Time Web escrita por Mabée


Capítulo 12
Capítulo 12 - Recuperação




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Seu peito ainda estava agitado por conta do pânico recente, mas ele procurou aquietar-se e espreitou-se ao muro do prédio, tentando captar qualquer traço da cena que se passava no beco escuro e abandonado.

Ou quase abandonado.

Ali estava um traje que ele era familiar com. Aquela mesma túnica ficou em sua mente durante dias quando o sujeito sem noção invadiu o refeitório sem pedir licença, cortando qualquer tipo de fila mesmo sem pegar seu almoço. Era aquele mesmo tecido, preto com detalhes dourados, que o assombrou em seus pesadelos anteriores, trazendo-lhe o anseio de descobrir quem seria este tal.

O sujeito estava virado de costas para Peter, encarando o muro com as mãos erguidas acima da cabeça e fazendo movimentos que pareciam levar força. Foi quando o chão começou a tremer e, em consequência, tremeu o prédio. O garoto sentiu arrepios percorrerem o corpo assim que escutou o barulho de vidro quebrando no mesmo instante e seus pés saltando sobre o concreto. Apoiando-se ao parapeito, Peter inclinou-se um tanto para observar o que podia estar ocorrendo e levou seu segundo susto.

Um portal.

Ele nunca havia visto nada parecido, ou com qualquer similaridade ao que seus olhos captavam. O sujeito ainda de costas rodava as mãos em movimentos bizarros e recitava palavras de uma língua que mais soava como sussurros indefinidos enquanto um grande aro retangular surgia do nada em sua frente. Faíscas verdes fluorescentes saltavam e atingiam o chão, dissipando-se e intrigando o garoto que, em um pequeno canto, observava tudo. Foi quando o portal fora terminado e o resultado era como se fosse uma grande porta verde que se movia com raios de luz que mais pareciam como a iluminação de festa, e o chão parou de tremer.

O garoto mordeu o lábio inferior e lembrou-se do momento infame em que havia visto o tal sujeito pela primeira vez; as mesmas chamas verdes que apareciam sobre seus dedos sendo as do portal. E tudo só piorou quando ele levantou ambas as mãos pálidas e começou a falar:

               — Mãe Terra, Pai Céu, Caminho do Meio, eu os convoco para que seus poderes sejam unidos em um só lugar, caindo em raios de luz sobre meu espírito e fornecendo força à minha aura — cada palavra citada soava como os trechos de uma poesia, mas Peter continuou intrigado e inclinou-se ainda mais. — Depositem-se em mim, não em formas naturais que foram originadas, mas como a pior, as trevas, inundando-me e transformando minhas mãos capazes de controlá-las. Eis o que preciso; o tempo.

Peter respirou fundo enquanto tentava ajustar seu sensor-aranha, mas sem muito sucesso, passou a ignorar. Tudo já estava estranho demais para Peter — caso ainda não desse para perceber — e só piorou quando uma voz grave ecoou por todo o bloco, parecendo sair do portal.

               — Você anda sobre caminhos perigosos, Haljörd. Linhas curtas e finas sobre as quais cambaleia, mas segue mesmo assim. Tornou a Natureza sua prisioneira e espera respostas; mas nem a Natureza possui todas as palavras — a voz parecia estar dentro da cabeça de Peter, mais um motivo que o alarmou. — O tempo se esconde e a habilidade de encontrá-lo nunca fora um aprendizado.

               — Me ajude, já me ajudastes antes, por que não agora? Tenho o conhecimento de que sabes algo que não pode me dizer, mas como disse antes, fiz da Natureza minha prisioneira. — O homem seguia com as palavras calmas e conservadoras. — Já me destes os sinais de que está em um corpo jovem, este que não possui conhecimento do dom, mas eu preciso encontrá-lo para fazer de mim completo.

               — As informações foram vagas pois não há quem saiba, Haljörd. Sabemos que teu irmão passou o dom do tempo para um corpo jovem, mas o Universo não trabalha assim. Quem quer que seja o portador, ou manipula bem seu poder ou não sabe sobre o tal.

               — Minha Senhora, eu exijo

               — Você não pode exigir de minha alma, Haljörd. A conversa está finalizada — a voz ecoou uma última vez e o tremor voltou.

Peter agarrou-se ao parapeito para que não caísse e seguiu a observar a cena, vendo o portal se fechar em uma única chama verde e deixar o sujeito só no escuro. Foi quando um grito histérico soou no ar e o homem olhou para cima, seus olhos brancos focando diretamente no garoto.

Foi aí que ele gelou.

Haljörd — como o garoto havia acabado de aprender — levantou uma das mãos e uma bola de fogo verde veio em sua direção em um piscar de olhos. O moreno saltou para trás, desviando, e viu o estrago formado no parapeito ao ser atingido pelas chamas; não era bom. Seu peito voltou a pesar e o garoto virou-se no mesmo instante, procurando correr sobre os telhados dos prédios para fugir.

Quando uma segunda bola de chamas passou voando na lateral de sua cabeça e queimando a borda de seu capuz, Peter soltou um curto grito de desespero e virou-se rapidamente, encontrando o homem sobre uma chaminé agora, focando diretamente seu olhar na figura assustada do garoto. Os olhos brancos e sombrios pousados sobre ele e as cicatrizes marcando a pele pálida foram iluminadas devido à chama verde.

Peter não conseguia pensar direito, mas agiu de impulso quando a terceira bola de fogo veio em sua direção e ele saltou no espaço entre dos prédios, caindo no beco escuro sobre uma caçamba de lixo.

               — Cara… — reclamou ao ter afundado o traseiro em um hambúrguer velho e sentiu o molho umedecer suas calças.

Olhando para cima novamente, avistou o homem pálido flutuando com suavidade até o chão, mas antes que pudesse chegar ao solo, Peter saltou em um impulso único e correu para longe do beco, seguindo a linha reta das ruas do Queens e parou apenas quando viu a lanchonete do Sr. Delmar. Sem pensar duas vezes, adentrou o local e fechou a porta correndo.

Sua respiração estava agitada e ele não havia notado que o proprietário estava atrás do balcão, analisando a figura do garoto com cuidado para fazer algum comentário. Foi quando Peter se recompôs e umedeceu os lábios, colocando um curto sorriso no lugar da expressão apavorada — não muito convincente, mas bastava.

               — Sr. Delmar, o-oi!

O homem seguiu encarando até franzir o cenho e debruçar-se sobre o balcão.

               — Está tudo bem, garoto? Por que estava correndo tão tarde da noite?

               — Ah, e-eu estava treinando para uma… hm… uma maratona! — Respondeu Peter enquanto olhava através da vitrine, procurando qualquer evidência do homem pálido, mas o sensor-aranha já não berrava perigo, então imaginou que tivesse despistado.

O Sr. Delmar havia conhecido Peter dois anos atrás, quando inaugurou sua lanchonete, e na época em que o garoto era o magrelo de óculos que vinha toda semana e levava gomas de minhocas e pedia para amassar o sanduíche, o mesmo que reclamava sobre andar muito ou sobre não conseguir correr um quilômetro, então desconfiou das palavras do jovem.

               — Uma maratona? — Repetiu e arqueou uma das sobrancelhas.

               — S-Sim! E agora eu preciso voltar para casa antes que minha tia surte… você sabe como ela é.

O latino permaneceu com a mesma expressão e observou Peter acenar e virar-se para deixar o local, ainda nada convencido.

               — Ei, garoto!

Peter virou-se no mesmo instante, suando frio e assustado com o que o homem pudesse dizer, já que conhecia sua tia e podia lhe contar sobre a maratona noturna dele.

               — Tem uma mancha no seu traseiro.

[…]

Andando cabisbaixo pelos corredores de Midtown se encontrava Peter com a jogada de pernas desajeitada em um equilíbrio único a cada passo dado. Suas ondas castanhas pingavam suavemente sobre o moletom cinza que absorvia cada gota d'água devido à chuva que caía do lado de fora, mas que não o afetou o suficiente para deixá-la às pressas. Os tênis velhos ecoavam aos corredores enquanto o garoto brincava com os bolsos de suas calças, não prestando muita atenção ao redor já que sua mente estava focada em outro lugar:

Haljörd.

O Parker repassou as cenas em sua mente a madrugada toda, procurando detalhes de um quebra-cabeças de 1001 peças das quais nenhuma parecia se encaixar. Seus blocos de anotações ganharam novos traços bagunçados de pensamentos que não seguiam uma linha reta, mas um rascunho abstrato que tomou todo seu sono.

Céu? Terra? Natureza? Aquilo tudo mais parecia um inferno.

Ele achou ainda mais bizarro o fato das duas vozes mencionarem repetidamente poderes e tempo. Até onde ele sabia, alienígenas já haviam atacado Nova York, ou um cientista se tornou um monstro por conta dos raios Gama, ou um deus nórdico já aterrissou diversas vezes na terra, mas isso era novidade para seus ouvidos. Aquilo era absurdo e anormal, mesmo que não fosse de sua conta — ou talvez fosse, já que ele era o Homem-Aranha, afinal.

               — Ei, Parker! — Gritou uma voz corredor abaixo que o tirou do transe.

Logo que o garoto se virou, arrependeu-se no mesmo instante e pensou em sair de fininho, mas sua mente reclamava sobre o fato dele fugir dos problemas. Então ele parou de frente para a figura que seguia em sua direção e analisou a cena com cautela.

Harold, Harry, Osborn andava pela escola como se fosse dono de tudo. Recebia cumprimentos e saudações agradáveis toda manhã acompanhado de uma atenção absurda apenas por existir. Queixo sempre para cima, tal como o topete impecável, e braços soltos como se não se importasse com nada. Pois bem, naquele instante, o rosto era de Harry, mas as atitudes eram deploráveis. O garoto tinha grandes olheiras roxas e o cabelo bagunçado como quem havia passado a mão diversas vezes entre os fios, além de estar com a camisa branca abotoada errada, com alguns botões que acabaram sem encontrar o fecho. Sua respiração era pesada quando se aproximou, mostrando que estava em correria, e, assim que parou de frente para Peter, mostrou-se um homem em rendição.

               — Harry, eu tenho que… — Peter não conseguia esconder bem sua expressão irritada, mas mesmo assim, tentou. — Ir.

               — Me escute… uh, por favor — suas falas pausadas exibiam com clareza o cansaço na voz. — Só um minuto.

Peter quis negar e sair, mas ele procurava ser alguém que enfrentasse as situações. Assumindo sua responsabilidade, ergueu o rosto e passou a encarar o suposto ex melhor amigo.

               — Eu queria me desculpar pela festa — disse Harry, confiante em suas palavras, mas mesmo assim, trazia um tom de tristeza. — Não foi legal com você e com a Peony e não foi minha intenção também.

               — Eu só não entendi o porquê, Harry — Peter cruzou os braços e respirou fundo.

O outro encolheu-se no mesmo instante; foi como se o Parker tivesse agarrado sua ferida e causado ainda mais estrago, e estava evidente em seu olhar vazio que gritava por socorro.

               — Você se lembra que meu pai havia me prometido um final de semana pai e filho? — Questionou Harry e o outro assentiu lentamente. — Bem… era para ter sido aquele final de semana. Eu pedi para a secretária dele comprar ingressos para um jogo de hóquei em segredo, assim seria uma… surpresa. E estava tudo pronto, eu já tinha os ingressos nas mãos e quando fui mostrar, ele me disse que estaria indo para as Maldivas… para relaxar por duas merdas de semanas.

Harry abaixou a cabeça novamente como se não quisesse que os outros vissem sua expressão. O amigo sempre soube que a família Osborn era complicada, até porque mal podia ser considerada uma família, sabendo que era apenas Harry e seu pai e o mais velho pouco se lixava para o filho. E para Peter, assistir toda aquela tortura era como olhar para o sol durante três horas seguidas. Sem mais delongas, o garoto envolveu os braços ao redor do amigo que, agora, derramava algumas curtas lágrimas dolorosas, e permaneceu ali durante alguns minutos.

Quando tocou o sinal para que entrassem na aula, Peter soltou o amigo que já havia parado de chorar e abriu um curto sorriso para ele, afastando-se lentamente.

               — Obrigado — balbuciou Harry e estendeu um braço para cumprimentar o amigo. — Está tudo bem entre nós?

O moreno abriu um sorriso e cumprimentou-o calmamente.

               — Tudo bem.

               — Te vejo mais tarde — respondeu Harry, parando por alguns instantes e mudando a expressão, como se estivesse pensativo. — Ah, e sobre aquele lance da Peony… não foi para te afetar.

               — Oh, não… está tudo…

               — Quero dizer, ela é bem melhor do que eu pensava e eu gostaria de… hm… chamá-la para sair…? Se você não se importar, claro.

No mesmo instante, Peter parou e encarou o melhor amigo durante alguns segundos. Como que uma conversa que seguia tão bem caiu desse precipício enorme?! Harry tinha as bochechas coradas e mexia o maxilar freneticamente, como se estivesse ansioso pela resposta do amigo, mas o Parker permaneceu calado.

               — Bom, nós podemos conversar sobre isso mais tarde — afirmou Harry ao dar alguns passos para trás. — Tchau, Pete!

E com isso, o herdeiro Osborn sumiu nos corredores lotados, deixando Peter ainda em estado de transe.

O garoto chacoalhou a cabeça e tentou tirar qualquer tipo de sensação que sua mente havia tentado pregar em si durante a conversa, e nisso ele era bom; desviar pensamentos. Respirando fundo, lembrou-se do momento em que havia encontrado Harry junto da garota durante a festa e como ela estava em terrível posição, tombando para os lados e rindo — o que costumava ser fora do comum. Peter sentiu-se parcialmente culpado, sabendo que fora ele quem convenceu Peony de ir para o apartamento do jovem bilionário, mas se arrependeu instantaneamente no momento em que adentrou o quarto.

O que teria acontecido se eu não tivesse levado a Peony?

Ele provavelmente teria brigado com Harry, ainda assim, mas teria se divertido também. Poderia ter dançado com Liz, conversado com seus conhecidos, jogado videogames com gente que ele mal conhecia e não teria todo o trabalho de levar a garota para casa e cuidar dela até o amanhecer.

Que merda, pensou Peter. O que você está pensando? Eu quis a companhia dela.

Não era mentira, aliás, o Parker havia começado a gostar de estar por perto da jovem. No começo, era difícil lidar com sua personalidade forte e sua atitude de superioridade, até porque desde que Peter havia ingressado no jornal da escola ele havia começado a duvidar de suas capacidades fotográficas, as quais seu tio sempre garantiu serem boas, mas as palavras vindas da boca da garota eram contrárias. Aquilo não foi o pior. Durante muito tempo ele havia assistido Peony pisar nas pessoas com palavras tão calmas quanto um ritmo de Bach ou revirar os olhos com tanta força que podia jurar que eles ficariam presos na traseira de sua cabeça.

Mas seu tio Ben sempre lhe disse que todos possuíam uma parte boa, mesmo que estivesse muito escondida e abaixo da superfície, e era um dom saber encontrá-la. Foi aí que Peter passou a reparar melhor no comportamento da jovem para perceber que ela era só e suas atitudes não passavam de uma defesa pessoal da maldade humana. Aliás, seus comentários não eram malignos, mas serviam de críticas construtivas. O dia em que ela disse que as fotografias de Peter não tinham "graça por serem entediantes" ele se esforçou mais para conseguir melhorar, por mais que achasse que não precisava, realmente, e mesmo assim, quando colocou-as sobre a escrivaninha da jovem, recebeu um meio-sorriso, que era suficiente para ele.

O problema era que Peter não a conheceu, realmente. Todos os incidentes do ano anterior nunca lhe trouxeram o interesse suficiente para conhecê-la melhor, mas quando alguma força resolveu uni-los por algum motivo aleatório — como pensava o garoto —, ele passou a entendê-la melhor e descobrindo que Peony Seagha não era o monstro que todos diziam ser, ou uma Hidra, ou um Smaug, mas era uma garota comum com o senso de humor um tanto estranho.

Ela até havia parado de pisar nele quando começaram a se conhecer melhor!

E, no meio do caminho para que pudessem chegar na primeira base de uma amizade, Peter estragara tudo. Qual é, ela nunca teve ninguém que a apoiasse, que discutisse coisas bobas ou que ficasse junto dela rindo por horas de assuntos que não tinham graça; muito menos alguém em quem podia confiar, tirar pesos do peito ou chorar nos ombros quando precisasse.

E ele teve medo de assumir essa responsabilidade.

               — Cara, você mal tocou seus nuggets — disse Ned enquanto saboreava lentamente a pizza em suas mãos, delineando os lábios grossos com molho vermelho. — A gente só tem nuggets uma vez ao mês e você está deixando eles esfriarem!

               — Eu não estou com fome — afirmou Peter enquanto cruzava os braços em frente à bandeja e deixava todo o ar de seus pulmões saírem lentamente pelas narinas.

               — Você está estranho, Peter — comentou o amigo, preocupado. A preocupação ficou evidente quando ele colocou o pedaço de pizza sobre o prato novamente. — Espero que você saiba que pode conversar comigo… ok?

               — Eu sei, eu sei… mas não é nada demais. Eu prometo — Peter ergueu o olhar e abriu um curto sorriso para o amigo, que o retribuiu.

               — Eu vou ao banheiro — Ned levantou-se da mesa e caminhou até a saída.

Peter não se lembrava ao certo quando começou a ser amigo de Ned. No primeiro ano, chegou assustado no colégio e acabou sendo agredido por alguns garotos do último ano que achavam legal tirar sarro dos alunos novos. Nessa época, Ned também não conhecia ninguém e foi mais um alvo, então os dois se uniram para não seguir o "cada um por si". Desde então, maratonas de filmes foram feitas, segredos guardados, conversas aleatórias durante as manhãs entediantes e discussões argumentativas sobre qual saga sci-fi era melhor.

Mas o garoto não contava tudo para Ned. Aliás, nos últimos tempos, o suposto melhor amigo mal sabia quem era o outro, realmente. Peter não havia contado sobre o Homem-Aranha, ou como se sentia com a morte do tio, ou sobre como sua tia estava, ou sobre qualquer merda que estivesse ocorrendo em sua vida.

               — Sabe, enganar o Ned não é tão difícil, mas ninguém consegue me enganar — comentou uma voz ao seu lado e Peter virou-se.

Um tanto afastada e segurando um livro em frente a uma grande pilha estava a garota com os fios castanhos caídos sobre o rosto cor de avelã. Michelle Jones era um mistério em formato de adolescente, já que ninguém sabia nada sobre sua família ou qualquer informação da vida pessoal. Ela era uma garota extremamente inteligente que costumava passar mais tempo só do que acompanhada, sempre com o nariz entre páginas de livros revolucionários, e, ora ou outra costumava comentar fatos aleatórios que observava diariamente.

Ela levantou-se de onde estava sentada e caminhou até o lugar de Ned, sentando-se e ainda com o livro na página em que havia parado, seguindo a ler.

               — Você é um idiota — comentou ela e virou a página, indiferente.

               — O que eu fiz?!

               — Eu não sei realmente, mas tenho várias suposições e sei que estou certa — disse a garota ao levantar o olhar rapidamente do livro e deu de ombros. — Hm… Então eu sei, realmente.

Peter permaneceu em silêncio, agora arqueando uma sobrancelha para a jovem enquanto ela virava outra página de seu livro. Como ela consegue ler tão rápido? E enquanto conversa comigo?!

               — A Peony é legal porque ela não abaixa a cabeça. Se eu já vi essa garota olhando para o chão foi porque estava chovendo ou algo do tipo, mas hoje não foi como é normalmente — Michelle virou outra página e soltou um curto bocejo. — Eu vi vocês dois saindo da festa do Harry e sua cara estava um lixo, e hoje de manhã, sua cara continua um lixo.

               — Obrigado.

               — Não me interrompa — a garota revirou os olhos. — Enfim; a Peony está estranha hoje e não está focando nem nos tão amados artigos do jornal da escola, não que eu seja amiga dela, mas ela é legal e você fez merda.

               — O que te leva a pensar que eu fiz merda?

               — Quando você faz merda seu topete fica bagunçado — disse ela.

               — Meu topete não está… — antes que pudesse continuar, Michelle abriu a câmera do celular e mostrou o reflexo dele, vendo que o cabelo estava todo fora do lugar. — Eu só… eu errei, ok?! Mas eu não…

               — Você a ofendeu.

               — O quê?!

               — Gwen Stacy, ela queria te dar um soco durante a aula de inglês — Michelle soltou uma curta risada. — Eu a ouvi gritando no refeitório agora há pouco.

Peter tentou procurar pelo rosto de Peony na multidão e não encontrou, respirando fundo novamente. Ele mal tinha coragem para continuar sua busca, sabendo que não seria um olhar agradável da parte dela, caso ela olhasse de volta.

               — Eu fiz merda — ele admitiu para si mesmo, respirando fundo. — Eu… insinuei que nós não somos amigos.

               — Você é realmente idiota.

               — Ei! Achei que você quisesse me ajudar!

               — Eu não quero te ajudar, mas seu estado é tão deplorável que o Universo está me obrigando a fazer isso — antes que Peter pudesse protestar, ela levantou uma de suas mãos para impedi-lo e continuou a ler o livro. — Se você gosta da companhia e confia nela, vocês são amigos. É só assumir.

               — Não é assim que funciona!

               — É sim, eu estou certa — a garota revirou os olhos mais uma vez e virou uma página. — Quem está mentindo para si mesmo é você. Peony é sua amiga e basta você aceitar o fato.

Peter parou por alguns segundos e encarou o próprio colo, respirando fundo e juntando as informações enquanto Michelle continuava a ler. Sério, como ela faz isso?

               — Você está certa — o garoto baixou a guarda, torcendo a boca.

               — Eu sei, eu estou sempre certa — Michelle levantou-se e voltou para o lugar em que estava sentada, bem a tempo de Ned voltar e sentar-se no mesmo banco.

Antes que o amigo pudesse dizer qualquer coisa, uma onda de adrenalina ferveu no sangue de Peter; algo que ele costumava sentir quando saltava entre prédios ou deslizava pelas ruas pendurado em uma teia. Era pura emoção, sentir o vento batendo contra o rosto de modo agitado, alarmando o restante de seu corpo e mostrando a ansiedade para chegar em tal ponto ou em lugar nenhum.

Seus pés percorriam os corredores às pressas enquanto ele sentia o coração bater mais forte e a respiração acelerar. Os dedos esguios empurraram a porta com delicadeza e bingo! Ali estava ela, como ele havia imaginado. A franja caía levemente sobre os olhos e o restante dos fios estavam trançados na lateral da cabeça, caindo em gomos acima do ombro e formando uma cascata na camiseta cinza que seria tão sem graça se não fosse vestida por ela.

Peter deu um passo para a frente e a jovem notou o movimento, não parecendo muito contente com a visão, mas mesmo assim, colocou a caneta sobre a escrivaninha e observou com cautela a cena panorâmica. Foi quando ele se aproximou ainda mais e abriu um curto sorriso, sem muito significado, mas acompanhado de palavras com várias entrelinhas que poderiam mudar muita coisa:

               — Me desculpe — pediu ele e alargou ainda mais o sorriso. — Eu quero ser seu amigo.

Não demorou dois segundos para uma reação, e, por mais que Peter não tivesse imaginado os piores cenários, ficou grato de não ter levantado expectativas.

E ela sorriu.


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