Melinyel escrita por Ilisse


Capítulo 9
Capítulo 08




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Horas após voltar ao quarto, Elora ainda não conseguia fechar os olhos. Estava ficando muito tarde e sua cabeça começava a doer.

As palavras que Bard lhe falara quando a acompanhara à porta de seu quarto ainda rondavam sua cabeça. "Somos iguais, Elora. Temos de ser firmes neste mundo comandado por forças que não conhecemos. Não podemos nos sujeitar cegamente aos caprichos dos elfos. Por que, na maioria das vezes, eles procuram apenas o que é melhor si mesmos". 

A menina via perfeitamente que era um ataque indireto à Thranduil. Bard, mais do que todos, sentia-se frustrado por não conseguir acertar o acordo pelos seus termos. E ele sentiria ainda mais quando seus pensamentos clareassem. 

Mas Bard estava errado, Elora não era como ele. Pelo menos não mais, ou inteiramente. 

Apesar dele estar com uma grande quantidade da Poção da Verdade nublando seus pensamentos, e de vez em quando falar algumas coisas sem sentido, a mensagem estava clara. Enraizada no fundo de sua mente: ele não confiava nos elfos. Obviamente, Bard não tem ideia de quem Elora é. Justamente por não ter tido muitas informações, Bard fez inúmeras perguntas enquanto a acompanhava. Nenhuma grosseira ou direta demais, ele sabia ser escorregadio quando queria. Estava curioso, e um pouco desconfiado, do porque de uma jovem estar sozinha no meio da floresta sombria; em um reino que é conhecido por repelir a presença de visitantes de outros povos. 

Thranduil não havia dado nenhum detalhe a seu respeito para os convidados, e a menina achou melhor continuar desta forma. Elora desconversava, sendo o mais vaga possível em suas respostas. E quando finalmente alcançaram seu corredor, pode suspirar aliviada pelo fim do interrogatório. 

Tentando fazer o sono lhe alcançar, Elora refez mentalmente todos os seus passos naquela noite. 

 

.o0o.

Elora caminhava apressava ao lado de Emel com o vestido farfalhando em suas pernas. A elfa quase obrigava-a a correr pelo corredor, repetindo rigorosamente o quanto estavam atrasadas. Antes porém de alcançarem a metade da escadaria para os salões, Elora insistiu em acompanhar Sigrid à sala de jantar. 

Emel não chegou a questionar a decisão, estavam atrasadas demais para debates àquela altura da noite. 

Encontraram Sigrid assim que entraram no corredor de baixo, a menina movimentava o vestido empolgava enquanto caminhava em sua direção. Quando viu Elora, Sigrid correu ao seu encontro lhe dando um forte abraço. Emel arregalou os olhos, mas não disse nada sobre o comportamento da jovem humana. 

A elfa sabia que o povo dos homens tinha costumes diferentes e que para eles tocar impulsivamente alguém estranho era permitido e completamente normal. Mas isso ainda a estranhava, ainda mais quando uma convidada agia desta forma com sua nobre senhora.

— Muito obrigado por me emprestar o vestido. É o mais lindo do mundo! - Sigrid sorria enquanto rodopiava pelo corredor.

— Por nada, sabia que combinaria com você. - Disse Elora.

Elora viu o olhar de reprovação que Emel dirigiu à Sigrid enquanto desciam as escadas. Sabia o que a incomodava, de fato a própria ainda estava surpresa com o ímpeto de Sigrid, mas gostou de seu gesto sincero. 

Talvez conviver com elfos esteja realmente lhe afetando, em sua antiga cidade um abraço não lhe seria tão estranho. Humanos tem o costume de serem calorosos, de demonstrarem claramente suas emoções com abraços e beijos, até com pessoas que não conhecem muito bem; já elfos são mais sutis, fechados em seu próprio mundo, preferem demonstrar seu apreço de forma mais distante, com palavras ou sorrisos. O que talvez torne suas ações ainda mais especiais quando decidem fazê-lo. 

Elora percebeu que Sigrid ficava ajeitando o cabelo e o vestido a cada dois passos. A poucos segundos ela estava alegre e agora parecia andar para um tribunal. Elora a entendia; ela própria estava com aquele burburinho no estômago.

— O que há? - Elora perguntou.

— Estou começando a achar que não foi uma boa ideia ter vindo. - Sigrid parou e fez menção de virar-se. - Acho melhor voltar para o quarto.

Emel fechou ainda mais o rosto quando a hesitação da jovem chegou aos seus ouvidos. 

— Acredite, eu lhe entendo perfeitamente. - Elora tentou confortá-la, ignorando os olhares de Emel. - Mas você já está pronta e já estamos aqui. 

Sigrid encarou o vestido, refletindo. Seria realmente um desperdício de tempo voltar agora.  

Emel, que parara alguns passos a frente, pedia silenciosamente que apressassem-se. Não poderia deixar a humana causar problemas entre sua senhora e o rei. Ainda mais agora que tudo havia se encaixado perfeitamente.  

— Não estará sozinha. - Elora lhe sorriu. 

— Tenho medo de fazer alguma besteira e acabar com o planos de papai para o tratado de comércio. É uma situação delicada e não me perdoaria se o arruinasse. 

— Você não vai estragar nada. Esta noite será apenas mais uma pacífica e calma reunião. - Elora dizia mais para se convencer do que a Sigrid.  

— E tem sua majestade... Ele me dá medo. - Sigrid sussurrou.

— É uma reação esperada e totalmente compreensível. - Elora riu. - Ele pode parecer mal, mas é muito justo. Não tem com o que se preocupar. 

Quando chegaram ao salão, Bard e Thranduil já estavam presentes. Não se encaravam, e a sala estaria em um silêncio mórbido se não fosse pela calma melodia que uma elfa tocava na harpa em um dos cantos da sala. O rei e dois outros elfos foram os únicos a perceberem sua aproximação. Thranduil estava em pé, de frente para o arco que dava ao lago. O cenho e lábios franzidos. Pelo visto a primeira reunião não havia saído bem como ele desejava. O rei as encarou por um segundo e voltou sua atenção novamente para o lago, sem lhes dar muita importância. E ali estava a demonstração de seu descontentamento. Elora percebeu que o descaso certamente era pior do que sua raiva, e ele provavelmente sabia disso. Ele continuou parado como uma estátua, com seus movimentos graciosamente calculados e estritamente necessários que Elora odiava. Nessas horas ela percebia a imensidão de anos que os separavam.

Quando Bard percebeu a presença das duas levantou-se contente da mesa, caminhando até segurar as mãos de Sigrid enquanto a elogiava. Thranduil fez um leve sinal com a mão enquanto caminhava até a mesa, sentando-se na grande cadeira de ponta. A taça de Bard foi reabastecida, em seguida os elfos trataram de servir Elora e Sigrid. Elora pegou a taça prateada que lhe foi oferecida e percebeu que seu vinho era do mesmo tom vermelho escuro do rei, mas o de Sigrid e Bard era quase negro. Ela pousou novamente a taça na mesa, controlando a respiração. Não podia deixar transparecer seu nervosismo. Elevou seu olhar acusador até Thranduil, que apenas meneou de leve a cabeça confirmando suas suspeitas. 

Ele tinha feito. Não sabia porque ainda prendia-se a ideia de que Thranduil não usaria seus métodos novamente. Elora sorveu um grande gole do vinho, sua boca ficara seca. Por mais infames que seus métodos fossem, Thranduil tinha muitos anos para lhe dar razões e motivos para não confiar em ninguém. Mesmo que fosse Bard o grande herói matador de dragões. 

Todos já estavam acomodados em seus lugares, mas Tiberius ainda não havia aparecido. Bard não parecia preocupado com a ausência de seu conselheiro, talvez já estivesse sentindo os primeiros sinais do torpor. Foi Sigrid quem questionou o atraso do velho senhor, e como nenhum dos presentes esboçou qualquer sinal do paradeiro do homem, Elora decidiu mudar o rumo da conversa.

Até onde sabia, o pobre homem podia muito bem estar sendo interrogado em algum canto do palácio. Olhou de soslaio para Thranduil, mas ele ainda estava muito concentrado em sua bebida. 

— É a primeira vez que visita Mirkwood, meu senhor? - Elora perguntou a Bard enquanto os elfos serviam os pratos.

— Sim, milady. - Bard sorriu, bebendo outro gole de sua taça. 

— Fico feliz que tenha aceitado trazer Sigrid, fazia algum tempo que não tinha notícias do mundo lá fora. 

Sigrid, que antes analisava a comida disposta delicadamente em seu prato, levantou a cabeça interessada. 

— Sigrid soube ser bem convincente. - Pai e filha trocaram um olhar cúmplice. 

— Ela me contou o desafio que foi. E que precisou apelar para os seus sentimentos mais profundos para não deixá-la para trás. - Elora lhe sorriu e ficou satisfeita quando Bard fez o mesmo. 

— Mas por favor não a encoraje muito, prefiro que ela permaneça segura em casa.

— Receio que seja tarde demais. 

— Papai acha que não sou capaz de defender-me. - Sigrid comentou.

— Apenas prefiro que não tenha que fazê-lo. - Bard franziu o cenho por um momento. Provavelmente cansado de repetir a fala muitas vezes tentando convencer a filha do que seria melhor para seu futuro. 

— Devo admitir que até bem pouco tempo também pensava desta forma, mas agora acho que todos devem aprender a defender-se. Seja com palavras ou armas. - Disse Elora.

— E não são a mesma coisa? 

— Na maioria das vezes. 

Elora sentiu as bochechas corarem, estava gostando da atenção que Bard lhe direcionava. Por um momento até se esqueceu que ele não estava totalmente sóbrio. Conversar com ele era tão simples e reconfortante, bem diferente de suas conversas com o rei. Onde tinha que prestar atenção a cada palavra subtendida; ela reconhecia que era instigante a relação de desafio com Thranduil, mas de vez em quando sentia falta da simplicidade. E além de tudo Bard era charmoso, sabia como atrair a atenção para si sem ser convencido.

A conversa calma fluiu entre Sigrid, Elora e Bard. Thranduil permaneceu calado, observando todos. 

Já estavam no segundo prato quando Tiberius entrou rispidamente na sala. Estava com o rosto avermelhado, parecia ter corrido a plenos pulmões até ali. 

— Desculpem a demora. Infelizmente perdi-me por alguns instantes no caminho para cá. Alguma sinalização não faria mal. - O velho disse tentando fazer graça enquanto enxugava a testa úmida com um lenço amarelado. 

Thranduil nada falou e Elora sentiu uma mistura de pena com vergonha solidária para com o velho senhor. Se continuasse atiçando a paciência de Thranduil desta forma, ele não sobreviveria até o amanhecer. Quando servido, bebeu metade da taça em apenas um gole. Fato que não passou despercebido pelos outros. 

— Está se sentindo bem, senhor Bloom? - Sigrid perguntou preocupada. 

— Sim, sim. Não há nada com o que se preocupar. Só estou um pouco fora de forma. - Ele deu um sorriso amarelo enquanto dava leve batidinhas sobre a barriga. 

Tiberius estava impaciente. Deveriam ter fechado o tratado e partido da floresta enegrecida o mais rápido possível. Ele já havia feito tudo o que precisava, não esperava ter que ficar ali tanto tempo. No fundo não entendia porque Bard insistia em comercializar com tal raça como elfos. Todos sabiam o quão gananciosos eram, histórias foram contadas sobre o antigo rei élfico do sul que foi acometido por tamanha loucura por pedras preciosas que acabou perdendo o direito à vida eterna. 

Eram iguais aos anões, isso sim. Talvez por isso tinham tanta inimizade. O velho sabia que no fundo todos os elfos brincavam com a vida dos homens livres, que para eles era tão frágil quanto uma flor. Elfos não compartilhavam seus conhecimentos com outros povos, eram egoístas e só ajudavam quando sairiam beneficiados também. E Tiberius tinha certeza que Thranduil era o pior deles, ainda mais do que a feiticeira da floresta dourada.

Elora observava o homem rechonchudo. Ele escondia alguma coisa. No fim das contas o soro da verdade viria a calhar. 

— Espero que não tenha andado muito, meu senhor. - Elora disse com a voz calma, mas mesmo assim Tiberius pareceu nervoso. - Certamente você pediu a ajuda pelo caminho. 

— Oh, não. Não me atreveria a... atrapalhar ninguém. - Ele demorou a completar a frase. Talvez o conselheiro precisasse de mais algumas doses para ceder o controle de suas palavras. 

Elora viu Thranduil  ordenar silenciosamente a um elfo que enchesse a taça do homem. Escondeu o sorriso enquanto comia outra garfada de seu prato. 

— Não creio que atrapalharia, meu senhor. Qualquer um mostraria o caminho correto de bom gosto. Bastava apenas um pouco mais de coragem e um pouco menos de orgulho. - Elora decidiu apertá-lo um pouco mais. Ela não deveria estar fazendo isso, mas estava com uma coceirinha de desconfiança e não poderia deixar para lá. 

— Perdão? - Tiberius parou de comer, estreitando os olhos para ela. Elora não deixou-se intimidar e continuou olhando-o. 

— É de conhecimento geral que homens odeiam pedir ajuda. - Ela completou de forma inocente e o homem relaxou.

— Não há como negar. - Sigrid riu. 

— Talvez o senhor Tiberius estivesse aonde não deveria estar. - Thranduil falou pela primeira vez na noite. E Elora pode ver o calafrio percorrer o braço de Tiberius.

O velho senhor soltou uma risada nervosa e voltou a comer antes de falar. Se Bard e Sigrid perceberam a tensão no ambiente não demonstraram. 

— De fato nem sei por onde passei. - o velho homem deu outra risada falsa. - E se for este o caso, minhas mais sinceras desculpas majestade. Talvez devesse ter feito o tour com as senhoritas. 

Elora forçou um sorriso ao homem. Se tinha uma coisa que odiava era um mentiroso. Thranduil poderia ser o que fosse, mas ele era verdadeiro. Direto, rude e ardiloso, mas verdadeiro. Ela não via isso nos olhos do homem, ao invés via medo. Talvez os anões tivessem o procurado e quisessem alguma informação sobre a floresta. 

Dois elfos seguiram graciosos enquanto trocavam os pratos pelas sobremesas. 

— Creio que já teve tempo de pensar em minha proposta, Bard. - Thranduil falou atraindo atenção para si, enquanto rodava sua taça entre os dedos. 

Bard inspirou profundamente e Tiberius olhou-o de soslaio secando novamente a testa. 

— Você nos apresentou seus termos, mas não posso aceitá-los. - Bard endireitou-se na cadeira, ficando ereto. Pronto para um combate verbal. 

— O que estou lhe oferecendo é muito melhor do que seu atual tratado. - Thranduil franziu a testa. Ele não gostava de ser contrariado. 

Sigrid e Elora perceberam a tensão tomar conta da sala.

— Não há como negar que vossa majestade foi muito generoso. Muito generoso, de fato. - O velho conselheiro falava rapidamente. - Mas tenho certeza que podemos chegar a um acordo que beneficie a todos. 

— Creio que não fui claro anteriormente. - Thranduil falou com uma calma desconcertante. - Isto não é uma negociação. É uma proposta... que os aconselho a aceitar.

O velho senhor emudeceu. Seu medo do rei era palpável.

Medo que não era compartilhado com Bard. 

— Não posso arriscar começar uma guerra contra Thorin. - Bard encarou-o. 

— Thorin não reinará por muito tempo. - Thranduil falou despreocupado. - Certamente sua loucura encurtará sua vida exponencialmente. Em pouco tempo ele acabará como Thrór. 

— Mesmo que o atual rei caia, os anões permanecerão aonde estão. E Valle permanecerá ao pé da montanha. Uma inimizade não será benéfica para o meu povo. E é neles que devo pensar, não em sua retaliação egoísta pelas ações de Thorin. 

Bard parou de falar, visivelmente surpreso pelas palavras que saíram de sua boca. 

Sigrid e o velho conselheiro encaram-no. Haviam conversado sobre o real motivo que movia Thranduil a propor o tratado, mas não esperavam que Bard fosse tão direto. Elora olhou o rei e vendo seu semblante fechado, perguntou-se o que Thorin havia feito.

— O que chama de motivação egoísta é um de nossos tesouros mais antigos. Que foi roubado séculos atrás pela mesma linhagem que se recusa a cumprir sua palavra. - Thranduil projetou o corpo para frente. O assunto realmente o tirava do sério. 

— Valle está em ruínas, estamos reconstruindo a cidade toda pedra por pedra. As pessoas estão vulneráveis e há relatos de criaturas espreitando nas estradas. Não vou diminuir o fato de que sua oferta é tentadora, mas estamos em um período de paz, Anões, elfos e homens, e eu gostaria que continuasse desta forma. Valle fechou um tratado de comércio com os anões e não voltar atrás com minha palavra.

Elora fez menção de falar, mas Thranduil a silenciou com um olhar gélido.  

Apesar de querer que tudo desse certo para ambos os lados, ela não tinha nenhum tipo de poder para intervir na negociação. Thranduil não era uma pessoa aberta a questionamentos, ainda mais na frente dos outros. Elora sabia que talvez tivesse uma chance se estivessem sozinhos, mas nunca poderia interceder por Bard enquanto estavam ali reunidos. 

— Então não há mais nada a ser tratado hoje. - Thranduil levantou-se. - Respeito sua preocupação para com seus iguais e como cortesia meu reino estará aberto caso queira repensar sua decisão. - Thranduil virou-se para o velho senhor. - Mas o aconselho, Tiberius, a não voltar a Mirkwood. Pode não fazer bem à sua saúde. Tenham uma boa noite. 

Thranduil meneou a cabeça para Elora e saiu da sala.

O ambiente caiu em um silêncio esmagador. Sigrid estava visivelmente abalada, mas não tanto quando o conselheiro. Ele estava branco como papel. Elora poderia assegurar que ele nunca mais passaria nem perto da borda da floresta. Bard cerrou os punhos, frustrado.

— B-Bem... - O velho gaguejou, pigarreando antes de voltar a falar. - Acho que já vou me recolher.

— Eu o acompanharei.  

Sigrid e o velho saíram do salão e Elora suspirou. 

— Sinto muito. - Elora disse enquanto Bard encostava-se na cadeira pressionando os dedos nas temporas. 

— Pelo que? Não foi sua culpa.

— Não sei. Apenas pareceu correto alguém desculpar-se com você após... - Elora parou de falar. Ela não precisava completar a frase para Bard compreender. 

— Eu torcia por um final diferente, mas no fundo já esperava esta resposta.

— Você disse que o rei estava fazendo isso como uma retaliação a Thorin. Por qual motivo?

Bard bebericou novamente a taça de vinho, ajeitou-se novamente na cadeira enquanto apoiava as mãos unidas sobre a mesa. Não era a melhor hora de mencionar Thranduil, mas Elora precisava saber. Sua curiosidade não deixaria que ela pensasse em outra coisa. 

— Todos já tínhamos ouvido canções sobre a imensidão do tesouro sob a montanha, imensas pedras preciosas... maiores do que um punho. Pilhas de ouro e prata até onde os olhos alcançavam. Muitas vezes a cobicei enquanto a via no horizonte mas o risco não valia a pena. Não conhecia os caminhos dos anões e mesmo se eu fosse cuidadoso a besta provavelmente me ouviria chegando. As pessoas estavam famintas, e com a pobreza se alastrando cada vez mais na cidade do lago uma pequena soma de ouro poderia fazer uma enorme diferença. Pensava muito sobre isso, mais do que me orgulho. 

— Você chegou a procurar uma entrada?

— Sim. - Ele respondeu após um tempo. - Mas desisti quando cheguei perto demais. Percebi que estava prestes a fazer uma loucura. O preço que seria pago se eu falhasse era alto demais. Por isso quando Thorin chegou eu vi uma oportunidade. Ele sabia como entrar e não pretendia ficar muito tempo para acordar o dragão. Disse que queria apenas uma pedra da sala do trono. Fui ingênuo e aceitei ajudá-los a chegar na encosta da montanha por uma grande quantia. Mas tudo deu errado. Smaug acordou e veio para a cidade. - Bard ficou com o olhar distante, enquanto os horrores daquela noite preenchiam seus pensamentos. - Como parte da culpa era minha, resolvi consertar tudo. Tínhamos o ouro que Thorin havia prometido, eu reconstruiria Valle e criaria um lar seguro e prospero para todas as pessoas que prejudiquei. 

— Mas Thorin não cumpriu o trato. - Elora ouvira as histórias que viajantes contavam em Alórien sobre a batalha recém travada, mas nunca com tantos detalhes. Bard assentiu. 

— Todos marchamos para as velhas ruínas e fui falar com Thorin. Solicitar o que nos deviam. - Bard deu um sorriso seco.  - Ele já havia construído uma barricada, gritou a plenos pulmões que não nos devia nada e que o exército das montanhas nubladas garantiriam que não fossem roubados. No outro dia os elfos chegaram. 

— E ao final da batalha com o exército das montanhas nubladas destruído, Thorin finalmente aceitou pagar sua dívida. - Elora deduziu. 

— Mas não com os elfos. Ao invés do solicitado, Thorin enviou um pequeno baú com moedas de ouro e uma mensagem: se Thranduil quisesse tanto seu precioso tesouro, ele deveria buscá-lo com suas próprias mãos no coração da montanha. 

Elora percebeu uma pontada de rebeldia em Bard. Parte dele apreciava o castigo infligido à Thranduil. O ressentimento dos homens para com os elfos era maior do que ela imaginava. A essa altura imaginava se de fato poderia haver um tempo de paz plena, onde todos pudessem conviver sem rancores e cobiça. Provavelmente não. 

— Não entendo por que Thorin arriscaria outra guerra apenas para tentar humilhar o rei. 

— A raiva entre anões e elfos passa do meu conhecimento. - Bard deu os ombros. - Ambos são teimosos, orgulhosos e arrogantes. São todos iguais.  

— E o que é esse tesouro? - Elora inclinou-se para frente, aproximando-se mais. 

Certamente seria algo extraordinário para causar tanta comoção. Thranduil foi a guerra por ele; e Elora não duvidava que fosse de novo. 

— Um colar. - Bard disse calmamente. Elora piscou algumas vezes, aturdida. 

— Um simples colar? - Elora sacudiu de leve a cabeça. Vendo sua confusão, Bard apressou-se para responder. 

— Não uma jóia qualquer. Dizem que ele é feito de estrelas puras, e que seu brilho ilumina a noite. - Bard fez menção de levantar-se, mas Elora deteu-o com outra pergunta. 

— E qual... qual foi a solicitação do rei para fechar o tratado com Valle? - Ela tinha que conseguia a maior quantidade de informações que conseguisse se quisesse ajudar em alguma coisa, e Thranduil certamente não pararia para compartilhar os detalhes com uma convidada. 

— Ele negociaria apenas com Valle, e não mais com a cidade do lago, mas teríamos que cortar relações com a montanha. Anões são excelentes mineradores e artesãos, mas são péssimos quando se trata de trabalhar a terra. Então fornecemos os alimentos em troca de proteção enquanto reconstruímos a cidade... e ouro, claro. Thranduil sabe que se cortasse os suprimentos que enviamos à eles, os anões teriam que viajar dias para conseguir a quantidade que necessitam. E para diminuir a distância provavelmente tentariam a sorte cortando caminho pela floresta. 

— Então eles estariam sob seu domínio. 

Elora assentia pensativa, enquanto reprimia um sorriso. Não esperava nada menos do rei ardiloso e inteligente que conhecia. O plano era perfeito, se tivesse sucesso atingiria os anões deixando-os vulneráveis sem atacá-los diretamente. A única falha foi o comprometimento de Bard em manter sua palavra. Mas Elora tinha certeza que Thranduil não desistiria tão fácil. 

Bard falava com ela, mas Elora ignorou suas palavras. Estava ocupada lembrando dos únicos anões em que já pusera os olhos: o grupo desconfiado e o anão que ela e Tauriel encontraram quando saíram da floresta. Certamente pareciam em alerta e prontos para briga, carregavam muitas armas e vestiam pesadas armaduras. Mesmo com seu pouco conhecimento ela podia afirmar que eles podiam ser tão perigosos quanto os elfos, mas não tão astutos. 

— Senhorita? - Bard a chamou pela terceira vez e Elora saiu de seu torpor. 

— Sim? - Ela o encarou. - Desculpe, acho que o cansaço finalmente me atingiu. 

Bard se ofereceu para companhá-la e os dois deixaram o salão vazio. 

 .o0o.

 

Elora ajeitou-se no colchão macio, tentando achar uma posição que favorecesse seu sono. Tauriel viria buscá-la em algumas horas e ainda não havia pregado o olho. Toda a reflexão sobre quem ela era já estava tirando-a do sério. 

Era verdade que estava mudada, mas haviam acontecido tantas coisas nas últimas semanas que o estranho seria se ela continuasse com a mesma inocência para com o mundo igual a antes. Elora sentou-se na cama, coçando os olhos cansados. Ela caminhou até a janela e ficou observando o farfalhar das folhas em silêncio.

Apesar de tudo, a noite não havia sido de todo o ruim. Ela esperava muito mais conflito e vozes alteradas. Tirando a ameaça não tão velada de Thranduil a Tiberius, tudo poderia ser resolvido. Ela só tinha que pensar em uma forma de ferir os anões indiretamente, para que eles cumprissem com sua palavra. A ideia de prejudicar os anões não a atingiu da forma que esperava. Ninguém sairia ferido, é claro. Mas não sentiu remorso por Thorin. 

Elora despertou com os olhares curiosos de Emel e Tauriel sobre ela. 

— Minha senhora o que está fazendo no chão? - Disse Emel. 

Ela não sabia a resposta para aquela pergunta. Nem se lembrava de como foi parar ali. Deu de ombros enquanto se sentava, desenroscando-se do cobertor. Olhou para Tauriel. 

— Não achei que teríamos treinamento hoje, visto que passou a noite rondando a floresta.

— Elfos não precisam dormir tanto quanto humanos. 

— Vocês as vezes são irritantemente perfeitos. 

— As vezes? - Disse Tauriel sorrindo. 

Elora rolou os olhos enquanto se levantava. Sentou-se na poltrona e beliscava em uma bandeja de frutas quando Tauriel lhe perguntou como foi a noite. A elfa ainda estava em dúvida se favorecia ou não o tratado de comércio com Valle, tinha medo que isto a levasse perto de mais da montanha. 

— Não foi tão ruim quanto eu esperava... mas também não foi nada bem. - Elora dizia enquanto escolhia um cacho de uvas. - O problema começou quando falaram dos anões. 

— Anões. - Emel disse com desprezo. - Eles podem ser pequenos mas se engane, sua crueldade não tem limites. 

Elora e Tauriel calaram-se. Tauriel desviou o olhar e para não aumentar seu desconforto, Elora continuou a falar ignorando o comentário de Emel. 

— Bard sabe das reais motivações do rei e, apesar de não concordar, estava aberto a uma negociação que beneficiasse a todos. 

— Thranduil não é um negociador. - Tauriel.

Emel olhou-a de soslaio, repreendendo-a silenciosamente por seu tom.  

— Isso ficou bem claro quando no final, ele ameaçou Tiberius por tentar insinuar esta ideia. Foi implícito, claro. Mas estava lá e todos podiam ver.

— Sua majestade as vezes tem um temperamento forte com visitantes, mas tenho certeza que o homem mereceu. - Disse Emel enquanto separava a roupa que Elora usaria.

— Aquele homenzinho é de dar nos nervos. - Disse Tauriel. 

— Já o conhecia? - Elora questionou. 

— Ele tentou entrar na floresta uma ou duas vezes, falando sua importância e nos olhando como se fossemos criaturas vis. Ele mereceu o tratamento cortês que teve. 

Elora riu sacudindo de leve a cabeça, Tauriel poderia ser bem rancorosa quando queria.

— De qualquer forma, pretendo desculpar-me novamente com Bard esta manhã... e Sigrid. Ela estava meio pálida quando despediu-se ontem.

— Sinto muito, minha senhora, mas eles partiram antes do sol se levantar. - Disse Emel. 

— Mas já? E tão cedo? - Elora olhou-a assustada. 

— O conselheiro devia estar ansioso para retornar a Valle. - Tauriel disse com descaso. 

— Mas eu nem consegui me despedir de Sigrid. Queria dar-lhe o vestido de presente. 

— Podemos enviar um emissário com o presente. - Disse Emel. 

Elora recostou-se na cadeira, desanimada. Eles partiram como fugitivos na calada da noite. Após isso, Bard com certeza não voltaria atrás e feriria seu orgulho ainda mais. Tauriel aguardou Emel ajudar Elora a se vestir e todas desceram as escadas lado a lado. Apesar da triste notícia da partida de Bard e Sigrid, Elora sorria. As duas elfas que caminhavam ao seu lado a faziam se sentir em casa, como quando ainda morava em Alórien, e sabia que poderia contar com sua mãe para resolver qualquer problema.

Como esperado Herenvar não se compadeceu pela noite mal dormida de Elora. Na verdade ele quase acertara uma flexa de raspão em seu braço, para acordá-la. Ele era ainda mais intenso que Tauriel, que pelo menos parecia ter um pouco de pena da pobre humana sem desenvoltura com armas. Estavam no meio de mais uma sessão de ataque e defesa com a espada quando um dos elfos guardiões da entrada de Mirkwood veio caminhando em sua direção. Elora o assistia caminhar até ela graciosamente, com os cabelos marrons balançando com o movimento. Mesmo após todos este tempo em Mirkwood ela ainda conseguia perder-se diante da beleza elfica. 

— Minha senhora. - O elfo fez uma leve reverencia e lhe esticou o pequeno rolinho de papel. 

— Não vai abrir? - Herenvar disse quando o outro afastou-se. - Pode ser de lord Elrond. 

Elora permanecia encarando o pequeno montinho de papel em sua mão. 

— É dele, tenho certeza. Quem mais me acharia aqui? Mas... E se forem notícias ruins?

— Não vai saber até abrir. - Herenvar disse com calma. 

As vezes Elora odiava esse jeito calmo e portador da razão do elfo. 

A menina desenrolou o pequeno pedaço de papel e releu suas duas frases algumas vezes antes de levantar a cabeça e fitar o elfo na sua frente. 

— Está tudo bem? - Ele perguntou preocupado. Elora parecia confusa e ainda não havia dito uma palavra. 

— Sim... - Ela disse rapidamente. - Todos estão bem, não é nada demais. Vamos voltar ao treino. 

A mensagem havia mexido com Elora e isso a confundia. 

Elrond e os outros estavam bem; e havendo completado a viagem antes do esperado iriam buscá-la no dia seguinte pela manhã. Ela estava contente por todos, mas não estava pronta para partir. Um pequeno vazio se instala em seu peito. Uma inquietação alarmante. Ainda faltavam quatro dias. Ela planejara passa-los com Tauriel e Emel, e até com Thranduil. Detestava admitir mas sentiu falta de seus momentos silenciosos na biblioteca, com Bard e os outros em Mirkwood não se viram muito. 

Herenvar a liberou antes do previsto, percebendo sua atenção mais dispersa do que o normal. Elora guardou as armas que usara no depósito e encostou-se na parede fechando os olhos. Teria que contar à Emel e Tauriel... e o rei? Será que o tio havia avisado à Thranduil? Elora esperava que sim. 

A passos largos ela caminhou até os portões de entrada dos salões encontrando o mesmo guarda que lhe entregara o bilhete e mais dois tão parecidos que poderiam ser irmãos. 

— Desculpem importuná-los, mas... vossa majestade também recebeu alguma mensagem hoje? 

— Não, minha senhora. A única mensagem foi para você. - Ele lhe respondeu. 

Elora murmurou um obrigado antes de dar as costas e ir apressada para seu quarto. Emel já havia preparado seu banho e Elora deixou-se afundar na água morna. 

Enquanto vestia-se, pensou em como era tola. Não havia motivos para temer tanto a partida de Mirkwood. Poderia visitar Tauriel e Emel, ou elas poderiam ir até Rivendell. Certamente Thranduil não a proibiria de voltar... apesar dos pesares e seus estranhamentos, eles chegaram a um concesso e estavam se suportando bem. Não houveram mais brigas ou discussões acaloradas. Elora sorriu. Sentiria falta disso. 

A menina encontrou com as elfas nos mesmos lugares em que almoçaram antes. 

Sentou-se de frente para elas, não estava com muita fome então pegou apenas uma maçã. 

— O que há? - Tauriel levantava a sobrancelha enquanto pousava seu garfo no canto do prato. 

— Céus, porque tem que ser tão observadora? 

— É parte de minha função. 

Elora soltou o ar pesadamente antes de falar. 

— Partirei amanhã de manhã. - Decidiu ser direta, de outra forma não conseguiria falar sem que lágrimas rolassem pelo seu rosto. 

Elora sempre odiou despedidas, e esta por mais que não fosse definitiva a afetava imensamente após a perda de sua mãe. Não queria nunca mais afastar-se das pessoas que lhe eram queridas, mas isso infelizmente tinha que acontecer. 

— Tão cedo? - Disse Emel surpresa. 

— Recebi esta mensagem de lord Elrond informando que chegariam cedo. Mas todos estão bem, não há nenhuma emergência. - Elora estregou o papel à Tauriel. 

— Talvez ele pretenda ficar alguns dias. É uma viagem cansativa no fim das contas. - Emel disse enquanto lia o bilhete junto com Tauriel. 

— Não creio que seja sua intenção. - Elora rolou a maçã entre as mãos. - Ele deve estar ansioso para retornar à sua casa, e antes de chegarmos aqui ele me disse que ainda teríamos que passar em Lothlórien para encontrar com o mago que treinou minha mãe.

— Nesse caso, temos que aproveitar seu último dia conosco. - Disse Emel, afastando o olhar triste com um sorriso encorajador. - Vamos brindar a todos os acontecimentos que ocorreram em sua estadia. 

Elora assentiu forçando um sorriso e Emel partiu para realizar suas tarefas. 

Tauriel permanecia calada. 

— Você me visitará em Rivendell? - Elora.  - Significaria muito pra mim. 

— Claro. Vou aparecer quando menos esperar. - Tauriel também forçou um sorriso. 

Apesar de viver toda sua vida em Mirkwood, Tauriel nunca tivera muitos confidentes ou amigos próximos, com exceção de Légolas. Mas encontrara isto em Elora e decidiu que contaria tudo sobre Kili, antes que ela partisse. Já havia pensado nisso alguns dias atrás; tinha certeza que Elora entenderia e não lhe lançaria olhares acusatórios como os outros fariam por ter se apaixonado por um mero anão. 

Tauriel ainda se lembrava do olhar de Légolas quando ele descobriu. Ela o tinha como o mais próximo de si, mas até ele se afastou depois da batalha. Elora permaneceu sentada à mesa com a maçã entre as mãos enquanto Tauriel também se retirava. 

Poucas horas depois Elora encontrava-se caminhando em direção à biblioteca, já havia terminado o livro que Emel lhe emprestara mas tinha esperanças de que Thranduil estivesse lá. Não poderia partir sem tentar interceder por Valle. A porta abriu com o leve rangido que já se tornara familiar, o cômodo estava escuro provavelmente não havia ninguém lá. Caminhou observando as prateleiras, despedindo-se dos livros que tinha esperanças de um dia ler. Parou atrás da poltrona que costumava sentar-se, passando as mãos sobre o tecido grosso enquanto encarava as brasas quase frias na lareira. 

— Perdida em pensamentos? - A voz de Thranduil ecoou pelo espaço fazendo com que a menina se virasse em um pulo, assustada com a mão sobre o coração. - 

— O que está fazendo espreitando no escuro... Majestade? - Disse Elora tentando recuperar o ar de seus pulmões e recompôr-se. 

Ela pode perceber um canto da boca do rei levantando-se. Ele divertia-se em assustar a humana, certamente.

— também pensando.

Elora surpreendeu-se com a resposta honesta e direta, esperava que ele lhe respondesse com outra pergunta ou apenas a ignorasse. A menina aproveitaria logo a deixa.

— Sobre a visita do senhor de Valle? - Elora recostou-se na poltrona, unindo as mãos na frente do corpo. 

O rei olhou-a por alguns instantes, parecia ponderar se valia a pena conversar sobre o assunto. Por fim, meneou a cabeça confirmando. 

— Acha que ele reconsiderará? - Ela insistiu.

— Eles precisam de nós mais do que precisamos deles. - Thranduil.

— Torná-los supérfluos não vai fazer com que mudem de ideia. - Elora disse docemente. Ela sabia que o assunto deveria ser abordado com toda a delicadeza. 

— Não é muito jovem para tratar destes assuntos? 

— Novamente evidenciando minha pouca idade. - Elora suspirou. - Certamente ao seu lado, posso parecer imatura mas garanto que não o sou. Posso não ter seus milhares de anos mas tenho uma visão completamente diferente e que você não tem. 

Thranduil riu.

— Estou curioso. Conte-me minha desvantagem.

— Sua majestade não é um homem. - Thranduil levantou de leve a sobrancelha. Quando percebeu o que dissera, Elora apressou-se em explicar seu ponto de vista. - D-digo, é um elfo e não da raça dos homens. - Elora sentia o rosto esquentar. 

— Não diria que é uma desvantagem. Mas conte-me sua sugestão. - Ele recostou-se no sofá preguiçosamente. - Suponho que pensou em uma já que mostra estar inclinada a favorecer Bard.  

— Não o favoreço. Apenas acho que poderia haver uma forma do acordo ser fechado com os anões ainda desfavorecidos. 

— Não negociaremos os termos. - Ele disse firme. 

— Não há esta necessidade. 

— Fale. - Ele semicerrou os olhos. 

— Certamente um grupo de elfos pelas redondezas da montanha irritaria Thorin. - Disse Elora, orgulhosa de sua ideia. - Ele não poderia reclamar porque não estaríamos propriamente em seu território. Mas estaríamos bem perto; e ele saberá que estamos o observando. Bard cumpriria com sua palavra, e vossa majestade ganharia o que realmente queria. 

Thranduil levantou-se fitando-a intensamente.

— Pensarei sobre sua proposta. - Thranduil caminhou em direção ao corredor. 

— Majestade. - Elora disse antes que Thranduil alcançasse as estantes. Ela quase havia se esquecido. - Recebi uma mensagem de Lord Elrond informando que chegará amanhã pela manhã. 

O coração de Elora acelerou, por algum motivo ela esperava ansiosa pela reação dele. 

Mas Thranduil permaneceu com o rosto impassível, depois de alguns segundos, que se estenderam como horas à Elora, ele balançou de leve a cabeça, concordando.

— Espero que sua última noite em Mirkwood seja agradável. - Thranduil disse e sumiu no breu entre as estantes. 

Ela ficou parada. Ele não teve reação nenhuma, nem parecera um pouco triste com sua partida. Mas o que ela esperava? 

Elora não sabia o que esperava, não sabia o que estava sentindo naquele momento. 

À noite, o chamado para o jantar não veio. Elora deixou-se cair na cama desanimada, havia se esforçado esta noite para nada. Escolhera um vestido vermelho que normalmente não seria sua primeira escolha. Levou as mãos ao cabelo e desmanchou a trança que fizera. A pouco Emel lhe avisara que o rei pediu que servissem-no em seus aposentos, o que dizia claramente que ela estava dispensada. Emel também pareceu desapontada com a notícia e informou que ela e Tauriel jantariam com ela em seu quarto aquela noite. Elora sentiu-se um pouco melhor, pelo menos passaria sua última noite na floresta com suas elfas preferidas. 

Aproveitaria o tempo antes delas chegarem para escrever à Sigrid. Lamentou não ter podido despedir-se apropriadamente e lhe entregado o presente diretamente; avisou que já estava partindo da floresta sombria, mas esperava que Mirkwood e Valle pudessem prosperar juntos. Não foi muito direta em sua intenção, mas tinha certeza que Sigrid insinuaria a ideia a Bard, e assim a semente estaria plantada para quando Thranduil decidisse agir. Selou o envelope e o colocou em cima do embrulho delicado que Emel havia preparado para o vestido. Antes de partir pediria que o enviassem à Valle. 

Alguns minutos depois Emel entrou no quarto acompanhada de mais dois elfos, todos carregando bandejas cheias de comidas. Um cheiro delicioso inundou o quarto e Elora sentiu o estômago reclamar. Mal esperava para experimentar todas as delícias que estavam a sua frente. As bandejas foram depositadas na mesa de centro próxima ao sofás e os dois elfos se retiraram. Elora correu e sentou-se ao lado de Emel, tentando escolher o que comeria primeiro. 

— Pelos céus, Emel. Você estava inspirada. - Elora mordiscou um bolinho salgado. 

— É uma ocasião especial. - A elfa sorriu servindo vinho em suas taças. 

Tauriel entrou em seguida com um pequeno embrulho nas mãos, que foi colocado em cima do sofá enquanto ela sentava-se.  

As três serviram-se enquanto conversavam sobre coisas sem importância. Elora gostava dessas conversas simples e alegres sobre nenhum assunto em particular. 

— É uma pena que não esteja aqui para o Mereth en Gilith. - Disse Emel. 

— O que é isso? - Elora perguntou. 

— É o Banquete das Estrelas. - Tauriel disse com o olhar distante. - Todas as luzes são sagradas para os Eldar, mas os elfos da floresta amam a luz das estrelas acima de todas as outras. 

— Nossa celebração é a mais animada. - Completou Emel, não percebendo o distanciamento de Tauriel. 

— Não tenho dúvidas. - Elora sorriu, mas olhou preocupada para a elfa. - Talvez eu venha para o próximo ano. 

Emel levantou-se, caminhando até o armário de Elora. 

— Bom, precisamos arrumar suas malas. Lord Elrond certamente não gostará de atrasos. 

— Não será necessário, levarei apenas o traje de viagem, o de treino e os dois vestidos mais simples. 

— Porque? 

— Eles não me pertencem, Emel. 

— Certamente que sim. A maioria foi encomendada após sua chegada, foram feitos sob medida especialmente para você. 

— Mesmo assim. Prefiro que permaneçam aqui. 

Elora não queria olhar todos os dias para coisas que pudessem lembrá-la de Mirkwood. Decidiu que quando partisse na manhã seguinte não ficaria lamentando. Ela voltaria um dia, e mesmo que o quarto fosse esvaziado como os outros cômodos para convidados, suas coisas ainda estariam em algum lugar do reino e assim não a esqueceriam. 

Emel deixou os ombros caírem, sabia que era uma luta perdida. Elora era teimosa e não mudaria de opinião. Continuaram conversando enquanto Emel separava o traje de viagem cinzento e os outros poucos pertences em uma única bolsa. Algumas horas depois a elfa despediu-se, estava tarde e deveria acordar cedo na manhã seguinte para ajudar Elora para partir. 

Quando Emel saiu, Tauriel pousou sua taça pela metade em cima da mesa e pegou o embrulho, dando-o a Elora. 

— Elas pertencem à você. - Disse Tauriel. 

Elora abriu a caixa de madeira e viu as adagas que costumava treinar. Eram suas preferidas. 

A menina sentiu os olhos marejarem mas controlou-se. 

— Obrigado. - Disse abraçando Tauriel. - Sentirei tanta falta de você. Quem vai me ajudar se eu me embrenhar em uma floresta perigosa cheia de criaturas más?

— Isso não vai acontecer. Estará longe de Mirkwood e de suas pragas. - Tauriel riu de leve enquanto se afastavam. - Mas se precisar de mim, basta chamar-me. E irei o mais rápido que puder. 

— Mesmo que sua majestade não autorizasse? - Elora sorriu e Tauriel fez o mesmo.

— Ele não teria como me impedir. 

Elora retirou uma das adagas da caixa e admirou os desenhos na lâmina. Quando Elora colocou-a na caixa viu que Tauriel estava novamente com aquele olhar distante. 

— O que há? - Elora perguntou. 

— Estava pensando em Kili.

— O anão? - Elora surpreendeu-se quando Tauriel assentiu. Então o rosto desconhecido ganhou um nome. 

— O conheci alguns meses atrás, no Mereth en Gilith. - Tauriel bebeu mais um gole do vinho. - Interceptamos um bando de anões que tentavam atravessar a floresta. Thranduil sabia que Thorin Escudo de Carvalho estava entre eles e que pretendia retomar a montanha. Um acordo foi oferecido, mas não foi aceito... e os anões foram colocados nas celas. Um deles era estranho... digo, todos os anões são; mas este destacava-se. Tinha um olhar curioso e falava coisas sem sentido tentando chamar a atenção. Sabia que ele seria um problema então desci durante o banquete para ver se tudo estava em ordem. Meu pior erro. - Tauriel encarava a escuridão das árvores.

— Foi quando se apaixonou?

— Talvez. Não sei ao certo quando ou como ocorreu. Conversamos por alguns minutos e ao final não o via da mesma forma. Aonde eu via um anão rude e maldoso, eu passei a ver uma pessoa doce que desejava tanto ver o mundo quanto eu. Quando os anões escaparam eu fiquei aliviada, se tivesse sorte não o veria novamente e assim poderia esquecer todas as dúvidas que surgiram em minha cabeça. Infelizmente não foi o que aconteceu. Thranduil tinha, e ainda tem, um interesse muito grande pela montanha. Ele enviou Légolas e a mim atrás deles. Os encontramos na cidade do lago, Kili estava muito ferido. Senti uma coisa no peito que nunca havia sentido antes quando o vi deitado sobre aquela mesa, sangrando. Ele morreria em alguns minutos se eu não interferisse, então foi o que fiz. Salvei-o. Percebi que ele era importante para mim, muito mais do que deveria ser. 

— O que aconteceu para que vocês se separassem? 

— Acho que não posso considerar que algum dia estivemos juntos. Ele tem seu povo e seus deveres. Assim como eu. 

— Não posso acreditar. O jeito como fala dele, mesmo antes na floresta com toda aquela raiva... você ainda o ama. Tenho certeza. E se tem alguém com a força de mover céus e terra por amor, é você Tauriel.

— Um relacionamento não sobrevive com apenas uma pessoa.  

— O que ele fez?

— Desistiu. - Tauriel virou o rosto, escondendo uma lágrima que deslisava por sua bochecha. A elfa limpou-a rapidamente e voltou a falar. - Eu abri mão de tudo. Minha posição, meu lar... E ele desistiu. Iríamos embora quando a batalha terminasse. Thorin governaria a montanha com Fíli como herdeiro, o irmão de Kili, caso não tivesse filhos. Já havíamos combinado tudo, fizemos tantos planos... Não nos importávamos com que os outros pensariam de nós, ou as repercussões que isso traria. Estaríamos juntos e isso era o que importava. Não teríamos mais família e nossas próprias raças nos repudiariam, mas teríamos um ao outro e isso nos bastava. Mas infelizmente Fíli morreu na batalha. 

— E Kili achou que a culpa era dele. - Elora disse, entendendo a situação. 

Tauriel assentiu. 

— Kili não conseguiu se perdoar por não estar lá para o irmão. Ele deixou os seus para lutar ao meu lado no desfiladeiro. Ele se culpa até hoje; eu vi em seus olhos quando os encontramos nas margens da floresta. Ainda estava lá, o resquício de rancor que ele me dirigiu quando soube da notícia por Thorin. - Tauriel recostou a cabeça no sofá, fechando os olhos. - Quando Thorin se aproximou e contou sobre Fili, eu vi no olhar dele que o havia perdido mas eu não queria acreditar. Então eu esperei por ele no local combinado por dois dias. Ele nunca apareceu, nunca se quer se despediu ou disse que sentia muito... Eu fiquei com tanta raiva. Sentia muito pelo irmão dele, mas a montanha sobreviveria sem ele afinal Thorin ainda estava lá. Poderíamos ter tido a vida que sonhamos, mas ele escolheu a montanha. - Os olhos de Tauriel flamejaram. - Eu queria entrar lá e fincar uma flexa envenenada bem fundo em seu coração. Queria que ele agonizasse e sofresse tanto quanto eu sofri, queria que ele soubesse o quanto havia me machucado... mas não pude. Não consegui. Então voltei para casa, e desde então afundo tudo que lembro sobre ele no canto mais distante do meu coração.

Elora ficou em silêncio. Não sabia o que dizer para confortá-la, nunca teve nem um lampejo de um sentimento tão intenso como este. 

— O rei sabe? - Elora perguntou com medo. 

— Desconfia. Mas apenas Légolas sabe, e agora você. 

— O príncipe? 

— Ele era um grande amigo. Por vezes tentou me fazer desistir, mas meu coração já havia escolhido. Não havia mais volta para mim. 

— E agora vocês dois estão condenados a uma vida de sofrimento? Não é justo!

— A vida não é justa, ainda mais quando se trata de amor. Lembre-se disso. - Tauriel bebericou o líquido na taça. - Já aceitei meu destino, servirei ao meu reino e ao meu rei e depois partirei para as terras imortais.

— Não consigo aceitar, Tauriel. Eu vi como se olhavam na campina. Com ternura e amor. Você o ama tanto quanto ele ama você. 

— Eu lhe contei apenas para que saiba o quanto confio em você, Nildenya (minha amiga). Não quero que desespere-se, não há mais esperanças para mim. 

Elora pegou a mão de Tauriel e apertou-a. Não poderia aceitar tão facilmente a infelicidade de uma amiga. Ela entendia que os anões nunca aceitariam Tauriel entre os seus, e que Kili como herdeiro não poderia abandonar a montanha. Mas nada é para sempre, até os elfos partiriam para as terras imortais e deixariam esta terra para os homens... ainda há sim esperanças. Não deixaria que Tauriel desistisse. 


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Notas finais do capítulo

Sinto muito pelo tempo que levou para este capítulo ser escrito. :/
Me deu um branco completo e eu simplesmente não sabia como começá-lo. Maaaaas, ele saiu! #Viva rsrs.
Espero que gostem.

Mesmo que os próximos capítulos também demorem, eu não pretendo abandonar a história. :)



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