Melinyel escrita por Ilisse


Capítulo 16
Capítulo 15




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Os dois anões olharam-na superiores. 

Pareciam jovens, tinham barbas escuras trançadas e cabelos despenteados. Se fossem da espécie dos homens, Elora julgaria que tivessem menos de 15 anos. 

Seguravam com firmeza os machados que carregavam, como se ela ainda fosse uma ameaça a ser temida. Ainda tentando controlar seu tremor, Elora continuou encarando-os com os dentes trincados.

Eles começaram a falar entre si em Khuzdul, a língua dos anões, até que o que carregava a tocha soltou uma gargalhada rouca. Elora odiava não saber do que falavam. Talvez o fizessem de propósito para enerva-la. 

— Você, elfa! - o mais robusto ralhou. - O que tramava invadindo nossas terras? 

Elora respirou fundo antes de responder com a voz tremula. 

— Não tive esta intenção. Fui ataca por um grupo de Wargs e acabei caindo no rio. 

— Mentiras! - o mais alto gritou. - Vocês tem rondado nossas terras pelo último ano inteiro. Tramando, procurando uma forma de nos atingir... Mas nunca antes um foi estúpido o suficiente para chegar tão perto. 

— Thorin ficará feliz em ver um de vocês em nossos calabouços. - disse o robusto. - Já imagino as recompensas que nos dará quando retornar a Erebor e ver que a capturamos sozinhos! - Os dois sorriram em cumplicidade. 

— Não achamos que seria tão fácil capturar um dos perigosos elfos da floresta. - o alto completou em zombaria. 

Elora cerrou os punhos. 

— Não pertenço a Mirkwood. Venho da última casa amiga do leste, Rivendell. 

— Rá! - o robusto desdenhou. - Como se pudéssemos acreditar em você.

— Minha falta logo será notada, meu grupo seguirá os rastros que deixei e acabará em seus portões. - Mentiu. Precisava fazê-los acreditar que não estava sozinha. - Meu senhor Elrond pode ser compreensivo, mas não queiram saber como ele lidaria com um insulto destes. Liberte-me e tudo será esquecido. 

Os dois olharam-na em silêncio antes de gargalharem, curvando-se para frente em êxtase. Voltaram a falar em Khuzdul enquanto saíam, retornando pelo caminho por onde entraram levando a única fonte de luz. 

A cela mergulhou novamente no breu e no silêncio. A única coisa que Elora ouvia era sua respiração carregada.

Encostou a cabeça na parede resumindo em sua mente o que descobrira com a conversa. Thorin não sabia de sua captura, nem estava no reino sob a montanha. Os dois anões agiam por interesse próprio e eram jovens, poderia tentar usar isso contra eles. Esticou as penas devagar, relaxando o aperto dos braços em seu tronco. 

 

 

Abriu os olhos assustada quando ouviu o ranger do ferro. O robusto colocava uma bandeja dentro de sua cela e o alto a vigiava com o machado em riste. Trancaram novamente a cela, quando Elora não se mexeu o alto falou com os olhos brilhando:

— É melhor comer, vai ficar aqui um bom tempo e não queremos que reclame de nossa hospitalidade ao seu todo poderoso lord.

— Imagine só, Frerin! - o alto disse com escarnio. - A grande fúria élfica recaindo sobre nós!

— Certamente Gamil, seria uma coisa terrível, terrível!

Elora escutou as zombarias em silêncio enquanto encarava com repulsa a comida que lhe serviram. Outro insulto! Deram-lhe uma tigela cheia de ensopado de carne. Pelo menos tinha um pedaço de pão.

— Não vai comer? Está muito bom! - Gamil continuou. 

Eles sabiam, todos sabem, que elfos não comem carne. Mesmo que não fosse uma elfa completa, Elora era seguidora de Yavanna e aderiu sem pestanejar ao modo de alimentação de sua família. 

Não lhes daria o gosto de reclamar. Podia ver os pequenos olhos escuros brilhando, pedindo que ela falasse alguma coisa para que pudessem perturba-la mais. 

— Agradeço a atenção, saibam que pretendo retribuir-lhes em dobro. - A menina lhes disse com um sorriso frio no cantos dos lábios. - Como já devem ter percebido estou ferida e apreciaria muito se pudessem me trazer algumas folhas de ammantis. 

— Por que deveríamos gastar nossos remédios com alguém que irá curar-se sozinho de qualquer maneira? - Disse Gamil coçando preguiçosamente a barba.

— É, isso não é nosso problema. - Frerin continuou, dando de ombros. 

Será se Thorin chegar e vê-la morta! Elora queria gritar-lhes enquanto os dois lhe davam as costas, indo embora. Mas ela não tinha como responder a isso. Acham que ela é uma elfa de Mirkwood e mostrar-lhes que não é elfa nenhuma lhe traria ainda mais problemas.

Fechou os punhos para controlar-se, continuou pressionando-os até sentir as unhas perfurando as palmas das mãos. O desespero tomou conta de seu peito. Era isso, morreria ali. Em uma cela imunda em sabe-se lá onde dentro da montanha. 

Enxugou as lágrimas que rolavam por sua bochecha. Teria apenas mais um ou dois dias se continuasse negligenciando os ferimentos. Falharia com Gandalf e Radagast... Deixaria Elrond sem desculpar-se por ter fugido... Arwen, Tauriel, Emel... Thranduil. 

Tentava controlar o choro mas era mais forte que ela. Nesto ponto não importava-se mais se havia alguém escutando-a ou vigiando-a. Queria tirar isso do peito, sair dali e voltar para a floresta onde era o seu lugar. 

Chorou por longos minutos até finalmente parar por exaustão. Passou a mão de leve pelo curativo do braço, o tecido que estava sobre os cortes havia endurecido pelo sangue seco. 

Esticou-se até a bandeja, fazendo uma careta quando sentiu os machucados esticarem. Pegou o pedaço de pão e retornou ao lugar com a cabeça latejando. Umedeceu os lábios secos antes de mordiscá-lo.

Tinha que arrumar um jeito de durar mais tempo. 

Não podia falar sobre os ferimentos novamente, precisava se lembrar de agir como se já estivesse se curando.  

 

 

.o0o.

 

Dormiu e acordou muitas vezes antes de desistir e ficar encarando a escuridão. A febre ia e voltava, colocando-a em um torpor dormente por longos minutos. Não sabia se haviam se passado horas ou dias. A falta de luz a enlouquecia. 

Sentia-se letárgica, sua respiração estava lenta e arrastada. Quando ouviu-os aproximando-se não teve forças para mexer-se. Permaneceu deitada no chão sujo e empoeirado, pelo menos podia fingir que ainda estava dormindo e ignorá-los.

Mas não estavam sozinhos desta vez, um terceiro os acompanhava. Elora não conseguia enxergar seu rosto com clareza. Seria Thorin? 

Quando o anão mais velho colocou-se sob a luz da tocha acessa a menina reconheceu-o. Era o anão que magoara Tauriel... Kili ela achava. Elora esforçou-se para lembrar o nome, sua mente estava cansada. 

Mas viu a expressão consternada do anão, antes que o mesmo desse as costas e deixasse os outros dois falando sozinhos.  

Ela não se importou. Não tinha forças para importar-se. 

Queria apenas que a deixassem em paz.

Depois do que poderiam ser horas ou minutos, estava em um de seus tremores quando ouviu o barulho rouco da chave ser inserida na fechadura da cela. Elora abriu os olhos esperando pela claridade mas não havia nenhuma. Ela assustou-se, quem estava ali? 

Permaneceu imóvel no chão duro, aguardando. 

O portão foi aberto e passos aproximaram-se dela. Estava reunindo as forças para empurrar quem quer que fosse quando a voz lhe sussurrou:

— Levante-se, vou tirá-la daqui. 

— Por que? - Perguntou com a voz falha. Desconfiada pela gentileza súbita. - Quem é você?

— Não é certo fazer isso. Você está ferida, precisa dos cuidados médicos de seu povo.  

O anão pegou em seu antebraço mas Elora puxou-o de volta. 

— Quem é você? - Perguntou novamente. Forçou os olhos contra a escuridão que os cercava mas não conseguia ver os traços do rosto do estranho. 

— Me chamo Kili. - Ele sussurrou, andando de volta para a entrada da cela. - Agora que já me apresentei, levante-se e me siga!

— Kili... - Elora repetiu. Não acreditando que aquilo estava mesmo acontecendo.

— Venha logo, não temos tempo! - Disse ríspido. 

Elora dobrou as pernas, forçando o peso do corpo nos braços para levantar-se mas não conseguiu mover-se. Suas pernas e braços estavam fracos. Tinha o corpo dormente pelas longas horas na mesma posição e pela falta de alimentos substanciais após a perda de sangue. Respirou fundo e tentou novamente, apenas para cair do mesmo jeito. Tentava mais uma vez quando sentiu Kili segurar-lhe o braço, dando apoio para que se erguesse. 

Murmurou um agradecimento e deixou o anão guiar-lhe pelo caminho, praticamente carregando-a pelos corredores e túneis.

Após subirem um lance de escadas Elora apoiou-se na parede, inspirava cada vez mais forte mas era como se não houvesse mais ar no mundo. O coração palpitava tão forte que ela suspeitava que o anão conseguiria até ouvi-lo. Fechou os olhos, colocando as mãos no peito. Estava fraca, mas iria conseguir! Ela precisava encontrar energia para fazer isso. Só mais alguns passos e estaria lá fora, a céu aberto. Sentiria novamente o vento entre seus cabelos, o sol quente no rosto e a terra sob seus pés. 

— Você está bem? - Kili lhe perguntou com o semblante preocupado. Certamente se o encontrassem ele também estaria em apuros. 

Elora assentiu e voltaram a caminhar. 

Serpentearam por um caminho estreito e úmido até atingirem uma câmara circular com uma porta de ferro no final. Kili correu até ela, tirando uma chave enferrujada do meios das vestes. Girou-a rapidamente na fechadura, abrindo a porta em um ruído seco. Após espiar o exterior, o anão fez um sinal para que Elora o seguisse. 

Ela atravessou cambaleante a porta e parou quando viu a enorme lua que lhe iluminava, linda e imponente, mesmo com os primeiros raios de sol já surgindo. Sentiu os olhos úmidos, não sabia que sentiria tanta falta de ver o céu. Ouviu Kili lhe chamando mais a frente, ele empurrava um pequeno barco para a margem do lago. O anão ajudou-a a sentar-se e pôs-se a remar silenciosamente. Estavam no meio da travessia quando Kili quebrou o silêncio. 

— Só poderei levá-la até aqui. - Ele disfarçou olhando para a margem que se aproximava, mas Elora percebeu que não era isso que ele queria falar. Seus olhos diziam outras palavras. 

— Ela está bem. - Elora respondeu a pergunta que o anão recusava-se a fazer. Kili evitou olhar em sua direção, encolhendo os ombros. 

— Não tenho o direito de saber, sei disso. Mas a vi com ela naquele dia à margem da floresta. 

— Lembro-me de você também. Tem agora o mesmo olhar de antes. - Elora respondeu com a voz rouca. Sentia a febre voltando. - Tauriel me contou sobre você. 

À simples menção do nome da elfa, o rosto do anão contorceu-se em pesar. Elora não o confortaria, se ele quiser respostas sobre Tauriel deve procurá-las sozinho. Ir até a elfa e enfrentar as consequências do que havia feito. 

Atracaram na margem em silêncio absoluto. Elora pisou em terra firme mal equilibrando-se em pé. 

— Lembrarei-me disto Kili. - Disse firme. - Hantalë. (obrigado)

Elora lhe devia a vida e iria retribuir-lhe. 

Kili meneou a cabeça empurrando novamente o barco para a água. Elora voltou-se para o campo à frente. Caminhou devagar por alguns metros até finalmente alcançar a margem de Mirkwood. Elora vê a direção que precisa seguir, mas não tem forças para dar o passo necessário. Seus ossos eram como pedaços de chumbo empurrando-a para o chão, sua pele queimava parecendo derreter seus órgãos internos. 

Abraçou-se quando o frio congelante subiu-lhe pelos pés descalços. Sentou-se zonza sob a árvore mais próxima. Estava tão perto, tão perto... e não conseguiria ir nem um passo além.

Não percebera o par de olhos cor de âmbar que lhe encaravam curiosos. O animal aproximou-se até encostar o focinho no ombro da menina. Elora virou a cabeça encarando o animal alaranjado ao seu lado, a conhecida mancha preta em seu focinho.  

— Vá aos elfos, peça ajuda. - Disse à raposa. Que saiu em disparada entre os arbustos e árvores. Ela chegaria mais rápido no reino de Thranduil do que na cabana de Radagast.

Elora deixou o corpo escorregar até o chão, onde encolheu-se em uma bola. Os dentes batendo e os olhos ardendo como duas bolas de fogo puro. Quando o latejar de sua cabeça sessou, Elora permaneceu imóvel, temendo que a dor voltasse caso se mexesse.

Foi somente quando sentiu o focinho gelado em sua bochecha que a menina percebeu que pegara no sono. A raposa estava a sua frente, acompanhada pelo maior alce que Elora já havia visto. E ela o conhecia. 

O alce aproximou-se, deitando-se no chão ao seu lado. Elora ergueu o braço, passando-o pelo pescoço do animal e forçando o resto de seu corpo a subir nas costas dele. 

Utilizava suas últimas forças para agarrar-se bem ao animal, que atravessava velozmente floresta com a raposa em seu encalço. Elora via apenas os borrões distorcidos passando a sua volta. 

Quando finalmente passaram pelo caminho de pedras e alcançaram os portões élficos, a consciência de Elora já estava se apagando. Com a visão embaçada, a menina só pode ouvir a movimentação ao seu redor: passos apressados e comandos sendo gritadas em todas as direções. 

Sentiu seu corpo ser retirado do alce e carregado para longe. Uma voz lhe falava, mas Elora entendia apenas alguns pedaços. Era Herenvar, lhe garantindo que ficaria bem. Ela não tinha forças para responde-lo. Nem à Emel, quando a elfa juntou-se ao grupo em uma confusão de vozes e passos. De repente Elora sentiu-se deitada em um colchão macio. 

Tauriel lhe falava, forçando-a a abrir os olhos. 

A elfa estava próxima, as mãos pousadas nos ombros da menina enquanto movia os lábios rapidamente em frases que Elora não conseguia entender. Emel estava logo atrás com o rosto vermelho, gritando instruções sobre potes e pomadas.

Herenvar entrou com outra elfa que Elora não conhecia. Traziam um jarro com água e panos. Tauriel lhe sacudiu de leve, forçando-a a encarar-lhe os olhos. Mas Elora não pode, seu olhar ficou preso à porta quando Thranduil a atravessou. O rosto pálido e assustado do elfo foi a última coisa que conseguiu ver antes de desmaiar novamente. 

 

 

.o0o.

 

Um grito profundo correu por sua garganta, fazendo-a arder. A dor lancinante espalhava-se por todo o seu corpo fazendo-a chorar. Olhou desesperada para a elfa que segurava seu braço machucado, Emel estava ao seu lado com os olhos marejados. 

— O tecido colou na pele cicatrizada, minha senhora. - Emel lhe segurava a mão. - Precisamos retirá-lo para curar corretamente o que está abaixo. Sinto muito, mas é o jeito mais rápido dada às suas circunstâncias. Precisa ser forte Elora. 

Elora encarou o rosto avermelhado da elfa, assentindo. Confiava em Emel. 

A outra elfa continuou o procedimento em seu braço, concentrada e em silêncio. Elora cerrou a mandíbula quando outra dor lhe atingiu, continuou assim até que ela finalmente afastou-se com as mãos sujas de sangue. 

— Falta pouco, minha senhora. - A elfa lhe falou enquanto colocava uma pomada fria em seu braço. 

Elora trincou o maxilar quando percebeu que iam para o ferimento na lateral de sua barriga, mas não pode conter outro grito quando sentiu o tecido velho sendo arrancado. Apertou firme a mão de Emel enquanto os espasmos torturantes lhe sufocavam. Sentia as lágrimas correrem quentes pelas bochechas, pedindo que acabassem logo. Não aguentaria isso por muito tempo. Emel chorava em silêncio enquanto ajudava a outra elfa.

Quando terminaram Elora fechou os olhos febris e deixou-se cair no vazio. 

Estava tão cansada. 

 

Estava sentada na beirada de sua cama, olhou para trás e sorriu para Berenna que tinha uma expressão satisfeita ao murmurar uma canção enquanto lhe escovava os cabelos. Pela janela aberta Elora podia ver o céu escurecendo e sentir o cheiro delicioso da famosa torta de maçã da senhora que morava ao final da rua. Fechou os olhos absorvendo tudo ao mesmo tempo. 

Gostava quando sua mãe lhe escovava os cabelos, sentia-se protegida e amada. Ainda mais do que nos outros dias. 

— O que há? - Disse Berenna com o olhar curioso ao ver o sorriso da filha. 

— Não sei... - Elora disse ainda de olhos fechados. - Está tudo tão perfeito. Queria que pudêssemos ficar assim para sempre.

— Aqui no quarto de estômago vazio? - A mãe deu uma gargalhada gostosa. Elora percebeu que não a ouvia há muito tempo. - Você não aguentaria nem meio dia.

— Agradeço a sua confiança em meu comprometimento. - Fingiu estar chateada. 

— Não fique assim. - Berenna virou Elora, de modo que a menina lhe encarasse. Lhe afagou os ombros. - Não precisamos permanecer aqui para ficarmos juntas, você sabe. 

— Mas aqui é a nossa casa... É onde sempre poderei te encontrar.

— Eu sempre estarei em seu coração, assim como você sempre estará no meu. Isso nos ligará por toda a eternidade. E é isso que realmente importa. - Berenna segurou o rosto da filha com as mãos, os olhos úmidos. - Me orgulha a cada dia mais. 

O rosto de Berenna se esvaecia em meio a escuridão e Elora imediatamente sentiu o calor protetor de sua mãe indo embora. Procurou-a por todos os lados mas não havia nada além do vazio. Remexeu-se desconfortável, sentindo o lençol frio enroscando-se em suas pernas. Levou a mão à testa úmida ainda de olhos fechados, sentia-se um pouco zonza mas percebera que tudo não passara de um sonho. 

Por fim abriu os olhos e percebeu Thranduil sentado em uma poltrona puxada para próximo de sua cama. Piscou algumas vezes, confusa pela visão, mas o par de olhos azuis cristalinos ainda lhe encaravam. O elfo estava com uma aura etérea, iluminado à meia luz. Tinha um livro fechado sobre o colo. 

— Ainda estou sonhando? - Ela perguntou finalmente. Sua mente febril poderia ainda estar lhe pregando peças. 

— Por que acha isso? - A sombra de um sorriso triste apareceu nos lábios do elfo.

— Esta não é bem uma situação pela qual esperaria no mundo real. - Disse ao virar para ele, aconchegando-se no colchão. Seus olhos estavam pesados e teimavam em fechar-se, mas Elora ainda não estava pronta para deixá-lo ir.

— O que há de tão estranho? - Perguntou calmamente. 

— Não acho que o rei combine com uma tarefa tão mundana quanto velar o sono de alguém. É como imaginá-lo... tropeçando em alguma coisa no chão.

— Todos estão suscetíveis a esse acaso. 

— Todos menos você.

Elora piscou os olhos, demorando para abri-los novamente.

— Nunca respondeu minhas cartas.  - Elora falou a primeira coisa que veio em sua mente. - Por que?

Thranduil ficou alguns segundos em silêncio, um pouco surpreso pelo tópico.

— Por que parou de escrevê-las? - Disse finalmente, inclinando a cabeça de lado. 

— Não me responda com outra pergunta. - Reclamou encarando-o. 

Thranduil estava desconfortável ou envergonhado, ela não soube dizer ao certo. 

— Não achei que gostasse... - Elora mentiu. Lembrava-se muito bem que lhe faltou coragem para enviar uma nota se quer a ele depois que recebera seu presente. - Por que se importa?

— Senti a ausência delas. - Confessou. - Eram interessantes. 

— Então porque não escreveu para mim?

— Não tenho o seu talento com as palavras. 

— Está mentindo. - Elora sorriu, conhecia-o bem para saber. 

— Como está visivelmente fora de si, relevarei sua acusação. - Thranduil falou apoiando os cotovelos nos braços da poltrona e unindo as mãos abaixo do queixo. Tinha o olhar leve e um pouco cansado, como se um peso enorme houvesse saído de seus ombros há pouco tempo.

Elora piscou percebendo a faixa branca que envolvia a mão direita do elfo.

— Está ferido... - Franziu a testa, preocupada. Thranduil olhou rapidamente para a palma antes de responder. 

— Uma taça quebrou-se em minha mão.

A menina analisou-o, ele tinha os lábios franzidos e uma expressão evasiva no rosto. Era mais fácil acreditar que ele havia forçado a taça a quebrar-se do que ser desajeitado a ponto quebrá-la sem querer.  

— Está mentindo de novo. - Ela afirmou. - Se quer tentar me enganar terá que esforçar-se um pouco mais para deixar as coisas interessantes. - O elfo já havia lhe dito algo parecido, no que pareciam ser eras atrás.

— Diverti-la é meu principal objetivo.  

O tom do elfo imitando a sua resposta a fez rir de leve, puxando o edredom para cima e abraçando-o. Não conseguiria aguentar por muito mais tempo. O sono começava a deixar suas palavras arrastadas e mal conseguia permanecer com os olhos abertos.

— Ficará aqui? 

— Durma. - Thranduil respondeu recostando-se na poltrona. Ele não precisava responder, Elora tinha certeza que ele ficaria a noite inteira. 

— Sempre tão autoritário. - Disse, finalmente fechando os olhos. - Senti sua falta. - Murmurou por fim.

Sua inquietude havia passado, estava segura agora. 

 

.o0o.

Quando a manhã chegou e Elora abriu os olhos encontrando o quarto vazio teve certeza que sonhara a conversa inteira, talvez fosse melhor deste modo. Dissera coisas que não teria coragem de sustentar se o encontrasse ali de manhã, mas isso não a impediu de sentir uma pequena angústia no peito. Logo a porta foi aberta e Emel entrou com outra elfa, a que tinha lhe ajudado com seus ferimentos. Laimiel era seu nome.

Emel sorriu abertamente quando percebeu a menina acordada. Aproximou-se a passos largos, colocando uma das mãos na testa da menina. 

— Não está mais quente, graças aos Deuses! - Emel disse respirando profundamente com os olhos marejados. - Deu-nos um baita susto!

— Emel, dê tempo para ela situar-se. - Laimiel falou calmamente enquanto amassava algumas ervas. - Como está se sentindo esta manhã?

Emel afastou-se contrariada enquanto Laimiel aproximava-se para examinar Elora. 

— Me sinto muito bem. Graças a vocês, obrigada. - Elora disse pigarreando, sua garganta estava seca. 

— É nosso prazer, minha senhora. - Laimiel sorriu levemente. Tinha os cabelos negros e um rosto pálido. Passava a Elora a impressão de ser muito franca e prática. 

Quando terminou de trocar seus curativos, recolheu os potes e jarros usados e saiu silenciosamente do quarto. 

Elora recostou-se na cabeceira da cama acomodando-se entre os travesseiros, fez uma careta quando sentiu o ferimento na lateral de sua barriga repuxar. Inspirou profundamente, esperando o formigamento diminuir. 

— Sente-se mesmo bem? - Emel sentou-se na beirada da cama, oferecendo à menina um copo de água. Elora assentiu, bebendo o líquido ávidamente. - Pedi que lhe fizessem um desjejum reforçado, precisa recuperar suas forças. 

Elora assentiu, agradecida.

— Aonde estava? - Emel quase murmurava. - O que aconteceu? 

— Estava voltando para a cabana de Radagast quando... - Elora parou de repente. Sentindo-se estúpida por este não ter sido seu primeiro pensamento ao acordar. - Radagast! Precisam avisá-lo que estou bem! Deve estar tão preocupado...

— Não se aflija. - Emel a acalmou. - Enviamos um mensageiro assim que você chegou. Também enviamos mensagens à Lothlórien e Rivendell.

Elora arregalou os olhos, sentindo o coração parar por um momento. 

— Tivemos que comunicá-los. - Emel explicou ao perceber a feição desesperada da menina. - Quando Radagast nos informou que você não havia retornado enviamos grupos de busca à sua procura, esquadrinhamos cada canto da floresta mas não havia nenhum sinal ou rastro seu. Rei Thranduil então enviou mensagens aos outros reinos...

Elora recostou-se na cabeceira da cama fechando os olhos. 

A esperança de que seu tio não ficasse sabendo da situação toda escorreu por entre seus dedos. Não queria pensar em como ele reagiria quando a visse novamente. Não depois de ter saído de Rivendell sem sua permissão e ter desaparecido por dias...

— Quantos dias...

— Três. - Emel respondeu antes mesmo de Elora completar a pergunta.

Três dias. Ficara apenas três dias enclausurada em Erebor. Pareciam muito mais, quase uma era inteira.

A porta abriu-se revelando duas elfas com bandejas cheias de frutas, pães e sucos. As duas desejaram melhoras a Elora e saíram rapidamente. Emel apanhou uma das bandejas, colocando-a cuidadosamente no colo da menina. 

— Acho que não estou mais com fome... - Elora sentia um embrulho no estômago.

— Precisa se alimentar. - Emel lhe entregou dois talheres. Suspirou antes de continuar. - Sei que está preocupada com relação a Lord Elrond, mas não pode pensar nisso agora. Precisa colocar todas as suas energias em recuperar-se. 

Elora encarava as frutas picadas quando a porta abriu-se após uma leve batida. Viu pelo canto do olho Emel curvar-se, já sentindo a mudança na temperatura a sua volta. Quando encarou o espaço a frente e viu Thranduil parado a porta, o ar tornou-se mais denso e quente. 

— Deixe-nos. - Ele disse solene. 

Emel, após tirar a bandeja do colo de Elora, dirigiu-se rapidamente para o corredor. Elora não tinha dúvidas porém, que a elfa aguardaria do lado de fora. Apenas para voltar e ver se a menina realmente comeria a refeição.  

Thranduil caminhou até a poltrona que ainda estava próxima a cama. Parou ao lado, tinha a expressão serena. Elora, lembrando-se da conversa na noite anterior, olhou rapidamente para a mão direita do elfo. Havia um curativo envolvendo sua palma, bem como se recordava. Havia acontecido, não foi um sonho.

Sentiu imediatamente as bochechas queimarem. Respirou profundamente, pedindo aos deuses para que ele não reparasse.

— Fico contente que esteja se recuperando rapidamente. Não pretendo atrapalhar seu descanso por muito tempo, mas preciso que me conte o que aconteceu para que você sumisse por três dias e retornasse nestas condições. 

Polido, direto e com um tom meio arrogante. Bem como Elora lembrava-se. 

Uniu nervosa as mãos no colo antes de iniciar o relato. Pensava em uma forma de amenizar todo o acontecimento para o rei. Pensando agora, temia mais a reação dele do que a do tio. 

Thranduil tinha um histórico de desavenças e ódio puro para com os anões de Erebor e procurava fervorosamente um motivo para iniciar uma guerra. E isso não seria bom para os elfos da floresta. Mesmo que o par de anões merecesse uma lição, não valiam as vidas dos soldados de Thranduil. Não, Elora não poderia contar.  Mas o que diria então? 

— Voltava para a cabana de Radagast quando interceptei um grupo de caçadores. - A menina fez seu melhor para manter a voz calma. - Confrontei-os e eles decidiram partir, mas não consegui confiar em suas palavras. Então os segui. 

Ao contrário do que imaginava, Thranduil ouvia a tudo concentrado e silencioso. Elora achou que ele, como Lord Elrond, lhe confrontaria sobre a decisão de seguir sozinha ao invés de reunir um grupo para a missão improvisada. 

Ficou contente ao perceber que ele confiava em sua força ao invés de questioná-la sobre suas decisões. Ainda que imprudentes, Elora bem sabia. 

— Quando percebi que o último homem não seguiu com o grupo decidi vasculhar os arredores, - Ela continuou - achei que pudessem ter preparado uma armadilha para caso eu decidisse segui-los. Mas ao invés do homem, achei apenas sangue. Misturado com saliva de Warg. 

Elora pausou, vendo a expressão de Thranduil fechar. Percebia a raiva e incredulidade nascendo em seus olhos e as mãos fechando-se em punhos.

Elora continuou antes que ele pudesse dizer alguma coisa:

— Sabia que se eu fosse buscar ajuda, seria tarde demais para os homens. - Soltou o ar com força, já prevendo o que o rei falaria. - Mas já era de qualquer modo... Quando os alcancei já estavam todos mortos. Tentei voltar sem ser vista mas não consegui.

— Quantos? - Ele perguntou, o maxilar tensionado.

— Três. Havia dois Orcs com eles, mas não os vi depois. - Elora torceu as mãos, entrelaçando os dedos. Ainda podia sentir o bafo de sangue do animal que lhe cravara as garras. - Minhas flechas haviam acabado e sabia que não poderia correr por muito tempo, então usei meus poderes. Funcionou, mas me enfraqueceu. Quando o último finalmente me alcançou, não tive outra escolha a não ser pular no rio. Mas não deu muito certo... fui arrastada pela correnteza...

E, o que? 

O que diria agora? Pense, Elora. Pense!

— O que houve em seguida? - Thranduil aproximou-se um passo. Os olhos azuis límpidos analisando o silêncio da menina. - O que está escondendo?

Elora mordeu o lábio. Desviou os olhos dele, culpada. Nunca fora uma boa mentirosa, por que achou que conseguiria agora?

Sua mente virou um branco total, sem conseguir pensar em outra saída sentiu o nervosismo crescer. Thranduil nunca acreditaria que ficou perdida ou escondida em algum canto enquanto esperava um pouco de sua força voltar. Chegou no palácio quase inconsciente. Ele a havia visto, Elora lembrava-se da expressão que o rei tinha no rosto quando o viu atravessando a porta.

— Eu não quero lhe contar. - Disse a verdade que podia. Ainda encarando o edredom sobre suas pernas. 

— Por que não? - Thranduil falou frio, endurecendo a postura. 

— Por que já ficou para trás. Não importa mais. - A menina encarou o rosto impassível do elfo.

Elora percebeu o momento que o lampejo de conhecimento atravessou o olhar dele. Thranduil era muito astuto e inteligente para não chegar a verdade sozinho. Ela assistiu impotente o elfo transformar-se a sua frente. 

Com rosto disformado em ira e os olhos queimando de ódio, Thranduil caminhou até a porta gritando com quem quer que estivesse do lado de fora. Elora sentiu o coração pesado disparar. 

Não, não, não. Não poderia deixá-lo cometer um erro por estar cego pela raiva. 

Escorregou até sentar-se na beirada da cama, abraçando instintivamente o curativo com o braço. Tentava levantar-se quando o rei retornou a sua frente. 

— Thorin irá pagar, eu lhe prometo isso. TODOS ELES IRÃO PAGAR! - Thranduil gritou, tomado pela ira. Andava de um lado ao outro do quarto, imerso em sua cólera.

— Majestade... - Elora tentou chamá-lo. 

— UMA AFRONTA DESTAS TERÁ UMA RESPOSTA A ALTURA! - Continuou. - Caminharemos sobre seus corpos inertes antes mesmo da primeira neve cair! Reduziremos a montanha a uma pilha de pó!

— THRANDUIL! - Elora gritou, fazendo-se ouvir. Quando ele parou de rompante no meio do quarto, ela percebeu o que havia dito. - Desculpe. - falou rapidamente. Até a ponta de suas orelhas deviam estar vermelhas agora, mas pelo menos isso o fez parar. 

Ela não soube interpreta-lo naquele momento. Ele ainda tinha a postura tensa mas seus olhos haviam se suavizado um pouco. 

— Thorin não estava lá. - Ela apressou-se para explicar. - Foram dois anões jovens que me capturaram.  

— Ele não sai da montanha. Mentiram para você! 

— Não tenho tanta certeza. - Elora negou com a cabeça, ainda com a mão no curativo em sua barriga. - Queriam muito impressioná-lo, não teriam me escondido dele por tanto tempo. 

Um elfo de armadura completa entrou no quarto, após uma reverência informou ao rei que estavam prontos. Apenas aguardando o comando dele. 

Elora sentiu a garganta fechar quando viu a convicção no rosto Thranduil. 

— Por favor, não faça isso. Não agora. - Disse, não importando-se de sua voz ter saído desesperada demais.

O rei olhou-a pelo que pareceu uma eternidade, em seguida fez um sinal com a mão e o soldado retirou-se fechando a porta. 

Thranduil olhou-a confuso, não entendendo porque Elora defendia tais criaturas. 

— Podiam tê-la matado! - Grunhiu. Aproximando-se até parar à sua frente.  

Elora sentiu o medo nas palavas dele e isso assustou-a. Era a primeira vez que via uma emoção sobrepujar a máscara fria que ele vestia todos os dias. 

— É podiam, mesmo sem ter a intenção... - Elora estremeceu com o pensamento que tanto rodeava sua mente nos dias em que esteve na cela escura. - Achavam que eu era uma elfa e que me curaria eventualmente. Mas se não fosse por um deles eu também não estaria aqui agora. 

A surpresa passou pelo rosto do elfo tão rápida quanto um piscar de olhos. Thranduil desviou o olhar, ainda confuso e um pouco indignado. 

— Por que os defende? - Ele perguntou ressentido.

— Não faço isso por eles, mas sim por nós. - Elora elevou a voz. - Só peço que me escute e não aja impulsivamente.

Thranduil ainda tinha o cenho franzido, mas deixou os ombros relaxarem. Caminhou com passos fortes e firmes até sentar-se na poltrona em frente a menina. 

— Fale. 

Elora inspirou profundamente, relaxando os músculos tensos e acalmando o coração que ainda martelava em seu peito. Ajeitou a postura e olhou-o nos olhos. O que provavelmente foi um erro, Thranduil estava muito perto. Bastava que Elora esticasse a mão para tocá-lo.

No breve momento em que foi tomada por este pensamento percebeu que nunca o havia tocado antes. Já haviam ficado bem próximos, mas ela nunca sentira a temperatura de sua pele. 

Apesar da aura intocável e fria, Elora tinha certeza que seu toque seria suave e quente como uma tarde de primavera.

Elora buscou uma taça e a jarra com suco na bandeja, ocupava suas mãos para aliviar a mente.

— Como eu disse, foram dois anões jovens que me capturaram. Eu estava fraca e desorientada quando consegui sair da correnteza do rio... Pelo que sei agiram sozinhos. - Disse rodopiando a taça nas mãos. - Evidenciaram mais de uma vez sua felicidade em pôr as mãos em um dos elfos que rodeavam suas terras a meses. A estratégia para atingir Thorin funcionou muito bem, pelo que ouvi, todos em Erebor ficam nervosos quando um grupo de elfos visita Vale.

—  E as visitas dobrarão. - Thranduil comentou aéreo. 

— Apenas os dois iam falar comigo, não sabia quanto tempo havia se passado até que trouxeram um terceiro. Foi ele quem me ajudou a escapar. 

— E quem é ele?

— Kili, o príncipe herdeiro e sobrinho de Thorin. Eu não teria forças para tentar sair sozinha de lá, devo minha vida a ele. - Elora quase podia ver os pensamentos agitados na cabeça de Thranduil. - Não os ataque diretamente. Não desperdice a vida de seus soldados em um confronto desnecessário... Não peço que os perdoe ou esqueça, - Ela continuou. -  apenas que aguarde o momento certo.

— Sou paciente, posso esperar. - Thranduil respondeu por fim. 

Ele tinha o semblante mais calmo, mas ainda havia frustração em sua voz e a ameaça em suas palavras fez Elora arrepiar-se. Seus planos anteriores não seriam nada em comparação ao que Thranduil estava pensando agora.

— Devia tê-la trazido quando tive a chance. Então nada disso teria lhe acontecido. - Ele murmurou para si. 

— O que? - Elora encarou-o atônita, não entendendo o sentido de suas palavras.

Thranduil inspirou profundamente, desarmando-se. 

— Quando Tauriel informou que você passaria sua estadia em Mirkwood com o mago, fui buscá-la. - Ele uniu as mãos em frente a boca. - Um membro de nossa raça deve permanecer com os seus e não em uma cabana caindo aos pedaços. 

— Você foi a Rhasgobel? - Elora disse incrédula. 

Thranduil assentiu, pesando suas próximas palavras. 

— A vi de longe... Você estava visivelmente feliz então escolhi não interferir em seu desejo.  

Elora deixou o choque de lado, alarmando-se com a possibilidade de Thranduil tê-la visto com os cabelos embolados, os pés descalços e com lama no rosto. O elfo levantou-se caminhando até a porta, mas antes de alcançar a maçaneta olhou novamente para ela.

— Nunca antes a vi sorrindo como naquele dia. - O rei murmurou. 

— E eu nunca o vi sorrir. - Elora verbalizou seus pensamentos antes que a coragem lhe deixasse. Thranduil a olhou confuso. - Não verdadeiramente, pelo menos. 

— Outra das suas qualidades que eu infelizmente não compartilho.

— Talvez devesse praticar. 

Com a conversa da noite anterior, Elora já havia passado do ponto em que temia falar algo para ele. Ela sabia que esta porta não seria mais fechada, não por ela pelo menos. 

Quando Thranduil saiu, Elora deitou sobre os travesseiros com as mãos sobre os olhos. Ainda não acreditando que ele havia ido a Rhosgobel... para buscá-la. Ela não conseguiu reprimir o calor indesejado que aquecia seu coração.

Ainda estava atônita quando Emel retornou ao quarto, a elfa tinha os olhos arregalados. Elora ajeitou-se, sentando-se no colchão quando a elfa lhe passou a bandeja novamente, estranhamente silenciosa. 

— Você ouviu, não é? - Elora adivinhou. A audição dos elfos era muito boa e ela e Thranduil não estavam exatamente sendo discretos. 

Emel assentiu, sentando-se na beirada da cama. 

— Todos ali ouviram. Foi um pouco difícil de ignorar... - ela deu um leve sorriso. - Apesar de concordamos que os anões merecem uma represália, e muitos se disporem a fazê-la com as próprias mãos, honraremos sua decisão em esperar. Assim como sua majestade.   

Elora suspirou um pouco aliviada, mas o pensamento de uma quantidade considerável de elfos ter ouvido sua conversa com Thranduil a deixava inquieta. Talvez não tenham ouvido tudo, no fim as palavras foram um pouco mais que sussurros.  

— Você é realmente muito especial Elora. - Emel disse enquanto lhe servia uma xícara de chá. - Não achei que houvesse alguém no mundo que fizesse nosso rei mudar de ideia. 

— O assunto dizia respeito a mim por isso ele me escutou. Se fosse com qualquer um de vocês ele faria o mesmo. 

— Não é bem assim, você sabe. - Emel a olhou com expectativa, tinha um canto de seus lábios curvados para cima como se soubesse um segredo. -  Ele a ouve, respeita seus conselhos. 

— Fala como se fosse um feito recorrente, o que não é.

Emel inclinou-se sussurrando para Elora. 

— Acha mesmo que o rei passaria a noite sentado naquela poltrona por qualquer um? - A elfa indicou o móvel com a cabeça antes de voltar a sua posição anterior. - Ele a estima muito. 

Elora desviou o olhar, não querendo voltar aos seus debates interiores sobre Thranduil. Havia decidido não pensar mais sobre isso.

— Tauriel está no palácio? - Elora perguntou, mudando o assunto. Emel assentiu. - Poderia pedir para chamarem-na, por favor? 

Sabia que com tantos elfos sabendo sobre Erebor, Tauriel acabaria ouvindo sobre Kili uma hora ou outra e Elora queria evitar isso ao máximo. Achava melhor contar à elfa pessoalmente, assim Tauriel não ser pega de surpresa. 

Por insistência de Emel, a menina comeu duas tigelas de frutas e bebeu uma xícara de chá de hortelã com mel. A elfa recolhia a bandeja ainda um pouco insatisfeita, Elora sabia que ela continuaria a supervisionar suas refeições até que estivesse totalmente recuperada.

Tauriel chegou pouco depois e Emel deu-lhes privacidade. 

— A deixo sozinha por alguns dias e veja o que acontece... Graças aos Deuses está bem! - A elfa abraçou-a aliviada. Elora sentia-se feliz mas não conseguiu esconder seu desconforto. - Por que está triste? - Tauriel perguntou confusa, quando se afastou.

— Estou um pouco apreensiva. Sente-se, por favor. - Elora apontou para a poltrona. - Não sei se quer escutar isso, mas acho que é meu dever lhe contar. Devo isso a ele. 

— Está me assustando. - Tauriel franziu o cenho, desconfiada. Mas acabou sentando-se.

— Alguns já estão sabendo, mas queria que ouvisse de mim.  

Elora mordeu o lábio antes de começar o relato à elfa. Quando a menina lhe disse sobre Erebor, Tauriel soube aonde aquilo iria. 

— Não é o que está pensando. - Elora apressou-se ao ver a expressão da amiga. - Foi Kili quem me tirou de lá, sem ele não sei aonde estaria agora.

— O que? - Tauriel perguntou confusa. 

Elora assentiu em silêncio, explicando sobre os outros anões e a expressão de Kili quando ela o viu de dentro da cela. Deu o tempo necessário para a elfa pensar sobre tudo o que lhe falara antes de continuar. 

— Ele perguntou por você... do jeito dele. - Elora contou. - Eu disse que você estava bem, não revelei nada mais. Lembro o que você disse naquele dia na floresta, mas... Achei que devia saber.

Tauriel cruzou os braços, o corpo estava tenso e ela tinha o olhar longe. Quando tornou a olhar para Elora, a menina respondeu antes que a elfa falasse.

— Ele parecia triste. 

— Bom. - Tauriel grunhiu. 

Após alguns momentos levantou-se, saindo do quarto a passos largos. 

Elora encarava a janela, perguntando-se se ainda faltava muito tempo para o dia acabar quando sentiu uma presença a porta e o grunhido conhecido. 

Sorriu quando viu a raposa lhe encarando. O animal correu pulando na cama e cheirando-a no braço, estava preocupada pelos machucados. Elora a acariciou, garantindo que estava bem e agradecendo pela ajuda na floresta. 

A raposa então acalmou-se, deitando a cabeça em seu colo. 

— Bem... se vai ficar por aqui é melhor eu lhe dar um nome, não acha?

O animal a olhou em expectativa, mas recusou as três primeiras sugestões da menina. Ora grunhia insatisfeita, ora abaixava as orelhas parecendo entediada. 

— Que tal Nárë? - Elora aguardou a reação da raposa, sorrindo quando sentiu a aceitação do animal. - Sim... É tão forte quanto o próprio fogo.

Continuou acariciando-a enquanto olhava a porta aberta. Queria poder sair do quarto e ir atrás de Tauriel, sabia que ela não reagiria muito bem à menção de Kili mas tinha certeza que foi o certo a se fazer.

Uma voz em sua mente também apontou que queria ir atrás de Thranduil e perguntar-lhe o porque de ter ido atrás dela em Rhasgobel. Não acreditava muito no que ele havia dito, não inteiramente pelo menos. Havia algo a mais. 

Odiou-se ao sentiu a esperança voltar a arder em seu peito quando, mais uma vez, imaginou-os juntos. 

Não era certo, e nunca seria. 


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Notas finais do capítulo

Finalmente Thranduil resolveu aparecer! rsrsrs
Espero que tenham curtido o capítulo. A história já está na metade e logo, logo entraremos na reta final! :D



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