o colar e deixou o pingente de cubo pairar no ar enquanto ela oferecia ao homem. — Sério, eu não quero causar problemas com a… natureza, ou trevas, nem nada. Pode levar. Eu não me incomodo.

O homem retirou os lábios da linha reta e séria e trocou por um curto sorriso que a deixou ainda mais nervosa.

               — Há casos em que as relíquias são encontradas depois da hora. Este colar deveria ser seu a partir do momento em que você nasceu — afirmou ele. — Essa é a sua relíquia, Peony. Passada de geração em geração.

               — Eu não quero estar envolvida nisso, sério — ela insistiu.

               — Não cabe a você escolher — o homem comentou, agora tirando o sorriso do rosto e aderindo um tom mais sério que chegou a assustá-la. — Você não está aqui por sua vontade própria, Peony. Você está aqui porque eu te chamei.

               — Mas… por que eu? — A garota tinha a voz trêmula ao perguntar.

               — Ainda não está na hora de saber o porquê — disse ele. — Sei que deve ser muita coisa à ser processada no momento, mas precisarei de sua ajuda.

               — Você só pode estar brincando comigo. Eu não tenho a mínima ideia do que você diz e não tenho interesse também. Fique com as forças da natureza e do Universo e cuide bem delas — a garota deu meia-volta para sair.

Quando ela apressou os passos, toda a parede de objetos desabou, fazendo um barulho estrondoso ao seu redor. A jovem nunca se sentiu tão amedrontada em toda sua vida, e recusava-se à olhar para trás.

               — Eu não exijo nada de você, Peony — disse o homem atrás dela. A jovem ousou olhar por cima do ombro, seus dedos trêmulos. — Só peço para que me escute.

               — Você já disse muito, senhor. Não sei se é realmente necessário…

               — É, acredite em mim — ele respirou fundo e a jovem virou-se por inteiro. — Quando certas coisas acontecem com você, eu sinto através de um laço que eu criei. É como uma dor de agulhadas infinitas por todo meu corpo, e lhe garanto, não é bom. Todos esses sonhos que você andou tendo, eu os criei, mostrando-lhe.

               — Eram cenas criadas? Nada daquilo aconteceu? — Questionou a garota.

O homem hesitou durante alguns segundos.

               — Não. — Ele respondeu. — Nada daquilo aconteceu de verdade. Minha intenção era mostrar a você algumas coisas que temos em comum.

               — Tipo…?

               — Ainda não posso dizer. Mas logo você descobrirá.

               — Quando é logo?

               — Logo. — Ele disse e abriu outro curto sorriso.

               — Eu não sei seu nome — a jovem pensou alto e arrependeu-se em seguida.

               — Eu me chamo Halztroc — respondeu ele.

               — Bom, Halztroc, prossiga. Eu tenho horário para voltar para casa.

O homem jogou a cabeça para trás enquanto ria, fazendo com que Peony se sentisse insultada, e isso era a única coisa que ela deplorava na vida — com exceção de várias outras.

               — O tempo real não é afetado aqui — respondeu ele.

               — Claro que é — ela retrucou, revirando os olhos.

               — Não. Como eu disse, alguns presentados tem a habilidade de controlar elementos naturais, e aqui é uma dimensão onde o tempo real não é afetado — Halztroc cruzou os braços. — Estamos parados.

               — Não faz sentido.

               — Porque sua cabeça não está aberta para estas informações — ele respondeu.

               — Então você pausa o tempo?

               — Ainda não…

               — … não cabe a mim essa informação. — A jovem revirou os olhos mais uma vez, já irritada.

               — Enfim, o único favor que eu te peço é para que quebremos o laço. A conexão foi estabelecida há muito tempo e agora já não é mais necessária — o homem descruzou os braços e fez um movimento com as mãos, trazendo uma tesoura de ouro velho até suas palmas.

               — Você vai literalmente cortar o laço? — Peony arqueou as sobrancelhas, analisando a situação.

               — Sim. Para que eu não sinta mais dor.

               — Mas você sente dores quando eu faço o quê, exatamente?

               — Quando você prevê o futuro — afirmou ele.

Prever o futuro?

A jovem parou para pensar e tentar entender o que ele havia dado como interpretação daquilo, e sua ficha caiu como uma tonelada em sua cabeça. Aqueles momentos que ela costumava ter em que toda uma cena que aconteceria mais tarde eram previsões. Peony nunca havia se preocupado em denominá-las, ou pesquisar mais afundo, apesar de sentir que não era comum, e agora, ouvindo que seus eventos eram previsões do futuro a assustou de um modo horripilante.

               — Eu não faço por querer — ela disse, afastando-se um tanto. — C-Como você sabe disso?

               — Como eu já disse, eu sinto. E caso não tenha percebido, a conexão permite com que eu leia sua mente — ele pareceu ter parado para pensar durante alguns segundos, em seguida abrindo outro curto sorriso. — Aliás, obrigado pelos comentários ofensivos de meu rosto.

               — Não há de quê — a jovem revirou os olhos. — Bem, se servir de alguma ajuda, pode cortar o laço.

O homem então fechou os olhos e concentrou-se. A tesoura passou a levitar sobre suas palmas enquanto ele citava palavras de uma linguagem desconhecida para a jovem, até o momento em que ele abriu os olhos e pegou no ouro velho, abrindo as duas lâminas e posicionando entre eles. Peony olhou para o espaço entre os dois e percebeu que a mesma luz verde fluorescente que ela havia seguido estava ali, e perguntou-se se aquilo era a conexão entre os dois.

Halztroc cortou a luz com um rápido movimento e Peony sentiu uma leve dor na nuca, mas nada grave. Respirando fundo e parecendo aliviado, o homem mandou a tesoura de volta à um dos montes ao seu redor e cruzou os braços novamente, dizendo:

               — Você já pode ir — disse ele.

               — E minhas dúvidas? — Insistiu a garota, frustrada.

               — Não cabe a você esse tipo de informação — respondeu o homem.

A garota tentou argumentar contra, mas uma força a jogou para frente, levando-a até uma porta que não estava naquele lugar. Tudo ao seu redor era um vazio negro, e apenas a luz saía do aro e mostrava a cidade de Nova York. Assim que a jovem já estava do lado de fora, a porta fechou-se em um grande estrondo e ela virou-se, vendo que a cidade ainda estava congelada.

Não demorou dois segundos para descongelar e todos os cidadãos voltaram aos afazeres de suas correrias diárias na cidade grande. Assustada, Peony chacoalhou a cabeça e olhou para a porta em sua frente, nervosa. Com um grande impulso, empurrou-a e caminhou para dentro, com passos raivosos e frustrados da situação da qual ela havia acabado de sair. Aquilo tudo fora tão ridículo que ela mal podia acreditar que havia realmente acontecido.

O problema foi que quando a garota adentrou o local, deparou-se com um depósito cheio de caixas, e nenhum sinal de Halztroc.

[…]

Assim que Peony colocou o pé dentro de sua casa, seu pai desceu as escadas em passos largos para chegar mais rápido. O homem aproximou-se da garota e parou com as mãos sobre os joelhos, ofegante. A jovem sorriu ao ver a situação e colocou os dedos sobre o ombro do mais velho, o acalmando.

               — Não vou dar nenhum sermão porque você já sabe o que é para fazer na próxima vez — ele afirmou, recompondo-se.

               — Sim, pai — ela sorriu.

               — Mas eu estou curioso — ele respirou fundo e caminhou até a geladeira, pegando uma garrafa d'água. — Você nunca mencionou nenhum garoto. Quem é esse, afinal?

               — Ele é da escola — Peony sentou-se no sofá e cruzou as pernas.

               — Ele é seu namorado? — Perguntou o homem.

No mesmo instante, a garota sentiu como se fosse cair do sofá e sua cabeça girou a 180°, as duas sobrancelhas arqueadas e todos seus argumentos de defesa na ponta da língua.

               — Claro que não, pai! Eu não tenho tempo para isso! — A jovem afirmou, levantando-se do sofá e pegando a mochila. — Céus, você está louco!

Subindo as escadas em passos pesados, ela apenas escutou o homem rindo atrás de si. Revirando os olhos, adentrou o próprio quarto e fechou a porta enquanto colocava a mochila ao lado e se jogava na cama.

Após tudo que lhe havia ocorrido, ela sentiu a necessidade de parar alguns minutos em silêncio para refletir. Halztroc queria apenas cortar um laço, era de um grupo Wicca e lhe explicou toda a história por trás dos cultos. A jovem ouviu atentamente, mas estava sempre com o pé atrás, amedrontada que ele fosse lançar uma magia obscura contra ela e mandá-la para uma outra dimensão. Digo, o cara conseguiu parar o tempo!

Minha intenção era mostrar a você algumas coisas que temos em comum.

Ela parou para analisar todos os sonhos que teve nos últimos tempos. O primeiro fora o da tempestade e ela em meio à avenida principal do Queens com vários equipamentos de luta além dos machucados, e o segundo fora sobre o ritual no lugar parecido com o que ela havia estado anteriormente. O que aquilo poderia mostrar que eles tinham em comum?

Então ela se lembrou sobre o que Halztroc havia mencionado sobre as relíquias, e ela tocou o colar que estava apagado há um bom tempo. Seus dedos traçaram os detalhes que costumavam reluzir quando tinham vontade e ela desistiu de tentar, deixando o cordão cair sobre o peito novamente.

A garota levantou-se da cama, também desistindo dos pensamentos que não conseguia associar à nada. Isso a frustrou de modo absurdo, já que seu trabalho na Terra como jornalista era montar matérias baseadas em fatos concretos, e nada que ela tinha no momento era concreto. Tudo era flexível, e ela não sabia até onde podia esticar. Peony sentou-se à escrivaninha e seus olhos captaram algo que ela havia deixado de lado anteriormente.

Ali no canto estavam os cadernos que ela havia encontrado na caixa de enfeites de natal algum tempo antes. Eram os manuscritos de sua mãe, lugar em que ela costumava escrever sentimentos, canções, poemas e descontar a raiva em rabiscos, Peony imaginava. Ela pegou o primeiro da pequena pilha e colocou-o aberto sobre a superfície, seus dedos traçando as linhas pesadas escritas à caneta e ela tentou sentir a sensação de sua mãe deslizando as mãos sobre as folhas.

A jovem fechou os olhos e respirou fundo, lembrando-se das vezes em que havia visto a mulher pintando quadros enquanto seu pincel deslizava em movimentos rápidos e infinitos sobre a tela. As tintas colorindo cada uma das pétalas das flores que foram colocadas no jardim imaginário, e sem perceber, Peony movimentava as mãos tentando copiar a cena em sua mente.

Sua mão esbarrou contra algo que estava na escrivaninha e ela abriu os olhos de imediato, percebendo que havia derrubado a caneta que ali repousava, tendo café velho até um terço de seu interior. E quando ela viu, já era tarde demais; havia tinta da substância molhando as páginas do pequeno caderno e sujando as evidências de que sua mãe já esteve ali um dia.

Merda. Às vezes eu só queria voltar no tempo.

A jovem fixou o olhar na caneca querendo jogá-la pela janela, mas respirou fundo e concentrou-se em acalmar os nervos para não fazer besteira. Uma sensação estranha começou a surgir em seu estômago e pareceu percorrer a espinha, e a garota se assustou. Logo, havia uma dor pulsante atrás dos olhos, como uma dor de cabeça daquelas que costumava ter, porém, mais fraca, e quando ela percebeu, a caneca estava de volta ao lugar e não havia mancha nenhuma. O caderno aberto na mesma página dos traços, agora, intacto.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo ficou um tanto enrolado e preso na Peony, mas era só para dar esse ênfase que virá a seguir. Até mais!



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