O QUE EU ME TORNEI DEPOIS DE VOCÊ escrita por Serena Bin


Capítulo 4
Capítulo 4 - Ao infinito e Além


Notas iniciais do capítulo

Olá amores!
Meu Deus quanto tempo, né?
Mas estamos de volta e eu gostaria antes de tudo de agradecer a lindissima recomendação que a fic ganhou há alguns meses!
Obrigadíssima, Nahu!!!
Vamos ao capítulo 4?
Boa Leitura



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Quando chego em casa naquela noite, encontro a mesa já posta para o jantar.

— Fiz rosbife e purê de batatas, Reese – minha mãe diz animada. Ela está corada e sorridente. Alias, todos em minha casa parecem mais contentes desde que recebi o transplante.

Por um momento, por alguma razão penso na família de meu excentrico doador, Alex Riversong que conheço apenas por uma tela de tv. Imagino como sua família está seguindo a vida após sua precoce partida. É estranho se você pensar que só está viva porque alguém morreu. Chega até a ser meio egoísta.

Egoísta. A palavra sempre causou estranheza em mim porque não sou exatamente uma pessoa solidária. Não sei se eu mesma teria a boa vontade de pensar em outra pessoa desconhecida na hora da morte. Mas, eu pensei em meus familiares, isso deve contar alguns pontos. A verdade é que, na balança onde você mede os pontinhos da vida, um dos lados sempre vai ficar mais pesado. No meu caso, o lado que concentra as coisas ruins sempre pesou toneladas. Não dá pra ser gentil e sorridente quando aos oito anos de idade sua vida simplesmente dá cinquenta saltos para trás. A própria vida te ensina a ser amarga e implacável. Sobretudo quando a vida e a morte são parceiras de estrada. Nesse caso, você aprende a nunca esperar ajuda  como o Ender, de O Jogo do Exterminador. Dessa forma, você não se machuca tanto se a benevolência não vir, porque você nunca esteve esperando por ela de qualquer forma.

— Vou tomar um banho – digo e rapidamente subo para meu quarto. No chuveiro, deixo a água quente tocar minha pele e sinto todo o suor e sujeita sendo jogados para o ralo. Em algum momento, retorno até à Rua Toth onde plantei o sabugueiro e reflito sobre a ação.

Isso é loucura. Penso, rindo de nervosismo. Se eu continuar a invadir terrenos particulares para plantar árvores, vou acabar sendo presa. O garoto do vídeo não vale uma noite na cadeia. De repente, o bater de meu coração reverbera em meus ouvidos e meu cérebro leva minha mão direita até a cicatriz rosada em meu peito, onde o órgão pulsa sem parar. Imediatamente, me lembro da lista de Alex Riversong, sobretudo de seu título “ Coisas que o Alex queria fazer mas que não teve tempo”, então eu fecho os olhos sentindo como se um monstro comedor de entranhas estivesse me devorando viva.

— Eu sou uma idiota – digo para meu reflexo no espelho – Como eu sou uma imbecil.

Não, Reese. Você não é imbecil. É apenas egoísta.  Uma voz diz em minha mente, acho que é minha consciência dizendo que é hora de retirar o que eu disse sobre Alex Riversong não valer um noite na cadeia. Bem, não sei se ele valeria de fato, mas dizer que ele não valeria soa ingrato demais.

Corro para o pequeno criado mudo ao lado de minha cama onde a carta de Alex se encontra guardada juntamente com o dvd. Pela décima vez eu assisto o video e leio a carta. Vejo o rosto pálido, mas sorridente de Alex e seus cabelos rebeldes; seu sorriso solto e suas piadas irônicas sobre si mesmo, mas é a proposta que ele faz que detêm minha atenção mais uma vez.

— O coração só será seu depois que cumprir as dez etapas – ele diz no vídeo. Olho para a lista e pela primeira vez a analiso de verdade e acabo encontrando situações que eu jamais pensei em me submeter.

— São tantos itens – reflito olhando para a lista, em seguida olho para a tela da tv onde Alex mantém um discurso sobre a mesma – Voce era um cara sonhador... Pular de para-quedas, não! Pode esquecer! – fecho a cara. Eu jamais vou pular de para quedas. Odeio altura e fico tonta só de pensar, por isso, acabo riscando esse item da lista; Alex continua falando no vídeo –Demorei três anos para conseguir um coração e agora você quer eu o cuspa fora durante um salto de para-quedas?  Foi mau aí, garotão. Mas, esse negócio de esportes radicais não é comigo.

***

Nos dias que se seguem, minha certeza sobre não cumprir a segunda tarefa da lista de Alex Riversong ainda continua em seu auge, mas sinto alguma coisa estranha dentro de mim toda vez que penso em como estaria desapontando meu doador.

Em uma tarde de quarta feira, saio para quitar contas no banco que fica há cinco quarteirões de meu prédio. No caminho, acabo parando em frente ao terreno baldio da Rua Toth onde a pequena muda de sabugueiro se desprende em dezenas de folhinhas verdíssimas. É surpreendente que ainda esteja ali. Imaginei que o dono a arrancaria no dia seguinte, mas ao que parece, o sabugueiro é um sobrevivente, assim como eu.  Quero chegar até a cerca do terreno para ver a arvorezinha mais de perto, entretanto, acabo desviando o caminho porque aparentemente, alguém notou minha presença aqui. Dobro a esquina antes que o guarda consiga reconhecer meu rosto e caminho pela calçada totalmente alheia ao movimento da rua porque meus pensamentos se ocupam em ouvir as batidas de meu coração, e isso é totalmente maluco de se pensar. O coração está em meu peito; eu o carrego para todos os lugares, mas  sinto como se eu o tivesse roubado de alguém. Eu até tento me livrar da culpa, mas parece que Alex e sua condição penetraram tão fundo em minha mente que agora, estou começando a acreditar que como uma alma penada, ele sempre vai estar atrás de mim até se certificar de que eu fui honesta e cumpri com minha parte de um acordo que nem mesmo é um acordo de fato.  Droga! Odeio crises de consciência.

Avisto logo na esquina o banco. Caminho rapidamente para aproveitar o sinal aberto e entro no estabelecimento, mas não chego a pagar as contas porque este não é o banco, mas sim uma agência de turismo.

— Boa tarde, - diz uma mulher de rosto ossudo – em que posso ajudar?

Eu olho para a mulher que sorri gentilmente – talvez tentando me impressionar com sua simpatia para garantir uma boa venda. Me sento em uma cadeira em frente ao guichê e faço meu pedido.  Depois, quanto tudo está pronto, a mulher me parabeniza:

— Ótima escolha, senhorita McHollen. Está marcado para o próximo sábado no jockey de Louisville. – a mulher me entrega um passaporte e o comprovante de pagamento – Bom salto.

— Obrigada  - respondo antes de sair da loja.

***

— Saltar de para-quedas, Reese? – James pergunta meio surpreso. Achei que ele deveria saber o que pretendo fazer, mas não menciono a razão.

— Então eu posso saltar? Quero dizer, há algum risco?

— Bem, seu pós operatório foi muito bom e você tem se cuidado...Acho que não vai ter problemas, não.

— Certo. – respondo a ele e posso ouvi-lo do outro lado da linha ainda duvidando de meu salto.

— Que deu em você para querer fazer algo tão radical assim? – James pergunta.

Dor na consciência. Penso.

— Qual é? – respondo tentando parecer indignada – Não são vocês médicos que dizem que é preciso fazer atividade física?

James ri. Ele sabe que estou sendo irônica, mas não me refuta e responde:

— É que eu nunca soube que você curtia essas coisas mais loucas...

— Não curto – penso alto demais e James acaba me questionando, mas eu o despisto – É...eu preciso ir. – digo nervosa – Obrigada pela atenção.

— De nada – ele responde – Não se esqueça de sua consulta. Segunda, às quinze horas.

— Não vou esquecer, eu prometo – digo a ele, antes de desligar o telefone, James faz um pedido inusitado:

— Reese, quando estiver lá em cima, prestes a pular, grite “ao infinito e além”!

Eu rio.

— Ao infinito e além?  Que idiota. Por que eu faria isso?

— Não é idiota. – ele responde – É Bus Lightier. O melhor astronauta da galaxia. E você faria porque você adorava Toy Story, não minta!

— Eu só tenho dezoito anos e consigo ser mais madura que você que está quase chegando aos trinta – respondo rindo, em seguida me despeço e desligo o telefone.

Olho para o passaporte que contem a entrada para o salto e tendo não odiar Alex por estar me obrigando a isso. Mas falho, porque nesse momento eu odeio mais do que odeio pizza de aliche.

— Está satisfeito? – digo como se Alex pudesse me ouvir – Vou saltar de para quedas, mas que fique claro que se eu morrer de medo, sua lista estará arruinada para sempre.

Em algum lugar do universo, imagino Alex Riversong rindo de maneira sarcástica e dizendo que tudo estava no contrato.

Céu escuro, nuvens cinzas, eu caindo e me quebrando no chão como um vaso de vidro; Alex Riversong rindo com um rosto de esqueleto. Tudo em meus pesadelos esta noite.

***

O sábado chega mais rápido do que eu gostaria. Amanhece um dia ensolarado e quente e pelas cortinas entre abertas, consigo vislumbrar os primeiros raios de sol.

— Não acredito que você vá realmente fazer isso – minha mãe diz a mim durante o café da manhã, ela me oferece torradas, ovos e bacon, mas eu recuso porque tenho a nítida sensação de que se eu comer, posso vomitar durante o voo, então, tomo apenas uma xícara de café.

— Vai ser legal, mãe – respondo, em seguida me despeço dela e de meu pai – Volto antes do almoço. Eu espero.

É engraçado que quando se está com medo, todo o seu organismo me organiza para deixar o terror ainda mais forte. A medida que vou me aproximando da entrada no campo de Jockey onde farei o salto, sinto como se eu estivesse indo em direção a fila de fuzilamento.

Me dirijo ao balcão da agencia de saltos onde uma mulher excessivamente magra com cabelos cor-de-rosa me atende. Ela digita meu nome no teclado e em seguida um crachá é liberado para mim.

— Por aqui – ela diz apontando para que eu a siga. Chegamos a uma pequena sala onde um rapaz nos aguarda – Antes do salto, instruções de voo. Bom salto.

Sou deixada sozinha com o rapaz.

— Tyler. – ele diz – Instrutor. Saltaremos juntos. – o homem sorri e passamos os próximos vinte e cinco minutos aprendendo ações de voo e como agir durante o salto.

O medo me domina a cada nova instrução de Tyler, e acho que ele percebe isso porque a todo momento ele diz que é tudo muito seguro. Meu estômago parece  ter adquirido um dialeto próprio para se comunicar com meu cérebro porque sinto como se meu umbigo fosse repuxado para dentro.

— Não posso ter dor de barriga agora – digo a mim mesma – Sério, não posso. Que situação embaraçosa.

— Disse alguma coisa, senhorita? – Tyler pergunta e eu rapidamente disfarço.

— Estou muito ansiosa – minto – É isso. Muito ansiosa.

Meu estômago solta um ronco tão alto que tenho certeza que Tyler ouviu, mas ele é gentil demais para rir.

Eu te odeio, Alex Riversong.

O avião está pronto – uma mulher vem nos avisar. Nós a seguimos até o pátio onde um avião de porte pequeno se prepara para decolar.  Não  serei a unica a saltar hoje. Outras seis pessoas também se preparam para o que eu acredito ser o pior momento da vida de alguém. Eu te odeio, Alex Riversong. Ah, como eu te detesto.

Somos autorizados a subir a bordo e eu logo encontro um lugar onde me encolho. O avião decola e a medida que ganha altura, vai ficando cada vez mais frio. Fecho o gorro de minha roupa de salto até o pescoço. Os óculos de proteção machucam minhas orelhas e embaçam minha visão.

Só aqui, só agora com o avião quase na altura do salto é que consigo ter a dimensão do que estou prestes a fazer. Você pode pensar que saltar de para quedas não é o fim do mundo, e que estou fazendo disso um filme de drama ruim. Mas você precisa entender que eu não gosto de altura. Não porque eu tenha caído de uma árvore quando eu era pequena. Mas porque Hanna, minha melhor amiga do colégio que era louco o bastante para gostar de altura, decidiu que seria a altura a responsável pelo fim de sua vida quando furou o próprio para quedas e voou para a morte. É por isso que eu odeio altura. E odeio quem faz dela uma diversão. E me odeio mais ainda por ter aceitado fazer parte disso.

— Chegamos – Tyler diz a mim, ele arruma meu para quedas e me faz as ultimas orientações – Quando eu der o sinal.

A beirada do avião é estreita e lisa. O sol que agora parece estar apenas ha alguns metros de mim, queima minha pele e ofusca meus olhos. As pessoas ao meu lado ficam deslumbradas com o que veem, mas eu apenas quero descer desse avião maldito. Mas não tenho escolha. Abaixo de mim, ha apenas um extenso tapete verde e acima dele, densas nuvens brancas que flutuam no ar.

— No três! – Tyler grita.

Preciso manter os braços abertos, mas é difícil porque nos minutos finais antes do salto, é como se eu revesse o corpo de Hanna se retorcido no chão e em consequências o meu também.

— Um! – fecho os olhos. – Dois! – engulo em seco – Tres! – me jogo do avião. O vento frio e o sol quente contrastam meus sentidos e eu quando finalmente consigo abrir os olhos eu simplesmente não acredito no que vejo.

O céu acima das nuvens é extremamente azui e o contorno do horizonte da terra fica totalmente visível daqui de cima. Incrivelmente magnifico. Olhando para as nuvens é como se eu fosse infinita. Alguma onda de paz me atinge no silencio interminável do espaço.  É lindo.

Nesse momento penso em minha amiga Hanna que amava o céu. Ela dizia que era livre quando estava voando. Talvez Alex Riversong também quisesse se sentir livre. Eu me sinto livre. Uma liberdade cheia de medo e pudor, mas uma liberdade gostosa de sentir.

— Ao infinito e além – digo apenas para que eu ouça, depois disso, fico paralisada, sentindo os efeitos da gravidade incidindo sobre mim.


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Notas finais do capítulo

Obrigadíssima por ler e comentar!
Que tal dizer o que achou? É tão rapidinho...
:)