A Vida em um Romance escrita por J R Mamede


Capítulo 3
Capítulo 3




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As meninas, em seu primeiro dia como Srtas. Austen, descobriram que foram criadas por seus tios, Sr. e Sra. Austen, após a morte de seus pais. Primeiro, perderam a mãe quando ainda eram muito pequenas; depois o pai, há quase seis anos. A tia falecera há um ano, então ficaram aos cuidados apenas do tio, irmão mais velho do pai.

Após o ocorrido com as roupas, o Sr. Austen estava mais tranquilo com as sobrinhas. Pelo que as duas puderam perceber, era um senhor muito gentil e educado, mas que sabia ter pulso firme quando necessário. Apesar de ter se exaltado com as duas, na hora do chá, mostrou-se amável e preferiu encerrar de vez o assunto, para evitar o falatório da vergonha do dia.

O Sr. Austen, com o término da hora do chá, retirou-se para escrever uma carta a amigos de Londres. Enquanto isso, Lídia teve a ideia de ir à biblioteca, pois, talvez, o livro esquisito estaria por lá. Sofia concordou, sem antes pedir:

─ Mas, se o encontrarmos, vamos apenas escondê-lo no quarto, pode ser?

─ Que papo é esse, Sofia?

─ É que ainda não conhecemos nenhum cavalheiro...

─ Ai, não creio! Mano, Sofia, você quer continuar participando da história só pra paquerar um boy mauricinho? Minha filha, eu quero ir pra casa. Se eu tiver que tomar mais uma xícara de chá, eu prefiro morrer!

─ Por favor, Lídia, sei que parece besteira, mas quero tanto conhecer o jovem rapaz que irá me cortejar. Além disso, não completamos nem um dia aqui.

Lídia, fuzilando a irmã com os olhos, não disse mais nada. Seguiu em direção ao corredor que ela supôs levar à biblioteca. Sofia a seguiu, resignada. O corredor abrigava tantas portas enormes, que elas precisaram checar uma por uma, até se cansar. Finalmente, quando a biblioteca foi encontrada, Sofia admirou a imensidão do lugar, sabendo que aquele seria seu canto favorito da casa. Eram tanto volumes, tantas estantes, que seu coração chegou a acelerar de tamanha alegria. Já Lídia, a única coisa que conseguiu pensar foi como deve ser horrível tirar a poeira daquilo tudo.

Lídia foi procurar na parte direita da biblioteca, enquanto Sofia ficou com a parte esquerda. Minuciosamente, procuraram livro por livro, dando preferência pelos de capa avermelhada, embora não descartaram a hipótese do livro mágico estar com outra cor naquele lugar. Ficaram mais de duas horas, tirando e colocando livro das prateleiras, verificando se em algum o poema era encontrado. Foram interrompidas com a chegada da Srta. Bates, a qual chamava-as para a sala, onde uma visita as aguardava.

─ Ainda falta uma parte que não vimos ─ comentou Lídia, mantendo a esperança. ─ Mais tarde a gente volta.

Sofia concordou, assim as duas saíram da biblioteca, seguindo a Srta. Bates. Chegando à sala, viram o Sr. Austen conversando alegremente com um cavalheiro de idade aproximada a sua. No sofá, uma senhora e uma moça permaneciam em silêncio. E, na janela, olhando para a paisagem das terras de Northfield Park, havia um rapaz.

Quando as irmãs entraram, as mulheres levantaram-se do sofá, e, assim como os homens, cumprimentaram Sofia e Lídia educadamente. As duas não faziam ideia de quem eram aquelas pessoas e temiam que, na história, já tivessem conhecido. Sofia era a mais receosa, almejando fortemente evitar constrangimentos. Contudo, era a primeira vez ─ literalmente ─ que as irmãs viam aquele grupo.

O Sr. Austen fora encarregado de fazer as apresentações formais. O senhor com quem ele conversava era o Sr. Watson, acompanhado por sua esposa, a Sra. Watson, e sua filha, Anne. O rapaz era o sobrinho do Sr. Watson.

─ Este é o Sr. Stone, filho da irmã do Sr. Watson ─ disse o Sr. Austen, apresentando o jovem às sobrinhas.

Sofia logo percebeu a beleza do rapaz, não conseguindo disfarçar seu rubor e seu sorriso bobo. Lídia, revirando os olhos, notou a reação de sua irmã, beliscando, disfarçadamente, seu braço, com o intuito de chamá-la de volta à Terra. Sofia olhou feio para a mais nova, mas logo seu sorriso voltou ao rosto quando o Sr. Stone mostrou-se interessado em conversa com ela.

Lídia, não tendo mais a irmã como refúgio, fora fazer companhia à Sra. e à Srta. Watson. A Sra. Watson, Lídia logo se deu conta, era uma mulher que adorava uma fofoca, assim, quando teve a oportunidade, logo começou a falar pelos cotovelos de pessoas que Lídia não fazia ideia de quem seriam.

Os Watson eram novos na cidade, mas eram velhos amigos do Sr. Austen. Assim que a oportunidade surgiu, foram fazer-lhes uma visita. Vieram de uma cidade distante cujo nome as meninas não se deram ao trabalho de decorar. Por conta de algumas dívidas do Sr. Watson, tiveram que diminuir as despesas, morando em uma casa um pouco menor do que estavam acostumados. O Sr. Austen ajudou a encontrar um lar novo e que coubesse no orçamento da família. Apesar da choradeira, Lídia percebeu que não era nenhuma mudança radical. Mais tarde, quando ela e Sofia foram visitar os Watson, notou que a casa era confortável, grande e chique.

─ Então, Srta. Lídia ─ falou a Sra. Watson, olhando alternadamente para ela e Sofia. ─ Acho que meu sobrinho e sua irmã estão se tornando amigos bem próximos, não acha?

Lídia sentiu a pontada da malícia no comentário da Sra. Watson, mas não conseguiu responder, porquanto a Srta. Anne a interrompeu, visto que, assim como a mãe, também adorava um mexerico.

─ É verdade, mamãe, também reparei nisso. ─ Deu um risinho que fez Lídia erguer uma das sobrancelhas. ─ O meu querido primo é um rapaz muito bonito, é verdade. Tenho certeza de que sua irmã também reparou nisso. ─ Outro risinho, mais agudo do que o primeiro. ─ Acho que eles formam um belo casal, não acha, Srta. Lídia? Eu sou ótima em dar palpites sobre casais. Acredito que ali, daqui a algum tempo, resultará em casamento.

─ Casamento? ─ Lídia arregalou os olhos. ─ Você só pode tá maluca!

Espantadas com o modo de falar da Srta. Austen, permaneceram em um momentâneo silêncio constrangedor, interrompido, em seguida, pela Sra. Watson, a qual completou:

─ O Sr. Stone é um rapaz muito distinto, Srta. Lídia. Seus pais não são pessoas de grande fortuna como eram os da senhorita e de sua irmã, mas possuem uma renda boa o suficiente para garantir conforto à família e boa educação aos filhos. O Sr. Stone é o mais velho de quatro filhos, sendo o único homem. Ele herdará tudo do pai quando este vier a falecer. É um ótimo cavalheiro! A moça que se casar com ele, certamente será a mais feliz e afortunada deste mundo.

─ Tudo muito legal, tudo muito bonito ─ interrompeu Lídia. ─, mas acontece que minha irmã tem só dezenove anos.

─ Oh, Srta. Austen, como a senhorita me diverte ─ riu a velha senhora, acompanhada pelo risinho irritante da filha. ─ Dezenove anos é uma ótima idade para uma moça se casar. Eu mesma me casei antes, aos dezessete, idade da minha querida Anne.

─ Eu tenho dezessete! ─ exclamou Lídia. ─ Nem consigo imaginar casando aos trinta, quanto mais aos dezessete!

─ Trinta anos! ─ gargalhou a mulher novamente. ─ Querida Srta. Lídia, aos trinta anos nenhuma mulher consegue casar mais. Se há casos, são raríssimos. Aos vinte e sete anos a mulher que não conseguir casar, tornar-se uma solteirona.

─ Deus evite que eu seja uma solteirona, mamãe ─ benzeu-se Anne. ─ Pretendo casar-me o quanto antes e formar a minha família.

─ Você se casará, minha querida. Pretendentes não lhe faltarão, eu garanto. ─ Mirando Lídia com doçura, a tranquilizou:  ─ A senhorita também não precisa se preocupar, Srta. Austen. Logo, logo um cavalheiro distinto se apresentará à senhorita, fazendo o feliz pedido.

─ Não pretendo casar e acho essa coisa de solteirona uma grande baboseira.

─ A senhorita é muito espirituosa, Srta. Austen.

Mãe e filha começaram a rir mais uma vez. Lídia preferiu permanecer em silêncio para não ter mais aborrecimentos sobre assuntos tão ridículos.

Do outro lado da sala, Sofia, ao contrário da irmã, felicitava-se por ter uma companhia tão agradável. O Sr. Stone era o cavalheiro de romances que Sofia sempre sonhou em conhecer. Era bonito, gentil, educado, elegante e inteligente. Conversava sobre poesias e viagens, deixando a jovem admirada por tamanha beleza de personalidade.

─ A senhorita me daria o prazer de sua companhia amanhã? ─ perguntou, cortesmente. ─ Pretendo conhecer melhor a região, e, como a senhorita nasceu aqui, acredito que seja a pessoa mais indicada para tal tarefa, obviamente, se não for nenhum incômodo.

─ Será um prazer acompanhá-lo, Sr. Stone.

Sofia estava tão hipnotizada pelo rapaz que nem se deu conta de que ela mesma não conhecia nada da região. Porém, era um detalhe pequeno; poderia muito bem conhecer o lugar juntamente com o charmoso Sr. Stone.

Todos conversavam e se conheciam, até o momento em que o Sr. Watson pediu à filha que tocasse uma música no piano e prestigiasse a todos com sua linda voz. De fato, Anne Watson tocava e cantava muitíssimo bem. Quando terminou sua apresentação, fora muito aplaudida e elogiada por todos. Para também mostrar o talento de suas sobrinhas, o Sr. Austen pediu à Lídia que tocasse uma canção aos presentes. Nesta momento, Sofia a encarou e viu o semblante assustado da outra.

─ Acho que minha irmã não está disposta, senhor. ─ Rapidamente Sofia foi ao socorro da caçula. ─ Acho melhor deixarmos para outro dia.

─ É isso aí, minha gente ─ reforçou Lídia. ─ Só teremos o show da Anne por hoje. Que pena.

─ Então vá você, querida Sofia ─ insistiu o tio.

─ Eu? ─ Sofia engoliu em seco. ─ Não, melhor não.

─ Uma das duas, por favor, precisa tocar uma canção para os nossos convidados ─ pressionou o Sr. Austen, impaciente.

─ Tá bom, tá bom, eu vou ─ deu-se por vencida Lídia.

Sofia, perto da irmã, sussurrou:

─ O que pensa que está fazendo? Você não sabe tocar piano.

─ Sei uma música ─ foi a resposta de Lídia.

Sofia olhava a irmã em pânico. Premeditava que Lídia estragaria a noite com alguma performance embaraçosa. Lídia, segura de si, direcionou-se ao piano e, quando estava diante das teclas, estralou os dedos das mãos e o pescoço. Sofia balançou negativamente a cabeça. Com os dedos preparados, ela começou a tocar. Assim que Sofia reconhecera a música pelas primeiras notas, bateu a mão no rosto, prevendo o vexame que se seguiria. Quando Lídia começou a cantar, todos da sala olharam um para o outro, perguntando-se onde Lídia encontrara aquela canção.

A verdade é que Lídia sabia, sim, tocar uma única música no piano, e esta música era Bad Romance, de Lady Gaga. Sofia não sabia onde se esconder. Queria tirar a irmã do piano, mas achou que isso seria deselegante demais. Ao terminar sua apresentação, os aplausos vieram hesitantes e desconcertados. 

─ É, de fato ─ comentou a Sra. Watson, um tanto espantada. ─, uma canção... peculiar. De quem é a autoria?

─ Lady Gaga ─ respondeu Lídia.

─ Pertence a uma lady? Não a conheço.

─ Foi uma apresentação... Diria que foi... Instigante ─ completou o marido.

O Sr. Austen olhou Lídia abismado, mas esta não se deu conta do que acabar de causar em seus espectadores. Na verdade, Lídia estava bem contente com sua apresentação. Por isso, quando perguntou à irmã o que achara, com um sorriso no rosto, não foi com o objetivo de provocá-la.

─ Lídia, você trouxe uma música da nossa época pra cá! ─ murmurou Sofia, irritada. ─ Tem noção do que você fez?

─ Sim, arrasei!

─ Não, Lídia ─ impacientou-se Sofia. ─ Você deixou a todos constrangidos, sem falar o que vão pensar de você. Você será mal falada pela cidade. Será taxada de grosseira e vulgar.

─ Só pode tá de sacanagem com a minha cara, né!

─ Para de falar desse jeito.

─ Eu falo como eu quiser e faço o que eu quiser. Tô pouco me lixando pra a opinião desse povo. Credo, que gente chata! A mulher nessa época não pode fazer nada, exceto casar, isso pode, e o quanto antes, melhor. Foi isso que a velha e a filha de risadinha falaram.

─ Sra e Srta. Watson, Lídia! É assim que você deve chamá-las.

─ Tanto faz! ─ deu de ombros. ─ Só sei que isso aqui é um tédio e eu quero voltar pra casa.

Foram interrompidas pelo Sr. Stone que fora se despedir das duas, em especial, de Sofia. Esta rapidamente esqueceu-se da irritação com a caçula quando Thomas Stone beijou sua mão. Aquilo fez Sofia ter borbulho no estômago, que Lídia, mais tarde no quarto quando conversaram sobre o assunto, assegurou serem gases.

A visita partira, deixando os Austen a sós. O tio não teve reclamações a respeito do comportamento de Sofia, comentando o quanto o Sr. Stone simpatizara com a moça. Já Lídia, pediu-lhe mais compostura e educação, e, de preferência, nunca mais tocasse piano.


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Notas finais do capítulo

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