Present Perfect escrita por rvolcov


Capítulo 8
7. And so it begins


Notas iniciais do capítulo

VOCÊS ACHARAM QUE EU NÃO IA ATUALIZAR MINHA HISTÓRIA HOJE???



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Capítulo 7. And so it begins

10/07/2008

O salão de festas que o North Manchester General Hospital alugava para seus anuais jantares beneficentes era tão grande que fazia Ethan se sentir como Flik, a formiguinha estranha de Vida de Inseto,  filme animado da Pixar que Amy sempre encontrava uma forma de fazê-lo reassistir.

Sem brincadeira, eles já deveriam ter visto a mesma história uma dúzia de vezes desde que havia se conhecido.

De qualquer forma, o pé direito do salão era alto - e o garoto não duvidava que alcançasse o tamanho de um prédio de três andares - e a porção central superior ostentava um lustre que ultrapassaria com facilidade o valor do apartamento em que ele vivia em Chicago. Havia colunas gregas da ordem jônica - e Ethan apenas sabia disso porque sua mãe era uma exímia professora de história da arte, incapaz de parar de jorrar fatos aleatórios quando se tratava de qualquer coisa relacionada ao universo clássico antigo -  e capitéis simples sustentando um mezanino de meias paredes no mesmo estilo sofisticado das colunas. Toda a decoração havia sido feita em tons de branco e dourado, com arranjos florais coloridos no centro de cada uma das mesas redondas.

Era de tirar o fôlego.

Amy não demorou a aparecer ao seu lado, a feição curiosa para descobrir o que era aquilo que ele analisava com tamanha curiosidade. Mas não encontrou nada que não o quarteto de cordas tocando alguma sinfonia, provavelmente do alemão Bach - o pai dela tinha um certo vício em música clássica e o isolamento acústico na casa não era dos melhores, era simplesmente impossível encontrar um cômodo silencioso quando Charles decidia ouvir sua coleção em discos de vinil.

— O que está fazendo? - Ela perguntou algum tempo depois, entediada com a falta de atividade e Ethan não pôde deixar de rir.

Virou o corpo para poder cumprimentá-la com um beijo na bochecha e lhe dar um abraço forte por conta da saudade que sentia, depois, tentou disfarçar a surpresa ao deparar-se com a menina tão arrumada. Ela tinha os cabelos ruivos presos em uma trança desfiada e usava um vestido azul claro com detalhes em renda e alças finas, além de um bonito laço nas costas.

Normalmente, o máximo que Amy fazia quando estavam juntos era prender os cabelos em um rabo de cavalo alto para impedir que ele interferisse em suas experiências e reações químicas. Dessa vez, ela havia até mesmo passado um pouco de gloss nos lábios.

Ethan tentou não julgar, afinal, eles estavam sem se ver há quase seis meses e as coisas sempre costumavam mudar nesse período. Por exemplo: já não havia mais meia cabeça de diferença em suas alturas. Ele poderia jurar de pés juntos que não estava mais do que cinco centímetros mais baixo do que sua melhor amiga.

— Lembrando da minha mãe. - A resposta fez a menina franzir o cenho e ele sentiu a necessidade de explicar enquanto esticava a mão para pegar um aperitivo gourmet que um garçom lhe oferecera. - Ela ama arquitetura clássica, ficaria louca aqui.

— Por que ela não vem? - Amy só percebeu a inocência na pergunta quando ele mordeu o canapé e arqueou uma sobrancelha em sua direção, como se a resposta fosse óbvia. - Certo, é sua madrasta que trabalha no hospital, não faria sentido ela vir.

— E ela nunca viria até aqui. - Concluiu, terminando de mastigar e a menina lhe estendeu um guardanapo.

— Achei que ela e seu pai se dessem bem.

— E eles se dão. - Tentou explicar, mas nem ele mesmo entendia o relacionamento atípico de seus pais. - Mas acho que isso tem muito a ver com a ideia de ter um oceano de distância entre eles.

— Entendi. - Amy assentiu, ficando em silêncio quando ele resolveu que seria uma boa ideia colocar duas trouxinhas recheadas com carne seca na boca de uma vez só. Não coube e ele passou alguns segundos se sentindo como Theodore, de Alvin e os esquilos.— Você vai se sujar inteiro.

Ethan respondeu abrindo a boca para lhe mostrar a comida mastigada e a menina lhe deu um tapa no ombro em resposta.

— É por isso fazem a gente ficar preso naquele cubículo, você sabe, não é? - Ela indagou, apontando para a famigerada casa de vidro na qual todas as crianças menores de doze anos eram obrigadas a frequentar durante aquele evento anual.

Ethan suspirou feliz quando finalmente conseguiu terminar de engolir a comida.

— Apenas curta a sua liberdade, ruiva. - Disse limpando as mãos outra vez naquele mesmo guardanapo. - Isso sem esquecer que você me deve uma, é claro.

Amy - que estava a meio caminho de pegar um copo d’água de um dos garçons - interrompeu o movimento para fitá-lo com o cenho franzido.

— Ficou louco?

— Claro que não. - Ele riu e ela arqueou uma sobrancelha. - Mas você me fez esperar um ano a mais pela minha liberdade da casa de vidro, então está me devendo uma.

A ruiva rolou os olhos

— Ei, eu fiquei confinada naquele cubículo uma vez por ano nos últimos dez anos. - Disse séria.- Você só sofreu por quatro. Nada mais justo que passasse um tempo a mais por lá para me fazer companhia.

Foi a vez de Ethan expirar frustrado.

— Nem sei porque ainda discuto com você..

— Nem eu. - Ela deu de ombros antes de sustentar o copo e dar alguns goles na água. - Você sempre perde.

Ethan mostrou a língua a contragosto e a careta fez a menina rir, por pouco não cuspindo parte do líquido nele.

Quando ela pousou o copo de vidro sob uma das mesas redondas do salão, Ethan achou seguro passar um dos braços sob os ombros dela em um abraço lateral.

— O que fazemos agora que somos livres?

Amy mordeu o lábio inferior enquanto pensava.

— Zoamos os que não são? - Sugeriu com um sorriso travesso e aquilo o fez rir alto.

— O que você tem em mente, Cérebro?

— A mesma coisa que fazemos todos os dias, Pink: tentar conquistar o mundo.

— Mas não sem antes achar o seu irmão. - Ethan a lembrou e pôde ver o rosto da menina iluminar-se com um sorriso satisfeito.

— Como você sabia que eu ia chamar o Alec? - Ela indagou sem esconder a surpresa.

Ethan riu alto.

— Porque eu te conheço. - Disse convencido apertando o abraço e então deu de ombros. - E porque é sempre melhor dividir a bronca com mais alguém.

Amy o empurrou para o lado em protesto, mas ele a puxou de volta.

— Você fala como se fôssemos ser pegos.

— Porque nós sempre somos, cabeça de fósforos. - Ethan tentou lembrá-la das inúmeras vezes em que haviam recebido sermões dos pais desde que haviam se conhecido. - Nós sempre acabamos descobertos.

Amy o encarou com uma expressão convencida no rosto.

— Mas nem sempre ficamos de castigo. - Ela ressaltou o ponto mais fundamental de todos.

— Isso porque você é um gênio do mal. - Ethan também achou importante lembrá-la daquele detalhe. - Um gênio do mal com argumentos muito convincentes.

Amy ergueu o rosto e o fitou com seus brilhantes olhos verdes antes de sorrir satisfeita e dizer:

— Eu sei, obrigada.

 

08/07/2017

Poucas coisas haviam de fato mudado no parque da Universal Studios em Orlando desde a última vez que Ethan estivera lá, cerca de seis anos antes. Com exceção de uma nova atração temática do Meu Malvado Favorito substituindo a de Jimmy Neutron e o Beco Diagonal na nova área estendida com a temática de Harry Potter, a essência do lugar parecia exatamente a mesma.

Grupos de turistas compostos por casais das mais variadas idades, famílias e grupos de amigos caminhavam entusiasmado por entre as ruas largas. Dividiam-se entre chupar sorvetes e comer turkey legs, empurrar carrinhos de crianças e atrapalhar o fluxo de pedestres a cada dez metros, quando optavam por registrar digitalmente os incríveis cenários e personagens caracterizados.

Quando encontraram a Máquina do Mistério estacionada na mesma esquina em que Betty Boop posava para fotos, Connor parou de andar outra vez e Ethan deixou escapar um suspiro entediado.

— Você só pode estar brincando. - Reclamou ao receber o celular do amigo, que se dirigia para a pequena fila.

— Nem um pouco. - Ele respondeu antes de assumir a uma postura galanteadora e cumprimentar a personagem com um beijo em uma de suas mãos.

Ethan recostou-se na van colorida que fizera parte de um dos seus desenhos favoritos enquanto os dois à sua frente ajeitavam-se em uma pose ridiculamente obscena. Connor passou uma das mãos pela cintura de Betty Boop e ela cobriu uma das mãos com a boca em um choque fingido, o guarda-chuva vermelho pendia atrás dos dois, Ethan não fazia ideia de qual mão o segurava.

Ele bateu a foto e não demorou a notar Connor sussurrando algo no ouvido da moça caracterizada. Betty Boop corou violentamente e deixou escapar uma risadinha antes de pousar a mão sob o peito de seu amigo e escrever alguns números num caderninho de autógrafos que lhe fora estendido.

— Se continuarmos nesse ritmo, nunca vamos encontrar os outros. - Ethan murmurou a contragosto quando voltaram a caminhar.

Por conta do incidente com o glitter - que conseguira infiltrar-se por todos os lugares possíveis, impossíveis e desnecessários - os dois acabaram optando por deixar que os outros seguissem na frente enquanto tentavam lidar com a bagunça.

Considerando a inexecutável tarefa que é se livrar do pozinho colorido, todos os seus esforços falharam e tudo o que conseguiram depois de quinze minutos, foram duas trocas de roupa e inúmeras lavagens de rosto, além de sujar também o banco do Uber X que tiveram de pegar até o parque.

— Eles vão sobreviver. - Connor respondeu com uma piscadela por trás dos óculos de sol.

Eles passavam pela estátua de um pica-pau segurando uma pizza quando algo chamou a atenção de Ethan

— É o quarto número de telefone que você consegue. - Apontou ao vê-lo guardar o pequeno livro azul no bolso traseiro da bermuda cáqui. - Hollie sabe disso?

Connor tirou uma selfie com um Bob Esponja gigante antes de responder.

— Não só sabe como está fazendo o mesmo.

— Vocês estão competindo? - Indagou incrédulo e seu melhor amigo riu ao afagar a cabeça da estátua como se fossem velhos conhecidos.. - Vocês precisam ser estudados.

— Veja bem - Connor começou a dizer e então o puxou para dentro de uma pequena sorveteria. O ar condicionado do ambiente levou Ethan a suspirar de prazer. O calor infernal do lado de fora o estava fazendo suar e ele tinha certeza de que apesar dos reforços do protetor solar, acabaria com diversas queimaduras solares ao final do dia. - O importante não é bem a competição.

Ethan rolou os olhos ao juntar-se ao rapaz no final da fila.

— E sim quem ganha no final, eu sei. - Disse sem muito entusiasmo enquanto analisava os sabores disponíveis.

— Desse jeito você me decepciona, jovem padawan. - Connor limpou a gota de suor que escorria de sua testa com as costas das mãos. - Não é só quem ganha. - Ele então o fitou com uma expressão séria por trás dos óculos escuros. - E sim o que se ganha.

A conotação sexual fora tamanha que Ethan pediu uma casquinha dupla de pistache antes de responder. Connor estreitou os olhos para a escolha do sabor, mas teve a sensatez de guardar o comentário para si.

— Eu realmente não quero saber os detalhes. - Murmurou enojado ao dirigir-se à fila de pagamento e o rapaz, com seu sorvete de creme com cookies o seguiu.

Não que Ethan se importasse de ouvir acerca das conquistas e peripécias sexuais de seu melhor amigo, aquele era o tipo de conversa que tinham desde que os hormônios haviam começado a aflorar, nos primórdios da puberdade. Mas por Vader, era de Hollie que estavam falando! Não lhe importava que ela estivesse há meia década envolvida com Connor, sempre seria estranho saber sobre as coisas que a garota que ele conhecera aos doze anos de idade era capaz de fazer na cama.

Os dois saíram da loja e a diferença por conta do ar condicionado foi tamanha que Ethan sentiu-se tentado a voltar para lá. O verão da Flórida, quente, úmido e abafado fazia-o se sentir como o ganhador de passeio grátis pelas profundezas do inferno.

— Você sabe o nome disso, não sabe? - Connor provocou e ele mordeu um pedaço da massa, concentrando-se na dor que a sensibilidade lhe causaria para que não acabasse socando o rapaz ao seu lado. - Carência. - Connor, obviamente, ignorou sua careta e continuou. - É irônico ter essa conversa com você depois de falar exatamente a mesma coisa para a Amy ontem. - Ele riu consigo mesmo e Ethan arqueou uma sobrancelha, sem conseguir disfarçar muito a curiosidade. - De qualquer forma, você deveria ter pego a Jones na inauguração do Hotel em Nevada, ela não saiu do seu pé a festa inteira.

Fazendo um esforço sobrehumano para ignorar a parte do diálogo que dizia respeito a uma certa ruiva, Ethan mordeu um pedaço de sua casquinha e fez-se de desentendido.

— Quem disse que a gente não ficou?

Mesmo com óculos de sol, foi evidente o quanto Connor arregalou os olhos em choque.

— Não acredito que não me contou! - Resmungou, antes de dar-lhe um soco fraco no braço que quase fez com que uma das bolas da casquinha de pistache saísse voando. Ethan parou de andar para dirigir-lhe seu melhor olhar assassino pelo sorvete quase perdido. - Eu passei horas tentando convencê-la a te dar uma chance, comentei que estava de coração partido por causa de uma certa ruiva e tudo mais.

— Eu não estou de coração partido. - Ethan disse sem paciência ao tomar a direita em direção à área temática dos Simpsons, onde tinham combinado de reencontrar o restante do grupo. - E minha vida amorosa não precisa da sua ajuda.

— Claramente. - Connor concordou com ceticismo, os cantos da boca sujos de sorvete. - Mas se eu soubesse disso, poderia ter focado mais na minha ao invés de tentar arranjar alguém pra você.

— É o que acontece quando você se mete na vida alheia sem convite. - Apontou o óbvio e seu melhor amigo soltou uma exclamação indignada.

— Por favor me lembre de nunca mais tentar te ajudar.

— Com prazer.

— Ah… Ethan? - Connor chamou após alguns segundos de silêncio, depois que um aglomerado de pré-adolescentes  passou muito perto, fitando-os com curiosidade e sem, em momento algum, desviar os de Ethan.

Ele sentiu como se tivesse saído de casa e esquecido de verificar se colocara as calças.

Tirou os olhos do que restava de sua casquinha para encontrar o rapaz fitando-o com preocupação, como se não soubesse dizer se as palavras que estava para dizer fariam Ethan encarnar um maníaco assassino em série ou se jogar na frente do primeiro carrinho de montanha russa que encontrassem pela frente.

A comunicação entre eles vinha sendo como um campo minado desde que a bomba de glitter explodira sob os dois. Connor sabia que havia muito mais esperando para ser liberado desde que Ethan comparara a ruiva ao desgraçado de um Wookiee e por isso vinha sendo ridiculamente cauteloso toda vez que se via obrigado a tocar no assunto.

Ethan precisou arquear as sobrancelhas para encorajá-lo a falar.

— Tem… - Começou a dizer quando adentraram a área que representava Springfield. Um tremor involuntário percorreu o corpo de Ethan assim que ele se deparou com a quantidade de imagens do palhaço Kurby espalhadas por ali.  – Quero dizer… Ainda tem um pouco de glitter no seu cabelo.

Ele rolou os olhos.

— Não me diga. - Disse sem humor, mas passou a mão livre pelos fios mesmo.

— Não mudou muito.

— Ah, foda-se. - Desistiu de uma vez quando notou que agora a mão também brilhava. - Vai ter de ficar como está.

Ao erguer o olhar, deparou-se com o grupo que vinham procurando desde o início. Amy facilmente destacando-se em meio aos demais por conta da cor dos cabelos e pele tão pálida que quase refletia contra a luz do sol. Ela vestia um shorts jeans curto, uma regata verde claro e tinha um boné com o desenho de dois frangos e os dizeres Los pollos hermanos na cabeça.

A visão levou o rapaz a prender a respiração por um instante.

Por Gandalf, ele odiava isso.

— Aí estão vocês! - Cassie exclamou com entusiasmo quanto ele e Connor finalmente os alcançaram.

Ela cumprimentou Ethan com um abraço apertado que quase levou o que restava de sua casquinha ao chão.

— Vocês demoraram. - Alec disse após checar o relógio, passava das onze da manhã. - Acabamos indo ao simulador dos Simpsons sem vocês.

— O que foi uma pena, sério. - Amy completou em um tom provocativo e só então seus olhares se cruzaram. Ela estreitou as orbes verdes e sustentou o contato visual com Ethan antes de continuar - Sei o quanto você estava ansioso para esse, com todas as luzes, tons coloridos e coisas brilhantes.

O sorrisinho provocativo no final da frase não deixava dúvidas de que ela sabia que o tiraria do sério se continuasse com aqueles comentários aparentemente inofensivos. E notar a satisfação da ruiva ao contemplar sua figura ainda brilhante fez com que a irritação se espalhasse como álcool pelas veias de Ethan.

Ele sabia que não podia deixar a noite em claro passar, muito menos a bomba de Glitter que recebera mais cedo. O grande problema era que Ethan não se considerava uma pessoa muito criativa.

Sendo sincero, ele provavelmente era uma das pessoas mais sem imaginação que conhecia, motivo pelo qual durante uma década de amizade simbiótica, Amy fora o cérebro e ele o corpo. Era a ruiva quem tinha as ideias mais bizarras - e frequentemente impraticáveis -, mas era ele quem conseguia encontrar uma forma de colocá-las em execução em meio aos problemas que iam surgindo.

Era como se ela fosse a arquiteta mirabolante e ele o engenheiro civil em um mesmo projeto. Os dois discutiam, tentavam se matar por conta das discordâncias na execução e no fim, chegavam em um resultado coeso quando uniam suas habilidades. Precisavam um do outro.

Talvez por isso a ideia de ser um poço improdutivo de abstrações nunca realmente lhe incomodara. Ethan encontrara no direito – faculdade que iniciaria no outono, na Chicago Kent Law, após conseguir seu diploma em Administração e Negócios na Universidade de Chicago – uma carreira na qual se encaixava. Podia auxiliar o pai em seu próspero negócio hoteleiro e tudo o que sua profissão exigiria realmente de si era uma boa memória e capacidade de foco, junto da perspicaz habilidade de decodificar os truques por trás das letras miúdas nos contratos que teria de revisar.

Não havia invenções ou muito espaço para criatividade quando tudo devia seguir um formato já preestabelecido e a noção disso o ajudava a dormir tranquilo durante a noite.

No entanto, após ser coberto de glitter da cabeça aos pés em sua melhor versão cosplay das Drags de RuPaul’s Drag Race – e Ethan não tinha tanta vergonha assim de admitir que aquele era um de seus show favoritos -, ele apenas conseguia sentir raiva de si por ter sido obtuso a ponto de não prever a armação de Amy.

Por Vader, a ruiva havia escondido dezessete malditos despertadores por seu quarto na noite anterior, como é que ele fora capaz de se iludir a ponto de pensar que ela simplesmente lhe enviaria um pedido de desculpas e uma proposta de trégua através de Connor? Era como se ele tivesse implorado de joelhos pela bomba de glitter explodindo em sua cara como recompensa por todo o seu papel de trouxa.

E quanto mais pensava no assunto, mais certeza tinha de que não havia outra pessoa para culpar além de si mesmo e sua incapacidade de se manter longe e indiferente. Inferno, até Connor sabia que fora ele quem havia provocado tudo.

E se a situação havia chegado no desesperador ponto de fazer até mesmo seu melhor amigo – que costumava ser tão alheio quanto ele - notar que algo estava fora do lugar, então Ethan realmente estava na merda.

E precisava fazer algo quanto a isso o mais rápido possível.

— E eu consegui o telefone do Homer. - Hollie comentou ao aproximar-se de Connor e aquilo o tirou de seu topor. A morena abaixou a câmera que usava para gravar seus vlogs diários antes de aninhar-se nos braços tatuados de seu amigo com uma expressão marota no rosto. - São cinco no total.

— Não cante vitória antes da hora. - O rapaz respondeu ao roubar-lhe um selinho e Ethan desviou o olhar para um grupo de turistas que amontoava-se para uma foto dentro da boca do enorme Krusty, a escultura de palhaço que além de lhe causar calafrios, também tinha a função de guardar a entrada para o simulador dos Simpsons. - Ainda temos o dia inteiro pela frente.

— Falando em competições.- Alexander intrometeu-se, trazendo o aplicativo com o mapa do parque aberto em seu celular. Ele provavelmente sabia que caso a sugestiva conversa entre a prima e o peguete continuassem com tantas crianças ao redor, acabariam com um sério problema de atentado ao pudor. - Que tal Ataque alienígena, dos Homens de preto?

Todos assentiram, animados com a ideia de finalmente começar a aproveitar toda a infraestrutura que um parque no porte do Universal Studios oferecia  -  porque andar a esmo bancando o fotógrafo de seu melhor amigo e personagens femininas não contava exatamente como uma experiência no quesito diversão -  e Ethan juntou-se a Connor para aquela que seria a sua primeira atração do dia. O rapaz deixou escapar um suspiro frustrado ao encarar a morena à sua frente e Hollie respondeu com uma piscadela e um aceno de cabeça em direção à prima, em uma espécie de comunicação silenciosa.

Foi a vez de Ethan grunhir em frustração ao notar o quanto estava atrapalhando a vida alheia por conta de suas desavenças com Amy.

No passado, jamais teriam de lidar com coisas do tipo - a dupla formada por ele e a ruiva era tão certa quanto o reencontro anual no jantar beneficente do North Manchester General Hospital - . Mas agora, com casais formando dois terços dos membros do grupo e o outro terço não se falando, Ethan sabia que se sentiria mal toda vez que algum dos outros tivesse de se separar para lhe fazer companhia em algum brinquedo.

Ele tentou manter as coisas amigáveis quando optaram pela atração sugerida por Alec, que era voltada a acabar com os alienígenas que haviam invadido Nova York. Ethan não queria mencionar os feitos recentes - como os despertadores e o glitter - para não transmitir a ideia de que a garota conseguira de fato incomodá-lo e acabar por dar gás às armações dela, e depois de três tentativas de provocações mal sucedidas -  e ele fizera um esforço tremendo para simplesmente ignorar a presença de Amy e as palavras que saíam de sua boca naquele maldito sotaque inglês que ele adorava - a garota passou alguns minutos preocupada em encarar as próprias unhas antes de decidir ligar para verificar o estado de Mochaccino, que havia ficado em uma espécie de creche para animais domésticos que existia na mesma avenida do hotel em que estavam hospedados.

Parecia bastante evidente que haveria uma enorme discussão assim que Ethan cedesse, o que tornou o silêncio entre os dois bastante desconfortável durante toda a fila.

A situação permaneceu um tanto tensa até o carrinho que ocupava com Connor começar a se mover e os dois iniciarem uma disputa realmente acalorada com os demais pelo maior número de alienígenas atingidos e capturados.

Ethan havia se esquecido do quão competitiva Amy podia ser quando queria.

Mas o problema era que ele também era.

E desde que as armações da ruiva haviam começado, o rapaz, apesar da raiva que sentira, havia optado por manter-se quieto. Aguardando pacientemente até que conseguisse encontrar uma maneira de revidar que o agradasse.

A princípio Ethan havia sido tomado pela ideia de substituir o protetor solar fator de proteção 100 da ruiva por hidratante, mas logo percebeu que seria maldade demais. Amy era realmente sensível ao sol e fritaria como um ovo sob o sol do verão da Flórida. Ele jamais teria coragem de provocar uma insolação na garota.

Depois, pensara em substituir o repelente dela por água e açúcar - assim como vira sendo feito nas zilhões de reprises de Operação Cupido que vivia assistindo. Mas Amy era alérgica a diversos insetos e por maior que fosse o ressentimento, não era suficiente para lhe causar um choque anafilático.

Por esse motivo, Ethan havia se contentado em tentar pegadinhas mais inocentes e indolores. Talvez algo como os clássicos: mentos na coca cola ou uma embalagem de Oreos recheados com pasta de dente. Coisas simples e que poderia colocar em prática uma vez que estivessem de volta ao hotel, tinha toda uma gama de funcionários de seu pai à sua disposição.

Ganhar da competitiva Amy em jogos que exigiam qualquer habilidade, por outro lado, era algo que vinha se mostrando bastante interessante.

Com aquilo, o seu ego poderia lidar.

— Sinto informar, mas parece que temos um campeão e não é um Weasley. - Provocou ao atirar uma última vez no alvo alienígena e ver o placar aumentar e apitar por conta da alta pontuação alcançada. Aquilo desestabilizou a ruiva, que acabou atingida por outro extraterrestre e viu-se girar descontroladamente dentro do carrinho que dividia com Hollie.

Amy rolou os olhos quando desembarcou com a prima, mas não respondeu à provocação.

E por pelo menos um instante, Ethan sentiu-se bastante satisfeito. Talvez houvesse uma maneira de vencer aquela briga idiota, afinal.

 

O confronto real, no entanto, só foi acontecer no final da noite.

Antes disso, o grupo passou quase quarenta minutos na fila para A vingança da múmia, montanha-russa, em ambiente fechado e escuro, capaz de fazer todos os pelos do corpo de Ethan se arrepiarem em uma onda de adrenalina que durou muito mais tempo do que ele considerava aceitável. Já estavam de saída quando  Hollie resolveu tentar a sorte e se aventurar para conseguir o número de um assustador cara que, além de estar sem camisa e sob pernas de pau, também estava caracterizado como um antigo faraó egípcio. Connor tentou não olhar diretamente, aparentando estar bastante incomodado com a situação e Ethan, como bom amigo que era, não deixou de provocá-lo por isso.

Eles entraram na fila virtual para uma atração 3D próxima à praça principal do parque, na qual apostariam corrida com o apresentador de tv americano, Jimmy Fallon e então fizeram uma pausa para almoçar no Mel’s Drive in, uma lanchonete decorada ao estilo dos anos 1950 onde comeram deliciosos hambúrgueres e batatas fritas ao som de músicas do Elvis Presley saídas de um Jukebox. A outra opção considerada fora a hamburgueria do Krusty, mas Ethan se recusou a comer em um local cujo personagem e temática principal eram um palhaço e os outros pareceram concordar depois de uma argumentação acalorada de sua parte.

A partir de então, gastaram boa parte do tempo em filas para ir aos simuladores 3D e 4D: de Shrek, Meu Malvado Favorito e Transformers, além de um show ao vivo de o Exterminador do futuro. Em determinado momento precisaram arquitetar uma fuga rápida para o outro extremo do parque, pois Connor havia se deparado com uma caracterização da atriz Marilyn Monroe e não obteve sucesso ao tentar pegar seu telefone. A moça se sentira tão ofendida por ter o rapaz flertando com ela que o restante do grupo se viu obrigado a intervir devido às ameaças de chamar os seguranças. Marilyn argumentara nervosa que aquele tipo de brincadeira caracterizava assédio e que não iria compactuar com uma disputa idiota entre um casal apenas porque eles se sentiam no direito de objetificar os funcionários do parque que estavam fantasiados como personagens. Levou alguns minutos, mas Cassie realizou um bom trabalho ao acalmá-la - ressaltando o fato da dupla em questão ser apenas mais narcisista do que o comum e não planejar de fato usar os telefones conseguidos - e a atriz acabou percebendo que apesar de ter razão, estava exagerando um pouco. Ela concordou em deixar o assunto de lado desde que os dois se livrassem dos números e depois partiu em seu conversível prateado, acompanhada de algumas dançarinas .

Desnecessário dizer que a ridícula competição entre Hollie e Connor teve um fim depois disso. Embora Ethan não duvidasse nem um pouco que a morena cobraria seu prêmio pela vitória de 6 a 4 de mesmo assim.

O clima ficou estranho durante quase a hora inteira em que esperaram para conseguir embarcar na Hollywood Rip Ride Rock It— com Cassie e Ethan no primeiro carrinho, permitindo que os gêmeos pudessem desfrutar de pelo menos uma atração juntos em todo aquele dia. A maravilhosa e assustadora montanha-russa - que acabara se tornando uma das favoritas de Ethan - começava seu trajeto com uma subida em ângulo reto e oferecia ao passageiro a possibilidade de escolher a trilha sonora durante toda a jornada, na qual chegava a atingir mais de cem quilômetros por hora.

Ethan escolheu Highway to hell do ACDC.

Pareceu bastante apropriado, já que o inferno se mostrava o exato destino para o qual sua vida se encaminhava desde que reencontrara uma certa ruiva.


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Notas finais do capítulo

Por acaso alguém mais quando estava lendo teve aquela bela sensação de que a treta tá tipo o inverno em Game of Thrones… Chegando? (risos, pior piada da vida. Me perdoem e não desistam de mim hahahahhaha). Pois é, queridos, temos fortes emoções nos aguardando nos próximos capítulos. Façam as suas apostas que ainda dá tempo!
Não se esqueçam de me dizer o que gostaram/odiaram, se pegaram as referências e tudo mais! (O prêmio Steve Rogers de manjador das referências ainda tá valendo spoiler pra quem listar a maior quantidade delas no comentário!). Adoro ouvir as opiniões de vocês! Um beijo e até o próximo capítulo!

PS: Quem viu a capa nova???

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