Cinco meses desde o ataque à Nova York.

Cinco meses desde que ele foi arremessado de uma janela, desde que ele teve uma parada cardíaca e foi assustado de volta a vida pelo Outro Cara.

Cinco meses e Tony ainda não consegue dormir.

Ele passa a noite toda no laboratório, atualizando softwares que não precisam ser atualizados, planejando melhorias para coisas que não precisam ser melhoradas, lendo arquivos secretos da SHIELD que já até sabe de cor. Por Deus, o gênio já até mesmo pediu para que Jarvis o ensinasse a falar russo.

Pepper se foi. Ela finalmente se cansou de toda a bagunça que é a vida de Anthony Edward Stark, então pediu demissão e desapareceu. Potts tentou devolver o apartamento e tudo que Tony havia dado de presente a ela, mas o bilionário se negou a aceitar as devoluções, e a mandou sumir de sua frente e não aparecer nunca mais. E foi isso que ela fez.

Sim, ele estava bêbado quando isso aconteceu.

Como agora.

Tony está tropeçando pelo laboratório, segurando uma caneca de porcelana preenchida com whisky em uma das mãos, e casualmente mexendo com seus hologramas que se projetam pelo ar do laboratório.

— Senhor. - a voz de Jarvis quebra o silêncio da sala.

— Eu disse para não me incomodar, Jarvis. - Tony rosna, tomando um gole de sua bebida.

— Senhor, há um invasor na sala de estar. - o AI informa ignorando os protestos de Stark.

— Um invasor? - o gênio exaspera, deixando a caneca cair e murmurando uma corrente de palavrões. - Merda, quem é? Você consegue reconhecer, Jarvis?

— Temo que seja Loki Laufeyson, senhor.

A mente de Tony para abruptamente de funcionar.

Loki está aqui. O mesmo que o jogou para fora de uma janela, o mesmo que tentou dominar o Mundo e matar todos os "mortais inúteis", como ele mesmo chama os seres humanos. E, porra, é esse mesmo Loki maníaco psicopata sanguinário que está parado em sua sala de estar, casualmente olhando para a grande janela da qual o arremessou meses atrás.

E, caramba, Tony nem sabe como foi parar ali, totalmente desprotegido. Ele não se lembra de correr pelo caminho até a sala, nem sabe como chegou até ali.

E esse estado de semi consciência nem sequer o surpreende. Ele não se lembra da última vez em que esteve totalmente consciente de seus atos. Talvez tenha sido quando se enfiou naquele portal intergaláctico carregando um míssil nuclear. Porque, bem lá no fundo, Tony sabe que não se preocupou tanto quanto deveria com a possibilidade de não sair vivo daquela batalha.

Mas ele saiu. E agora ali está o gênio, novamente frente ao irmão psicopata de Thor. O deus nórdico ainda está de costas, e não usa sua armadura de batalha completa. Ele veste uma túnica verde que chega até a metade de suas coxas, e uma simples calça preta de um tecido que Tony não consegue identificar. Os pés estão descalços e o cabelo é uma bagunça de ondas escuras embaraçadas caindo sobre seus ombros.

Ele parece tão frágil.

E quando ele fala, sua voz sai trêmula e insegura.

— Eu não procuro guerra, Stark.

— Por que eu confiaria em você? - Tony o desafia, bêbado demais para medir as consequências de seus atos. - E você não deveria estar preso ou sei lá o que lá em seu planeta?

— Eu não pertenço àquele lugar. Eu sou um homem sem terra. - o deus declara ainda sem se virar. - Eu fugi, Stark. Eu precisei fugir.

A sala está escura. Aparentemente Jarvis preferiu não ligar as luzes, e toda a iluminação provém da cidade acesa lá fora. Mesmo assim, Tony consegue ver o tremor que subitamente sacode o corpo do deus da trapaça.

— Precisou fugir?— Stark pergunta incrédulo. - Você tem noção do quão absurdo isso soa? Você ao menos tem um motivo decente?

Loki suspira, fazendo uma pausa, e Tony abre a boca, pronto para continuar seu sermão.

— Eu fui torturado, Stark.

A boca do gênio se fecha ainda mais rapidamente do que se abriu. Ele está em choque. Sim, o homem é um criminoso intergaláctico, mas tortura? Não, não. Tony conheceu a tortura. Isso é demais.

E, de repente, Tony nota pegadas escuras no chão, brilhando em tons escuros de carmesim. Ele finalmente percebe o filete de líquido vermelho vivo que escorre pelas mãos do deus e goteja de forma nauseante sobre o piso. Ele consegue ver as manchas escuras na roupa que não havia notado anteriormente.

Sangue. Muito sangue.

— Odin... - Loki estremece ao ouvir o nome do pai-de-todos vindo da boca do bilionário. - Ele fez isso com você? Essa foi sua sentença?

— Eu fui torturado todos os dias desde que fui levado de seu planeta. - o deus declara com a voz fraca. - E acredite, Stark, cinco meses duram uma eternidade quando a dor é constante.

Tony está prestes a dizer algo quando as pernas do malandro vacilam e ele cai de joelhos. Sem pensar, Stark sai de sua posição, se ajoelhando ao lado do deus nórdico e ordenando a Jarvis que acenda as luzes.

Olhando melhor para Loki agora, Anthony consegue ver os ossos aparentes, sinais da magreza quase esquelética da figura ajoelhada em sua sala. Ele não quer pensar sobre isso, mas aposta que privação de sono e jejum fizeram parte da lista de torturas escolhidas por Odin.

O deus tem enormes círculos roxos em volta dos olhos incrivelmente apagados, e um hematoma enorme na bochecha direita. Vários pequenos cortes superficiais se espalham por seu rosto, e seu lábio está sangrando. Tony consegue ver marcas nos pulsos e nos tornozelos de Loki, onde provavelmente as pesadas correntes da cela abriram talhos na pele.

Loki geme, fazendo pressão com as mãos em um local próximo ao estômago. Stark vê o sangue escorrendo por ali, e quando finalmente consegue persuadir o deus a deixá-lo dar uma olhada, ele engasga com a visão de inúmeras facadas no abdômen do homem, todas ainda frescas e sangrando. O bilionário consegue ver marcas de queimaduras e cicatrizes avermelhadas se espalhando por toda a extensão do peito do malandro.

Isso é muito, muito ruim.

— Ei, Loki, olhe pra mim. - Tony pede quando vê os olhos do deus lentamente se fechando. - Você precisa ficar acordado, okay? Não pode adormecer. Precisamos manter você vivo.

— Vivo?— a voz do malandro sai em um sussurro fraco. - A morte será mais doce comigo, Stark... - o homem tosse, mais sangue saindo de sua boca.

— Não, não, não... Fique acordado! - o gênio suplica. - Você veio até mim, você veio pedir ajuda. Não vou deixá-lo morrer em meus braços.

— E-Eu não vim com a... Esperança de sobreviver... - Loki suspira olhando diretamente nos olhos de Tony. - Eu só procurava um lugar para morrer em paz. E... E você me pareceu o único... Que não terminaria de me matar... O único que entenderia... Eu sou grato, Stark.

Os olhos do deus se fecham, e um suspiro trêmulo escapa de seus lábios. Tony xinga em voz alta, se levantando e carregando o malandro no colo, implorando para que ele não morra, para que aguente só mais um pouco.

Por favor, por favor, por favor, por favor.

E é assim que ele carrega Loki até a ala médica quase inutilizada da Torre Stark, deitando-o na maca e pedindo instruções a Jarvis sobre como proceder para estancar os sangramentos e costurar as feridas. O gênio acaba descobrindo que vários ossos do deus estão quebrados, mas ele milagrosamente ainda respira.

E Tony passa todo o restante da madrugada dessa maneira, correndo de um lado para o outro, ligando máquinas ao deus, se certificando que ele ainda respira e que seu coração ainda bate, tentando amenizar a sua dor, costurando suas feridas e consertando seus ossos quebrados.

Enquanto isso, Loki dorme. Stark sabe que ele está inconsciente, mas prefere pensar nisso como um sono. Se o deus da trapaça morresse em seus braços Thor iria ficar irritado. Muito irritado.

Então Tony conserta Loki fisicamente, muito grato por ele ser um deus. Qualquer humano estaria morto a essa altura. Mas Loki é forte, muito mais forte do que ele pensou que fosse.

Quando finalmente termina, completamente exausto, o bilionário larga o corpo sobre a poltrona no canto do quarto e apenas...

Espera.