Time Web escrita por Mabée


Capítulo 11
Capítulo 11 - Vermelho


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo contém cenas de ataque de pânico/ansiedade.



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Peter sentiu sua nuca recebendo uma onda de agulhadas e cada músculo de seu corpo receber tensão, contraindo em um instante que passou em milésimos de segundos. Ele tentou afundar a cabeça no travesseiro, mas o sentido aranha ainda estava disparado, lhe alertando sobre algo que ele não soube decifrar. Que tipo de ocorrência pode ter cedo em um sábado?

Virando-se lentamente para o lado, mexendo as cobertas e deixando algumas partes de seu torso nu exposto e arrepiando cada pelo por culpa da brisa fria que beijava sua pele com pressa, escapando pelos vãos da janela. Logo que seu pescoço havia lhe virado em direção à cama ocupada, os olhos castanhos encontraram olhos esverdeados e o vermelho invadiu ambos os rostos.

A jovem desviou o olhar e jogou-se para o lado, grunhindo longamente enquanto o fazia. Peter sorriu e ajeitou-se no colchão que havia colocado para dormir na noite anterior. As cobertas escorregaram do peito e ele lembrou-se que não vestia uma camisa, sentindo o pavor cobrir os ossos como uma manta pesada e procurou por qualquer coisa no chão, encontrando o moletom da NASA e o vestindo rapidamente.

Ainda era difícil se acostumar com o fato de que ele não era mais o garoto magricela de três meses atrás, até porque, para todos ao seu redor, ele ainda era. Todo dia ele tinha de disfarçar as evidências que podiam o assimilar com o tal vigilante do Queens; guardar sua força para si mesmo, ficar cansado quando correr, ter medo de Flash e dos outros que faziam piada consigo, não revidar jamais. Mas ao colocar a máscara, Peter podia ser quem ele realmente era. Por ninguém saber sobre o sujeito atrás das lentes de mergulhador, ficava mais fácil aumentar a confiança e descontar toda sua personalidade que ele segurava o dia inteiro, para ao fim do dia, ser livre.

               — Hm… V-Você está bem? — Questionou ele, inclinando-se para tentar encontrar seu rosto novamente.

               — Minha cabeça está me matando — respondeu ela com a voz rouca, sentando-se na cama, apoiada pelos cotovelos e colocando uma das mãos sobre os olhos. — Por que aqui está tão claro?

               — Eu vou fechar as cortinas — o garoto se levantou e puxou as cortinas para frente da janela, impedindo a brisa fria e os raios de sol.

               — Hm, Peter? — Chamou a jovem e o garoto virou-se com urgência, procurando ajudá-la. — Por que estou no seu quarto?

Droga. O garoto mordeu o lábio inferior, tenso pelo fato de ela não parecer se lembrar da noite passada e de tudo que houve. Peter voltou para o colchão e sentou-se sobre os cobertores, esticando os pés cobertos pelas meias abaixo da cama. A garota o encarava com desdém e curiosidade nas órbitas, aguardando pela resposta enquanto permanecia na mesma posição. Ele ficou ainda mais nervoso quando percebeu que a morena ainda vestia seu moletom.

               — Você não se lembra de nada?

Peony torceu a boca e seus olhos se distanciaram daquela realidade, como se estivesse tentando ligar os pontos, mas sem muito sucesso.

               — Eu me lembro de ir para o apartamento de Harry com você… de ir para a cozinha e xingar o Flash… hm… de encher alguns copos e… nada. O que houve?!

Ele encarou-a novamente com o rosto contraído, sem saber que tipo de resposta ele poderia formular sem que a afastasse. Peter havia aprendido que Peony era como um gato abandonado, que mostrava os dentes quando se aproximasse e mordia quando o tocasse; mas depois que se acostumasse com o toque não tinha mais os problemas de confiança, ao menos que você o assustasse novamente. Então era adeus.

               — Você está me assustando — afirmou ela, esfregando os olhos com a traseira da mão.

               — Não foi nada demais — ele a acalmou enquanto umedecia os lábios. — Você só estava fora de si. Eu te encontrei cambaleando na festa e te trouxe para cá. Desculpe se fiz errado, mas imaginei que sua família não gostaria de vê-la nessa situação.

               — Merda — a jovem murmurou para si mesma e tocou o pescoço, seus dedos encontrando a corrente gélida do colar que sempre vestia e sua face ganhando um tom de alívio. — Você fez certo, Peter, obrigada.

A jovem abriu um sorriso e seu peito subiu e desceu como se estivesse respirando fundo. Os olhos traziam calma para o garoto que se sentiu aliviado do medo de ter estragado tudo. Ela esticou as pernas e girou as pontas dos pés, concentrada em seu colo enquanto abraçava o próprio corpo.

               — Eu vou pegar o remédio para melhorar sua dor — disse ele ao se levantar do colchão. — Hm… você fica bem?

               — Claro, Peter, são só dois cômodos de diferença — Peony abriu outro curto sorriso e deitou-se novamente. — Cuidado com o dedo na porta.

O garoto abriu uma expressão confusa, mas então percebeu que seu indicador se encontrava diretamente no aro, podendo ser preso a qualquer instante. Retirando-o dali, sorriu rapidamente e caminhou para a cozinha.

Tia May guardava os remédios em uma caixa de sapatos no topo de um dos armários da cozinha. Logo após o acidente, ela começou a deixar a caixa mais próxima de seu quarto para que não precisasse caminhar tão longe para pegá-los, já que ela dizia necessitar destes. Na noite anterior, enquanto ajeitava sua cama improvisada, May o encontrou em uma caminhada noturna e acabou descobrindo sobre a situação de Peony, o que gerou uma explicação embaraçosa da parte do garoto. E, por incrível que pareça, ela não ficou brava, e acabou ajudando lhe dando orientações até sobre como segurar o cabelo dela enquanto ela vomitasse — o que não ocorreu, agradecia Peter.

Ele pegou a pequena caixa de comprimidos e resolveu trazer algo para que ela comesse junto, então encheu um copo d'água e colocou duas fatias de pão na torradeira, esperando encostado ao balcão. Olhando para a janela, encontrou a pequena vista enquadrada do Queens, enxergando o movimento nos diferentes níveis de altura e inclusiva o que se passava dentro dos apartamentos aleatórios. Automaticamente tocando no pulso, Peter lembrou-se de que não usava mais os disparadores de teia, muito menos o uniforme heroico.

Não fora algo que ele decidira de último minuto, mas uma escolha que ele já construía há tempos. Logo no início sentia-se confiante da força e da capacidade de ajudar, sem medo (ou noção) algum dos perigos que enfrentaria em seu caminho; e, como num passe de mágica, sua concepção de toda essa vida dupla havia mudado por completo. O perigo era real, presente e havia matado seu tio. Foi assim que ele prometeu a si mesmo que pararia com esse estilo que havia criado para si mesmo, sabendo que não tinha experiência alguma e não significava nada ali. Fala sério, quem conhecia o Homem-Aranha?! Apenas os moradores locais sabiam que ele fazia o trabalho de vigilante, mas nunca o chamaram pelo nome secreto ou para ajudar em algo. Era apenas um encosto na vida movimentada do Queens, e, se não conseguiu sequer salvar seu tio, como conseguiria salvar qualquer outra pessoa?

O barulho das torradas já prontas o acordou do transe e ele respirou fundo, recompondo a respiração e procurando por um prato para colocar as duas fatias sobre. Com isso, levou tudo que havia pegado para o quarto, encontrando Peony ainda deitada, com as mãos sobre o rosto em uma tentativa falha de afastar a dor de cabeça.

               — Eu trouxe o remédio — avisou ele, atraindo a atenção da garota que retirou as mãos do rosto e encarou-o sem expressão —, e algumas outras coisas. E-Eu não sabia o que você gosta de beber então eu trouxe água… mas se quiser, tem suco na geladeira e…

               — Água está bom, Peter — afirmou a jovem, fazendo um esforço para sorrir.

A jovem sentou-se novamente e observou as mãos de Peter depositarem o prato e o copo sobre o criado-mudo e deu-lhe o pequeno comprimido. A garota jogou-o na boca e bebeu um longo gole d'água, respirando fundo e encostando-se ao travesseiro mais uma vez.

               — Hm… então… você e o Harry brigaram? — Questionou ela ao olhá-lo de relance.

Lembrando-se das palavras que o melhor amigo havia dito na noite anterior, Peter sentiu seu coração se agitar e gosto estranho que fora deixado em sua boca, mas cobriu a sensação com um curto sorriso para não assustar a garota.

               — Por que diz isso?

               — Eu me lembro da hora em que ele sugeriu da festa — Peony esvaziou o copo d'água em um último gole, deixando um suspiro satisfeito escapar pelos lábios. — Parecia que você tinha levado um soco no estômago.

               — Eu só… Eu não gostei da ideia — respondeu Peter, encostando-se ao travesseiro novamente. A jovem apalpou o colchão em que se deitava fazendo um sinal para que ele se sentasse ao seu lado, mais precisamente, aos seus pés, e ele o fez. — Harry tem a mania de ser impulsivo.

               — Hm… certo — a jovem bocejou e mordiscou uma das torradas lentamente, focando nos cobertores.

Ela ficou quieta durante algum tempo e o garoto também, não querendo atrapalhar a linha de pensamento dela. Peter olhou para baixo e encontrou a gola do moletom deslizando e mostrando sua clavícula, escondendo-a em um único movimento. Os olhos da garota trilhavam suas ações e ele logo notou-a, assustando-se.

               — Sabe, Peter, pessoas com seu porte procuram não esconder o corpo — disse ela de modo sarcástico.

               — O q-que? — Tentando desviar o assunto, Peter abriu um curto sorriso enquanto a voz abafada escapulia pelos lábios.

               — Você sabe do que eu estou falando — um o indicador sinalizou o corpo do garoto e arqueou uma das sobrancelhas. — Quer saber? Vamos jogar um jogo. Eu te faço uma pergunta e você responde, vice-versa.

Ainda com a mente em caos, Peter permaneceu com o sorriso travado e o corpo tenso, procurando se localizar na situação para poder interferir, mas sem sucesso, já que a jovem havia voltado a falar:

               — Eu começo: quando você ficou sarado? — Ao perceber que o moreno balbuciava palavras, interrompeu-o. — Nada de mentiras, Parker.

               — E-Eu… — Pensa, Peter! — Hm… eu trabalhei com meu tio em reparos e construções durante as férias e algum tempo depois.

A garota arqueou as sobrancelhas novamente, analisando cada traço do rosto do jovem enquanto ele rezava para que ela não descobrisse que era mentira.

               — Certo. Sua vez.

               — Como você aprendeu a lutar? — O garoto torceu a boca e cruzou os braços acima do peito que se movia lentamente. — Não negue também; eu vi você no refeitório aquele dia.

Peony abriu a boca e fechou-a, sabendo que não valeria a pena tentar argumentar contra. O garoto, em outra via, sentia-se poderoso por saber que havia arrancado algo dela, até porque a morena não era uma pessoa fácil de ler.

               — Eu treino às vezes.

               — O suficiente para se sentir confiante para enfrentar um cara louco?! — Provocou o garoto. — Se o Homem-Aranha não tivesse…

               — Ah, não me lembre disso — a jovem revirou os olhos e formou uma expressão que contraía todo o rosto. — Eu odeio esse cara.

O sorriso de Peter caiu no mesmo instante e ele sentiu como se tivesse levado um soco no peito, penetrando a pele tão forte à ponto de chegar à alma. Talvez seu ego fosse um tanto inflado pelos elogios que recebia em noticiários ou através de contas de fãs em redes sociais — ele tinha de lidar com coisas absurdas que lia, mas supriam sua felicidade — e pessoas que o apoiavam nas ruas. Ouvir de alguém consideravelmente próximo algo assim o deixava incomodado.

               — O que tem para odiar?

Peony ajeitou-se na cama novamente, puxando as cobertas para as pernas enquanto massageava as canelas lentamente, olhando para cima.

               — Ele basicamente me tirou de cena e fez com que eu levasse uma pancada — a jovem levantou a franja e exibiu a cicatriz no canto da testa que trouxe uma sensação ruim para Peter. — Não me diga que ele estava fazendo seu trabalho porque eu tenho certeza de que fiz pelo menos dez vezes mais.

               — Creio que ele estava tentando ajudar…

               — Por que você defende tanto esse cara? — Disparou a garota ao franzir o cenho. — Até parece que é você atrás da máscara.

O garoto encarou-a durante alguns segundos e notou que ela ria após o comentário, então ele começou a rir também — de nervoso.

               — Hm… Eu… Eu só acho que ele é um cara legal, sabe? Não muito apreciado, humilde, amigo da vizinhança — com isso, ele sorriu para a jovem esperando que ela tivesse entendido sua referência. Peony mordeu o lábio inferior e correspondeu a ação, processando o que havia sido dito. — É legal da parte dele sacrificar parte de seu tempo para ajudar os outros.

Peter sentiu-se um tremendo hipócrita. Nem ele tinha mais a certeza de que achava tudo aquilo de sua outra face. O fato era que, toda vez que olhava para o traje guardado em seu guarda-roupas, o garoto tinha a mente transitando para a cena em que teve de olhar para o caixão preto no centro de uma pequena sala mal iluminada com poucas pessoas presentes que vestiam-se da mesma cor e olhavam fixamente para o chão. Ou até mesmo, enxergava o rosto da tia, completamente inchado e fixado no nada, procurando uma resposta do além enquanto as órbitas cristalinas se molhavam nas lágrimas que desciam em uma corrida dolorosa pelas bochechas.

A partir disso, toda sua visão do Homem-Aranha havia mudado. Até porque ele era o "herói" e ele era o culpado de tudo. Se não fosse por esses poderes que o levaram a acreditar que ele podia salvar o mundo, seu tio não estaria morto. Como ele pôde ser tão burro?! Acreditou mesmo que podia fazer o papel do Homem de Ferro ou do Capitão América?! Errou, e feio. Ele não era nada em comparação aos outros heróis de verdade; era apenas um garoto que se sentiu privilegiado para fazer um trabalho que nunca lhe coube.

               — Por esse lado, é legal. Mas ainda não superei o trauma — comentou a garota, o tirando do transe. — Por falar nisso, por que você me ajudou?

Peter mordiscou o lábio inferior ao pensar na pergunta que havia acabado de ser feita. Desde pequeno ele aprendera que sempre deveria oferecer ajuda ao próximo, mas com Peony não fora por causa de sua educação apenas, e sim pelo fato de que ele sabia que devia retribuí-la de certo modo. Olhando-a de relance, notou que a jovem aguardava pela resposta e logo disparou:

               — Apenas fazendo meu trabalho como ser humano.

A jovem, por outro lado, não pareceu convencida.

               — Ok, Peter, se vamos conversar, vamos fazer isso da maneira correta — uma de suas sobrancelhas arqueou e a garota o encarou com desdém estampado no rosto.

               — O que?

               — Você está mentindo desde o começo. Caso você não saiba, eu não tenho amigos para poder espalhar coisas de sua vida, sequer tenho motivos para fazer tal coisa.

               — Eu não estou mentindo… — Peter parou um instante para interpretar a fala da garota por completo e afundou-se em curiosidade. — Como assim você não tem amigos?

Ao observar a expressão de Peony cair de um dia ensolarado para nuvens negras carregando tempestades, Peter soube que odiava seu lado impulsivo. Na realidade, ele nunca havia reparado muito nesse ponto, mas agora ao parar para pensar, nunca havia notado também o fato da jovem estar sempre só e enfiada em seu pequeno editorial. Céus, ela comia sozinha todos os dias enquanto se distraía com mais trabalho e Peter provavelmente seria o único contato que ela tinha recentemente com outra pessoa.

Quanto mais ele conhecia a garota, mais descobria que não a conhecia de verdade e se questionava se alguém já havia passado por essa fase antes. Peony já teve algum amigo como Harry ou Ned? Ou já teve brigas com pessoas como o Flash? Ou amores como Liz? O que ela fazia em suas horas vagas? O que fazia nos finais de semana? Não que Peter fosse a pessoa mais sociável do mundo, mas ainda assim, ele tinha seu grupo de amigos e costumava passar tempo que estes jogando conversa fora e rindo de coisas idiotas. Mas Peony fazia isso? Ela ria de coisas idiotas em seus tempos vagos?

               — D-Desculpe — o garoto umedeceu os lábios rapidamente e sentiu uma leve dor no peito ao ver o olhar de Peony focado em seu colo.

O rosto dela ainda tinha a expressão sombria que carregava um tornado de emoções; seus olhos esverdeados caíam nas pernas cruzadas abaixo de si e os lábios estavam presos entre os dentes esbranquiçados pela pressão colocada sobre eles. A posição era como se a jovem carregasse um peso que tinha em sua bagagem há tempos e nunca teve a coragem de deixar na estrada.

               — Sem problemas — no mesmo instante, a garota abriu a expressão como se nada tivesse acontecido, camuflando-se em sua própria máscara. — Eu só… não sei como é ter um amigo.

               — M-Mas… como? — Peter nunca esteve tão confuso em toda sua vida. — Você nunca teve um amigo?

               — Não, na verdade.

               — E a Gwen?

               — Ela é legal. Está sempre por perto e é engraçada.

               — Então vocês são amigas.

               — Eu não sei…? Isso é ser amigo?

               — Amigo é ter confiança em uma pessoa e saber que pode contar com ela — afirmou Peter, abrindo um curto sorriso. — Quem são as pessoas que você enxerga nessa categoria?

               — Hm… A Gwen e… meu pai? E… hm… bem…

Ver Peony gaguejar ou apenas parecer confusa lhe trouxe uma sensação de conforto, mais como se ele estivesse descobrindo que ela não era um robô.

               — Quem mais?

               — Eu confio em você — ela disse rapidamente como se estivesse cuspindo as palavras.

O sorriso de Peter esmaeceu de acordo com os segundos que passaram após a fala da garota.

               — V-Você me considera seu amigo?

               — Você disse que amigos são aqueles que você confia!

               — Sim, mas eu nunca imaginei que…

               — Tudo bem, Peter. Eu nem sei como isso funciona mesmo — a garota levantou-se e calçou os sapatos rapidamente.

Por mais que o garoto estivesse ali, sentado e assistindo todas as suas ações que pareciam passar na velocidade da luz, ele não conseguia dizer nada. Tudo parecia inapropriado àquele momento e nada fazia sentido. Peter ajudou Peony porque ela tinha o ajudado. Apesar do tempo absurdo que eles haviam passado nos últimos dias, ele não sabia dizer o que era aquele tipo de relacionamento, ou se era um.

               — Obrigada pela ajuda — agradeceu ela ao pentear a franja bagunçada com os dedos.

Com isso, a garota deixou o quarto às pressas e Peter mal pode efetuar qualquer tipo de movimento, paralisado da cabeça aos pés. Ele focou o olhar no chão ao sentir seu peito se apertar com a angústia de saber que havia a magoado, sem poder culpar ninguém além dele mesmo.

Jogando o corpo para trás até a cabeça encontrar o travesseiro, Peter encarou o teto e respirou fundo, repassando a cena na cabeça ao menos umas dez vezes e concluindo em todas: ele foi um bosta. E ao pensar que Peony nunca se abrira de modo tão repentino ou agira de modo a deixar um pensamento de que ela também tinha seus momentos vulneráveis, sentiu-se pior.

Duas batidas na porta de seu quarto o alarmou e Peter sentou-se na cama, torcendo os dedos para que fosse a garota novamente para assim, poder desculpar-se. Antes que pudesse se levantar para abri-la, tia May apareceu em cena, vestida em roupas melhores que um roupão velho e com rasgos visíveis. O garoto estranhou a cena ao vê-la em um suéter marrom e calças brancas, até usando sapatos! A única coisa que não parecia ter desaparecido foi a dor localizada nos olhos, evidenciando qualquer outra emoção e deixando a pior de todas à vista.

               — Sua amiga já foi embora? — Questionou ela ao olhar ao redor e notar a cama vazia.

Peter abaixou o rosto lentamente e mordeu o lábio inferior, respirando fundo.

               — Ela não é a minha amiga.

[…]

Peter não costumava ser uma pessoa agitada e pouco tinha a contar da adolescência mal vivida — como já dizia tia May — então seus sábados eram baseados em assistir filmes ou passar o tempo estudando para matérias que estivesse um tanto atrasado ou sair com Ned ou Harry. De todos os sábados entediantes, aquele havia se tornado o classificado número 1.

Ele havia brigado com Harry, com Peony e Ned estava fazendo uma curta viagem para a casa de sua avó. Todas as matérias estavam em dia, assim como deveres de casa e projetos escolares, e nada mais lhe restava para passar o tempo. E nada melhor como resolver colocar ordem em seu quarto.

Desde o… incidente, tia May não tinha mais energia para fazer as tarefas de casa, então Peter havia assumido a maior parte, como lavar a louça, passar pano, dobrar roupas e aquilo que não sabia fazer, pesquisava na internet, assim aprendendo a passar o aspirador e lavar o banheiro. Mas seu quarto era um caso à parte, já que ele costumava acumular roupas no chão e passar dias sem reparar na bagunça.

Então ele começou a separar camisetas e calças usadas e colocar no cesto que tinha abaixo de um dos braços, preparado para ser mandado para a máquina de lavar roupas. Enquanto o fazia, procurou peças jogadas no baú colocado abaixo do armário e seus dedos encostaram no tecido azul e vermelho, derrubando imediatamente.

Peter respirou fundo e sentou-se ao chão, colocando o cesto ao seu lado e sentindo as mãos começarem a tremer lentamente. Seus olhos focaram naquele traje que já lhe parecia desconhecido e sua respiração agitou-se. O garoto tomou coragem suficiente para esticá-la em sua frente para melhor análise e traçou cada uma de suas costuras com os dedos, desde a gola até a ponta dos pés e caminhando por todas os fios trançados que formavam todo o conjunto. Isso foi até o polegar parar em uma mancha quase minúscula vermelha.

Vermelho. Vermelho era a cor que ele não conseguia mais ver sem se lembrar. Era vermelho como aquele que escorreu entre seus dedos. Vermelho como aquele que pintou a calçada e escorreu para os bueiros como se fosse apenas chuva. Vermelho como aquele que enxergou diversas vezes pingar pela cozinha quando seu tio se cortava acidentalmente. Acidentalmente era a palavra que não descia pela garganta, entalando como uma pílula difícil de engolir. Aquilo não foi um acidente, foi culpa de Peter.

O garoto sentiu um soluço escapar pela boca, mas não o escutou. Todo o ambiente ao seu redor parecia girar e seus olhos só enxergavam vermelho através do embaçado; vermelho que marejava, vermelho que dominava. Vermelho. Vermelho, vermelho e vermelho. É sua culpa, Peter. O vermelho é sua culpa.

Olhando para baixo, tentou conter os soluços e segurou as mãos entre os braços para parar a tremedeira que já dominava cada membro de seu corpo, sua mente em vermelho. A cor nunca deixando os pensamentos. Seus pequenos cacos posicionados tão preguiçosamente agora pareciam cair e partirem-se à ponto de não haver mais conserto. Soltando o traje e o jogando contra a parede, Peter encostou-se à parede e puxou as pernas para perto do peito, na intenção de colocar pressão para aliviar a angústia. Suas mãos agarravam as costelas com força e nada parecia doer, apenas fazia parte do vermelho.

É sua culpa, Peter. É sua culpa.

Sua culpa, de ninguém mais. Você foi o culpado.

Ele decidiu que não aguentava mais e levantou-se, encostando a testa na parede e abafando os soluços com a traseira da mão. Sua mente voltou-se para o momento em que ele teve o mesmo pânico de agora e de que tinha braços ao seu redor enquanto quebrava-se pedaço por pedaço. E agora que já havia visto cada um de seus cacos espatifados e espalhados ao redor, soube que não havia como reposicioná-los. Ele estava quebrado. A única coisa — ou pessoa — que havia conseguido segurar seus pedaços também foi afastada por ele.

Logo menos, abriu os olhos e encontrou seu punho enfiado na parede, dentro de um buraco que havia acabado de fazer. Mordendo os lábios com força, sentiu o gosto do sangue e lembrou-se do vermelho, colocando o moletom que encontrou mais próximo de si e vestiu-se rapidamente. Vermelho deslizando pela sarjeta. Abriu a janela e saltou do parapeito para outro prédio, agarrando-se à parede de tijolos.

Com isso, sentindo o vento bater contra o rosto, colocou o capuz e correu sem rumo algum, na tentativa de tirar o vermelho da cabeça. Saltando entre prédios e escalando paredes, Peter encontrou-se em um canto em que não havia mais para onde ir, cansado e arfando, sabendo que havia gastado mais energia do que gastaria normalmente, então sentou-se no pequeno muro que rodeava o teto, olhando ao redor e enxergando as luzes da cidade embaçadas pelas lágrimas que jamais deixaram seus olhos. Respirando fundo, analisou cada uma de suas características, esperando o vermelho. E, de repente, não era mais vermelho. No canto dos olhos, em um local que nunca havia visto antes, avistou verde.


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