Present Perfect escrita por rvolcov


Capítulo 9
8. Reducto


Notas iniciais do capítulo

OLHA A TRETA AÍ, GENTE!



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Definições iniciais com base no universo mágico de Harry Potter, da autora J.K.Rowlling:

1.Reducto: maldição capaz de explodir objetos sólidos em pedaços.

2.Maldição: ferramenta das Artes das Trevas. Tipo de feitiço usado com a intenção de causar algum dano realmente negativo no alvo atingido.

 

Capítulo 8. Reducto

21/12/2008

— Vocês só podem estar de brincadeira comigo! - Georgia exclamou nervosa ao encarar os quatro pré-adolescentes sentados à sua frente.

Alexander deu um sorriso nervoso. Ele, Amy, Ethan e Hollie amontoavam-se próximos à lareira acesa. Uma lamentável tentativa de conseguir aquecer o corpo e evitar que as extremidades se perdessem por congelamento, dado o tempo que haviam passado em contato com baixas temperaturas.

A sensação de alegria era tão ridiculamente forte que Amy nem mesmo conseguia substituir a expressão de orgulho por uma de arrependimento. Estavam encrencados, como sempre, mas pelo menos ela e Alec estavam no time vencedor da disputa.

Quando os segundos de silêncio - rompido apenas pelos estalos da lenha em chamas - começaram a estender-se demais, a mãe dos gêmeos pronunciou-se outra vez:

— Quem foi que teve a brilhante ideia de começar uma guerra de bolas de neve dentro de casa?

A situação seria cômica se Georgia não estivesse tão vermelha e prestes a explodir.

A sala inteira estava terrivelmente bagunçada, seus móveis espalhados aleatoriamente por todo o espaço - para formar as barreiras de defesa na batalha estratégica travada pelas crianças - e como se não fosse suficiente, a neve começara a derreter por conta da temperatura regulada pelo termostato dentro da casa, fazendo com que pequenas poças se formassem sob o carpete e também pela mobília.

Apesar da pergunta geral, seu olhar não desviou-se do de Amelia em momento algum. E embora aquilo massageasse seu ego, a menina não achava muito justo o modo como sempre acabava rotulada como a mente por trás dos crimes.

É claro que aquela suposição se provava certa na grande maioria das vezes, mas a forma como os pais a culpavam sem nem ao menos titubear denunciava o quão parcial era o julgamento deles.

— A ideia nunca foi exatamente começar uma guerra dentro de casa.

Georgia arqueou uma sobrancelha em ceticismo, mas antes que pudesse voltar a repreendê-los, quem assumiu foi seu marido.

— E qual era o brilhante plano original, Amelia?

— Amelia não. - A menina resmungou ao notar a presença do pai. Ela cruzou os braços sob o peito e não demorou a sentir uma cotovelada nas costelas do lado direito do corpo.

— Não é hora para essa discussão.

O olhar que Alec lhe lançou foi o básico “eu avisei” que qualquer irmão adora emitir e aquilo quase a levou a rolar os olhos. O gêmeo, assim como ela, adorava estar certo.

— Nós estávamos assistindo um episódio especial de natal de Kenan&Kel quando percebemos que seria uma boa ideia fazer bonecos de neve lá fora. - Ele respirou fundo antes de começar a explicar.

Seus pais os observavam com uma expressão tão séria que Amy sentiu receio de continuar. Teve a impressão de que cada frase acrescentada seria equivalente a mais tempo de castigo.

— Mas não parecia estar muito frio e ninguém estava com vontade de subir para colocar as roupas para neve - Hollie fez o possível para justificar. Ela esfregava as mãos juntas e tinha a ponta do nariz bastante avermelhada. - Então nós formamos duplas.

— E resolvemos ver em quanto tempo a gente conseguia fazer um boneco de neve sem morrer congelado no processo - Amy completou, finalmente conseguindo fazer os dentes pararem de bater por conta do frio. - Foi basicamente isso.

— E como foi que isso saiu do quintal e chegou até a sala de casa?

Todos os pares de olhos voltaram-se para Ethan, que havia acabado de erguer uma das mãos. O rosto tão vermelho quanto um tomate - fosse pelo frio ou pela vergonha, seria difícil dizer - e um sorriso envergonhado nos lábios.

— Eu tropecei.

— E aí voou neve direto na cara da Amy - Hollie continuou.

— Que não gostou muito da ideia. - Alec acrescentou e Amy fez uma careta ao murmurar um “duvido que alguém fosse gostar”. - E atirou neve de volta.

— Mas a mira dela é tão ruim que acabou acertando a Hollie.

A ruiva não pareceu muito feliz com o comentário de Ethan acerca de sua pontaria, mas achou melhor não retrucar em voz alta. Contentou-se em beliscá-lo no braço para fazê-lo ficar quieto.

O olhar que ele lhe lançou não foi nada bonito. A menina não duvidava nem um pouco que caso ele tivesse os superpoderes de Clark Kent, ela definitivamente seria fundida, vítima de um zilhão de raios de visão de calor.

— E eu estava bem na porta, porque tinha corrido até a cozinha para pegar uma cenoura pro nariz do nosso boneco. - Hollie lembrou com infelicidade. - E foi assim que a neve entrou em casa.

— Não teria entrado tanto se você tivesse lembrado de fechar a porta. - Amy acrescentou e recebeu um olhar acusatório da prima. - Foi mais ou menos aí que as coisas saíram um pouco de controle.

— Só a partir daí? - Georgia questionou com uma sobrancelha arqueada e as crianças trocaram uma série de olhares culpados.

— Ou talvez um pouco depois, quando a Hollie resolveu se esconder atrás da pilastra para atacar de volta. - Ethan ponderou e os outros assentiram com a cabeça. - A bola de neve dela acertou a Amy com tanta força que ela quase caiu pra trás.

— E então o Alec veio atrás de mim carregando um balde de munição e eu me escondi atrás do sofá, porque receber boladas de neve dói.

Hollie cruzou os braços de maneira acusatória e foi a vez de Alexander rolar os olhos.

— É claro! - Disse na defensiva. Um punhado de neve estava começando a derreter sob seus cabelos negros, grudando-os em sua testa e ele os afastou com irritação.  - Eu não podia deixar você atacar a minha irmã daquele jeito.

Amy colocou uma mão sob o ombro do irmão para acalmá-lo e então tornou a falar, atraindo a atenção do grupo para si.

— E enquanto os dois começaram a brigar na sala, eu e Ethan meio que começamos uma pequena guerrinha na entrada também.

— Pequena? - Ele indagou com sarcasmo e o fogo estalou alto atrás de si em uma sincronia invejável. - Eu estou com um roxo enorme na testa, sua mira pode ser ruim, mas quando você acerta…

Amy tentou não rir ao contemplar o pequeno galo que se formava no rosto do menino. Ela fez menção de tocá-lo com o indicador, mas Ethan afastou sua mão com uma rapidez assustadora.

— No final, o culpado foi o Ethan, que começou tudo - Alec concluiu com um dar de ombros que fez o outro garoto arregalar os olhos em choque.

— Mas todo mundo participou! - Protestou indignado.

— O que torna todo mundo culpado. - Amy disse aquilo que parecia óbvio para todos, mas não agradava os menores de treze anos. - Ou inocente, depende muito do ponto de vista.

— E se todo mundo é inocente… - Alec tornou a dizer com um meio sorriso travesso.

— Então temos mais um caso encerrado. - Hollie falou, levantando-se do degrau de mármore em frente à lareira e estendendo a mão para que o primo a seguisse. - Foi um prazer compartilhar esse julgamento com vocês, companheiros.

Charles e Georgia encararam toda a cena com as sobrancelhas igualmente arqueadas.

— Onde vocês pensam que vão?

— Tomar um banho pra não morrer de hipotermia? - Hollie sugeriu ao tio, que parecia fazer um tremendo esforço para segurar o riso.

Georgia, por outro lado, não se deu por vencida.

— Tomar um banho pra não morrer de hipotermia e depois sentar num canto para refletir sobre as como guerras de neve dão errado se não são planejadas? - Amy tentou com um sorrisinho receoso ao usar as mãos do irmão como apoio para levantar-se também.

— Tomar um banho para não morrer de hipotermia e depois refletir sobre tudo o que fizemos de errado, incluindo guerras de neve em lugares inapropriados?

— Gostei dessa última opção, Alec. - Charles acenou com a cabeça e então foi a vez de Amy estender a mão para que Ethan pudesse erguer-se sem correr o risco de escorregar para dentro da lareira.

— Onde vocês pensam que vão?

Os quatro congelaram no lugar que ocupavam como se tivesse sido atingidos por um raio do Gelado, dos Incríveis.

— Tomar banho? - Amy foi a única corajosa o suficiente para se manifestar.

— Sim, mas não no mesmo lugar. - Georgia disse o óbvio, frustrando os planos que começavam a se formar acerca de um banho coletivo na jacuzzi que havia no porão da casa -  Quero meninos em um banheiro e meninas no outro. Depois, cômodos separados.

— Mas, mãe!

— Sem “mas mãe”. - Georgia cortou os protestos da menina, sabendo que na menor brecha, ela voltaria a argumentar para tentar reverter a situação - E só para lembrar, estão de castigo.

Ethan resmungou um pouco ao afastar o que restava de neve de suas roupas e despedir-se dos amigos, estava a meio caminho da porta principal quando Charles o chamou.

— Não tão rápido, rapazinho. O castigo também inclui você.

Era realmente uma infelicidade que a madrasta do garoto fosse tão boa amiga dos McKinnon. Sua família e a de Amy haviam desenvolvido tamanha relação nos últimos anos que os pais um do outro compartilhavam até mesmo os direitos de punição das crianças.

O fato dele, Amy e Alec viverem aprontando contribuía muito para isso, é claro.

— Droga - Ele exclamou infeliz e após alguns passos de distância em direção às escadas, aproximou-se de Amy para murmurar em seu ouvido. - Eu não disse? Nós sempre somos pegos.

— A magia às vezes falha. - A menina deu de ombros ao subir os primeiros degraus. - Talvez seja hora de retirar uma senha e ir reclamar na central de atendimentos ao consumidor.

— Será que ainda aceitam devolução de melhor amiga? - Indagou curioso e a menina o empurrou com os ombros, fazendo-o bater de leve contra a parede.

— Depois de quatro anos e meio? - Ela arqueou as sobrancelhas de maneira desafiadora. - Vai sonhando, Ethan. Você nunca mais vai se livrar de mim.

 

10/07/2017

Eles esperaram até o final da tarde para finalmente conhecer a área temática de Harry Potter, pois Amy afirmara com afinco que a visão do beco diagonal ao pôr do sol deveria ser de tirar o fôlego. E bom, ela não estaria errada se não fosse o fato de que era verão e o sol em Orlando só iria se pôr mesmo próximo das nove horas da noite.

Depois de quase infartar de susto com o enorme dragão sob o banco de Gringotes - que rugiu e cuspiu fogo sem aviso logo que adentraram o beco -, eles enfrentaram a fila de quase cinquenta minutos para o simulador barra montanha russa que era a escapada daquele mesmo banco e Ethan aproveitou o momento para conversar um pouco mais com o cunhado e a irmã, já que ele só conseguia encontrar os dois durante as férias de verão e inverno, quando ele ia até Manchester visitar o pai. Ao final da atração o grupo dispersou-se pela primeira vez desde que haviam se reencontrado.

Ainda tentando recuperar-se da injeção de adrenalina provocada pelo simulador, Ethan decidiu entrar no The hopping pot, um dos bares existentes por ali, e comprar uma dose de Fire Whiskey. Além de ser um dos poucos drinks que de fato continha álcool, Ethan também sempre tivera bastante curiosidade quanto ao gosto da bebida que era mencionada nos livros da saga. Para sua frustração, descobriu não tratar-se de nada muito novo:  apenas um leve gosto de canela e a ardência agradável que aquele líquido sempre trazia.

Sentado em uma das mesas decorativas do bar, ele viu Hollie arrastar Connor pela mão para dentro do Amazing Pictures, uma lojinha de souvenirs que permitia ao cliente tirar fotos como famosos em capas de revistas - o que era a cara de Hollie, que lutava pelo reconhecimento na atuação e em seus vlogs - e quando Amy, após sair da loja de varinhas do Sr. Olivaras, parou junto do irmão e Cassie em frente a um sinal no chão que informava a possibilidade de realizar feitiços: com o movimento correto da varinha interativa, um pouquinho de mágica poderia acontecer ali e os três logo se puseram a tentar, um de cada vez.

Por um segundo, Ethan se permitiu sorrir ao vê-los tão próximos.

Ele sentiu um formigamento nos dedos, uma vontade louca de juntar-se a eles como nos velhos tempos, mas forçou-se a tomar mais um gole da bebida alcoólica e desviar o olhar, contentando-se em observar os artigos e roupas de quadribol expostos em uma vitrine do lado oposto. Talvez ele devesse comprar um cachecol e suéter da Lufa-Lufa como recordação ou uma coruja de pelúcia como Edwiges de presente para a mãe. Seria muito mais produtivo do que ficar ali, ressentindo-se pelos tempos passados.

Caminhou sozinho pelo beco diagonal depois de terminar o drink, entrando e esmo nas lojas e gastando alguns dólares com coisas aleatórias apenas por ser apaixonado por aquele universo e querer levar um pouco de tudo para casa. Depois de adquirir seu mais novo brinquedo na loja do Senhor Olivaras, o que lhe rendeu inúmeros minutos em uma fila tremenda com turistas dos mais diversos países - ele chegou até mesmo a trocar algumas palavras com uma brasileira atraente que parecia muito perdida e tratou de ajudá-la a encontrar a Varinha das Varinhas que ela vinha procurando -, uma nova fase avançada no Candy Crush - que por conta da dificuldade acabara com as vidas que lhe restavam e obrigou-o a parar de jogar -  e  50 dólares a menos na carteira, ele também parou algumas vezes para tentar lançar feitiços com a própria varinha interativa.

O objeto era do modelo de Freixo, assim como dizia a descrição da árvore celta para seu aniversário, no sétimo dia de março. Havia uma descrição na caixa sobre como pessoas desse tipo eram gentis e generosas, além de alertá-las para que seus corações românticos não os guiassem rumo ao perigo.

Ethan achava bastante irônico o fato de até sua varinha indicar sua tendência ao papel de trouxa.

Ele havia acabado de conseguir lançar um Tarantallegra— um feitiço que achara particularmente difícil e demandara algumas boas tentativas - fazendo com que as cortinas vermelhas de uma loja se abrissem e revelassem vários marionetes de trasgos, vestidos em tutus de balé ao dançar por um pequeno palco, quando avistou uma enorme loja de fachada roxa, com muitos detalhes cor de laranja e diversos desenhos nas paredes. Parecia absurdo que a figura de um boneco ruivo gigante tirando e colocando a cartola repetidamente lhe houvesse passado despercebido antes e ele achou-se um tremendo idiota por isso.

Ethan suspirou com satisfação ao ler o logo Gemialidades Weasley sob a porta de entrada. Sentia-se como o Coiote quando lhe surgia um novo plano para tentar capturar de vez o Papa-léguas. Não duvidaria nem um pouco se lhe dissessem que caminhava com uma lâmpada acesa flutuando sob sua cabeça.

No final das contas, talvez não lhe faltasse tanta criatividade assim.

 

**

 

Passava das oito e o céu da Flórida começava a dar os primeiros sinais da noite que viria, de modo que todos acabaram combinando pelo grupo no whatsapp de reagrupar-se em frente à escura fonte com o cupido no topo - na parte trouxa que ligava o parque ao Beco Diagonal - para que pudessem jantar juntos no Caldeirão Furado.

Ethan estava sentado confortavelmente em um dos bancos cor de creme. Tinha acabado de atualizar o stories de seu instagram com uma imagem do Knight Bus - o ônibus roxo de três andares que funcionava como uma espécie de transporte público no mundo bruxo - e agora analisava as fotos que havia tirado ao longo do dia: cenários de filmes clássicos,  montanhas-russas, selfies com personagens aleatórios, Connor comparando o tamanho de uma Turkey leg ao da cabeça de Alec... Estava particulamente interessado em uma, na qual capturara a representação da estação King’s Cross e os típicos apartamentos térreos londrinos com uma iluminação bacana, quando sua paz foi interrompida.

— Você é ridículo! - A voz de Amy exclamou indignada. Estava sem fôlego, como se tivesse corrido por um bom tempo até conseguir alcançá-lo.

Ele ergueu os olhos da tela do celular e a encontrou parada à sua frente. Tinha os braços cruzados sob o peito e uma expressão raivosa no rosto.

— O que foi? - Perguntou com uma inocência fingida e um arquear de sobrancelhas.

Aquilo pareceu multiplicar por um milhão a irritação que a garota sentia.

— “Me pergunte se sou um Weasley?”- Amy gritou, por pouco não enfiando o post-it amarelo canário (que passara um bom tempo colado às suas costas) em sua testa. Alguns transeuntes pararam suas conversas para observar o que estava acontecendo e pelo canto do olho, Ethan pôde ver Hollie aproximando-se discretamente com sua câmera de vlogger em mãos. - Você tem noção de quantas pessoas me pararam para fazer essa piadinha nas últimas três horas?

— Imagino que muitas. - Ele confessou e tentou não rir ao travar a tela do celular e guardá-lo no bolso da bermuda.

Era sua vez de não conseguir esconder a satisfação por ter conseguido revidar e gerar tamanha fúria na ruiva.

— Você sabe o quanto eu odeio essa piada!

Ethan riu fraco ao levantar-se para encará-la. Com o passar dos anos, ele não só conseguira alcançar a garota em altura como agora era quase uma cabeça mais alto do que ela.

— Você sabe o quanto eu adoro dormir, mas isso não pareceu te impedir de espalhar mais de uma dúzia de despertadores pelo meu quarto.

Por um momento, Amy sorriu ao lembrar-se da artimanha da última noite. Então seu rosto fechou-se em uma careta nervosa que quase fez com que calafrios passassem pela espinha de Ethan.

Quase.

— Foi você quem começou tudo sendo insuportável! - Ela disse agitada, descruzando os braços para apontar um dedo em sua direção.

O humor sumiu das feições de Ethan, ele passou o peso do corpo para a outra perna antes de inclinar um pouco a cabeça e fitá-la nos olhos com uma seriedade que não estava ali antes.

— Eu só estava ficando longe, como você mesma mandou. Ou por acaso se esqueceu?

Amy expirou o ar com força, estava vermelha desde o pescoço até a ponta das orelhas e os olhos - costumeiramente verdes como esmeraldas - estavam tão cinzentos quanto a lâmina de uma adaga.

— E por que raios você precisa ser tão seletivo quanto ao que leva ou não pro lado literal?

Ethan fechou as mãos em punhos, os nós dos dedos ficando brancos por conta da força que fazia para não perder o controle.

Não adiantou.

— Porque eu sou a porra de um ser humano, Amelia! - E lá se fora toda a calma. Sua voz subiu algumas oitavas e ele não pôde deixar de notar a forma como ela se encolheu um pouco ao ser chamada pelo nome inteiro. - Não sou obrigado a adivinhar o que você quer que eu leve a sério ou não 100% do tempo.

Amy piscou algumas vezes, desnorteada com as acusações diretas em suas palavras. Então balançou a cabeça em negativa e escolheu focar a discussão no mais fútil dos tópicos, como se fosse essa a parte da história que estava realmente incomodando-a.

— Você selecionou meus feijõezinhos de todos os sabores para que todos tivessem gosto de vômito ou cera de ouvido!

Ethan deixou escapar uma risada incrédula que chamou ainda mais a atenção das pessoas ao seu redor. Agora podia ver claramente a câmera de Hollie apontada na direção dos dois.

Ótimo, ao menos sua desgraça renderia alguns views à menina.

Talvez o vídeo até mesmo viralizasse com algum título exagerado como: Trouxa é atacado por Weasley descontrolada no Beco Diagonal.

— Você me enviou uma bomba de glitter! - Ele rebateu no mesmo tom indignado.- Vou passar uma semana me sentindo em RuPaul’s Drag Race!

— Você adora esse show! - Amelia quase gritou descontrolada, agitando os braços como a descendente de italianos que o rapaz sabia que ela não era. - Ou pelo menos adorava.

Ethan estreitou os olhos e sorriu cínico.

— Isso não significa que eu queira encontrar glitter em toda porra de lugar que eu olhe! - Explicou o óbvio, esticando a gola da camisa para provar o quanto ainda estava brilhando.

Amy parou para encarar o resultado de sua brincadeira, o peito subindo e descendo em respirações irregulares como sempre acontecia quando alguém a irritava demais.

— Isso não vai acabar aqui, Ethan. - Disse, em um tom mais baixo, como se tivesse decidido justamente agora que não queria chamar atenção.

Ethan deu um passo à frente e colocou uma mão sob o queixo da menina, obrigando-a a fitá-lo nos olhos e verificar a seriedade em suas palavras.

— Eu não disse que acabava,  Amelia

Ela afastou sua mão como se tivesse acabado de levar um choque elétrico de alta voltagem.

— Eu não gosto que me chamem de Amelia!

Ethan analisou a feição frustrada no rosto corado da ruiva, havia uma conhecida covinha em seu queixo que somente agora que estavam próximos o suficiente ele conseguia lembrar que sempre esteve lá.

Sacudiu a cabeça para afastar os pensamentos inoportunos e respirou fundo, dando de ombros ao deixar que as mentiras deslizassem por seus lábios:

— Eu não me importo.

Por um segundo, Ethan não teve certeza se havia mesmo proferido as palavras ou se elas haviam ficado apenas em sua cabeça. Amy continuou o fitando com a mesma expressão de antes e ele fez menção de dar as costas e se afastar.

Ela deu mais um passo, encurtando ainda mais a distância entre os dois e por míseros dois segundos Ethan foi trouxa o suficiente para achar que Amy fosse beijá-lo.

E então ela o atacou.

Digo… A ruiva literalmente fez como no dia em que os dois se conheceram aos oito anos de idade - quando Ethan por acaso escolhera comer o cupcake de Pistache que ela queria - e pulou em sua direção. Amy montou em seu peito, prendendo as pernas ao redor de sua cintura e começou a socar seus ombros como se sua vida dependesse disso.

Era como se de repente ela pudesse ver através da névoa que diziam separar o mundo real do  mitológicos e percebido que Ethan na verdade era alguma espécie de monstro a ser combatido, como um minotauro ou uma hidra.

Ele quase pendeu para frente por conta do súbito aumento de peso.

— Mas que raios? - Disse ainda em choque ao tentar fazer com que a garota saísse de seu colo. - Amelia, você enlouqueceu?

— Eu vou matar você se me chamar de Amelia mais uma vez! - Ela grunhiu, agora avançando para seu pescoço. Para um observador distante aquilo até poderia ser considerado uma espécie de reencontro romântico e fofinho de um casal que há muito não se via, mas considerando a forma como a garota apertava com força sua garganta, Ethan sabia que ela estava apenas exteriorizando o Norman Bates que existia dentro de si.

Ele se chacoalhou mais algumas vezes antes de perder a paciência e puxá-la de volta para o chão de modo que pudesse fitá-la nos olhos e questioná-la quanto ao status de sua sanidade mental. O que encontrou, para sua total surpresa, foi a feição torturada de alguém que estava fora de si.

Amy havia sido tomada completamente pelo ódio, seu rosto e pescoço estavam quase tão vermelhos quanto seus cabelos, e os olhos verdes, marejados.

Por alguns instantes, ao tê-la tão magoada e vulnerável à sua frente, Ethan sentiu tanta raiva de si mesmo que considerou a possibilidade de pedir desculpas. Mas então lembrou-se que não era dele que deveria partir a iniciativa e recuou.

Devia aquilo ao seu orgulho.

Ela parecia prestes a atacá-lo uma outra vez quando Alec apareceu para interferir.

— O que você fez agora? - Perguntou raivoso, pousando uma das mãos sob o rosto da irmã para verificar, com preocupação, o que havia acontecido..

Ethan não gostou nem um pouco do tom acusatório em suas palavras.

— O que te faz achar que fui eu? - Rebateu na mesma entonação agressiva.

Seu cunhado riu com um sarcasmo que o incomodou.

Sempre é você, Ethan.

— Eu estava tranquilo no meu canto praticando o deboísmo. - Defendeu-se, mas a verdade era que estava mesmo se irritando com a forma condescendente com a qual o rapaz o encarava. - Foi a louca da Amelia quem resolveu abandonar o mundo civilizado e partir pra agressão física.

Como se para provar seu argumento, a ruiva grunhiu ao ouvir o próprio nome. Ele pôde ver quando as mãos de Alexander cerraram-se em punhos.

— Eu acho melhor você ir embora. - Disse de súbito e o rapaz não pôde deixar de sentir-se ofendido e injustiçado. Por que raios apenas ele tinha de sofrer com as consequências de suas brigas com Amy?

Ele viu o modo como o restante de seu grupo de amigos aproximava-se - com aquela curiosidade e disfarçada com cautela - e decidiu a contragosto acatar a sugestão de Alexander antes que as coisas saíssem ainda mais de controle e ultrapassassem limites desagradáveis.

            - Vou pegar um Uber de volta para o hotel.

O anúncio pegou sua irmã de surpresa.

— Mas já? Nós ainda nem jantamos, temos reservas no Caldeirão Furado para daqui a dez minutos!

Seu cunhado rolou os olhos.;

— Existe serviço de quarto no hotel do seu pai. Ele vai sobreviver e nem vai ter de pagar a refeição.

Cassie fitou o noivo como se ele tivesse lhe atingido com um cruzado no estômago por tamanha falta de educação e sensibilidade para com seu irmão.

— Mas e o espetáculo sobre os cem anos de história do cinema? - Indagou, sem conseguir entender a súbita mudança de planos do rapaz. -  É a última atração da noite e você estava tão empolgado para assistir!

Ethan respirou fundo. Se fosse honesto consigo mesmo saberia que no fundo o que realmente queria era ficar, curtir a oportunidade que era estar em um dos parques temáticos mais famosos do mundo e divertir-se um pouco mais. No entanto, o olhar que Alec lhe lançava deixava bastante claro o quão indesejada era a sua presença agora.

— Não estou me sentindo muito bem, acho que comi vomitilhas e sapos de chocolate demais - Disse, antes de despedir-se com um beijo no topo de sua cabeça loira. - Nós nos vemos amanhã.

— Quer que eu vá com você? - Connor questionou preocupado e ele negou com a cabeça, lançando um olhar sugestivo em direção à Hollie.

— Vocês tem mais duas horas de parque para aproveitar. - E Ethan não queria estragar a noite de mais ninguém por conta de seus problemas mal resolvidos. A ruiva era tão culpada quanto ele pelo clima ruim que acabara de se estabelecer entre todos, mas parecia bastante óbvio que o bode expiatório da história seria ele. Como sempre. - Alexander tem razão, caso eu me sinta melhor do estômago, posso pedir algo no hotel do papai.

Ele se despediu dos demais com um aceno antes de fitar Amy uma última vez. Ela já havia se recomposto e sustentou seu olhar como se aquela fosse uma competição e perdesse aquele que se atrevesse a piscar primeiro. Poderiam ficar nesse jogo pelo resto da eternidade, mas a parte racional de Ethan logo tomou as rédeas da situação, forçando-o a dar as costas antes que a ruiva libertasse a raiva em seu interior uma outra vez e destruísse ainda mais o pouco que restava de seu orgulho.

Não havia dado mais do que três passos quando algo passou voando por cima de seu ombro, parando a poucos centímetros de distância de seu pé direito com um barulho audível.

Ele olhou para a sacolinha de compras temática no chão, tendo a certeza de que o que quer que fosse que a garota havia comprado, definitivamente estava quebrado agora. E então voltou a caminhar rumo à saída.

Era trágico saber que um dos pontos altos de seu dia fora descobrir que a mira de Amy não havia melhorado nem um pouco ao longo dos anos.


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Notas finais do capítulo

Eu espero que os fãs de Harry Potter tenham conseguido se empolgar tanto quanto eu enquanto escrevia essa pequena homenagem a essa saga maravilhosa! Esse foi de longe o meu capítulo favorito e eu espero que vocês tenham gostado tanto quanto eu!
Por favor, não se esqueçam de me dizer o que estão achando da história até aqui, se gostaram, odiaram, se pegaram as referências ou se estão com vontade de matar um personagem específico hahahah eu Adoro ler cada uma das opiniões de vocês!
Um beijo e até o próximo!

Ps: eu fiquei em 2º lugar no concurso do @fanctions com uma short Jily que escrevi baseada no enredo proposto por esse tweet ""uma fic que lily trabalha em uma empresa e tenta sempre pegar vírus no computador pro gatinho da informática james potter ir lá arrumar". Aviso desde já que é do tipo NSFW (tbm conhecido como +18/restrita/hentai e etc hahahha), mas aos interessados, eis o link: https://fanfiction.com.br/historia/735414/O_cara_da_TI/

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