Me senti muito envergonhada quando acordei. Percebi que ainda usava a roupa de ontem e ainda havia bebida em minha blusa. Não sei como isso foi acontecer, mas eu estava cheirando a álcool. Naquele dia, a primeira coisa que fiz, foi tomar um banho.

Quando desci para ver os meninos, encontrei apenas Louis, e ele parecia prestes a sair. Agora ele estava se parecendo com um cupido. Estava muito bem arrumado, tinha um ar descolado, assim como os outros. Vestia uma jaqueta de couro, preta, seu cabelo estava bagunçado, de forma que ficou muito bem nele. E ele estava cheiroso. Não pude conter um sorriso quando o vi.

— Estou indo, Cassie. — Apesar de parecer muito bem, Louis estava nervoso.

— Boa sorte.

Ele olhou para baixo.

— Eu acho que mandei mal... — Ele comentou, de repente, antes de sair.

— Por que?

— Fiz minha escolha, ontem. Haviam muitas garotas precisando de um cupido. Depois que fiz minha escolha, todos disseram que escolhi errado.

— Como assim? Por acaso há uma forma de escolher a escolhida errada?

— Não. — Ele riu — É que minha escolhida tem depressão. Na ficha dela dizia que ela odeia fazer contato com qualquer pessoa, e nunca sai de casa. Todos os cupidos evitavam escolher essa garota. Mas... Eu decidi escolher.

Abri um sorriso, mais uma vez. Era impossível não se encantar com Louis.

— Isso é bom, Louis! Você está dando uma chance a ela!

— A Lilian tinha depressão quando a conheci — Louis mencionou sua ex-namorada. — É estranho, a cada dia que se passa eu me lembro de mais coisas sobre ela. Acho que essa garota vai precisar de mim assim como a Lilian precisou. Me deseje sorte, Cassie.

— Boa sorte. — Me aproximei dele e peguei sua mão. Logo Louis abriu a porta e se preparou para começar sua trajetória como um cupido. Eu estava tão orgulhosa dele!

Passei o dia organizando algumas coisas, e sentindo falta de outras.

David apareceu durante a tarde, e conversamos sobre meu futuro daqui em diante, e sobre nosso empenho. Ele me contou sobre suas antigas escolhidas, e sobre como foi difícil encontrar a alma gêmea delas também. Por um lado, elas tinham sorte. David era o cupido delas, porém elas não sabiam disso. Agora, justamente na minha vez, eu tive a audácia de descobrir toda a verdade. E agora sou uma fugitiva. E para piorar, o efeito "amnésia" não rolou comigo. David fez de tudo para apagar minha memória, mas comigo simplesmente não funcionou. 

Alguém bateu na porta às duas da tarde, e David foi atender. Curiosa, o segui, descendo a escada de fininho. Quando ele abriu a porta, consegui ver o Dean. 

— O que quer, Dean? — David perguntou ao vê-lo. Disse "Dean" de forma sarcástica.

Os dois se encararam por alguns segundos. Pude ver Dean e ele estava radiante, como nunca. Seu cabelo loiro e seu olhar. Seria difícil dizer para ele que não poderíamos mais nos ver. Corri os últimos degraus da escada e deixei que ele me visse.

— Oi — apareci na porta e fiquei ao lado do David.

— Cassie, podemos conversar? — Dean perguntou. Ele pareceu animado quando me viu.

— Podemos. — Olhei de relance para o David, pedindo que ele me deixasse a sós com Dean. Ele se retirou.

Iniciar aquela conversa não foi nada fácil. Acabei ficando nervosa, sempre odiei despedidas, então não aguentei.

— Não podemos mais nos ver. 

Ele estranhou, me encarou e riu.

— Como?

— Não posso mais te ver, Dean. Algumas coisas aconteceram, eu andei pensando bem, e precisamos ficar longe um do outro. Desculpe por ser tão direta.

Dean me analisou.

— Isso tem algo a ver com o David? Porque se tiver, eu quero conversar com ele. Ou com qualquer um dos outros caras que moram com você.

Neguei com a cabeça.

— Não tem. É uma decisão minha.

Dean pareceu acabado e suspirou. Em suas mãos pude ver alguns tickets. Ele comprou dois ingressos! Me senti a pior pessoa do mundo. Ele queria me levar para algum lugar legal e eu simplesmente dei um pé na bunda dele.

— Tudo bem, Cassie. Se é o que você quer. — Ele pareceu derrotado, se virou e saiu da minha frente, caminhando em direção da rua. Fechei a porta.

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Acho que devo me acostumar com isso. Em dar um pé na bunda das pessoas. Já fiz isso algumas vezes com aqueles caras. Não vou me importar com Dean, ele é bonito e provavelmente existem muitas garotas na vida dele, implorando por uma chance. 

Alguns dias depois, me assustei quando acabei vendo mais do que devia, mais uma vez. Bruce e uma garota se beijando na sala de estar. Não era a primeira vez que eu presenciava uma cena como essas, mas agora o problema estava em quem Bruce estava beijando.

— Cassie. — Ele me viu e se assustou. A garota também. Ela era pequena e bem magra. Uma garota muito atraente, por sinal. Os cupidos não perdem tempo.

— Quem é ela? — Ela sussurrou para o Bruce, enquanto colocava sua blusa de volta no corpo.

— É a Cassie. Uma amiga. Ela mora aqui com a gente há um tempo.

Ela pareceu surpresa, ficou me encarando, mas depois de um tempo, decidiu vir até mim. Continuei petrificada em meu lugar, assustada.

— Prazer, sou Stacy.

Peguei sua mão, me lembrando de algo. Naquele momento tive completa certeza de que Stacy é a escolhida do Bruce! E ele a trouxe aqui, para sua casa! É como um predador levando sua presa para a toca. Ele está colocando Stacy em perigo. Se ela descobre sobre os cupidos, será uma fugitiva como eu, e talvez ela não tenha a mesma sorte que tive.

— Ah, sim. Bruce já me falou sobre você. — Sorri para ela e lancei um olhar nada legal para o Bruce. Ele me olhou feito uma criança encrencada.

Ele acaba de infringir uma das principais regras dos cupidos: Se relacionar com sua escolhida. Esse relacionamento precisa acabar o quanto antes.

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— Bruce está se relacionando com a escolhida dele. Ainda por cima a trouxe aqui. Todos sabemos que já estamos em risco, eu nem mesmo deveria estar viva! Será que vocês não percebem isso? Chega de quebrar regras! — Gritei, enquanto todos os cupidos me ouviam. Exceto por Bruce, que não estava presente.

— Gostamos de quebrar regras, garçonete. É nosso lema, não percebeu? Você deveria ficar surpresa se fizéssemos algo certo. — Franklin não parecia preocupado.

— É disso que estou falando. Vocês precisam se esforçar, daqui em diante. Preciso que me prometam que não vão mais infringir as regras. Que vão fazer seus trabalhos corretamente, para que possam ser livres mais uma vez! Me prometam! Levantem uma mão.

Os cupidos se entreolharam, inclusive Louis, que estava impressionado com a ousadia do Bruce. 

— Eu prometo. — Colin levantou uma mão, e eu sorri para ele.

— Eu também. — Louis fez o mesmo.

— Eu não vou fazer isso. — Franklin protestou e tirou sarro. — Qual é?

Encarei Franklin.

— Não estou te pedindo para ser um exemplo de cupido, Franklin. Só estou te pedindo para não cometer loucuras como deixar alguém ver suas asas ou acabar tendo relações com sua escolhida.

— Ah, isso eu posso fazer. — Ele levantou uma mão também.

Agora só faltava David, meu cupido.

Olhei para ele, era sua vez de me prometer que não quebraria mais nenhuma regra.

Ficamos nos encarando por longos segundos. Houve um silêncio na sala. O olhar do David, que me transmitia um turbilhão de sentimentos, me fez estremecer. Torci para que ele me prometesse isso o quanto antes.

— Prometo. — E levantou uma mão. Algo dentro de mim me fez ficar mal assim que ele fez a promessa. Mesmo negando para mim mesma, eu não queria que David me prometesse isso.

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Esperei Bruce chegar de madrugada para ter uma conversa com ele. E foi uma conversa rápida e clara.

— Bruce... O que eu vi hoje... Me fez pensar se você se importa com a Stacy.

— Cassandra...

— Você sabe que está colocando ela em perigo. Olha só para mim. Eu perdi a minha vida toda por ter me envolvido nessa história. Mas se você for rápido, acho que ainda dá tempo. Pare de se encontrar com a Stacy!

— Já está feito. Nós já estamos juntos. Você não sabe o quanto eu lutei contra isso. Foram anos, vendo caras idiotas magoarem o coração da minha escolhida. Todos esses anos me segurando para não dar um soco na cara de cada filho da puta que a fez chorar durante madrugadas seguidas. Ela perdeu tudo por causa desses caras idiotas, Cassandra. Ela perdeu o emprego, se afastou dos amigos e começou a usar drogas. Foi naquele momento que eu pensei "será que Stacy precisa mesmo de um escolhido?", "por que eu devo procurar alguém para ela?", esse sistema é errado, Cassie. As garotas estão sujeitas à canalhas o tempo todo, o sistema as faz acreditar que precisam de um cara para serem felizes, para serem fortes, para se sentirem completas, mas as coisas não são assim! Stacy era uma garota forte e tudo o que os namorados fizeram foi tirar isso dela!

— Bruce, só estou dizendo que...

— Ela estava se matando aos poucos. Tudo o que fiz foi mudar isso nela. Só estou a defendendo, mostrando a ela que não é o fim. Que ela é forte e incrível e que não precisa de nenhum daqueles moleques para ser quem ela é.

As palavras do Bruce me tocaram e naquele momento não encontrei argumento que fosse válido para protestar contra ele. Bruce conhecia sua escolhida muito mais do que eu.

— Sou o cupido dela. — Bruce estava alterado, eu podia ver a culpa em seu tom de voz — Sei que nunca deveria ter me aproximado. Mas ela precisa da minha ajuda nesse momento. Precisa acreditar que ainda tem motivos para seguir em frente. Que eu a amo com todas as minhas forças, e que não vou deixar mais nenhum daqueles canalhas tocarem nela outra vez. O ex quase a matou hoje, eu precisei trazer ela pra cá. 

— Entendo o que quer dizer. Mas... E aquilo que você me disse aquela vez? Que eu e David nunca deveríamos nos aproximar? Que era errado!

— Eu sei, estou sendo um hipócrita de merda. Mas isso não significa que eu não deva fazer. Eu já estou encrencado. Mas você ainda pode escapar dessa, é por isso que falei aquilo para você. Me preocupo com você, porque ainda tem chance de recuperar sua vida antiga.

— Você também! — Gritei.

— Stacy precisa de mim.

Caminhei até o Bruce, mesmo estando assustada com suas pupilas dilatas. 

— Sim, a Stacy precisa de você, Bruce! — Toquei em seu ombro. — É seu trabalho encontrar alguém que a ame de verdade! E esse alguém não pode ser você! É assim que você vai mostrar a ela o quanto se importa.

— Mas eu a amo. Nenhum escolhido vai a amar dessa forma.

— Eu sei. E acho que é esse o problema. Ela pode se machucar, você sabe, os cupidos superiores... — Revirei os olhos, fiz uma voz engraçada e sorri. 

— Não posso sumir da vida dela, Cassie. Ou então vou me tornar mais um dos idiotas que deixou ela para trás. — Então Bruce passou por mim. 

Ele provou que estava disposto a ir contra todas as regras por Stacy. E isso não era nada bom.

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O clima ficou pesado nos dias seguintes. Me senti mal por não poder fazer nada pelo Bruce ou pela Stacy. E também tive medo de que alguém saísse ferido nessa história, já tínhamos problemas demais para resolver. Agora, eu não fazia ideia do quanto esse relacionamento do Bruce e Stacy vai durar sem que sejam descobertos.

Estive observando o quarto do David e notei que o ursinho cor-de-rosa que Dean me deu ainda está ali, e que não fui corajosa o suficiente para jogá-lo. Então decidi que vou ficar com ele e que ele vai continuar em meu quarto. Digo, no quarto do David.

— Cassie? — Gritaram meu nome, então corri ver quem me chamava.

— Entrega para você. — Colin me entregou um pacote.

— Sério? — Estranhei, pegando a caixa. Todos que conheço não fazem ideia do meu paradeiro. Então quem me mandaria algo?

Abri o pacote na frente do Colin, e me surpreendi com uma caixa de bombom e um bilhete.

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Esse é um presente muito clichê. Porém delicioso.

Do seu Dean.

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— E alá! — Colin gritou maliciosamente, enquanto lia o bilhete junto comigo. — Arrasando corações, Cassie! — Colin enfiou uma mão na caixa de bombom, pegou um e saiu andando.

Aquilo foi um tanto estranho. Deixei claro para o Dean que não deveríamos continuar nos vendo e que ele não deveria criar expectativas. Então por que uma caixa de bombons? 

Acabei deixando que os cupidos devorassem os chocolates. Decidi que não contaria isso ao David. Não era nada importante.