A Vida em um Romance escrita por J R Mamede


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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No dia em que Sofia e Lídia tiveram sua primeira noite de sono na história, a caçula viu-se em uma situação delicada. Até o momento, ela conseguira segurar ─ principalmente por conta das dificuldades de se usar um vestido longo  ─ a vontade de ir ao banheiro. Contudo, a chegada da hora de dormir, Lídia percebeu que não havia exatamente um banheiro.

─ Um penico? ─ indignou-se. ─ Vou ter que usar um penico?

─ Bem, não é um penico qualquer, Lídia ─ riu Sofia. ─ É de porcelana, olha só.

─ E onde eu vou jogar o que eu fizer lá dentro? ─ irritou-se. ─ Meu Deus! E o número dois?

─ As empregadas são as encarregadas de jogar fora ─ explicou a mais velha, divertindo-se com o terror estampado na face da irmã. ─ Não se preocupe, você vai conseguir.

─ Sofia, as empregadas vão saber quando eu vou ao banheiro? Pior! Vão saber quando eu fiz o número dois? ─ Lídia estava realmente preocupada. ─ Mano, já to vendo que vou ficar entupida aqui. Não vou conseguir.

─ Ah, qualquer coisa vá fazer no mato. ─ Sofia começou a rir descontroladamente.

─ É? E pegar as folhas para limpar o meu...

─ Lídia! ─ interrompeu Sofia. ─ Por favor, evite os palavrões aqui, tudo bem? É preferível que você evite as gírias também, mas, em especial, os palavrões. Nunca, em hipótese alguma, diga palavrão aqui.

─ Não posso falar gírias, não posso falar palavrões, não posso fazer cocô em paz... Estou de saco cheio desse lugar!

─ Amanhã bem cedo retornaremos à busca do livro na biblioteca.

─ Não muito cedo, por favor. Detesto acordar cedo.

─ Enquanto estiver aqui, florzinha, vai ter que se acostumar a dormir e acordar cedo ─ disse Sofia.

─ Mais uma coisa pra lista “Eu Odeio Estar Aqui”.

Lídia continuou a falar sobre o livro e confessou seu temor de não conseguirem encontrá-lo. Além disso, preocupava-se com os pais. O que será que eles estavam pensando sobre o sumiço das meninas? Será que teriam chamado a polícia?

─ Acredito que ─ comentou Sofia, pensativa. ─, assim que voltarmos para casa, voltaremos exatamente no mesmo lugar e na mesma hora em que saímos de lá. Tenho quase certeza de que nossos pais não vão notar nossa ausência.

─ Tomara. Não quero ficar mais uma vez de castigo.

─ Eu fico preocupada em deixá-los preocupados ─ suspirou Sofia. ─ Não quero que eles pensem que aconteceu algo horrível com a gente.

─ Mas aconteceu!

─ Não seja exagerada, Lídia.

As duas continuaram a conversar por mais algum tempo. Apesar do cansaço do dia, estavam elétricas. Lídia começou a provocar a irmã a respeito do, como ela gostava de se dirigir ao Sr. Thomas Stone, Ken Humano.  Sofia, de fato, encantou-se pelo rapaz. Começou a elogiá-lo, afirmando o quanto ele era gentil e cortês. De tanto enaltecê-lo, conseguiu com que Lídia encontrasse o sono e dormisse pesadamente, dando alguns roncos exaustos. Sofia ainda demorou um pouco mais para pegar no sono, fantasiando com a imagem do perfeito cavalheiro que tivera o prazer de conhecer.

Na manhã seguinte, antes mesmo do café da manhã, as irmãs foram à biblioteca terminar de procurar o livro mágico nas prateleiras. Infelizmente, a busca fora em vão. Olharam livro por livro, porém nada de achar o que queriam.

Entristecidas com o fato do livro não estar por perto, tiveram que se conformar com a ideia de ter que procurá-lo em outros lugares, como as casas de outras pessoas, lojas ou até mesmo universidades. O problema das universidades, como Sofia apontara, era que não permitiam a presença de damas, portanto, caso precisassem recorrer a uma, teriam que ser cautelosas.

O Sr. Austen aguardava as sobrinhas para o café da manhã. Quando apareceram, o encontraram lendo o jornal, enquanto bebericava um pouco de seu chá. Lídia, assim que viu a bebida, fez uma careta. Não suportava a ideia de ter que tomar mais chá, e, para piorar, todos os dias e em praticamente todas as refeições.

─ Bom dia, Sr. Austen ─ saudou Sofia.

─ Bom dia, senhoritas. Onde estiveram esta manhã?

─ Na biblioteca, senhor ─ respondeu Sofia, aceitando o chá que a Srta. Bates gentilmente lhe oferecera. ─ Minha irmã e eu adoramos aquele lugar.

─ A senhorita, certamente deve adorar a biblioteca ─ concordou o tio, sorrindo amavelmente. ─ Já Lídia, tenho minhas dúvidas se ela foi ao local espontaneamente ou por que você a persuadiu. Deveria ter sua irmã como modelo, minha querida Lídia ─ apontou o Sr. Austen no momento em que Lídia dava uma enorme mordida num pãozinho. ─ Tenho certeza que ela tem muito a lhe oferecer e ensinar.

Xim, xenhor ─ respondeu a menina com a boca cheia.

O Sr. Austen apenas balançou a cabeça, imaginando se um dia sua sobrinha mais nova tomaria jeito. Voltou a ler seu jornal, deixando as meninas à vontade para fazerem seu desjejum. A Srta. Bates apareceu com mais pães e bolos, os quais, pouco a pouco, eram devorados pela faminta Lídia. Sofia comera pouco, como de costume, repetindo somente mais uma xícara de chá.

Um dos empregados entrou na sala do café da manhã, assustando Lídia com a sua aparição repentina. Ele aparecera para noticiar a chegada do Sr. Stone. Sofia, instantaneamente, começou a sorrir e arrumar o vestido. Lídia só conseguiu pensar que o infeliz chegara bem na hora da comida; não dava mais tempo de escondê-la.

─ Bom dia, Srtas. Austen ─ cumprimentou o cavalheiro as damas, depois se direcionou ao tio delas: ─ Bom dia, Sr. Austen. Espero não estar atrapalhando.

─ Não tem mais pãozinho pra você ─ sussurrou Lídia, não sendo escutada nem pela irmã que se encontrava ao seu lado.

─ Bom dia, Sr. Stone ─ falou Sofia, encantada pela presença do rapaz. ─ É um prazer tê-lo aqui conosco. Por favor, junte-se a nós para o desjejum.

─ Agradeço, senhorita, mas lembre-se de que o objetivo de minha visita é outro ─ sorriu sedutoramente. ─ Ou será que a senhorita esqueceu-se da promessa que me fizeram ontem?

─ Oh, claro que não, Sr. Stone ─ enrubesceu Sofia, obrigando Lídia a enojar-se. ─ Prometi ao senhor que iríamos visitar a região, portanto, não irei desapontá-lo.

O Sr. Stone sorriu diante daquele comentário, juntando-se à família para o café da manhã. Lídia realmente havia acabado com os pãezinhos, deixando apenas bolos e frutas ao convidado. O Sr. Austen parecia maravilhado com a amizade de sua sobrinha mais velha com o cavalheiro, deixando-se criar boas expectativas em relação ao futuro dos jovens enamorados. Era óbvio que Sofia tinha afeto pelo Sr. Thomas Stone, e o Sr. Austen achou que o rapaz não era indiferente aos sentimentos da moça. Na verdade, pelos modos que o cavalheiro tratava e a forma como encorajava Sofia, não deixava dúvidas de que também gostava muito da dama.

Lídia sabia que a irmã começava a se apaixonar pelo Sr. Stone, o que a deixava perturbada. Temia que sua irmã se apaixonasse de vez e desistisse de voltar para casa. Além disso, não gostava nem um pouco do rapaz, achando-o presunçoso e bajulador. Preferiu guardar esses sentimentos para si, mas mantendo a ideia de ficar de olho na irmã e evitar que ela estragasse seus planos de encontrar o livro mágico o quanto antes.

Terminaram o café da manhã e saíram para caminhar. O Sr. Austen pediu à Lídia que acompanhasse sua irmã, visto que não era de bom tom uma moça solteira ser vista a sós com um cavalheiro. Lídia achou tudo aquilo uma bobagem, mas acatou as ordens do tio. Não tinha coragem de contrariá-lo, ainda mais que ela já aprontara demais e se tornara, a cada dia, a menos favorita.

Lídia, entediada, andava atrás do casalzinho, escutando a conversa melosa e chata dos dois. Queria estar em casa assistindo séries ou mexendo na internet. Quando foi ao sebo com Sofia, as duas carregavam consigo, cada uma, uma mochila pequena. Dentro das mochilas, estavam os celulares. As mochilas e tudo que ali estavam sumiram quando elas foram teletransportadas para dentro do livro. Lídia tinha noção de que não daria para telefonar aos pais ou usar a internet do celular, mas pelo menos teria um joguinho para distrair até a bateria acabar. Não aguentava ficar naquela vida do campo monótona. Percebeu que seus dias, enquanto estivesse dentro da história, seriam sempre os mesmos. As ocasiões mais emocionantes seriam as festinhas das quais Sofia havia mencionado e algumas viagens que por ventura poderiam ocorrer às outras cidades. Com exceção disso, seria sempre a mesma chatice.

Assim que Lídia se distanciou um pouco mais, Sofia e o Sr. Stone tiveram mais liberdade para conversar. A mais velha, ao contrário da irmã, encontrava-se em uma alegria imensa. Vendo o Sr. Stone, bonito em suas roupas de cavalheiro, era como um lindo sonho. O Sr. Stone falava com desenvoltura e segurança. Mostrava-se um jovem inteligente, espontâneo e culto. Sofia adorava escutá-lo. Desejava gravá-lo em um vídeo para, sempre que quisesse, assistir várias e várias vezes.

─ Esta região é mesmo muito bonita ─ comentou o Sr. Stone, admirado com a paisagem. ─ Também nasci no campo, mas vivi muito tempo em Bath e, posteriormente, Londres. Não imaginava que a felicidade pudesse ser materializada em um lugar. Veja que lindos campos, que céu deslumbrante e que companhia mais adorável. ─ Olhou para Sofia, forçando-a a corar. ─ Ah, Srta. Austen, será que um homem pode ser mais feliz! Invejo-a por ter o prazer de acordar todas as manhãs e se deparar com esta imagem todos os dias. Invejo ainda mais as pessoas que têm o prazer de desfrutarem da companhia de uma bela jovem e compartilhar com ela seus sentimentos. Abençoada seja, Srta. Austen, por trazer tanta doçura e beleza ao mundo.

─ Oh, Sr. Stone ─ suspirou Sofia. ─, o senhor é realmente um cavalheiro muito gentil. Digo que eu sou afortunada pelo privilégio de sua companhia. Agradeço ao meu tio por nos apresentarmos e, assim, começarmos uma amizade calorosa.

─ Sim, Srta. Austen, seu tio deve ser prestigiado diante de tal feito. Eu o estimo ainda mais por esta felicidade tão adoravelmente proporcionada. O Sr. Austen, tenho certeza, foi-lhe um grande substituto da imagem paterna tanto à senhorita quanto à sua irmã. Atrevo-me a dizer que ele fez um excelente trabalho como educador, especialmente com a senhorita. Tão generosa e comportada. Admira-me conversar com você e ter a deliciosa sensação de que estou diante de uma mulher bem instruída e informada sobre os assuntos de nossa época. Impressiona-me o seu nível de discernimento e sofisticação, Srta. Sofia. Mas veja! ─ apontou para uma propriedade um pouco mais à frente. ─ Aquela é a mansão dos Williams. Claro que não se compara à bela Northfield Park, mas, devemos admitir, é uma bela propriedade, não acha, Srta. Sofia?

Sofia concordou que, de fato, era muito bonita a casa dos tais Williams. O Sr. Stone explicou que eram pessoas, assim como os Austen, muito respeitadas da região. Espantou-se por Sofia não os conhecer, pois, até onde sabia, o tio dela era grande amigo da família Williams. A jovem, para disfarçar, afirmara conhecê-los, sim; só não associara o nome às pessoas, de início.

Lídia voltara ao seu posto de seguradora de vela, fazendo com que os flertes fossem interrompidos. Sofia sorria com doçura e forçava-se a permanecer calma diante do Sr. Stone, mas, por dentro, seu coração pulava no peito e a vontade de fazer sua típica dancinha ridícula da vitória era grande, porém, conteve-se e conseguiu aguentar até o momento que teve privacidade em seu quarto.

A caminhada, que supostamente deveria ter sido guiada por Sofia, foi, na verdade, conduzida pelo Sr. Stone, o qual se mostrou um grande conhecedor do local. Sofia agradeceu por ele saber como andar por aquelas regiões, pois, com certeza, se dependesse dela, estariam dando voltas e voltas, sem a menor noção de onde poderiam parar.

Para alegria de Lídia, os dois resolveram que estava na hora de voltarem para a Norhtfield Park, onde o Sr. Austen os aguardava. Lídia estava com as pernas cansadas; não suportava mais andar feito uma boba atrás do casal. Se Sofia a visse com atenção, repararia na expressão emburrada da irmã.

Com delicadeza, o Sr. Stone conduziu as moças de volta para a casa, continuando a elogiar com determinação a propriedade que a elas pertenciam. No discurso do rapaz, Lídia desconfiou que fosse um grande ambicioso, e, como Sofia no momento era rica e estava encantada por ele, certamente enxergou uma boa oportunidade para realizar um casamento vantajoso. Lembrou-se que a própria Sra. Watson, tia do rapaz, dissera que ele era de uma família sem muitos bens. Então, pensou Lídia, o sujeito poderia, sim, ser um grande oportunista. Decidiu, portanto, ficar de olho nele.


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Notas finais do capítulo

Se estiver gostando da história, deixe seu comentário. Se não estiver gostando, comente também, assim eu vejo no que preciso melhorar ;)

Até mais!



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