Contramão escrita por Lua Reyna


Capítulo 8
Capítulo 7 - Mac and cheese


Notas iniciais do capítulo

MIL PERDÕES PELO ATRASO.
Eu juro que estou fazendo o possível para conseguir escrever essa história, mas agora que não estou mais de férias e em época de competição, estou chegando em casa onze e meia da noite, e eu acordo seis da manhã. Pra piorar, meu notebook deu probelmas e eu estou tendo que escrever pelo IPad, que é uma merda porque eu não tenho um teclado separado. Além disso tudo ainda tinha o famigerado bloqueio para me impedir de terminar essa porcaria. Enfim, eu juro para vocês que não vou abandonar a história, mas talvez eu atrase um pouco os capítulos (espero que não tanto quanto dessa vez).



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Quando cheguei em casa, Noah estava ensaiando solos de guitarra no volume máximo. Descobri isso dois andares antes do nosso apartamento, quando um dos nossos vizinhos ameaçou chamar a polícia. Por isso, a primeira coisa que fiz ao encontra-lo no quarto completamente concentrado nas notas foi tirar o amplificador da tomada.
— Ei! — reclamou ele, me olhando com uma cara de poucos amigos. — Eu preciso ensaiar, isso é o meu trabalho agora.
— Você pode ensaiar, se quiser ser preso. — rebati, jogando minha bolsa em cima da cama dele, e caindo em cima da mesma em seguida. — Eu beijei a Summer.
— O que? — disse ele, se desligando completamente de todo o resto e focando apenas na minha deplorável vida amorosa.
— Na verdade, acho que ela me beijou.
— Summer Hilt não era a pessoa mais hétero que você conhecia? — perguntou ele, me provocando.
— Era. Flexão do verbo ser na primeira pessoa do pretérito imperfeito do indicativo. — ele me encarava como se eu fosse completamente pirada. — Significa passado. Não é mais.
— Eu sei o que significa, mas você é uma nerd esquisita. — ele se jogou na cama ao meu lado, estávamos encarando o teto e rindo do seu comentário. — Me conte os mínimos detalhes.
Eu passei bastante tempo tentando contar tudo o que havia acontecido, desde a ligação inusitada no ponto de ônibus até o momento em que estávamos nos beijando dentro do cinema. Summer havia me oferecido carona até em casa, mas eu sabia que ela morava em um bairro com um caminho completamente oposto do que ela teria que fazer para chegar ao apartamento, então recusei.
Noah me prestava atenção em cada detalhe, me interrompendo apenas para fazer algum comentário irônico ou perguntar sobre algo que eu não havia explicado muito bem.
— Depois de tudo isso, nos despedimos e eu peguei um ônibus até aqui. Ah, e fui ameaçada pelo nosso simpático vizinho porquê você é maluco.
— Você vai conversar com ela sobre? — disse ele, me encarando agora de maneira mais séria. — Quer dizer, você deve ter sido a primeira menina com quem ela ficou.
— O que? Só porque ela quis ficar comigo eu sou responsável por fazer ela entender que o mundo é um lixo?
— Exato.
— Por que diabos você sempre me obriga a fazer a coisa certa?
— Porque senão você estraga tudo. — respondeu Noah, rindo.
— Eu não tenho a menor ideia do que eu estou fazendo da minha vida. — disse, afundando o rosto em um travesseiro.
— Sinto te informar, mas nenhum de nós tem. — Noah se jogou por cima de mim, com o objetivo de esmagar todos os meus ossos, então ficamos alguns segundos ali, deitados, admirando a parede azul que já estava descascando do quarto de Noah, até que ele resolveu se pronunciar novamente, obviamente era algo bastante filosófico. — Eu estou morto de fome.
— Bom, aqui temos macarrão e... macarrão. Ah, também temos macarrão. — respondi, enquanto ele revirava os olhos.
— Por que não fomos no supermercado ainda? — questionou ele, com a expressão desanimada.
— A pergunta certa seria “Por que eu, Noah Roberts, não tive a capacidade de levantar a bunda do sofá para ver que não tinha mais comida no armário?”
— Porque a minha melhor amiga estava na tpm e é bem mais fácil te agradar com pizza do que com as minhas comidas caseiras.
— Ótimo, então amanhã eu passo lá depois do meu turno. Enquanto isso vamos comer macarrão.
Se existe uma verdade absoluta no mundo, essa verdade é que quando eu e Noah nos juntávamos para cozinhar alguma coisa, por mais simples que possa ser, a cozinha vai, obviamente, ficar uma zona.
Tudo estava indo muito bem, Cigarretes and coffee, tocando no fundo, todos os ingredientes em cima da mesa e um clima agradável daquela noite britânica.
— Over cigarretes and drink coffee, now, lord. — berrava Noah, usando a colher de pau de microfone.
—And i´ll like to show you, well... — completei, enquanto a cozinha se transformava em um grande palco da nossa performance de Otis Redding.
Em algum momento não muito específico, Noah acidentalmente derramou metade do molho em cima de mim, então o abracei, para que se sujasse também. Ele escorregou, o chão ficou completamente coberto, o que me fez tropeçar em uma das cadeiras e cair por cima dele.
Nenhum de nós pode conter o riso, enquanto tentávamos nos levantar sem causar nenhum dano. Coloquei o pote, que a dois minutos atrás continha molho, em cima da pia. Noah pegou seu celular, que estava em cima da mesa.
— O que está fazendo? — questionei, enquanto ele tentava manuseá-lo com as mãos completamente sujas.
— Sorria. — disse ele, ignorando completamente a minha pergunta e tirando uma foto de nós dois. — Um momento como esse precisa ser registrado. Vou mostrar isso pros seus filhos um dia.
— Você é ridículo. — respondi, enquanto ele gargalhava da bagunça que tínhamos feito. — Eu vou tomar um banho.
Esse seria um momento maravilhoso para que magicamente brotasse um segundo banheiro no apartamento, mas como não era algo possível, tomei o banho mais rápido da minha vida para que Noah conseguisse se limpar e para que o nosso jantar não atrasasse tanto.
Quando voltei para a cozinha, com uma camiseta velha, um short de pijama e a toalha ainda enrolada na cabeça, Noah já tinha refeito o molho e limpado uma boa parte da sujeira. Terminei de organizar tudo e de tirar os restos de molho espalhados pelo chão enquanto ele tomava um banho.
Por incrível que pareça, deu tudo certo. O macarrão estava ótimo e ainda tinha um pouco de suco que eu havia feito a alguns dias atrás.
— Que orgulho, até parece que somos bons donos de casa. — comentou ele, enquanto enrolava um pouco de macarrão no garfo.
— Nem parece que a sete anos atrás mal sabíamos fazer compras.
— Como se hoje em dia tivéssemos uma tabela de temperos e uma lista de alimentos que combinam entre si.
— Muito engraçado, nossa. Humor revolucionário. — respondi.
— Pensei que eu era a parte irônica da nossa relação. — Eu revirei os olhos, enquanto Noah ria e aumentava o volume da TV.
Fomos para a cama pouco depois. Eu havia ficado um pouco mais para lavar a louça que havia sobrado, já que Noah havia feito isso na noite anterior.
Josh caminhava para o lado de fora da casa, o dia ainda estava começando a amanhecer. Eu podia senti-lo se afastando, podia sentir que nunca mais o veria. Podia senti-lo indo embora.
O cenário havia mudado tragicamente. Não estávamos mais em casa, a assistente social o carregava no colo. Josh chorava, da mesma forma que eu estava chorando. Eles haviam me tirado tudo. Tirariam Josh também.
Eu corri atrás do carro até não sentir mais as minhas pernas. Corri atrás dele enquanto vozes gritavam na minha cabeça que era melhor assim, que ele teria uma boa vida, que teria melhores oportunidades.
Aquilo me parecia tão irônico. Oportunidade de que, afinal? Eles realmente pensavam que era melhor para ele? Eles realmente acreditavam que podiam tirá-lo de mim daquela forma e mandar fotografias a cada aniversário para jogar na minha cara que eu não havia sido capaz de cuidar dele?
Abri os olhos, eu estava deitada no meu quarto. O relógio marcava 4:23 da madrugada.
Caminhei até o meu armário, onde se encontrava uma caixa preta. Levei-a até a cama. Lá se encontravam todas as fotografias, cartas e desenhos que eu havia recebido de Josh. Obviamente eu não estava presente em nenhum daqueles momentos, o que fazia meu coração apertar.
A única fotografia que eu tinha com ele estava velha, um pouco gasta apesar de eu guardá-la com todo o cuidado que eu poderia ter.
No verso, apenas uma frase que minha mãe havia escrito. “Não irei me esquecer”.
Fiquei horas encarando aquela fotografia, lendo e relendo aquela frase. Pensando e ela realmente não iria se esquecer de nós, se é que já não tinha se esquecido. Até que o despertador tocou, e eu tive que recomeçar a rotina.
Sinceramente, eu não havia pensado em como seria rever Summer depois do dia anterior. Talvez essa situação acabasse ficando desconfortável para ambas. Talvez ela não soubesse como agir ou algo assim. Na verdade, eu não sabia como agir.
Ela já estava lá quando eu cheguei, ajudando Patrick com algo no balcão.
— Bom dia. — disse, assim que entrei.
Dorothy estava animada, contando para todos que seus netos viriam visita-la no mês seguinte e que ela havia passado a tarde de ontem inteira comprando jogos e dvd´s para que eles se divertissem.
Eu estava terminando de desempacotar as caixas que havíamos recebido pela manhã com novos exemplares e alguns lançamentos quando Patrick se aproximou.
— Ei, você está melhor? — perguntou ele.
— Ah, claro. Tudo certo. — Eu não queria entrar no âmbito da minha vida pessoal fracassada com ele, nem sobre Natalie ou qualquer outra coisa, apesar de admirar o fato de que ele estava se preocupando.
— Se precisar de alguma coisa, me liga. De verdade, eu quero ajudar.
— Obrigada Patrick. — respondi.
— Inclusive, amanhã vai ter uma festa lá em casa. Meu irmão voltou de viagem e meus pais querem comemorar já que ele vai ficar em tempo por aqui. Seu nome vai estar na lista.
— Seu irmão não vai se importar? Ele não é lá o meu maior fã.
— Ele não tem que se importar com nada. Eu que estou perdendo tempo da minha vida pra fazer uma festa de boas vindas pra ele. Além disso, convidei todos os funcionários da livraria.
— Quanta rebeldia. — respondi, fazendo-o rir. — Estarei lá.
Eu iria sair com Tia Natalie depois do expediente. Parte de mim estava completamente ansiosa e a outra parte queria fugir daquilo a todo custo. Eu não sabia bem como deveria me sentir em relação a isso, mas seja lá o que fosse eu não conseguia interpretar esse sentimento.
Eu queria vê-la, mas não queria passar por isso.
Talvez fosse a mesma sensação que eu tinha em relação à Summer.
E foi no exato momento em que ela invadiu meus pensamentos que a vi se aproximando. Ela parecia tímida, diferente das outras vezes que conversamos.
— Tudo bem? — perguntou. Eu sabia que ela não estava falando da minha vida particular.
—Precisamos conversar. — disse, ignorando sua pergunta. Sua feição estava séria.
— Precisamos. — confirmou. — mas aqui não. Podemos almoçar no Olive’s hoje?
— Claro.
Ela simplesmente se virou e voltou para o trabalho. Era absurda a quantidade de gente que estava entrando na livraria naquele dia em especial.
O tempo passou muito devagar. Cada volta do relógio parecia uma tortura. Eu não conseguia deixar de formular falas e imaginar situações possíveis e impossíveis.
Quando finalmente deu o horário do almoço, dissemos que iríamos almoçar no restaurante hoje. Dorothy olhou pra nós duas extremamente ofendida, porque eu, em particular, sempre almoçava as coisas que ela preparava na lanchonete. Patrick não conteve um sorrisinho sugestivo, enquanto piscava pra mim e cochichava coisas com Dorothy que eu preferia não saber.
O Olive’s era um restaurante que ficava na esquina da livraria. Era um pouco caro, mas como era uma situação talvez um pouco delicada, decidi fazer esse sacrifício.
Quando chegamos lá, nos sentamos na mesa mais afastada que tinha, perto da janela da parte de trás do estabelecimento. Summer parecia estar nervosa, inquieta, ou só curiosa.
Fizemos o nosso pedido assim que chegamos, até que eu decidi começar a falar.
— Já se questionou sobre a sua sexualidade? — perguntei, indo direto ao ponto.
— Não antes do cinema. — respondeu ela, enquanto mexia nos pingentes da pulseira que ela estava utilizando. — Na verdade isso era algo tão longe da minha realidade que nem passava pela minha cabeça essa possibilidade.
— Tudo bem. — respondi. — Não tem nada de errado com você.
— Então porque eu estou me sentindo tão estranha?
— Bom, temos duas possibilidades aqui. E cada uma delas te leva a uma coisa completamente diferente. — ela mantinha a atenção em mim, como se eu fosse uma professora e ela a aluna. Pelo menos foi assim que eu me senti. — A primeira possibilidade é que você só estava curiosa mas percebeu que não era isso que você queria. O que não tem nada de errado.
— A segunda opção é que você é lésbica ou bissexual e vai ter que decidir o que vai fazer da sua vida.
— Decidir o que fazer em relação a que? — perguntou ela, com o olhar apreensivo.
— Em relação a contar para a sua família e para os seus amigos. — ela revirou os olhos. — Eu não estou dizendo que precisa ser agora, louca. Só que, falando por experiência própria, o armário é lugar horrível. Você se sente sufocada 100% do tempo e as vezes dá vontade de sair gritando na sua vestida com as cores da bandeira lgbt. — ela riu, mas não comentou nada. — Só estou dizendo que uma hora isso vai ter que acontecer. E você também não pode ser imprudente que nem eu fui e fazer seus pais te expulsarem de cada. De acordo com a mentalidade deles e o que eles pensam sobre o assunto você vai decidir o melhor momento. De preferencia quando você tiver casa e sustento próprio.
— Eu não posso contar para o meu pai, Noelle. Como você mesma disse, estamos em situações completamente diferentes. Meu pai é um nome conhecido. Se isso vazar eu vou estar na capa de todos os jornais com alguma legenda sensacionalista estúpida.
— Eu não tinha pensado nisso. — admiti.
— Eu pensei sobre isso os últimos dias inteiros. Eu não entendo o que é esse sentimento. Ele não me é estranho, mas é como se pela primeira vez eu tivesse encarando isso.
— independente do que você for fazer, não se esconda de si mesma. Isso sim é a pior coisa do mundo. Você não precisa basear sua vida nisso, fica com que você quiser ficar, mas não se force a fazer nada só para se provar alguma coisa.
***
Depois do fim do meu turno, peguei um ônibus até a praça da cidade pra encontrar com a tia Natalie. Eu estava tão ansiosa que a viagem de vinte minutos parecia levar horas e mais horas.
Quando cheguei ela já estava lá, sentada em um dos bancos em baixo que uma grande árvore. Ela parecia Entretida lendo um livro que tive que chegar bem perto pra identificar.
— Marina? De novo? — disse, enquanto sentava do lado dela no banco. Marina era o nosso livro favorito. Foi escrito por um autor genial chamado Carlos Ruiz Zafón, e até hoje eu nunca encontrei um único livro que chegasse aos pés de Marina.
— Por favor, como se você não tivesse relido esse livro quinhentas vezes. — retrucou ela, rindo.
— Velhos hábitos nunca mudam.
— Então, o que podemos fazer hoje? — perguntei, tentando puxar algum assunto.
— Bom, podemos dar uma volta pelo parque, depois ir a uma lanchonete e tomar alguma coisa. — respondeu ela. Eu sabia que ela não estava falando casualmente. Pelo que eu conhecia da minha tia, ela havia planejado cada mínimo detalhe daquele dia.
Então fizemos tudo da forma como ela queria. Observamos os pássaros brigando pelos pedaços de pão que ela havia jogado pelo do lago, passamos pelas árvores como se tentássemos sair de um labirinto, esperamos o por do sol sentadas num bando próximo a colina e tomamos Milk shakes numa lanchonete próxima.
— Acho que é isso. — disse ela, sacudindo o copo que agora estava vazio. — Foi ótimo passar essa tarde com você.
— Na verdade eu pensei em um última coisa. — respondi. Ela pareceu surpresa. — O que acha de dormir na minha casa hoje?
Pra ser sincera, eu não havia pensado naquilo. Foi algo impulsivo, que veio na minha cabeça naquele momento e eu simplesmente disse, mas eu não estava arrependida.
Ela me encarou, surpresa. Ficou alguns segundos sem dizer nada, até que concordou. Fomos com o carro dela até o apartamento. Eu tive que indicar o caminho pelo fato de ela nunca ter ido lá.
— Noelle, eu já lhe disse quinhentas vezes que vou matar o seu amigo a próxima vez que ele ligar aquela guitarra. — reclamou novamente um de nossos vizinhos.
— Vou dar o recado. — respondi, seguindo o caminho até a porta do nosso apartamento.
— Amigo? — perguntou tia Natalie.
— Se lembra de Noah? — respondi, abrindo a porta. Noah se encontrava sentado no sofá da sala, vendo TV. Ela pareceu um pouco surpresa, mas disfarçou respondendo algo como “claro, como eu iria me esquecer dele?” — Temos visita. — gritei, finalmente chamando a atenção dele.
Quando Noah olhou para trás, parecia ter visto um fantasma, mas logo se levantou e foi cumprimentá-la.
— Acredita que eu consegui fazer uma sequência maravilhosa, você tem que escutar! — disse Noah, animado.
— Claro que acredito, nosso vizinho ameaçou a sua integridade física quando eu estava subindo. — respondi, rindo.
— De novo? Aquele velho é muito chato. — argumentou ele, revirando os olhos. — Ah, eu fiz compras.
— Meu Deus! eu esqueci completamente!
— Eu sabia que você iria esquecer, por isso fiz. — Tia Natalie estava um pouco perdida no meio da conversa. — O que gostariam de jantar?
— Se me permitem, eu posso fazer o jantar hoje. — disse ela.
— Seria ótimo. — respondeu Noah.
Algum tempo depois, tia Natalia apareceu com uma enorme travessa de Mac and cheese.
— Era sua comida favorita quando você era mais nova. — comentou ela, quando estávamos nos servindo. — Então, vocês estão morando juntos a quanto tempo?
— Desde sempre. — respondeu Noah. — A Noelle não teria capacidade de morar sozinha naquela época.
— Uns bons sete anos. — complementei. — Apesar que ficamos alguns meses morando com o pai de Noah.
— Acho que foram só uns três meses. — disse ele.
Passamos um bom tempo conversando sobre inúmeros assuntos. Tia Natalie parecia curiosa em saber como havia sido a minha vida nesses últimos anos.
Logo depois, Noah saiu para trabalhar. Ele voltaria tarde da noite, então pediu para que não esperássemos por ele.
— Você cresceu tanto, Noelle. — comentou Tia Natalie, enquanto estávamos assistindo um episódio de Friends na TV. — Parece ser tão mais responsável e independente.
— Eu tenho vinte e cinco anos, tia. Se eu não for responsável e independente o mínimo que vai acontecer é eu perder o emprego e não conseguir pagar o aluguel.
— Verdade. — respondeu, rindo. — é estranho admitir que você é uma mulher adulta agora.
Pouco depois fomos dormir. Deixei ela dormindo no meu quarto e deitei no sofá da sala. Já que não tínhamos um quarto de hóspedes e Noah chegaria morto de cansaço de madrugada.
No início ela negou, dizendo que poderia muito bem dormir no sofá, mas eu retruquei com fato de ela ser nossa convidada.
Aquilo tudo era uma situação estranha, até um tanto inusitada. Se alguém me dissesse a uma semana atrás que minha tia estaria dormindo na minha cama logo depois de preparar o meu jantar e o de Noah, eu riria da cara da pessoa e mandaria ela parar de viajar, mas aquilo estava realmente acontecendo.

Julia,
Passei muito tempo refletindo sobre a vida e a morte. O que realmente significava estar vivo? Como assim aquilo tudo iria acabar? Como de um instante a outro não passaríamos de matéria? Como se em um segundo você simplesmente estivesse ali, e depois sobrasse apenas o seu corpo. A representação que as pessoas tinham de você.
Era assustador pensar que em um domingo qualquer, ou durante um feriado, em algum momento durante o jantar, você pudesse simplesmente desaparecer.
Eu tentava pensar em milhões de maneiras de tudo aquilo fazer sentido. Tentava pensar em como poderíamos não sentir mais o cheiro que ficava grudado nos nossos cobertores, não sentir o gosto do seu sorvete favorito ou não tocar mais na mão da pessoa que você ama e senti-la ali. Porque na verdade é você quem não está ali.
Às vezes eu pensava que quando eu morresse, gostaria de ser lembrada como a menina sorridente que gostava que assistir algumas séries, ler alguns livros mas que morria de medo de conhecer pessoas novas, porque as pessoas não a conheceriam. Porque eu não me conhecia. Então pensei em quantas outras meninas sorridentes gostariam de ser lembradas dessa forma. Pensei em quantas formas maravilhosas imaginamos nós mesmos, para poder dizer que se não houver um depois, haverá essa lembrança.
A verdade é que ela não existe. As pessoas se esquecem umas das outras. Conhecem novas pessoas para quando morrerem também não serem lembradas por elas. Não que seja algo egoísta. É hipócrita dizer que você realmente lembra dos que morreram. É hipócrita dizer que você se preocupa com eles, porque você nem sabe se eles ainda existem.
O cotidiano toma tanto o resto do que você chama de liberdade, que não existe forma de manter essa lembrança. Não existe motivo para manter essa lembrança. Até que essa lembrança não existe mais. Até que você não existe mais. Até que toda essa especulação sobre a vida e morte não faz mais sentido, então você opta por aceitar. Você apenas continua vivendo. Independente do porquê ou de onde isso irá te levar. Não faz o menor sentido, mas você não tem como mudar.
Nós somos a nossa própria contradição. Porque querendo ou não, nunca somos, apenas estamos. Nunca seremos seres vivos porque apenas estamos vivendo. O mais irônico é que o próprio fato de que você está vivo, é a única certeza de que um dia irá morrer.


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Notas finais do capítulo

Desculpem pela formatação da carta no final, eu não sei como editar isso pelo IPad, mas vou tentar arrumar logo.