Melinyel escrita por Ilisse


Capítulo 4
Capítulo 03


Notas iniciais do capítulo

Yay! Capítulo novinho e antes do prazo!



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Elora sentiu sua consciência voltando aos poucos. Seu corpo estava relaxado, enrolado nos macios cobertores da cama mais confortável que já dormira. Não precisou abrir os olhos para lembrar-se de onde estava, o cheiro característico de hortelã fresco e jasmim já fazia isso. Virou para o outro lado, enterrando o rosto no travesseiro e tentando voltar ao sono pesado. Sentia-se renovada, o nó em seu estômago sumira e seu coração estava mais leve. Abriu os olhos, encarando a leve escuridão através da janela. O efeito do chá não deve ter durado muito. Elora estava levantando da cama quando Emel entrou no quarto. A elfa a olhou aliviada.

— Graças aos Deuses. - Emel fechou os olhos levando as mãos fechadas ao peito, parecia fazer uma prece. - Fique aqui, vou chamar a senhora Tauriel enquanto lhe preparo uma refeição reforçada. 

Elora assustou-se. O que havia acontecido? 

Ia perguntar, mas Emel já havia corrido porta a fora. A menina tentou levantar-se, mas sentiu uma forte dor de cabeça e sentou-se novamente. Viu o quarto rodar e fechou os olhos fortemente, tentando fazer a sensação passar. Quando abriu-os novamente alguns minutos depois Emel já entrava no quarto acompanhada de Tauriel, que parecia ainda mais aliviada. A chefe da guarda virou-se para a outra elfa, falando rispidamente em élfico. Emel saiu apressada e Tauriel aproximou-se de Elora, examinando-a.

— O que está acontecendo? - Elora perguntou. - Vocês estão estranhas.

— Sente-se bem? Algum enjoo ou fraqueza?- Tauriel indagou, ignorando sua pergunta.

— Senti um pouco de tontura quando levantei e uma leve dor de cabeça. - Elora não quis preocupá-la. Tauriel respirou fundo. - Provavelmente porque não devo ter dormido o suficiente. Acho que o chá não teve muito efeito em mim.

— Elora, você dormiu por três dias! - Tauriel quase gritou. - Um humano normal teria morrido com a quantidade de papoula que Emel colocou no chá. Graças aos Deuses que você tem sangue élfico correndo nas veias e só dormiu alguns dias a mais do que o esperado.  

— Três dias? - Elora aturdiu-se. - Como é possível? Parece que adormeci à pouco. 

— Preciso que me conte exatamente o que está sentindo, temo que possa haver algum efeito colateral. 

— Só senti a tontura e dor de cabeça.

— Menos mal, - Tauriel sentou-se na poltrona que estava próxima à cama - você ficou sem comer e sem se hidratar. Amanhã já deve estar com a saúde plena outra vez.

Elora aliviou-se, mas logo sua mente vagou para Emel.

— Emel está em apuros? Eu tenho certeza que ela não fez por mal. - Elora apressou-se em defende-la. - Eu posso falar com o rei, dizer que...

— O rei ainda não sabe do ocorrido. - Tauriel ficou desconfortável. 

Thranduil era seu rei e não deveria dar mais motivos para ele bani-la novamente, estava se arriscando ao mantê-lo no escuro mas sabia que era melhor esperar até a situação estar controlada para leva-la aos seus ouvidos. 

— Resolvi esperar mais um dia até dar a mensagem. - a elfa continuou - Esperar você acordar para relatar o problema já solucionado.

— Então nem conte! Eu estou bem, mesmo. 

— Elora, o rei precisa saber. Não posso mentir para ele.

— Tauriel, por favor. Emel terá grandes problemas, Elrond me contou como o rei é. - Elora suplicava com o olhar.

— Tudo bem, - Tauriel recostou-se na poltrona, desistindo de argumentar - Nunca fui um modelo de obediência mesmo.

As duas silenciaram-se quando Emel entrou no aposento. Ela carregava uma bandeja prata reluzente coberta de frutas e o que parecia ser um mingau. A elfa deixou a bandeja na mesa de cabeceira e encarou Elora com os olhos tristes.

— Minha senhora, mil perdões. Sei que deve estar com muita raiva, e com razão! Onde eu estava com a cabeça? Não tive intenção de prejudicá-la, fui tola não levando em consideração que é parte humana. Vou pedir para outra elfa lhe servir e não cruzarei seu caminho novamente. 

— Emel... - Elora segurou-lhe as mãos - Está tudo bem. Não estou com raiva e sei que não fez intencionalmente. No fim o chá cumpriu seu propósito, estou mesmo descaçada. 

Elora tentou aliviar a tensão no quarto mas não obteve muito sucesso. Tauriel revirou os olhos; gostava de Emel, mas ela ainda era jovem e precisava ter ciência das consequências de seus atos.

— Que isso sirva de lição, Emel. - Tauriel lhe encarou friamente - Até segunda ordem dividirá seu tempo entre Elora e como ajudante nas cozinhas. 

— Sim, minha senhora. - Emel baixou a cabeça, saindo quando Tauriel a dispensou. 

— Viu? Ela já se desculpou. Promete que não levará isso ao rei? - Elora insistiu.

— Se é assim que deseja... Não. Sente-se bem mesmo?

— Sim, não deve se preocupar. - Elora sorriu.

— Estarei de guarda nos próximos dois turnos, mas passarei para lhe ver novamente amanhã antes do jantar.

Tauriel saiu silenciosamente e Elora voltou a atenção para a bandeja. Emel havia colocado uma quantidade exorbitante de comida. Nem com toda a fome que sentia iria conseguir comer aquilo tudo. Provou algumas frutas com um pouco de chá de erva doce. Caminhou um pouco pelo quarto e viu que a tontura já estava passando. 

O dia arrastou-se e Elora não podia estar mais entediada. Por ordens de Tauriel não podia deixar o quarto até o dia seguinte, quando suas forças já teriam voltado completamente. Ela já havia vasculhado cada canto do espaço, buscando algo para fazer. Após algumas horas acabou dormindo e acordara somente à noite com Emel lhe trazendo o jantar. Após desculpar-se novamente, Emel preparou o banho de Elora e voltou para a cozinha. 

Elora estava decidida a sair do quarto. Daria uma pequena volta pelos corredores superiores, não iria muito longe mas não conseguiria passar mais um minuto trancada. Além do mais, não dormiria tão cedo após os cochilos durante a tarde. A caminhada lhe ajudaria a gastar sua energia. Elora terminou o jantar e vestiu um dos modelos simples que estavam em seu armário. Longo e com mangas curtas, o tecido cinza claro quase prateado possuía pequenos detalhes bordados, era leve e esvoaçante. Estava uma noite abafada, e o vestido era um dos poucos que não possuía mangas médias ou compridas. 

Terminou de vestir-se e foi para a frente do espelho apoiado na parede, estava mais pálida do que o normal e seus cabelos estavam descontrolados, não os penteava há muito tempo. Admirou seu reflexo por um momento, imaginando se teria a mesma aparência caso fosse uma elfa. Elora não sabia como seria a grande maioria dos elfos dos outros reinos, mas em Mirkwood tinham cabelos vermelhos e olhos acastanhados. Comparou-os com sua própria aparência: seus olhos eram quase negros; seus cabelos castanhos ondulavam displicentes até a metade das costas; e apesar de ser alta para padrões humanos, Elora não chegava à altura das orelhas de Tauriel. Ajeitou os cabelos rapidamente com os dedos, não poderia sair como estava.

Espiou pela porta, observando se havia alguém por perto. Após perceber que estava sozinha, fechou-a com cuidado e rumou para a escada que dava ao piso superior. O corredor seria idêntico ao seu se não fosse o número reduzido de quartos, eram apenas quatro. Ela caminhou até o final e ouviu o barulho de água, devia ter uma queda d'água por perto. Caminhou mais um pouco através do caminho bem decorado, com vitrais coloridos e piso de madeira polida. Aquela parte parecia ser o interior de um luxuoso palácio.

Elora prendeu a respiração quando viu a enorme varanda que oferecia uma vista privilegiada da cachoeira no interior da montanha. Era enorme e desaguava em um lago alguns andares abaixo. Havia uma abertura logo acima dela, na qual podia-se ver a lua cheia no céu estrelado. Naquele momento sentiu que estava em um mundo completamente diferente, elfos realmente sabiam apreciar a beleza da natureza. 

Não tentavam curvá-la à sua vontade como faziam os homens, ao invés disso aprenderam a erguer-se ao seu redor. Ela subiu no parapeito da varanda, equilibrando-se. Não sentia-se mais tonta, muito pelo contrário: seu coração vibrava feliz. Fechou os olhos, ouvindo apenas o barulho da água e sentindo a brisa fria que vinha da floresta. 

Perdeu-se em pensamentos por um momento quando olhou para o lago abaixo. Seria uma queda e tanto. Elora imaginou o que ocorreria se não tivesse acordado... Provavelmente o mesmo se desse um passo para frente.

Não teria que preocupar-se com a tal bênção que lhe fora concedida, nem com os questionamentos sobre o amor ou seu futuro. Ela talvez até encontrasse os pais e finalmente os três ficariam juntos. Sim, Elrond sofreria com sua morte, ele realmente ficara ligado à ela. Mas o tio tinha os filhos para o consolarem. 

Um simples passo e tudo seria diferente. 

Mas Elora sabia em seu coração que não poderia fazer isso, não teria coragem. Além do mais havia feito uma promessa à mãe e, querendo ou não, precisaria abraçar o que o destino lhe reservou. 

— Espero que não dê continuidade à este ato. 

Elora assustou-se com a voz calma e firme que ecoou ao seu redor, sentiu os pelos do braço eriçarem e o coração disparar. Ela virou-se calmamente, ainda equilibrando-se sobre o parapeito, e olhou para o elfo de cabelos loiros quase brancos que a encarava sem piscar. Elora teria se explicado, mas não conseguiu proferir nenhuma palavra. Ao invés, ficou encarando-o surpreendida com sua beleza. Não tinha visto muitos ainda, mas podia afirmar que ele seria o mais belo que ela conheceria. Ele a olhava altivo, distante e quase instigando que ela ousasse desafiá-lo. Elora não precisava que uma coroa estivesse em sua cabeça para saber quem ele era. 

Thranduil olhou-a sugestivamente e Elora achou melhor descer de uma vez. O tio já havia avisado que não era muito saudável contrariá-lo. Satisfeito quando a menina obedeceu sua ordem silenciosa, Thranduil deu as costas e andou calmamente até uma das portas no corredor. 

— Elrond ficaria desapontado com seu comportamento. - disse sem olhá-la, entrando no quarto. 

Elora ainda ficou alguns minutos encarando o espaço vazio em que ele estivera antes de correr escada abaixo e entrar em seu próprio quarto. Ela estava sem ar,  mas não sabia se era pela pequena corrida ou pela presença do rei, a qual era desestabilizadora. Ela colocou a camisola e deitou-se entre as cobertas, olhando para o teto. O quarto dele era exatamente acima do seu. 

Alarmou-se imaginando a reação de Elrond quando o rei lhe contasse, ele ficaria muito decepcionado. Elora precisava esclarecer as coisas com o rei, não deixaria que contasse um equivoco ao tio. Ela apagou as velas próximas à cama e decidiu dormir, pela manhã elaboraria uma forma de explicar-se. 

........................

Emel abriu as cortinas do quarto bem cedo, acordando Elora. A jovem elfa parecia ter superado um pouco o episódio do chá e já conversava normalmente com a menina. Enquanto Elora comia, Emel tratou de escolher um dos vestidos para o dia. Pegou um verde claro, as mangas eram compridas e abertas em fendas. Após trançar o cabelo e deixá-lo meio preso, Elora pediu que Emel lhe mostrasse o restante do reino. Queria poder caminhar livremente sem ter que ficar importunando ninguém para acompanhá-la.

Ia caminhando para a escadaria que subiu noite passada quando Emel lhe segurou pelo braço meio nervosa.

— Não deve seguir aquele caminho, minha senhora. - Emel falava enquanto a puxava na direção oposta. - É a ala privativa do rei, ninguém tem permissão para subir.

Pela reação que Emel teve, Elora achou melhor não comentar o encontro com o rei noite passada. 

Seguiram descendo a escadaria até chegarem novamente aos Salões, passaram por uma ponte de tronco de árvore e chegaram à outra extremidade que dava para o interior da floresta. Emel lhe explicou aonde ficava o pátio principal, as cozinhas, os estábulos, a área de treinamento, o salão para banquetes e o caminho para o jardim externo. Elora ficou animada a princípio, se pelo interior tudo era tão lindo os jardins seriam ainda mais deslumbrantes,  mas decepcionou-se quando viu que o mesmo não possuía flores. A densa floresta estava ao seu redor e o ar pesado não deixava o jardim ter vida novamente. 

— O que tem nessa floresta? Ela é diferente. - perguntou à Emel. 

— Ela está doente. Já faz algumas centenas de anos que o mal impregnou-a; junto com aquelas aranhas malditas. - Emel irritou-se. - Deu sorte de não encontrar com nenhuma em seu caminho para cá. Apesar de destruirmos seus ninhos, elas continuam a surgir. Como nos estabelecemos aqui, o interior da montanha foi purificado pela nossa presença, mas fazer a floresta voltar a ser o que era demorará ainda muito tempo. 

— Gostaria de tê-la visto antes. Posso imaginar como era bonita.

Emel suspirou nostálgica. Elas sentaram em algumas almofadas próximas e conversaram pelo resto da manhã sobre como os elfos estabeleceram-se na antiga Greenwood, e como a mesma transformou-se em Mirkwood. Elora queria saber tudo sobre esta cultura, como deveria portar-se perante o rei e os outros. Após aprender a saudação élfica corretamente e algumas poucas palavras em sindarin, Emel levou-a para almoçar.

Sozinha em seu quarto, Elora repetia novamente as palavras decoradas. Não queria errá-las e causar ainda mais constrangimentos. À tarde pediu a um dos guardas para anunciá-la ao rei, que estava nos grandes salões com um representante dos homens da nova cidade de Valle. Elora aguardou ao lado do elfo, até ser chamada. Tentava acalmar-se, mas a voz alterada que chegava até seus ouvidos não estava ajudando.

Após alguns momentos um homem saiu resmungando e escoltado por dois elfos, ele cumprimentou-lhe com um leve aceno de cabeça antes de seguir seu caminho. Após ser anunciada, andou com passos firmes até parar em frente aos degraus do trono. 

O rei sentava-se displicentemente, com uma taça dourada em uma das mãos. Parecia descontente e meio entediado, mas um brilho de interesse surgiu em seu olhar quando a viu. 

Thranduil ficou surpreso, não imaginou vê-la tão cedo. Sua hóspede deveria estar em seus aposentos; pensando em seus atos inconsequentes e arrependendo-se deles, e não solicitando uma audiência. Certamente deveria tê-la enviado ao quarto, mas ficou curioso em saber o porque de sua audácia. 

Elora esqueceu tudo o que tinha decorado, ficou desconcertada ao ver que o encarava novamente. Sacudiu de leve a cabeça e fez a leve reverência com a saudação que Emel lhe ensinara. Levando a mão ao peito e depois estendendo-a ao rei, como se lhe entregasse seu coração. Não conseguiria falar aquelas palavras confusas agora, então tratou de concentrar-se em não gaguejar.

— Majestade, antes de tudo peço perdão pelo inconveniente que causei noite passada. - disse firmemente e como o rei não esboçou nenhuma reação, ela prosseguiu.- Não era minha intenção invadir sua ala privativa, não se repetirá novamente. 

— Era sua intensão tirar a própria vida em meu reino, enquanto está sob meus cuidados? - Thranduil falava calmamente, mas Elora conseguia sentir a raiva em seus olhos. - Pois saiba que a queda não a mataria.

— Não seria capaz de fazer tal coisa, majestade... - apressou-se em dizer mas Thranduil cortou-a.

— Você não é a primeira e nem será a última a sofrer uma grande perda. Não haja como se sua dor fosse maior do que a dos outros, querendo...

— Um breve pensamento passou pela minha cabeça sobre o assunto, devo admitir. Mas foi só. - ela interrompeu-o; Thranduil cerrou os olhos, raivoso pela intromissão. - Fiz uma promessa à minha mãe que não pretendo deixar de lado, e não faria isso com lord Elrond. 

Thranduil levantou-se e desceu os degraus. Seus os olhos semicerrados fixos na pequena figura que o encarava. Elora encarou o chão, não queria que ele pensasse que o estava desafiando. 

— Nunca tive a intenção de pular. Vossa Majestade não compreendeu a verdade por trás de minhas ações. E não acho necessário perturbar meu tio por um equivoco. - Elora sentiu novamente um calafrio percorrer os braços enquanto o rei a rodeava.

— O que fazia sobre o parapeito então? - Ele dizia parado à suas costas. - Diga-me senhorita, estou curioso. 

— Eu... não sei bem. - Elora falou baixo, sua presença a deixava nervosa. - Fiquei tão impressionada com a beleza da paisagem que... queria apenas chegar mais perto. Foi uma tolice. Novamente, me desculpe por todo o inconveniente. 

Thranduil parou novamente a sua frente arrogantemente com os braços cruzados nas costas, parecia ponderar o pedido da menina. Um pequeno sorriso ocupou o canto de sua boca, Elora não sabia como interpretá-lo.

— Não contarei à Elrond, - a menina aliviou-se. - apenas porque não desejo preocupá-lo. 

— Obrigada, majestade. 

— Está dispensada. - ele voltou a subir ao trono. 

Elora não hesitou em sair o mais rápido, e graciosamente, que suas pernas conseguiam. Pensou em trancar-se no quarto até o fim de sua estadia para nunca mais cruzar com o rei. Sua presença tornava o ar tão denso que Elora tinha dificuldades em respirar. Decidiu seguir para o jardim, o ambiente aberto a faria bem. 

Estava passando pela ala leste quando viu Tauriel entrar no corredor acompanhada de outros guardas. Parecia raivosa. 

— Tauriel! - Chamou-a ao aproximar-se. - Pelos deuses, você está sangrando. O que aconteceu? 

A elfa não parou de andar e Elora quase corria para acompanhá-la. A garota olhava preocupada para o braço da elfa, o qual estava com um corte profundo. Tauriel lhe contava durante o trajeto que a patrulha encontrara algumas aranhas ao norte, próximas ao rio. Aniquilaram o grupo inteiro, mas Tauriel acabou sendo ferida enquanto ajudava Herenvar. Um elfo jovem que juntara-se a pouco à guarda da floresta. 

Tauriel fazia uma careta de dor de vez em quando, mas não diminuía o ritmo. Passaram pela entrada das cozinhas, seguindo para o nível inferior. A elfa abriu uma pesada porta de madeira e Elora viu a enorme adega. O ambiente era escuro e meio empoeirado, as paredes estavam cobertas por garrafas e barris de vinho. Um córrego passava silencioso pelo meio do amplo espaço. A elfa pegou uma das garrafas e duas taças prateadas, sentou-se à uma mesa de madeira e serviu o vinho.

— Não é melhor você limpar o ferimento antes? Pode infeccionar. - Elora encarava Tauriel, que bebia um grande gole de sua taça.

— Elfos não sofrem infecções, o corte estará curado em algumas horas. No momento só preciso me distrair do veneno que parece corroer meu corpo. - disse apontando para a garrafa aberta.

— Não sabia que elfos gostavam tanto de vinho. - Elora bebericou sua taça, olhando às pilhas de barris à sua volta. 

— Apreciamos mais do que os outros de nossa raça. E de uns tempos para cá passei a apreciar ainda mais. - murmurou. - Nossos banquetes não são famosos à toa.

— Sempre achei que todos os elfos fossem iguais: seres etéreos de infinita sabedoria, misteriosos, sérios e meio distantes. - Tauriel não parecia muito feliz com o comentário e Elora apressou-se para explicar. - Mas vejo que estava totalmente equivocada ao ter tal pensamento. Além de serem sábios, vocês são amigáveis e calorosos... Pelo menos alguns. – Elora completou ao lembrar-se do olhar gelado do rei. 

— Não somos tão sábios quanto os Altos Elfos do Oeste. De acordo com alguns somos mais perigosos e menos sensatos. - Ela levantou a taça, brindando com o ar, e bebeu outro longo gole. - Eu particularmente gosto dessa definição. 

— A tanto ainda para aprender sobre vocês. - Elora encarou o líquido vermelho escuro na taça, bebendo-o em seguida. - Sobre vocês e todo o resto, na verdade. Parece que todo o conhecimento que tenho do mundo não serve de nada.

— Tudo a seu tempo, Elora. Você é aberta ao conhecimento e tem muita curiosidade, isso é o que importa. - O leve sorriso que Tauriel  tinha no rosto sumiu. - Mas tenha cuidado, muita curiosidade as vezes faz mais mal do que bem.

A elfa parecia perdida em pensamentos.

— Você já teve muita curiosidade? - Elora palpitou ao ver o olhar nostálgico dela.

— Sim. Não faz muito tempo, na realidade. - Tauriel a encarou. - Nunca havia saído de Mirkwood antes, mas sempre gostei de ouvir sobre outros reinos e os povos que vivem neles. Queria ver cada canto desta terra e quando finalmente tive a oportunidade foi muito especial, mesmo com todos os acontecimentos obscuros. – Ela entristeceu-se. - Mas percebi que no fim, nós somos quem somos e não podemos mudar isso. Não podemos fugir da nossa natureza. E o que resta depois de tudo é conviver com as lembranças que você guardou. As boas, as ruins e as dolorosas.

Elora não entendeu muito bem sobre o que Tauriel falava, o vinho provavelmente já estava fazendo efeito em sua cabeça. 

— Gostaria de ouvir sobre sua aventura. - Elora continuou o assunto, queria entender Tauriel e porque ficara tão triste de repente. 

— Um outro dia, quem sabe. Não quero falar sobre isso agora. Tenho que reportar os resultados ao rei e preciso estar com a mente no lugar. - Ela fechou os olhos reprimindo uma careta. - Pelos Deuses, espero que ele esteja em um dia bom. 

— Se em um dia bom ele porta-se como um ser arrogante e frio, então sim. - Elora assustou-se com sua sinceridade. Deveria parar com o vinho, não estava acostumada a beber e sempre falava o que não devia nestas situações.  

— Quando o conheceu?

— Ainda a pouco. - Ela pegou novamente a taça.

Elora decidiu beber mais um pouco, precisava criar coragem para contar os últimos acontecimentos à elfa. Necessitava desabafar com alguém e tinha certeza que por pior que fosse, a reação de Tauriel ainda seria melhor do que a de Emel. 

— Na verdade, queria lhe contar o motivo da audiência. Mas por favor, Tauriel; não se exalte. Acredito que tudo já foi resolvido. 

Tauriel ergueu uma das sobrancelhas, curiosa. Sentou-se ereta na cadeira, aproximando-se mais da mesa. Pelo tom de Elora, a elfa sabia que era algo sério. Tauriel assentiu, incentivando que a menina começasse logo o relato. 

— Eu fiquei o dia todo de repouso no quarto, como você pediu. Mas à noite já não aguentava mais permanecer entre aquelas quatro paredes, então decidi dar uma pequena volta após o jantar. Não iria muito longe, queria apenas respirar um pouco. E devo reiterar que não sabia que era proibido! Nunca me passou pela cabeça que era a ala privativa do rei. 

Elora parou de falar quando viu os olhos arregalados de Tauriel. 

— Não me diga que... - a elfa começou a falar mas parou no meio da frase.

— É pior. - Elora disse sem graça e Tauril levou as mãos ao rosto, já prevendo que teria que lidar com a ira do rei quando fosse à sala do trono. - Eu cheguei à varanda e fiquei tão maravilhada com a vista que quis chegar um pouco mais perto. Tolice, sei disso. Mas no momento não pensei claramente, eu apenas subi no parapeito e... foi mágico. Parecia que eu estava flutuando sobre a água. Foi quando o rei chegou insinuando que eu estava querendo pular, imagine só! Sugeriu ainda que contaria à Lord Elrond e tudo o mais. Na hora não tive reação para lhe dar explicações, fiquei paralisada com a surpresa.

Elora não comentaria que ficou perdida momentaneamente enquanto o admirava. 

A expressão de Tauriel estava congelada, não exibia nenhuma reação.

— Voltei ao meu quarto perturbada. Admito que um breve pensamento passou pela minha cabeça. Mas uma coisa é pensar em como seria o futuro sem você, e outra muito diferente é realizar a ação em si. - Elora irritava-se, estava tão claro. - Acordei hoje decidida a esclarecer os fatos com ele, não poderia permitir que aborrecesse meu tio, que tem sido o mais amável e generoso possível, com um equívoco. Solicitei uma audiência, pedi desculpas por adentrar sua ala e esclareci o que eu estava fazendo na sacada. - Elora respirou fundo - Ele pareceu aceitar minha explicação e afirmou que não contaria à lord Elrond. Você o conhece melhor do que eu, acha que ele cumprirá sua palavra? - A menina falara ansiosa.

— Está me dizendo que além de adentrar sem permissão na ala privativa do rei, você depois foi confrontá-lo porque tudo não passou de um mal entendido que ele havia visto da maneira errada?

— Não diria confrontá-lo, é uma palavra muito forte; e você colocando desta forma parece errado. Só esclareci os fatos. Ele pareceu até bem compreensivo, eu diria. 

Tauriel estava séria enquanto digeria as informações, mas em questão de instantes começou a rir. Elora a encarava com incredulidade enquanto a elfa a sua frente gargalhava. Tauriel chegou a inclinar-se para trás, tamanho era seu divertimento. 

— Gostaria de ter estado presente no momento.  - Tauriel ainda ria.

— Você acha que ele sentiu-se insultado? - Elora sentiu o familiar calafrio subir em sua espinha. O rei não era uma pessoa para se ter como inimigo.

— Apesar de se manter firme em algumas convicções, o rei é volátil as vezes. Não posso lhe afirmar que não haverá consequências, mas se ele lhe disse que não contaria à lord Elrond, ele manterá sua palavra. 

— Isto é um alivio. Estou decidida a não cruzar seu caminho novamente, quero que ele até se esqueça que estou aqui. 

As duas foram interrompidas por um elfo que entrava na adega. O mesmo pediu que Tauriel o acompanhasse, pois Thranduil solicitava sua presença. Ela o dispensou, terminou sua taça de vinho e despediu-se de Elora.

A menina permaneceu no mesmo lugar com sua taça entre as mãos. Olhava para o caminho ao qual Tauriel desaparecera, repensando sua conversa com o rei. Ela não achava que tinha confrontado-o. 

Preocupada com as dúvidas que surgiam em sua cabeça, Elora terminou seu vinho e rumou para seu quarto. O passado já estava escrito, não fazia sentido ficar remoendo eventos que não poderiam ser apagados, então tratou de esquecê-los. Não o encontraria novamente, então não precisava preocupar-se com o que ele pensava ou deixava de pensar.

........................

À noite, esperava Emel trazer-lhe o jantar quando ouviu uma leve batida na porta. Elora foi atendê-la e viu Tauriel ao lado de um dos guardas de armadura dourada. Ela falou com ele em élfico e o mesmo parou de costas à sua porta, olhando para o corredor como um sentinela. Tauriel entrou no quarto fechando a porta, ela parecia mais relaxada. Já não deveria estar mais sob o efeito do veneno das aranhas. 

— Como está o braço? 

— Curado. - Tauriel lhe sorriu, cruzando os braços nas costas. - Avisei que não deveria preocupar-se. 

— Acho que nunca me acostumarei com o alto teor de cura élfico. - Elora sentou-se em uma das poltronas. Tauriel caminhou até a janela, encarando a vista para a floresta.

— Trago boas e más notícias. - a elfa disse sem rodeios. - Tem alguma ordem de preferência para ouvi-las?

Elora imediatamente pensou em Elrond. Teria acontecido algo com o grupo em sua viagem? Não, claro que não. O tio era um elfo poderoso, senhor do reino de Rivendell. Não cairia tão facilmente. 

— Acho... que a boa primeiro. 

— O emissário de Rivendell passou rapidamente para avisar que encontrou o mago cinzento. Ele os encontrará em algumas semanas em Lothlórien, como combinado. – Elora sorriu, estava mais próxima às respostas que tanto queria. - A má noticia é que a partir desta noite um guarda acompanhará seus passos. Mesmo dentro do palácio.

— O que? Por que? - Elora levantou-se surpresa.

— Ações possuem reações.  

Elora refletiu por um momento as palavras de Tauriel.

— Então é uma forma de castigo? - Elora irritou-se. 

— Eu diria que é mais como uma forma de proteção. - Tauriel falava calmamente, já esperava a reação enfurecida da menina. Ninguém gosta de ser seguida por todos os lados. 

— Não acredito que seja como proteção. Ele está usando este pretexto para castigar-me. Não é possível que ainda ache, realmente, que irei atentar contra minha própria vida novamente! - Elora caminhava nervosamente pelo quarto. - Não que eu tenha, de fato, atentado contra minha vida antes. 

— Tem que acalmar-se. - Tauriel lhe segurou pelos ombros. - A decisão já foi tomada. O que tem a fazer agora é acatar o desejo do rei. Você irá para Lothlórien em alguns dias, não há necessidade de criar mais conflitos com ele. 

Elora bufou, sabia que Tauriel tinha razão mas ainda sentia a raiva borbulhando em seu íntimo. Ela respirou fundo, decidindo aceitar os conselhos da elfa. Não criaria mais atritos com o rei arrogante; ao invés disso, permaneceria quieta e bem longe dele. Ficaria nas sombras até sua partida, pelo menos esse era o plano. 


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Notas finais do capítulo

Me contem o que acharam do primeiro encontro do casal!
Até o próximo Sábado! ;)