O Céu Continua Azul escrita por Just a writer


Capítulo 2
Capitulo 2




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A pele pinicava ao contato do cobertor felpudo, e sua nuca coçava. Laura estava numa cama, percebera de imediato. Fora tudo um sonho. Ela respirou aliviada, e se sentou. Ajeitou os cabelos e ficou encarando suas mãos numa meditação silenciosa. O garoto de cabelos prateados. Nunca vira alguém como ele, sua destreza e força não eram normais. Sua atitude frente a alguém não era casual, mas a de um soldado. Avaliava e decidia quais os passos a serem tomados. “Mas por que estou me importando com isso?” Laura pensou. Fora um sonho. Em alguns momentos, se esqueceria desses fatos.

Tateou em busca do laço vermelho que usava para prender o cabelo, mas acabou esbarrando em algo metálico. Deslizou os dedos em volta do objeto, e a cada centímetro percorrido, o medo de saber o que era aumentava. Envolveu os dedos em volta do cabo, e puxou para si, tremendo. Ali, nas mãos de Laura, estava uma pistola, bem polida e anormalmente grande para os padrões convencionais. Num pequeno berro, jogou a arma do outro lado do quarto. Quarto. A garota se atentou aos arredores, e se viu num lugar desconhecido. Não era seu quarto, não era sua casa. O mundo girou a sua volta. “Calma”, Laura forçou-se a ficar de pé. Fechou os olhos, com as mãos apertando ainda mais o cobertor ao redor do corpo dela, e contou até dez. Funcionava em quase todas as ocasiões. O som de passos apressados fez a ansiedade voltar.

— Quem está ai? – Laura gritou.

Meio segundo depois, o mesmo rapaz de cabelos prateados de seu sonho aparecera, abrindo a porta do quarto. Ela não pensou duas vezes. Correu para o outro lado do quarto, e agarrou a pistola, apontando-a para o peito de Jim.

— Opa! Calma aí! – Ele levantou os braços num sinal de rendição – Isso é meu!

— Quem é você? O que diabos eu to fazendo aqui? – a pergunta de Laura saíra quase como um choro. A cada balanço da pistola, Jim estremecia, temendo um tiro.

— Você desmaiou na floresta. Você estava sozinha, então te trouxe para a minha casa – Jim arriscou um passo na direção dela. Quase que de imediato, Laura disparou aos pés dele – Mas que...

— Mais um passo, e você ganha um buraco no pé. Quer tentar a sorte, bonitinho? – o medo abandonara Laura e seu rosto exibia traços predatórios.

Jim não sabia se xingava a sua hóspede ou se sorria de euforia. Ela se mostrava algo interessante, ao contrario de quando a encontrara.

— Está bem. Não vou tentar mais nada – Laura se permitiu relaxar. Parecia que tinha a situação sob controle – Enquanto você dormia, eu preparei um café da manhã. Provavelmente você está com fome, não é?

Laura ia dizer que só queria ir embora, mas um ronco de seu estômago a traiu. Ela fitou o rapaz, que exibia aquele sorriso debochado mais uma vez. O dedo dela coçava para atirar naquele rostinho pálido. “Não! Pare de pensar nisso”. Ela passou os olhos pela arma. Mordeu o interior da boca, repreendendo-se. Como ela ainda segurava essa coisa, apesar do que havia passado... “Foco!” Laura ordenou a si mesma.

Jim ainda a fitava, aguardando a resposta da garota. Ainda desconfiada, ela moveu a cabeça e a sua pistola na direção do corredor. Ele realmente não gostava das coisas dele nas mãos de outra pessoa.

Apesar de não ter um pingo de confiança no rapaz, Laura não podia negar que ele sabia cozinhar. Levou mais uma vez o garfo abarrotado de ovos mexidos a boca, sem perder a mira da pistola, que ainda apontava para o Senhor do tempo. “Sem movimentos suspeitos, e ela não aperta o gatilho novamente” Jim pensou. Ela se daria bem, se tudo corresse de acordo com o plano. Laura era a saída de Jim da vida que ele conhecia. Seu bilhete dourado. Se apoiou sobre os cotovelos na bancada da cozinha, e pela quinta vez, esquadrinhou o rosto de sua hóspede. Ele não iria esquecê-la. Devia pelo menos isso a ela. “Realmente, me desculpe por fazer isso com você” Jim se lamentou.

Jackson fora útil para Ronnie. Ele era o único falsificador bom e rápido o suficiente para entregar aqueles documentos no tempo que ela dispunha. Ronnie ficara devendo um favor para ele, mas quem não aceitaria obter favores de Karol Van Whelm, herdeira de uma das mais poderosas famílias de Blacksteel. Esse fato incomodava Ronnie, pois fazia dela um acessório para as mais inteligentes artimanhas. Seja forte ou seja devorado, a lei absoluta da sobrevivência. Aristocracia era algo maçante para ela. Preferia passar o tempo lutando com espadas, do que se meter em jogos de poder. E ela se sobressaia nos dois.

Antes de ir à casa de Jim, Ronnie decidiu passar numa loja de roupas. A garota que Jim trouxera veio para este lado da Freqüência sem roupas, e tinha quase certeza que seu amigo não iria se incomodar em arrumar algo para a intrusa. Na hora de escolher as roupas, Ronnie não se importou muito com gosto, apenas com decência. Em questão de minutos, ela saiu com quatro sacolas grandes da loja. O vendedor nunca tinha feito uma venda tão grande e tão fácil até agora. Ao chegar à casa de Jim, pôs as sacolas no chão, e bateu na porta. Passados trinta segundos e nenhuma resposta. Jim não iria sair, muito menos a garota. Repetiu as batidas na porta, ate que ouviu uma resposta:

— Entre! – era Jim.

Passando de modo desajeitado pela porta, Ronnie se deparou com uma situação totalmente nova para ela. No chão, a garota estava em cima de Jim, segurando-o em baixo de seu corpo. A arma do Senhor do tempo apontada para o rosto do seu dono, engatilhada.

Foi tudo muito rápido. Num momento, Ronnie estava em pé em frente a porta de entrada, em dois outros, ela imobilizava a forasteira. Jim recuperou sua pistola, e verificava se ainda estava em boas condições. Depois da inspeção, levantou a arma e disparou duas vezes pela porta aberta, e o som da pistola mais se assemelhava a uma escopeta, conseguindo a atenção das duas mulheres.

— Vamos parar com essa bagunça! – ele ordenou num tom serio. – Você, sai de cima dela – ele falou para sua amiga.

— Mas ela... – Ronnie protestou.

— Eu sei o que ela estava fazendo. Do mesmo jeito, sai de cima dela. E você... – Dessa vez ele apontou a arma para Laura – Se tentar fazer qualquer coisa, eu atiro, entendeu? Então relaxa!

Ainda debaixo da garota, Laura balançou a cabeça afirmativamente.

Depois de cinco minutos, todos estavam sentados no sofá da sala em silêncio. Ninguém ousava falar uma palavra, mas Laura estava mais preocupada em se cobrir com o cobertor. Esperava não estar tão vermelha quanto achava que estava. Ronnie percebeu isso, e apontou para as sacolas de roupas.

— Eu comprei algumas roupas para você. Não acho que queira ficar pelada nem mais um segundo. Diferente de você, não quero matar quem quer me ajudar.

Laura olhou as sacolas e avançou com cautela em direção a elas. Verificou seu conteúdo e fitou novamente a garota. Deu um breve aceno de cabeça, num agradecimento silencioso. Agarrou as sacolas e correu para o banheiro.

— O que diabos foi aquilo, Jim? – a aristocrata se recostou no sofá com os braços cruzados.

— Você só chegou numa má hora, só isso – ele coçou um olho e bocejou.

— Tá, vamos assumir que eu acredito em você. Como ela conseguiu a sua arma? E como ela conseguiu te imobilizar daquela maneira?

— Eu havia esquecido a pistola do lado da cama em que ela estava. E ela não é fraca aqui, se lembra? Toda aquela conversa de física envolvendo as Freqüências e seus habitantes; tudo o que eu consigo fazer aqui, ela pode fazer. Se der sorte, ela pode até ser mais forte que eu.

Isso era verdade. Mestiços tinham uma força ampliada em Blacksteel, devido a seu corpo mais resistente, força e elasticidade muscular superiores, herdados de seu parente da Terra mãe. Mas ainda tinha o fator do parentesco de Blacksteel. Isso limitava o corpo, cortando sua eficácia pela metade. Então, na teoria, se alguém da Terra mãe viesse para o outro lado da Freqüência, seu corpo que até então, apenas sofria com uma gravidade mais densa e pesada, desfrutaria da gravidade mais leve de Blacksteel. Só que ao contrario dos mestiços, não havia limitações para seus corpos.

Pouco tempo depois, Laura voltou para a sala de estar, vestindo uma camiseta branca e uma calça jeans escura. Ela olhou para seus anfitriões em busca de alguma aprovação. Ronnie assentiu com um pequeno sorriso satisfeito, mas Jim apenas levantou uma sobrancelha e voltou os olhos para sua arma. “Idiota” Laura xingou-o mentalmente. Voltou a se sentar com os outros, e encarou suas próprias mãos. Ela ainda não aceitara o fato que tinha apontado uma arma para o rosto de alguém, que tinha segurado uma arma. O toque frio do metal ainda formigava na mão dela. Era assim que o... Laura sacudiu a cabeça, tentando dissipar o pensamento. Tinha coisas mais importantes no momento.

Jim fitou Ronnie, que devolveu o olhar e assentiu.

— Tudo bem, se já nos acalmamos, o que acham de...

— Que lugar é esse? – Laura disparou, interrompendo Jim.

A pequena consideração que o Senhor do tempo vinha nutrindo pela sua hóspede ia desmoronando, cada vez que Laura o irritava.

— Estamos em Blacksteel – ele respondeu.

— Black o quê? – Laura levantou uma sobrancelha.

— Tudo o que você precisa saber, é que não está perto de casa. Nem um pouco – O Senhor do tempo estralou o dedo indicador, pressionando-o com o polegar.

— Tá e como eu faço para voltar? – Laura já estava montando mentalmente o caminho para casa, e o que iria fazer assim que chegasse.

“Agora vem a parte complicada” Ronnie pensou, entre um suspiro e outro.

— Quando meu amigo aqui diz que você esta longe de casa, ele não quer dizer em outra cidade, mas em outro mundo.

Laura olhou as pessoas em frente a ela, e segurou uma risada. Só podia ser brincadeira.

— Vamos, gente. É uma piada sem graça essa. Onde estamos? Nova Jersey? Queens? Com uma arma daquele tamanho, com certeza esse cara – ela apontou para o garoto – é um traficante.

Ronnie soltou uma risada, e olhou para Jim, divertida.

— Acredite, ele não conseguiria traficar nem doces, mesmo se quisesse. E não, realmente não é uma brincadeira isso. Isso, – a aristocrata gesticulou em volta – é a nossa vida.

Laura notou que ela falava serio. Não era brincadeira. Nada fora um sonho. Era tudo real.

Novamente, Laura levantou do sofá, andando de um lado para o outro sem parar. Mesmo para os mais leigos, o fato de possivelmente nunca mais ir para casa, assim como não ver mais quem se ama, era estarrecedor. E isso, absolutamente, não era uma opção para Laura. “Calma, respire” ela tentou parar quieta num canto. Sem sucesso. Imediatamente, voltou a ziguezaguear na sala.

Aquilo não estava indo bem. Jim notou que o rosto de sua hóspede era uma máscara de horror. Ele a entendia. Mais do que todo mundo, ele a entendia. Assim como ele, era uma prisioneira daquele mundo. Apenas as circunstancias eram diferentes. Ele olhou para Whelm, que encarava as próprias mãos, culpada. A cada minuto, ele se arrependia de sua decisão. Estralou outro dedo, acariciou as mãos da amiga, que o encarou tristemente. Ele lhe deu um pequeno sorriso, e sussurrou um “vai ficar tudo bem”. Jim se levantou, e bloqueou a passagem da garota assustada. Ela, que encarava o chão, esbarrou em Jim. Reunindo alguma coragem, encarou os olhos verdes do Senhor do tempo. Torceu para não estar chorando, seria patético.

— Você não deixou a gente terminar... – Jim levantou um pouco suas mãos.

— Terminar de destruir as minhas esperanças, você quer dizer? – ela ergueu mais um pouco os olhos, se permitindo admirar um pouco o cabelo dele.

— Tem uma maneira de você voltar para casa – Ronnie falou, coçando a nuca.

— Como? Como? – Laura agora agarrava a camiseta de Jim, desesperadamente. Ela percebeu isso, e de imediato o soltou.

Ronnie grunhiu atrás de Jim.

— Você vai ter que se tornar uma Senhora do tempo, como o Jim. – ela pôs a mão no ombro do amigo.

Laura se afastou novamente dos dois, assimilando a idéia. Era tão ridícula que poderia ser possível.

“Ela acha que é loucura” Jim constatou. Mas era mesmo uma loucura. Por isso, seu plano tinha chance de dar certo. Ele contava com a vontade de voltar para casa de Laura. Ela era sua esperança de sair de seu cárcere.

— Antes de qualquer coisa, vocês vão me explicar o que é ser um Senhor do tempo. – Laura os encarava com uma coragem renovada – E depois, me contem como isso vai me ajudar a sair daqui.

Ronnie ia se adiantando para responder, mas Jim a impediu. Ele gostava da garra dessa garota.

— Claro. Vamos começar com nomes. – Ele esticou sua mão para a hóspede – Meu nome é James Graham.

— O meu é Karol Van Whelm, mas pode me chamar de Ronnie – Jim levantou uma sobrancelha para a amiga, que apenas lhe deu um tapa discreto. “Mantenha as aparências” ela queria lhe dizer.

— O meu nome é Laura Barnes – ela cumprimentou os dois.

Aquilo iria se mostrar no mínimo interessante, ou um caos completo.


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