Melinyel escrita por Ilisse


Capítulo 15
Capítulo 14




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A cabana de Radagast era rústica e não muito grande. Contando com a sala conjunta com a cozinha, a construção tinha apenas mais quatro cômodos: o quarto que o mago dividia com seus coelhos, a pequena biblioteca cheia de anotações sobre poções e unguentos, o banheiro e o quarto improvisado de Elora. Não havia luxos excessivos ou coisas brilhantes, a cabana tinha sua própria aura de conforto permeando os macios sofás e poltronas puídas, os livros recém lidos abertos a esmo pelos corredores e o aroma inconfundível de chá. Era como uma toca secreta que Elora ficaria feliz em permanecer aconchegada pelo resto de sua vida.

Já estava em Rhosgobel há uma semana inteira. Passara os dias seguindo Radagast por todos os lados, ávida por absorver todo o conhecimento que ele pudesse lhe passar. À noite sentavam-se perto da lareira com um bule fumegante de chá rodeados pelos animais, essa era a hora favorita da menina. Durante o dia o mago lhe explicava sobre os animais, encantamentos e ervas, mas à noite era a hora das histórias. 

Lembranças sempre vívidas de uma terra distante habitada e abençoada pelos deuses, o lar das árvores que deram origem ao sol e a lua. A maioria delas era sobre Yavanna, a doce e engenhosa Valië de olhos verdes intensos que desafiava qualquer um a ousar machucar um de seus protegidos; outras eram sobre algumas de suas aventuras com Gandalf. 

Outra das singularidades do local que lhe agradava era o fato de que o silêncio completo nunca prevalecia. Haviam muitos animais morando nos buracos das paredes, em ninhos no teto e até abaixo do piso. Mesmo que a maioria estivesse ausente ou dormindo, tinha sempre um ou outro que ficava por perto. Um de seus companheiros mais fiéis ali - além de Randír - era um porco espinho orgulhoso, chamado Melui, que tinha um certo fraco por coçadinhas em sua barriga. 

Elora alisou as mãos úmidas no avental antes de debruçar-se novamente sobre o livro de poções. Lia pela quarta vez as medidas para o soro quando Melui cutucou seu antebraço com o focinho. A menina olhou-o de soslaio, fingindo não lhe dar muita importância. Suprimiu um sorriso, sentindo a impaciência do animal quando cutucou-lhe novamente.

— Não, não lhe darei mais nada. - Ela encarou-o com convicção. O pequeno porco espinho guinchou, tentando convencê-la. - Pare de me olhar deste jeito. Nada de biscoitinhos até a noite. 

Melui deixou-se cair estirado sobre a mesa, demonstrando todo o seu descontentamento. Elora voltou sua atenção para o livro, se encarasse muito o pequeno animal deixaria-se levar por seus olhos pidões. Colocou a mecha de cabelo rebelde de volta no lugar e foi mexer o líquido arroxeado que borbulhava no caldeirão fumegante. 

— Tenho que acertar desta vez. - Elora suspirou.  

Radagast estava lhe ensinando o melhor uso de plantas e ervas para remédios, tônicos e pomadas. Graças aos ensinamentos de sua mãe, Elora já sabia algumas coisas  mas ainda havia muito o que aprender. 

Queria que o mago estivesse ali para lhe explicar o que estava fazendo errado. Mas Radagast havia saído de manhã em sua patrulha rotineira e ainda não havia retornado. 

Elora retirou a poção do fogo despejando-a em um odre vazio. Teria que deixá-la descansar por mais três horas até saber se estava correta. Se não, faria tudo novamente.

Sabia que se falhasse Ragadast não ligaria, ia apenas olhá-la sorrindo, afagaria seu ombro e lhe garantiria que na próxima vez ela se sairia melhor. Ele era uma das pessoas mais doces e gentis que Elora já havia conhecido, pelo menos até alguém se intrometer entre ele e o bem estar dos animais que acolhia. Apenas uma vez desde que chegara ela o viu com o semblante sério, os olhos semicerrados e os dedos pressionados em seu cajado, pronto para proferir um encantamento que ele não lançaria em outra circunstância. 

Estavam andando perto do córrego quando viram dois homens armados com arcos e flechas caminharem em direção à margem da floresta. Elora não teve muito tempo para refletir qual seria a melhor abordagem para que o par saísse quando percebeu Radagast correndo para eles esbravejando palavras incoerentes enquanto sacudia o cajado ameaçadoramente. 

Somente a visão do mago foi o suficiente para que os dois voltassem correndo por onde vieram. 

Radagast não tinha uma fama muito boa nas cidades vizinhas. Todos sabiam que a caça era proibida na floresta, ainda mais nos arredores de Rhasgobel, mas mesmo assim de vez em quando algum grupo arriscava-se por lá. Deviam achar que seria mais fácil burlar um idoso do que a guarda élfica ao leste, engano o deles. 

Encarou o odre uma última vez antes de bufar e sair pela porta, ainda estava do mesmo jeito. 

Assim que seus pés descalços tocaram o chão sentiu a tensão sair de seus ombros e um sorriso formar-se em seus lábios, adorava a sensação da grama fazendo-lhe cócegas. Quem olhasse a cabana não acreditaria que ela fizesse parte da floresta negra de Mirkwood, ali o verde reinava. Um grosso tapete de grama cobria o chão e as árvores eram altas e vistosas com galhos cheios de flores exuberantes. 

A magia de Radagast dava forças para que aquele pequeno paraíso existisse. E desde que chegara, Elora contribuía para aumentar ainda mais a energia e resistência do local. Ao contrário do mago, ela não precisava despejar poções no solo para torná-lo fértil. Apenas sua presença já era suficiente. 

Ajeitando o vestido para deitar-se na grama, Elora lembrou-se da visita surpresa de Herenvar em seu segundo dia ali. 

Quando Radagast lhe avisara que um elfo a esperava do lado de fora, quase engasgara-se com a comida. Por um breve momento achou que era Thranduil e seu coração quase saltara para fora do peito. 

Mas após alguns longos minutos, recompôs-se. Ele não viria sozinho e se fosse mesmo o Rei da floresta Radagast teria lhe informado. O mago já visitara o reino e os elfos ocasionalmente apareciam por ali, ficara sabendo, para encomendar poções e ervas raras. 

Quando tomou coragem de sair, Elora encontrou Herenvar lhe esperando com um baú a seus pés. Achou que ele havia aparecido para uma visita, mas ao ver a armadura prateada e o elmo que segurava nas mãos percebeu que o elfo estava ali representando os interesses de seu reino. Ele lhe fez uma formal saudação antes de lhe sorrir. 

— Minha senhora, fui enviado para lhe trazer alguns de seus pertences. - Ele apontou para o baú cobreado. - Fomos informados por Tauriel que você passaria as próximas semanas em Rhasgobel sendo treinada por Aiwendil, então Emel, sob ordens de nosso rei, separou alguns itens para tornar sua estadia mais confortável. 

Elora o encarava boquiaberta. 

— Herenvar... - ela falou lentamente, tentando formar uma frase coerente em meio aos pensamentos confusos que passavam por sua mente. - Agradeço a preocupação mas... - o elfo levantou a mão, impedindo-a de continuar.

— Fui instruído a não aceitar sua recusa. - Ele empertigou-se. - Meu rei insiste que aceite, afinal tudo o que está aqui já lhe pertence. Quando partir eles serão levados novamente para o palácio, a menos que os deseje em Rivendell. 

Elora suspirou. Não o venceria nesta discussão.

— Neste caso, por favor expresse minha mais sincera gratidão ao seu rei. Agradeço por ele pensar em meu bem estar mesmo já tendo tanto em suas mãos. 

— Eu irei. - O elfo deu um leve sorriso, contente por tê-la convencido. - Meu rei sempre está ciente daqueles que estão sob sua proteção. 

Elora teve que morder o lábio para não contrariar o elfo. 

Não adiantaria nada tentar convence-lo do contrário e Herenvar certamente contaria ao rei. O que, devido a sua imprevisibilidade, poderia acabar levando-o à sua porta apenas para provar-lhe errada, o que não era uma boa ideia de forma alguma. 

O elfo carregou o baú até o pequeno quarto da menina, observando atentamente cada detalhe da cabana no caminho. O rei certamente também pedira a análise do local ao elfo. Elora podia perfeitamente ver Thranduil esperando o relatório neste exato momento, o rosto sério com a testa levemente franzida enquanto andava pensativo com as mãos unidas nas costas. 

— Já anotou todos os tópicos relevantes sobre a cabana para seu relato ao rei? - Elora falou parada a porta. O elfo pareceu envergonhado, mas logo recompôs-se. 

— Desculpe, minha senhora. Mas deve entender que sua escolha em permanecer aqui tirou o sono de alguns de nós. - Ele olhou ao redor. - Este é dificilmente um local apropriado para qualquer pessoa viver. 

— A cabana é totalmente adequada. É bom termos novas experiencias na vida. Chá? - Elora voltou ao balcão da cozinha, seguida pelo elfo e suas reclamações sobre ambientes seguros. 

Quando Herenvar partiu Elora correu de volta ao quarto, curiosa para ver o que Emel lhe mandara. Sacudiu a cabeça sorrindo quando viu o interior do baú abarrotado de coisas. 

A elfa não entendia o conceito de apenas o necessário, Emel era exagerada por natureza. Além de dois vestidos quentes de linho e um outro mais leve para os dias abafados, ali se encontravam sua escova de cabelo prateada, um par de luvas grossas, uma capa, um robe e duas camisolas, um conjunto de calça e blusa para exercícios de treinamento, um par de botas, sapatilhas e outros três de meias. Por último havia uma coberta felpuda e um travesseiro macio, junto com um bilhete da Elfa. 

Assim como Herenvar, ela também reclamava - e muito - de sua escolha em ficar na cabana. 

Elora riu sozinha. Respondera-a no mesmo dia, pedindo que Filigod - o Passerina Ciris de peito vermelho que morava em sua gaveta - o entregasse. Era a primeira vez que pedia a um pássaro não treinado para entregar uma mensagem, esperava que desse certo.   

Independentemente dos resmungos de Herenvar a visita lhe fizera muito bem. E apesar da breve conversa pode ficar a par das novidades, como a nova visita de Bard à Mirkwood na próxima lua. Talvez as coisas finalmente se acertassem entre os reinos. Ela não podia saber sobre a questão com os anões, mas pelo menos esta parte do plano estava dando resultados. 

Elora olhou para o céu claro e sem nuvens, os ventos estavam mudando. Choveria aquela noite. 

— Vai chover esta noite! 

A menina levantou-se vendo Ragadast gritar feliz enquanto se aproximava com seu trenó puxado por doze coelhos Rhosgobel. Os maiores e mais velozes coelhos de toda Terra Média como o mago adorava dizer. 

— Espero que não seja um temporal, gostaria de cavalgar amanhã. - Elora bateu no vestido limpando os pedaços de grama que ficaram presos, enquanto o mago soltava os animais; que correram alegres para dentro da casa. - Como foi o passeio?

— Muito bom, muito bom. - Ele garantiu. Tirou o chapéu pontudo e dois passarinhos saíram, voando ao redor de sua cabeça. - Nenhum sinal de Orcs ou wargs nos campos a oeste. Chá?

Radagast passou por ela, entrando na cabana e já dirigindo-se à lareira com um bule na mão. O mago fazia o melhor chá que Elora já havia provado, não importa o sabor que ela o desafiasse a fazer, ficava tão bom que ela podia até chorar. Quando chegou pela primeira vez na cabana, Radagast já lhe esperava com uma xícara fumegante nas mãos.

O mago olhou de relance para o odre com a poção de Elora, que agora estava levemente azulada. 

— Ah, está tentando a poção de formigamento? - Ele empolgou-se com os olhos brilhando enquanto colocava as folhas e especiarias no bule. - Está progredindo rápido.

— Não muito. Esta é minha terceira tentativa. - Elora sentou-se em um dos bancos altos, apoiando os braços na bancada de madeira. 

— Se saiu muito bem com as outras, não será diferente com esta. Ela requer apenas um pouco mais de paciência.

— Ainda tenho que trabalhar um pouco nisso. - A menina sorriu.  

Conforme previram o temporal não tardou a cair e conforme todas as outras noites, sentaram-se próximos a lareira após o jantar para a história do dia. Melui encolheu-se no colo de Elora quando Radagast começou a falar, pronto para cair no sono. 

 

 

.o0o.

Na manhã seguinte partiram para dentro da floresta. A chuva havia deixado o solo bem irrigado e Radagast estava feliz em poder colher alguns cogumelos Grifola. Elora ficaria feliz em provê-los ao mago e permanecer quentinha em sua cama, porém ela nunca havia visto um cogumelo Grifola e isto a impedia de criá-los. 

Caminhavam com dificuldade na lama fria e pegajosa.

— Para que eles servem? - Elora indagou, segurando firmemente a capa. O vento frio ainda não havia ido embora. 

— Sozinhos, para nada. Mas na mistura certa são excelentes contra-feitiços. Não é muito fácil achá-los, mas depois de uma chuva como essa sei onde encontrá-los! - Disse animado. 

— Pode me ensinar essa poção? 

— Claro! - O mago coçou o queixo pensativo. - É uma mistura que requer muitos itens, mas creio que posso juntá-los até esta noite. Ainda tenho um pouco de cera molghal em algum lugar. 

Chegaram no local um par de horas depois, um espaço apertado na entrada de uma caverna. Radagast entrou e Elora permaneceu de guarda do lado de fora, estavam no território das aranhas e toda a atenção era pouca com tais criaturas. 

O vento ainda batia forte contra a menina, fazendo o cabelo ricochetear em seu rosto. Precisavam apressar-se, choveria novamente em breve. O céu enegrecia com rapidez quando o mago finalmente emergiu das sombras mostrando o pequeno cogumelo esverdeado à Elora. 

Radagast olhou para o céu, preocupado. 

— Volte para a cabana. Vou precisar de mais algumas horas para juntar o restante dos ingredientes. 

— É melhor nós dois voltarmos. Podemos fazer a poção outro dia. 

— Bobagem, a lua está perfeita para isso! E não será uma pequena chuva que me impedirá.

Elora deixou-o relutante. 

Andava rapidamente entre as árvores retorcidas pedindo que a tempestade não chegasse novamente até os dois estarem seguros na cabana. Ragadast distraía-se facilmente quando o assunto eram seus ingredientes e receitas, ele poderia ficar na floresta por horas e achar que somente um minuto passara. 

Estava quase chegando a margem das árvores quando vozes alteradas fizeram-na parar. Sacou o arco, pronta para atirar no que quer que fosse. Caminhou silenciosamente em direção à clareira ao leste, onde um grupo de homens discutia. Não a viram aproximar-se. 

Eram quatro: dois armados com arcos de qualidade inferior, um carregando um grande saco de linho e outro que tentava inutilmente amarrar as pernas de um pequeno alce com uma corda. Caçadores. 

Elora bufou trincando os dentes, eles não desistiam mesmo! 

O vento uivou raivosamente quando ela pisou no espaço aberto, mostrando-se ao grupo. Mirava o arco no último homem, o desajeitado que ainda lutava com o animal. 

— Solte-o. - Ela esticou ainda mais o arco, pronta para atirar. - Caçadas não são permitidas aqui. 

Todo o grupo ficou em silêncio; o último homem, percebendo que ela lhe mirava, encarou-a com olhos assustados. Imediatamente soltou o animal, que correu para o breu entre as árvores. 

Elora agradeceu por ter colocado seu traje de treinamento esta manhã, impunha mais medo e respeito do que um dos vestidos de linho que geralmente usava. Assim, para eles, ela era uma elfa da floresta e podia espantá-los sem ter que machucá-los. 

Graças aos deuses Radagast não estava ali.

Um dos arqueiros, o líder provavelmente, deu um passo a frente colocando-se a frente dos outros. Parou com as mãos na cintura e um sorriso gozador nos lábios.

— Saiam da floresta e não retornem. - Ela continuou. - Achem caça em outro lugar. 

— Acha que pode nos expulsar só porque tem um arco? - Ele riu, desafiando-a. - Você pode atirar, mas chegaremos a você antes que consiga alcançar outra flecha. Somos quatro e você é apenas uma.

— Tem razão, não é uma luta justa. Talvez eu tenha que amarrar minhas mãos nas costas para que vocês tenham uma chance. 
Sem aviso, ela disparou a flecha no líder. Não queria derramar sangue mas tinha que impor-se antes deles tentarem alguma coisa.
A seta passou raspando na bochecha dele, cortando a beirada de sua orelha. Antes que o homem se curvasse em dor, ela já possuía outra flecha armada. 

— Nunca subestime alguém de meu povo. Considere isto um aviso final: saiam! - Ela rosnou. 

— Você não é dona da maldita floresta inteira! Temos direitos. - O outro arqueiro esbravejou enquanto o último homem corria em socorro ao líder.

— Esta floresta pertence ao reino élfico de Mirkwood, estando sob a proteção do rei Thranduil. - Ela quase gritava. - Vocês tem direito a uma caçada justa em um local onde não persigam filhotes indefesos e outros animais famintos.

O arqueiro abriu a boca para ralhar novamente mas foi silenciado pelo líder, que pressionava firmemente a mão sobre a orelha ensanguentada. Com um aceno de cabeça todos começaram a andar para trás, cautelosos. Em poucos instantes saíram de seu campo de visão. 

Elora relaxou baixando o arco, mas sabia que ainda não tinha acabado... Percebeu o olhar cúmplice trocado pelos dois homens. Não poderia confiar em sua retirada, tinha que segui-los. 

Ter certeza que não tentariam entrar novamente em Mirkwood. 

Deu alguns minutos de vantagem antes de seguir as pegadas recém impressas no solo. O grupo avançava rapidamente, margeando a borda das árvores. Teria deixado-os quando alçasse o rio da floresta se não fosse um par de pegadas ter desaparecido. Era o último do grupo e parecia ter sumido em pleno ar. Pelos rastros, os outros não notaram seu sumiço e seguiram viajem. 

Elora parou em alerta, olhando atentamente ao seu redor. 

Até onde ela sabia o homem poderia ter ficado para trás para garantir que não estavam sendo seguidos. Ele poderia tentar atacá-la de surpresa. 

Pegando novamente o arco andou até a linha de árvores, desejou ter levado também as adagas mas não esperava que seu dia tomasse este rumo. Se Tauriel soubesse, lhe daria um sermão sobre como é bom sempre estar preparada para tudo. 

A menina prendeu a respiração quando notou os grossos respingos de sangue meio seco nas cascas de duas árvores. Ela tocou em uma gota, espalhando-a entre os dedos. Estava viscosa e grudenta. 

Sentiu o arrepio percorrer o corpo quando percebeu que se tratava da mistura de sangue com saliva de Warg. O grupo estava sendo atacado e talvez os homens nem soubessem disso. 

Sua intuição implorou para que voltasse, que virasse as costas e fosse para a cabana de Radagast. Ela não poderia lutar contra um grupo inteiro de caça dos lobos demoníacos. Poderia correr até um dos guardas élficos em patrulha na floresta e pedir que enviassem um grupo para ajuda-los. Mas poderia ser tarde demais e ninguém merecia morrer nas mãos de criaturas tão vis, mesmo que fossem aqueles tipos de homens.

Ela correu seguindo as pegadas, pingos de chuva atingiam seu rosto como pequenas pedras. A tempestade seria grande, precisava apressar-se antes da chuva apagar o rastro do solo. Correu o mais rápido que pode até chegar a uma confusão de marcas de patas e pés, então soube que já era tarde demais. 

A lama estava revirada, haviam marcas profundas aonde corpos foram arrastados e poças de sangue por toda a volta. Um grito agudo chegou ao seus ouvidos, a voz implorando para que o matassem de uma vez. 

Elora sentia o coração acelerado no peito, as mãos suavam e tremiam sem saber ao certo o que fazer. 

Engoliu a seco, avançando silenciosa até um amontoado de rochas. Espiou por uma brecha o espaço a frente, dois Orcs assistiam o sofrimento do homem ao seus pés, era o outro arqueiro do grupo. Três wargs brigavam pela carne ainda morna dos outros. Elora não conseguia dar as costas, estava congelada vendo a cena horripilante se desenrolar a sua frente. 

Tremia com o frio do vento e da chuva, mas também de ódio e medo. 

Obrigou-se a mover as pernas e afastar-se dali. Dava passos lentos e calculados para trás, respirando o mais baixo que seu nervosismo permitia. Um estalido próximo a fez parar. À sua direita, das sombras das árvores surgia um dos Wargs. Encarando-a fixamente com a mandíbula pingando sangue. 

Ao vê-lo Elora não pensou no que faria ou para onde iria, apenas pôs-se a correr atirando suas flechas no lobo. 

O Warg deu o sinal ao grupo, um uivo rouco e gutural. Não importa o quanto a menina esforçava-se para ir mais rápido ou quantas flechas lhe acertava, o animal estava sempre a poucos metros de distância. Ela não podia continuar assim, neste ritmo cansaria em poucos minutos. Precisava matá-lo ou despistá-lo, e rápido. 

Mudou seu rumo, seguindo para a segurança da floresta. Ali ela poderia ter uma chance. 

Parou e estendeu a mão para os galhos ao redor, fazendo com que agarrassem o lobo no momento em que pulava para lhe atacar. Segurando-o pelas patas traseiras e enroscando-se nele como um casulo bem apertado. Ela não podia deixar que o warg saísse com facilidade então fez com que as três árvores cujos galhos trançavam a prisão crescessem, elevando-se sobre a linha da floresta até que suas copas não podiam mais ser vistas ali de baixo. 

Exigiu muita força e sua cabeça começou a latejar, mas não poderia parar agora. 

Corria para fora das árvores quando foi atingida por outro Warg e levada ao chão. Gritou com a lateral de sua barriga queimando em dor no momento em que as garras do animal perfuraram sua pele. 

Afastava o rosto enlameado enquanto segurava o arco contra a mandíbula do animal, impedindo-o de morde-la. O peso da pata do Warg em seu peito não a deixava respirar e a lama em seu rosto a impedia de ver com clareza. O pânico subia em sua garganta, atrapalhando sua mente. 

Grunhiu contra o animal deixando o instinto tomar conta de seu corpo em último recurso desesperado. 

Raízes brotarem do chão, enroscando-se no focinho do animal e puxando o corpo enorme para dentro da terra. Continuou até ter certeza que o corpo estava bem fundo no solo. 

Elora levantou-se cambaleante com a respiração entrecortada, não teve tempo para localizar-se em meio a chuva - que agora caía torrencialmente - o warg restante aproximava-se velozmente. Elora olhou para o rio a sua frente, a correnteza estava muito forte e ela não sabia a profundidade da água ou se haviam pedras em seu fundo, mas era sua única saída. Não tinha forças para continuar correndo nem para usar seus poderes depois do ferimento. 

Correu para a margem do rio mas pulou muito tarde, o Warg alcançara-a rasgando a pele de seu braço com as garras ao tentar segurá-la. Mas o animal caiu junto com ela e ficou debatendo-se desesperadamente até conseguir fincar as patas na margem. Lobos demoníacos não sabiam nadar.

Elora deixou-se levar pela correnteza, mergulhando na água turbulenta. 

Enquanto estivesse sob a água os lobos não poderiam rastrear seu cheiro. Permaneceu imersa até que seus pulmões imploraram por ar. Quando emergiu procurou algum sinal dos orcs, mas estava sozinha. 

Havia se livrado deles, por ora. Tentou nadar mas parou quando a dor excruciante a fez perder o fôlego. Lutava para manter-se na superfície mas a correnteza empurrava-a em todas as direções, quando fora jogada em direção a margem estendeu o braço saudável para fora da água tentando em vão segurar-se. Foi jogada novamente no meio do rio, engolindo um pouco de água. 

Poderia sair dali rapidamente, só precisava fazer uma das raízes enrolar-se em seu braço e puxá-la para fora. Mas tinha certeza que se fizesse isso perderia a consciência e não poderia deixar-se vulnerável em uma hora dessas. Teria que seguir com o rio até que ele se acalmasse. 

Ela não sabia o quão longe havia sido arrastada quando finalmente conseguiu içar-se para terra firme. A chuva cessara mas o céu ainda estava negro. Será que já era noite? Radagast já teria retornado para a cabana a esta altura. Precisava arranjar uma forma de lhe enviar um sinal pedindo ajuda. 

Elora sentou-se no chão abafando um grito quando comprimiu a ferida na barriga. Respirou fundo algumas vezes antes de criar coragem para olhar.

Haviam três cortes profundos que se estendiam até a lateral de seu corpo, fora da água começaram a arder e latejar. Olhou para novamente para o céu escuro, segurando as lágrimas. Não poderia fraquejar, não agora! 

Tinha sorte, as garras dos Wargs não possuíam veneno. Caso contrário estaria morta antes mesmo de poder pensar sobre isso. Pelo menos seu braço não estava tão ruim, doía mexer qualquer músculo do ombro para baixo mas o ferimento no tronco a preocupava mais. 

Fechou os olhos concentrando-se, tinha que manter a cabeça no lugar. Primeiro precisava comprimir as feridas, não poderia perder mais sangue. Depois, procuraria um local coberto para aquecer-se, três wargs não a mataram e não seria o frio que o faria. Em seguida utilizaria um dos encantamentos de Radagast para chamar algum animal próximo, assim poderia contatar o mago e pedir socorro. Utilizaria mais de sua força mas não havia saída, não sabia aonde estava e não tinha tempo para vagar até chegar a alguma aldeia. 

Rasgou dois pedaços da camisa larga, rugiu uma maldição quando amarrou um dos tecidos bem firme na barriga. Apertou bem o do braço mas antes de levantar a cabeça para conferir o farfalhar que iniciara-se às suas costas, recebeu uma pancada forte atrás da cabeça. 

 

.o0o.

Acordou sobressaltada. Tinha muito frio. 

Sentia o corpo tremer sob a roupa ainda molhada. Não havia passado muito tempo então. Onde estava?

Elora encarou ao redor sem ter muito o que observar. Além das grades e porta de ferro à sua frente, a cela talhada em pedra pura não possuía mais nada. Nem mesmo uma janela. 

Seu mundo agora era apenas sombras e silêncio. 

Ela ignorou a dor que tentava anuviar-lhe a mente enquanto arrastava-se para trás pelo chão empoeirado, ficando o mais distante que conseguia das grades. Sentou-se encolhida no canto afastado com os braços sob a barriga. Seu maxilar batia, seus braços e pernas estavam doloridos e fracos, os curativos improvisados estavam sujos e ensanguentados. Sentia seu corpo febril perdendo as forças. Encostou a cabeça na parede atrás de si e deixou os olhos fecharem levando-a em um sono forçado. 

Tinha de poupar energia para procurar uma forma de fugir. Primeiro precisava descobrir aonde estava, a pedra a sua volta não lhe dizia nada. Poderia ser em uma alta torre ou a muitos metros abaixo da terra. Não tinha forças para procurar estas respostas no momento. 

Abriu os olhos quando ouviu passos abafados aproximando-se. Viu a tocha acesa clarear sua cela aos poucos conforme os passos chegavam mais perto.

Inspirou profundamente controlando o tremor de seu corpo, não deixaria que a vissem como fraca mesmo que estivesse ferida. Soltou o ar em surpresa quando viu as duas figuras aparecendo a sua frente, não esperava por isso.  

Não estava em algum covil de Orcs ou goblins.

Estava presa em Erebor. 


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Notas finais do capítulo

Enquanto dava os últimos retoques no capítulo fiquei escutando a trilha sonora do filme 'Rei Arthur: A lenda da espada'. Já viram? Se não viram RECOMENDO MUITO! Que filme é esse gente?! Já assisti umas três vezes e repetiria a dose numa boa.

Então, sobre o capítulo: Não me odeiem! rsrs
Elora precisava dar um pulinho em Erebor. Prometo que nosso rei Thrandi aparecerá no próximo! ;)



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