Electus escrita por Khaleesi


Capítulo 22
Capítulo 21




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Capítulo 21

 

Tentei não me coçar, mas o cheiro da colônia que me fizeram usar era incomodo. Mas, a pessoa que roubei o rosto gostava de perfumes fortes para combinar com seu estilo, então precisava mantê-lo para não trazer suspeitas.

— Desfaça essa cara feia, Lys – Priya comandou em voz baixa ao meu lado.

— Não tinham alguém mais adequado para essa tarefa? - sussurrei em retorno, mesmo sabendo a resposta.

Estar na linha de frente não era um dos meus objetivos quando concordei em participar do plano que Ezarel e Kentin pensaram. Após nos recuperarmos do susto inicial da presença de Priya aparecendo em nossa sala de jantar, mais do que disposta a nos ajudar com a infiltração, todos ajudaram da sua maneira na elaboração dos detalhes do plano.

Os principais indicados a se disfarçarem e remar com a maré eram Ezarel, Valkyon e eu. Jamais imaginei que seria escolhido, pois francamente estávamos em território inimigo e as chances eram pouco favoráveis para mim. Acontece que com meu legado Lorialet eu podia disfarçar com mais facilidade caso meu glamour escorresse, além de saber lidar com os demais humanos.

Por mais que Miiko e cia quisessem recriar a poção de disfarce, onde eu assumiria por completo outra identidade, era arriscado demais por não termos todos os ingredientes, mesmo com um alquimista habilidoso ao nosso lado. Então fizemos um feitiço primo dele, tatuado em minha pele, brincando com meus traços para que se aproximasse do garoto escolhido. E o toque final foi uma camada de ilusão proporcionada pela minha própria magia.

Afinal a noite e a lua cheia podiam ser encantadoramente enganadoras, não? Assim como os Lorialet.

— Ah, vamos, quem mais usaria essas roupas com tanta tranquilidade? - ela riu, olhando-me pelo canto do olho.

Bufei, indignado. Minhas vestimentas usuais não eram excêntricas! Elas eram o exemplo do bom gosto e elegância. Entretanto, apesar das minhas preferências, seguia desfilando pela avenida central do Resort completamente de preto e incrivelmente coberto.

A camisa era manga longa e ainda tinha gola alta, seguia com um sobretudo pesado e calças forradas, além de coturnos negros de couro bem resistente, e por fim, um chapéu cartola incrivelmente alto. Os detalhes ficavam para as unhas pintadas de preto e uma forte maquiagem no rosto. Me segurei para não tirar o cabelo preto do rosco que ameaçava tirar minha paciência.

Mas então os rostos de Alexy e Armin me vieram a mente, tirando qualquer desconforto de minha empreitada. Fazíamos isso por eles, então minhas roupas eram um mero detalhe. Puxando minha determinação de volta, foquei minha atenção na fila que se formava próximo a entrada do Resort e na quantidade de guardas disfarçados que monitoravam tudo.

Ladeando a fila existiam standards anunciando a corrida em favor da bolsa de estudos, além de vários repórteres cobrindo a abertura do evento. Devo admitir que esses caras sabiam como enganar o público, nada melhor do que exibir uma fachada de “não existe nada a esconder” para varrer a sujeira para debaixo do tapete.

— Lembre-se de agir como se fosse um rei, Seth – Priya sussurrou antes de seguir para a fila feminina a nossa frente.

Como resposta lhe dei um sorriso malicioso enquanto seguia para minha própria fila.

O detalhe do nome era algo que eu precisava tomar cuidado, não podia ignorar o chamado quando alguém usasse o nome. Seth, Seth, Seth, Seth. Repeti o nome diversas vezes em minha mente como se imprimisse ele em minha alma e me transformasse no rapaz roubado.

— Sejam Bem-vindos selecionados! - uma voz grave soou pelos alto-falantes.

Ergui os olhos e reparei numa figura conhecida em cima de um palco improvisado bem ao lado da entrada. Kreis. O homem que veio divulgar e dar a abertura nas inscrições em Sweet Amoris.

— A nossa empresa tem um enorme prazer em recebê-los nesta manhã para juntos iniciarmos uma nova caminhada – aqueles olhos prateados varreram a multidão, testando a animação de todos – e ao final dessa jornada teremos alguns contemplados com bolsas de estudos. E claro, uma oportunidade única de trabalhar conosco – ele então piscou o olho, como se fosse um camarada – e para que não fiquem torrando neste sol, vou dar a palavra ao nosso colega para que possa lhes instruir.

Acompanhei Kreis enquanto cedia o lugar e sentava-se nas confortáveis cadeiras do palco. Sua postura era de júbilo, como se soubesse uma piada secreta e divertidíssima. A boca estava torcida de um sorriso perverso e os olhos brilhavam mais do que o normal. Com certeza esse era um show para seu proveito.

Obriguei-me a olhar o rapaz que cuspia as regras, não querendo chamar atenção indesejada do ruivo mandachuva. Porém, sentia em meus ossos que Kreis era um adversário complicado nessa trama toda, e que devíamos ter um cuidado redobrado em sua presença nesse Resort.

As horas seguintes foram uma infinidade de papéis a serem preenchidos e assinados, fotos e comprovação de documentos. Era impressionante como foi fácil passar pela fiscalização, tinha certeza de que algumas casas noturnas eram bem mais difíceis de se persuadir a entrada do que essa organização.

O que me fez pensar em algumas hipóteses.

De duas, uma. Ou os fiscais não eram desse mundo e possuíam pouca familiaridade com o esquema de falsificação de documentos, ou simplesmente não se importavam que viessem alguns penetras para aumentar o rebanho que logo seria abatido.

Reprimi uma careta, imaginando em como eles estavam confiantes de que os problemas que enfrentaram em Sweet Amoris fosse fácil de resolver, e que nunca nos imaginavam invadindo a festa particular deles.

Segui as instruções e o panfleto que colocaram em minhas mãos e cheguei até meu quarto. A pequena mala que nós conseguimos do rapaz original já estava no cômodo, provavelmente despachada após uma revista, já que o cadeado que colocamos estava do lado errado. Um humano normal não perceberia esse detalhe, mas eu não era normal desde meu nascimento.

Dei uma pequena risada, pois acabaram se preocupando em olhar onde não tinha alguma prova de nossa invasão. Eu era a prova irrefutável.

Suspirei e comecei o trabalho de desfazer a mala e organizar as coisas no armário que me fora cedido. Tínhamos algumas horas antes da real largada dessa corrida e eu precisava guardar minhas energias para que nada desse errado. Tudo dependia de quão bom eu fosse para ter acesso a lugares mais guardados.

 

(…)

 

Os números de participantes caíam diariamente.

500.

415.

326.

200.

Atualmente eu estava confortavelmente no meio do ranking dos selecionados. Porém Priya estava perigosamente perto do final da fila. Estava fazendo minha mente ferver pensando numa estratégia que a alavancasse algumas posições, mas as provas estavam sendo difíceis se seguir.

Não existia nenhum padrão para se basear. Em uma hora eles nos colocavam em rodadas de perguntas sobre o mundo moderno e na outra eram atividades como esgrima. Nunca fui tão grato pelo Valkyon chutar minha bunda repetidamente nas semanas que precederam o bendito torneio.

Olhei-me no espelho do banheiro mais uma vez e testei minha habilidade de manipulação visual. Ainda estava mediocremente parecido comigo mesmo, e certamente longe do guarda que queria copiar. Respirei fundo e tentei imprimir a imagem mental que tinha do homem em minha pele, desejando que minha pele ficasse mais bronzeada, o rosto mais largo, que crescessem pelos em meus braços e os olhos ficassem praticamente pretos.

E quando olhei novamente para o espelho precisei segurar minha magia com mais força, devido minha surpresa. Eu tinha conseguido! Ou, pelo menos, estava mais próximo do meu objetivo do que anteriormente. Sorrindo para meu reflexo voltei minha ilusão para a pele que usava nos últimos dias, Seth.

Um pouco mais confiante saí do banheiro e deixei a bolsa carteiro meio escondida dentro do armário do banheiro, contendo todos os itens que precisava e desci até o saguão de entrada. Hoje haviam solicitado que deixássemos nossas coisas nos quartos, pois nossa prova seria ao ar livre. Era a oportunidade que precisava para por meu plano secundário em ação.

Se tudo ocorresse como eu imaginava conseguiria dois coelhos em uma cartolada só.

Na área mais aberta do gramado ao leste do Resort estavam distribuídos vários quadrados largos o suficiente para uma pessoa ficar de pé sem encostar no espaço vizinho, porém incapaz de ser confortável. Olhando a disposição dos quadrados e pelo número deles, já podia imaginar como a prova seria.

Resistência.

E para coroar várias câmeras passeavam pelo local ilustrando o pátio e as expressões dos concorrentes. Senti alguns olhares de desdém em minha direção devido minha vestimenta. Era verdade que roupas longas e escuras não eram as mais favoráveis de se vestir em um local aberto e ensolarado.

Pelo menos eu tinha uma vantagem, teria poucas chances de adquirir uma queimadura de sol. Ao contrário de alguns participantes.

Percorri o olhar pelo local a procura de Priya enquanto aguardava na fila, onde nos inspecionavam para ver se levávamos algo para trapacear.

— Acredito que já podem ter uma noção do que está prestes a ocorrer, estou certo? - a voz do animador dos últimos dias soou nos alto-falantes – Está será uma prova de resistência! E testaremos o quão esforçados estão em conseguir o prêmio e os privilégios de ser um membro da Tenebris S.A.

Nos últimos dias corria um boato de que existiam algumas festas bem diferenciadas para aqueles que tinham relações com a empresa, e vários participantes ficaram mais do que entusiasmados de ganharem a competição. E, aparentemente, a organização não se preocupava em abafar as fofocas, aumentando o frisson da galera com essas piadas secretas.

— As regras são simples. Vocês precisam permanecer dentro dos quadrados designados a cada um, sem sentar, sem ajoelhar ou saídas rápidas para o banheiro. Os auxiliares presentes estão apenas para socorrer em casos de mal-estar profundo e fiscalizá-los.

Ergui o olhar para analisar os futuros colegas nas horas seguintes, e foi quando localizei minha amiga a alguns quadrados de distância.

Dessa vez não precisaria me preocupar com sua colocação. Priya era excelente em provas de resistência e possuía uma força de vontade ainda maior. Essa era a hora de nos preocuparmos comigo. Testaríamos o quanto o treinamento de Valkyon me ajudou até agora.

— Não vamos revelar quantos serão eliminados ao final dessa etapa, mas saibam que quanto mais conseguir resistir melhores são as chances de ser poupado do corte!

E com essa frase motivadora começamos a sermos colocados em nossas celas ao céu aberto.

— Chuto que vão eliminar metade – o rapaz a minha direita comentou em voz baixa, torcendo as mãos.

— Imagino que brincar com nossas expectativas também está nas regras do jogo – respondi, estreitando os olhos.

A garota a minha diagonal ergueu uma sobrancelha loira, confusa.

— O locutor não nos disse quantos vão ser eliminados, o que nos faz imaginarmos várias hipóteses para o final da prova. Serão 100 ou 50? Metade ou nem próximo disso? - dei de ombros – Só sei que uma mente perturbada esgota um corpo mais rápido – finalizei colocando as mãos nos bolsos e tentei ficar o mais confortável possível.

A tensão ao nosso redor era praticamente palpável após meu pequeno discurso. Eu sabia que era um pouco covarde da minha parte incitar ainda mais lenha na fogueira, mas eu não atingiria meus objetivos sendo amigável com todos que aparecessem.

Uma coisa era certa, vários deles tentariam manter a mente calma para não se esgotar, mas focarão tanto nesse quesito que vão pecar em outros, acabando por se esgotar de qualquer forma. Já a minha tática era um tanto inversa do que eles pretendiam, eu focaria minha concentração em outras coisas.

Não irei ser eliminado. Vou ajudar Priya. Vou ajudar Miiko e cia. E vou ajudar Olimpya.

Esse era o meu mantra e eu não me permitia falhar.

As horas foram passando, e a cada minuto que o relógio em minha mente contava uma nova gota de suor deslizada pelas minhas costas. Obriguei-me a respirar compassadamente e não me remexer muito em meu espaço, pois sabia que só pioria a dor que ameaçava aparecer pelas minhas pernas.

Além de recitar meu mantra ficava repassando meu plano iminente como forma de me distrair. Priya seguia de forma impecável, quem a olhasse não conseguia ver qualquer traço de esgotamento ou desconforto em sua expressão, mesmo que sua blusa estivesse marcada pelo suor ela irradiava poder.

Analisando os participantes que restavam percebi que o número poderia estar próximo da metade dos que iniciaram, e o rapaz ao meu lado já começava a dar sinais de que logo desistiria. Pelo menos ele foi fiel ao seu primeiro pensamento de ficar com a metade finalista da prova. O que não era uma má ideia no todo.

— Sua maquiagem é boa – uma moça ruiva próxima de mim comentou, sorrindo, descontraída.

Soltei um riso, surpreso.

— O segredo está na quantidade – respondi, brincando.

O riso dela em resposta parecia sincero.

— Confesso que imaginei que desistiria logo da prova – ela deu de ombros, sem arrependimentos.

Inclinei a cabeça, pegando o sentido. Um rapaz engolido por roupas pesadas e estilo reservado a sombras não ficaria embaixo do sol por muito tempo.

— Capas de livros não entregam todo o conteúdo – pisquei um olho. A sinceridade dela em conversar comigo acabou por me fazer prolongar o diálogo.

Ela gesticulou com as mãos, concordando.

— Pelo menos não errei em uma suposição – ela apontou, erguendo as sobrancelhas – você fala em metáforas.

Dei de ombros, disfarçando que tinha ficado apreensivo de ser alvo de observação.

— Todos precisamos de algo que nos destaquem aqui dentro, essa foi a minha maneira.

Ela inclinou a cabeça, reconhecendo o ponto. Então soltou um longo suspiro e curvou-se, colocando as mãos nos joelhos.

— Bem, te desejo sorte nessa loucura, minha resistência chegou ao fim – falou, acenando para um ajudante enquanto dava um passo para fora do quadrado dela.

— Obrigada, e te desejo melhoras! - respondi, surpreso por ouvir seu tom honesto.

A moça então sorriu para mim, os olhos prateados brilhando.

— Me chamo Dandalia, a propósito! - gritou, enquanto era ajudada a sair do local da prova.

Fiquei olhando para a ruiva se afastando por alguns minutos, e quando voltei minha atenção a frente imediatamente percebi o olhar de advertência que Priya destinou a mim. Balancei a cabeça levemente, indicando que não ia prolongar nenhuma amizade aqui dentro. Ela comprimiu os lábios, pensativa, e então deu de ombros.

Mexi meus ombros e estralei o pescoço numa tentativa de aliviar a pressão em meu corpo, essa estática e esgotamento físico não contribuía para manter minha magia em funcionamento. Porém, devido ao tempo relativamente longo que vinha vestindo esse rosto conseguia segurar o glamour por horas sem escorregar acidentalmente.

Pouco a pouco a quantidade de participantes ia diminuindo, o gramado ficando mais vazio. Fazendo uma varredura nos remanescentes, deduzi que ainda tinham em torno de 25 participantes dos 200. Não sabia ao certo o que pensar sobre. Ou a maioria deles eram facilmente vencidos em questão de resistência, ou os que ficaram eram melhores.

Eu não sabia qual opção eu preferiria.

Quando a contagem chegou em 15 decidi que já tinha suportado demais. Lá no fundo ainda conseguiria aguentar mais um tempo, porém para dar andamento ao meu segundo plano ainda precisava de energia reserva.

Assim, dei um sorriso rápido para Priya e me movi para fora do meu quadrado. Rapidamente dois assistentes vieram ao meu encontro e me ajudaram a sair do local da prova, dando-me água e barras de cereais para acalentar meu estômago vazio. Fingi estar pior do que aparentava e fui dispensado para meus aposentos sem mais perguntas, pois estavam mais atentos aos que ainda participavam.

Segui calmamente pelos corredores do resort até meu quarto, e fiz questão de comentar com alguns dos participantes que já estavam no conforto do prédio que conseguiria dormir horas facilmente. Assim, ninguém acharia estranho que eu demorasse para sair do meu quarto.

Fase dois, pensei ao entrar no aposento.

 

(…)

 

As janelas dos quartos tinham um ótimo parapeito e a parede exterior possuía relevos propícios para se segurar, quase como se o arquiteto tivesse projetado o prédio a nos incentivar a fugir dos aposentos. Mantive esse pensamento para não perder a coragem sobre o que eu fazia. Vestir as roupas de um guarda e simular seu rosto com o glamour era consideravelmente fácil. Me esgueirar pelo lado de fora do meu quarto até a sacada principal da ala onde ele estava localizado, usando minha magia para me camuflar com o ambiente, era algo bem fora da minha zona de conforto.

Se alguém me dissesse que faria uma paródia de filmes do 007 e missão impossível a quatro meses atrás, teria rido até ficar rouco. Mas agora tinha a impressão que minha vida pacata de fazendeiro aconteceu em um sonho, parecendo assim que o momento que vivia tinha me despertado.

Centímetro após centímetro fui transpondo a distância da janela até a sacada desejada. Olhava fixamente para a parede a minha frente e dividia minha atenção entre segurar-me nas partes ásperas da construção e imprimir em minha pele a camuflagem como um camaleão.

— Aleluia – sussurrei ao chegar na borda da sacada.

Respirando fundo, saltei para o lado de dentro. Dei umas batidinhas em meu corpo, verificando que ainda estava inteiro e vivo. Algo me dizia que o que acabei de fazer era algo simplório do que me aguardava dali em diante. Um arrepio desceu pela minha coluna com o pensamento.

Reprimindo um tremor em minhas mãos, andei pelos corredores até a parte onde era proibido o acesso para os participantes do concurso. Aproximando-se no enorme arco ornamentado senti uma urgência em meu âmago de fugir do local. Franzi os lábios e repeti para mim mesmo que não iria ser uma galinha fujona.

Entretanto, a cada passo que dava a sensação foi ficando mais forte, quase sufocante. Sentia meus neurônios fritarem com a indecisão e medo, de que se continuasse andando de forma travada logo seria visto por algum guarda errante, ou se fugiria e deixaria para outra oportunidade. Balançando a cabeça, fui teimoso e continuei caminhando.

Dona Josiane costumava me dizer que meus instintos eram fortes e que sempre deveria dar ouvidos a eles. E foi o que fiz naquele momento, atravessando o arco fingindo uma segurança que não tinha. Foi preciso concentração para não arfar, pois assim que meus pés tocaram o piso do outro lado do arco a sensação saiu de mim como um balão desinflando.

— Filhos da mãe – sussurrei, impressionado.

Em um local onde os humanos não tinham ideia das coisas que aconteciam nos demais setores do Resort, um feitiço de repulsão era mais do que suficiente para afastar curiosos que quisessem desafiar a ordem de ala proibida.

Alguns metros a minha frente o setor se dividia em um grande salão com duas escadarias, uma para baixo e outra para cima. Analisando logicamente, deduzi que a escadaria de cima daria nos quartos ou salas dos superiores, local que não estava desejando chegar perto. Então, jogando os dados para o alto, desci.

Quanto mais descia pela escadaria, mais estranha a ambientação ficava. Em vários pontos as plantas que decoravam os corredores que ramificavam da escada eram de colorações diferentes do usual, as tapeçarias ilustravam cenas confusas e folclóricas, as luzes foram ficando mais tênues e o cheiro mais prenunciado.

Risadas flutuavam pelos nichos e portas fechadas e uma batida forte de música soava pelos degraus. Após alguns lances, parei numa sala circular parecida com a anterior. Estava pensando no que faria a seguir quando o corredor a minha esquerda ficou um pouco mais iluminado com a saída de alguns guardas de uma das portes fechadas.

Precisei controlar minha expressão quando um deles me notou e se aproximou.

— Perdido, amigo?

Sua voz tinha um leve sotaque, porém não consegui identificar de qual região poderia ser.

— Apenas inspecionando – respondi, sucinto.

Torci que meu blefe passasse, pois não tinha ideia se essa localidade era acessível a todos os guardas. Naquele momento o peso do quanto meu plano poderia dar errado me sobrepujou.

Caipira idiota fingindo ser James Bond.

— Não implique tanto com o cara – um segundo guarda apareceu e se apoio no ombro do primeiro – é difícil resistir a tentação de dar uma olhada nas belezuras que o Mestre coleciona – finalizou, rindo.

O primeiro guarda rolou os olhos e deu de ombros, dispensando minha presença aqui como mera curiosidade.

— Vá em frente e se divirta um pouco, mas não se demore muito. O Mestre não se importa se brincarmos um pouco, mas se acabar se apegando a algum tesouro ele pode ser… ciumento – ele estalou a língua como se a ideia de como eu pagaria pelo ciúme do tal intitulado Mestre o divertisse.

Sorri com o canto do lábio, e acenei com a cabeça.

— Anotado – respondi.

Sem muitas opções segui pelo corredor que os guardas saíram enquanto era observado por eles. Estava próximo de uma porta belamente esculpida em arabescos quando eles sumiram da minha visão periférica, assim, pausei um pouco e pensei no que realmente faria por aqui. Minha ideia era saber quais seriam os próximos jogos deles e se tinham algum portal para Eldarya escondido no Resort. E claro, a ínfima chance de topar com celas que poderiam ter nossos amigos enjaulados. Mas, a localidade me lembrava muito mais uma casa de prazeres do que um centro de operações.

Suspirei, pensando no que diabos faria agora. Abriria a porta ou voltava para os andares acima e me aventurava a investigar em terreno mais perigoso? Não sabia se teria lábia o suficiente para me safar de outra intromissão de guardas me pedindo o que fazia, principalmente sem eu ter ideia da rotina dos guardas. Grande plano, Lysandre.

Cortando meus pensamentos, a porta se abriu revelando uma beldade que certamente não era desse mundo. O tom da pele da moça era esverdeado, o cabelo era folheado e salpicado com flores das mais diversas cores, os olhos caramelizados e possuía uma exótica tatuagem de flor na perna esquerda.

— Indeciso, senhor?

A voz era como sopro da primavera, arrepiando-me. Estreitei os olhos, analisando se estava me lançando algum feitiço hipnotizador, mas não encontrei nada que pudesse denunciar. A moça então pegou uma de minhas mãos com delicadeza e com calma deu um leve puxão para que entrasse. Eu sabia que poderia soltar a mão e dar meia volta com facilidade, mas algo me dizia para continuar. E foi o que fiz.

O local que adentrei era como um bar, porém um bar sofisticado. Haviam vários sofás e mesas para os ocupantes se sentirem a vontade, o balcão ao final da sala exibia diversos drinks e as atendentes eram moças peculiares como a que me acompanhava. Pelo modo como alguns ocupantes do local as olhavam já dava-se para imaginar que tipo de atividade ocorria ali.

— Por favor, sente-se – a moça falou, indicando um sofá para dois em um canto mais retirado da sala.

Sentei-me por reflexo, pois ainda estava disfarçando minha cara de idiota ao analisar o ambiente, então não tive muita reação quando a moça praticamente se jogou no meu colo e se aproximou do meu ouvido.

— Não me empurre, Lysandre – ela sussurrou.

Congelei.

Cara centímetro meu gritava em alerta vermelho, minha mente virou uma poça d’água. Estava tentando processar como diabos ela poderia saber meu nome, quando senti sua mão apertar levemente a minha como se me advertisse a disfarçar.

— Sou uma amiga de Olimpya – ela falou depressa, enquanto deslizava uma mão sobre meu peito – estou aqui como espiã. Então por favor, tente fingir para que possamos conversar.

Tirando força de vontade e atuação dos filmes que vi, peguei seu queixo e inclinei sua cabeça.

— Como sabe meu nome? - pedi em voz baixa.

— Sou uma dríade.

Ergui um pouco minhas sobrancelhas, surpreso. Miiko e cia me deram um intensivo sobre Eldarya, assim sabia um pouco sobre as espécies que viviam naquele mundo. Uma dela eram as dríades, ninfas da floresta que tinham a vida presa a uma flor e que possuíam a rara habilidade de capturar os pensamentos das pessoas com seu toque. Isso explicava como poderia ter me descoberto, mas ainda tinha um detalhe que não se encaixava. O voto delas.

— Meu voto tem validade em Eldarya. Não jurei nada aqui – ela piscou um olho, lendo meus pensamentos.

Sentimento meu desconforto, ela retirou minha mão de seu queixo e redirecionou-a para sua cintura, e mudou suas mãos para me tocar onde a pele era coberta.

— Senhor, devo adverti-lo de que devemos manter a compostura nas salas conjuntas – a dríade falou num tom de voz mais elevado para que os ouvidos mais próximos escutassem.

Sorrindo, aproximei-me dela.

— Como podemos remediar isso? Ainda tenho algum tempo livre a dispor – respondi, entendendo seu plano.

Sem precisar de falássemos mais nada, uma das moças do local abriu quietamente uma porta ao final da sala, mostrando mais um conjunto de corredores que possivelmente dava para quartos privativos. Então segui a dríade até um deles, rezando a cada passo que dava para que não estivesse me enfiando até os joelhos na merda.

Assim que a porta fechou atrás de minhas costas a postura da moça ficou reservada e fez uma pequena referência.

— Acho que devemos recomeçar nossa conversa, Sr Lysandre. Chamo-me Naia e estou aliviada em finalmente conhecer um amigo da senhorita Olimpya.

E foi com essa frase que embarquei num plano completamente louco e cheio de esperanças.


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