Eyes On Fire escrita por Brê Milk


Capítulo 42
Chapter 37: Deixada para trás


Notas iniciais do capítulo

''I can't save us, my Atlantis, we fall
We built this town on shaky ground''

— SEAFRET (ATLANTIS)



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ALEC VOLTURI

 

Tudo parou quando o grito dela ecoou.

Foi como um abalo sísmico. Como se o mundo abaixo de seus pés tivesse se dividido e uma cratera houvesse se formado, o tragando para as profundezas do solo. E, pela segunda vez, Alec a observou morrer. No entanto, daquela vez era de verdade. 

A espada ficou cravada no peito de Brooke, imóvel no chão. Morta. O sangue dela estava derramado pela grama da clareira, nas roupas finas de Kian e em suas mãos que a seguravam firme junto ao peito enquanto o feiticeiro recitava versos baixinhos em uma língua desconhecida que agitou o vento e os trovões, os direcionando para a clareira devastada onde anteriormente havia fogo vivo invocado pela Evern. 

Fogo que havia sido extinto com sua morte. 

Alec bradou, a garganta vibrando com toda a fúria e pesar que sentia correndo por suas veias. Sua visão se tornou um borrão vermelho enquanto observava o corpo inerte da mulher que aprendera a amar nos braços de Kian e Alec soube naquele instante que nunca se esqueceria daquela imagem, muito menos amaria alguém daquela forma.

 O animal dentro de si rosnou, mais sedento por sangue que nunca, e ele mirou os olhos do Archetti, o odiando. Kian devolveu o olhar — remorso e dor lampejaram em seu semblante sombrio, mas ele não se afastou do cadáver de Brooke, ao contrário. O feiticeiro permaneceu junto a ela, prosseguindo com sua feitiçaria enquanto o vento uivava mais forte do que nunca e a noite se tornava mais obscura, os tons de roxo e azul escuro do céu chuvoso se convergindo para um preto ofuscante.

Não haviam estrelas suficiente no universo que pudessem iluminar aquele céu, da mesma forma como não haveriam vidas suficientes para encontrar alguém que trouxesse luz para sua existência como Brooke havia feito. Porque, de fato, Brooke Evern havia sido fogo vivo, consumindo tudo e todos por onde passara, inclusive o coração inútil de Alec Volturi. 

Outro grito ecoou, mas dessa vez não partiu do vampiro enfurecido; o grito pertencia a Joey, que havia se tornado a loucura e o desespero em carne e osso. Foi assim que Alec se deu conta de que o Senhor das Sombras havia subestimado Brooke Evern. Que em momento nenhum ele acreditou que a garota seria capaz de se sacrificar para salvar os que amava, salvar o mundo. Que ela o derrotaria — Ou daria início ao objetivo. E, quando os gritos de fúria de Joey se tornaram gritos horripilantes de dor e ele cambaleou, caindo de joelhos na relva enquanto agonizava, o Volturi entendeu as intenções da Evern e alterou as suas próprias.

Alec caminhou calmamente até Joey de joelhos, veias grossas e pretas se espalhando por todo o corpo dele, como um predador indo até sua presa indefesa. Ele parou diante do Senhor das Sombras e o olhou de cima por longos segundos, revivendo em sua mente  a imagem da espada perfurando o coração de Brooke. E então ele riu. Riu loucamente, sem nunca desviar os olhos da figura patética  e desprezível que Joey Lynd era.

 

— Por meses, você bagunçou essa cidade. Matou e raptou diversas pessoas, além de ter atacado pessoas próximas a mim. E sempre sem deixar rastros que levassem até você, Senhor das Sombras. Você arruinou minha missão e agora fez a mulher que amo se sacrificar para deter você. Isso me faz pensar sobre o quão forte você é, Joey? — Os olhos glaciais de Alec analisaram a expressão doentia de dor de Joey aos seus pés, e os gemidos agonizantes dele foram como música para seus ouvidos, o fazendo sorrir como um sádico: — Digo, o quão forte é para um Deathvux sem exército de monstros e fonte de poder vivo como a Brooke era? — Em um movimento rápido e brutal, Alec agarrou Joey pelos cabelos e o fez olha-lo dentro das íris escarlate: — Não muito forte, não é mesmo? Não como um monstro sanguinário ou o Rei da Morte que você tanto se autodeclara. Não. Você está mais para um demônio do inferno, daqueles desprezíveis... Mas, posso te contar um segredo? Eu sou o diabo. E um Volturi também, o que significa que não dou segundas chances e você vai arder nas profundezas do inferno por toda a eternidade pelo que fez com Brooke Evern. 

 

Ódio lampejou nos olhos de Joey e seus lábios tremeram, contendo os gritos para conseguir cuspir entredentes:

 

— Ela está morta. E eu... Eu a mataria de novo, se pudesse. 

 

Alec rosnou antes de deslizar as mãos para o peito de Joey e perfura-lo com elas, arrancando seu coração e o atirando longe. O vampiro deixou que o corpo deformado do Senhor das Sombras pendesse na relva e levou os dedos sujos do sangue do Deathvux até os lábios, os lambendo com satisfação. Seus olhos gélidos fitaram o corpo sem vida de Joey por mais alguns instantes, sentindo-se vingado, porém, não conformado. 

Estava acabado. O Senhor das Sombras estava morto e sua missão estava cumprida. E a Evern estava morta. Era o fim e não havia nada mais a ser feito: nada pelo que lutar, ninguém para salvar. Forks dormiria segura aquela noite e a linhagem de Drácula se findara. O jogo havia terminado, embora não houvessem vencedores para comemorar a vitória. 

Contudo, ainda haviam peões no tabuleiro para derrubar. 

Alec virou-se, encarando o ponto da clareira onde Kian estava. O feiticeiro já o encarava, ainda recitando sua feitiçaria.

 

— Saia de perto dela — Comandou o Volturi, a fúria em sua voz ecoando por cima do zumbido do vento que corria pelo lugar como navalhas cortantes, conjurado pelo Archetti que não se moveu um centímetro para acatar a ordem e, por isso, Alec se ensandeceu: — Irei matá-lo, Kian. 

 

O vampiro louro-acastanhado agachou-se em posição de ataque, prestes a avançar contra Kian, porém, não atacou. Não quando o feiticeiro ergueu as mãos e partículas pretas de uma densa névoa começaram a fluir delas, misturando-se com o ar e tingindo a clareira de uma escuridão tão intensa que nem os trovões que cortavam o céu podiam iluminar qualquer parte. Mas, com sua visão sobre-humana, Alec viu Kian deixar o corpo de Brooke no chão e se levantar, erguendo os olhos para ele.

Magia negra era tudo o que eles continham; nada mais e nada menos. E, quando o Archetti terminou de conjurar seu feitiço, o Volturi soube que não estava mais lidando com o último peão do tabuleiro. Não, ele era algo mais naquele jogo.

 

— Você irá me matar, mas não agora, Alecssandro — disse Kian, com uma voz que não era sua, e muito menos de alguém. Era a voz de muitos feiticeiros antes dele que trilharam por aquele mesmo caminho: — Espero que um dia você me perdoe por isso, irmão.

 

Alec rosnou, avançando na escuridão no mesmo instante em que Kian fechou os olhos e movimentou as mãos e as selou em um gesto sagrado. O chão tremeu e tudo se tornou instável. O Volturi sentiu o momento em que algo o acertou e o derrubou, o fazendo perder as forças e sufoca-lo. Sua mente oscilou, calor se espalhando para todos os lados e flashes de memórias o acertaram em cheio: o rosto de Brooke Evern rodopiou em sua mente. Os momentos suportáveis com os Cullen. A risada de Brooke. As emoções que sentiu. 

Alec ouviu seus próprios gritos, fogo consumindo sua mente. Pareceu uma eternidade até que as chamas se apagassem e, quando isso aconteceu, o vampiro sentiu que algo lhe fora roubado. Que algo faltava. Ele tentou se recordar, tentou lutar e levantar, mas a fogueira em sua cabeça se acendeu novamente e ele soube que havia perdido o jogo.

Assim, a escuridão o envolveu, o tragando para as profundezas dela. 

 

 

***

 

 

— Você deveria estar feliz. 

 

A voz de Jane ecoou acusadora nos ouvidos de seu irmão, que desgrudou os olhos da paisagem deprimente e esverdeada de Forks que ficava para trás, e a fitou.

 

— E quem disse que não estou, Janett? — retrucou Alec, sereno, reclinando a poltrona até encarar o teto do jatinho.

 

A Volturi revirou os olhos, os estreitando logo em seguida para o vampiro louro-acastanhado. Parecia mais irritada do que nunca, assim como ele. Assim como todos ali. 

 

— É Jane — Corrigiu-o. — E dividimos um útero, irmão. Acha mesmo que não sei quando você não está falando a verdade?

 

Alec suspirou, sentindo-se repentinamente cansado. Dando continuidade na sua tarefa de fitar o teto pelas próximas horas de voo até Volterra, ele usou seu tom entediado quando formulou uma resposta para a vampira ao seu lado:

 

—Não, não acho. Assim como também sei que você sabe quando está sendo inconveniente, irmãzinha.

 

A risada de Demetri, na cabine do piloto, chegou até eles em segundos. Jane grunhiu.

 

— E você está sendo um idiota inveterado! Completamos a missão e estamos voltando finalmente para casa, o que mais está faltando, Alec? — Explodiu Jane, ficando de pé em um instante, jogando uma almofada da poltrona nele, que não desviou: — Seja lá o que for, é melhor encontrar logo.  Mestre Aro não costuma tolerar idiotas em sua corte. 

 

Assim que terminou de despejar suas frustrações, Jane o deu as costas e saiu batendo os pés feito uma criança birrenta em direção a cabine de comando para se juntar a Demetri e torna-lo alvo de seu mau-humor constante. Alec se limitou a revirar os olhos e abstrair todos os comentários da irmã, sem parar de olhar para o teto sentindo-se... incomodado com alguma coisa que não sabia nomear. Alguma coisa que estava mexendo com uma parte sua, tornando-a mais solitária e vazia do que o normal. 

Félix tomou o lugar de Jane alguns minutos depois, se juntando a Alec ao tédio irreversível que aquele jatinho representava. O vampiro de grandes proporções corporais e elegância surpreendente, olhou para o outro e soltou um suspiro pesado.

 

— Pergunto-me se levaremos alguma coisa conosco daqui — murmurou Félix, simplesmente. 

 

— Esta é a parte em que demonstro interesse em seja lá o que você estiver tentando me dizer? — Alec indagou, ainda prestando atenção no teto. Seu corpo afundou mais na poltrona: — Porque sinceramente eu não estou nenhum pouco interessado. 

 

— Não necessariamente. Mas irei falar do mesmo jeito, então preste atenção se quiser. — Félix encolheu os ombros. — Já perdi as contas de quantas missões desse tipo já realizei enquanto um Volturi. Algumas são mais sangrentas do que outras, mais fáceis também. A maioria são parecidas, porém, as coisas que aprendo com elas e levo comigo... Essas coisas são distintas, Alec. E eu as valorizo por algum motivo. Então, agora que estamos voltando para casa novamente, ainda estou tentando entender o que levaremos dessa vez. 

 

Lentamente, Alec desviou os olhos do teto e os fixou no vampiro ao seu lado, finalmente atraído para algo.

 

  — Certamente, não um Cullen querendo arrancar nossa cabeça.

 

— Isso não — Riu Félix, enfiando as mãos dentro dos bolsos do jeans: — No entanto, penso que as coisas que vivenciamos em Forks, não estão tão claras assim. — Ele puxou algo do bolso e estendeu para o outro Volturi, o tom cético quando completou: — Não sei o que está faltando e que me impossibilita de descobrir a resposta, mas talvez você saiba. 

 

Alec pegou o que Félix o estendia e descobriu que se tratava de uma fotografia. Ele estava nela, abraçando uma linda garota desconhecida com intensos olhos determinados. Ambos estavam caracterizados com trajes da década de 20 e pareciam íntimos como nunca antes o vampiro fora com ninguém. 

Alec sentiu a confusão se espalhando por seu rosto pétreo enquanto algo dentro dele se revirava e se transformava em um  aperto crescente que poderia sufoca-lo. Ele sentou-se ereto na poltrona, sentindo-se estranho. Partido. Dolorido. Angustiado — sensações que há muito não vivenciava. Sensações humanas que o estavam correndo-o naquele exato momento.

 

— Onde você encontrou isso?  — Questionou, entre dentes, a fotografia se amassando entre seus dedos tamanha era a força que a segurava.

 

— Estava entre as coisas na minha mala — respondeu Félix, encarando o amigo atentamente: — Não faço a mínima ideia de como foi parar lá, mas guardei para mostra-la a você. Aliás, você conhece a garota da foto ao seu lado?  

 

— Nunca a vi antes. 

 

— Bem, aparentemente você a viu, de fato. Só não se lembra — Félix apontou para a fotografia, soltando outro suspiro: — Posso não saber o que levaremos dessa vez, mas está claro o que alguns de nós está deixando para trás. 

 

Alec não o respondeu; não havia resposta para aquilo. Seu cérebro trabalhou, pensando, tentando recordar-se de que momento de sua longa existência aquela fotografia pertencia — parecia conservada e nítida o suficiente para ele ter a certeza de que não havia sido há algumas décadas atrás. Então, quando? 

O Volturi não se lembrava. 

E isso doeu. Olhar para o rosto daquela desconhecida ao seu lado na foto o causou uma dor desconhecida até então: a dor de um coração partido. Um coração morto e inútil que insistia em doer por circunstancias desconhecidas. 

Uma gargalhada familiar preencheu o interior do jatinho, tirando a atenção perturbada de Alec da fotografia. Ele ergueu os olhos e os fixou no sorriso torto do homem que portava o título de seu melhor amigo há quase um milênio. Kian Archetti se jogou no assento da frente e cruzou os braços em cima do peito, devolvendo o olhar para o Volturi.

 

— Estamos indo para casa, velho amigo.

 

 


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Notas finais do capítulo

FIM.

Considerações no epílogo por motivos de dores emocionais desta autora, obrigada.

Bjs.



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