Pure escrita por sandsphinx


Capítulo 1
Capítulo Único




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Morzan sabia que a queria desde o momento em que a vira pela primeira vez. Ela era jovem — jovem demais, talvez — deveria ter uns dezoito, dezenove anos. Ela era bonita, também. Ele não sabia dizer o que fora, exatamente, que chamara sua atenção. Talvez aqueles grandes olhos castanhos que olhavam, tão maravilhados, o mundo a sua volta. Aqueles olhos que se voltavam para ele de novo e de novo, como se não conseguissem se controlar. Talvez o quão inocente ela parecia, até mesmo por baixo daquela superfície levemente arrogante. Talvez os cachos que caíam por suas costas, refletindo a luz das velas. Morzan se perguntou quanto tempo ela duraria com ele, quanto tempo até que ele a destruísse. Não muito, concluiu.

Morzan sabia que a queria quando conversaram pela primeira vez. Ele se aproximara cautelosamente, se mostrando um pouco mais gentil do que era seu costume, mas sempre com um ar calculado de desinteresse. Ela era corajosa, sincera, mas hesitante. Obviamente pensava cada palavra antes de abrir a boca para dizê-la, mas ainda assim deixava transparecer desejos quase desesperados. E havia aqueles raros momentos em que ela se esquecia do cuidado que devia ter perto dele, e algo espontâneo escapava. Ela era inocente, mas orgulhosa. Ele permitiu que sua mente roçasse a dela, apenas por um momento. Ambição e fascínio. Ela via nele uma oportunidade, mas não conseguia ignorar seu próprio interesse, tão escancarado. Morzan lutou contra o impulso de afundar naqueles pensamentos. Não era o que ele queria. Não ainda.

Morzan sabia que a queria quando se viram no dia seguinte. Ela estava se provando útil, mais útil do que ele ousara esperar, e o levando cada vez mais perto do objetivo que o trouxera ao vale, ao vilarejo, a ela. Ela era inteligente, curiosa, e absorvia com fervor cada pequeno pedaço de informação que ele lhe dava sobre o mundo. O mundo que ele sabia que ela queria mais do que tudo, que ele sabia que ela imaginava estar fora de seu alcance. O mundo dele. Ele lhe contou sobre dragões e magia, sobre reis e cavaleiros. Ela ouviu, incapaz de esconder quanto queria tudo aquilo, seus olhos castanhos grandes e brilhantes.

Morzan sabia que a queria quando a ajudou a subir nas costas de seu dragão. Ele se sentou atrás dela, passando um braço por volta de sua cintura, a puxando para perto de si. Ela se permitiu encostar nele, mesmo que um pouco relutante. Se ela relaxasse um pouco mais apenas, ele conseguiria apoiar seu queixo sobre sua cabeça. Ele percebeu que queria aquilo também. Queria que ela se apoiasse contra ele, que ela se deixasse afundar em seu abraço.

Morzan sabia que a queria quando a beijou pela primeira vez. Ele deixou sua guarda cair por um momento, e seu beijo deixou transparecer sua fome, sua sede, seu desejo. Ela retribuiu, suavemente de início, e então tão ardente quanto ele... ou não tanto assim. Quando ele a puxou para perto, pressionado seus corpos, as mãos dele descendo pelas costas dela, quando seus dedos encontraram os laços que seguravam o vestido no lugar, ela o empurrou para longe. Ele perguntou se não era aquilo que ela queria. Seria possível que ele estivesse lendo errado todos os sinais? Mas era o que ela queria, sim. Só “não aqui”, ela afirmou. “Não assim.”

Morzan sabia que a queria quando a teve pela primeira vez. Eles estavam escondidos no quarto de que ele se apropriara durante sua estada em Carvahall, e ela finalmente reunira coragem pra lhe pedir um favor. Para usar a oportunidade que ele representava para ela. Mas Morzan não fazia favores. Ela abaixara os olhos quanto ele negara seu pedido, falhando em esconder sua decepção. E aquela centelha de esperança que iluminou seu rosto quando ele propôs a troca. Talvez ela nem mesmo soubesse com o que exatamente estava concordando, mas ele não se importava. E o que eles fizeram em seguida foi melhor do que ele esperava.

Morzan sabia que a queria quando a levou consigo. Ele a levou para longe do único lugar que ela chamara de lar, e não sentiu culpa. Ela também não estava triste em partir — ela queria conhecer o mundo, queria viver uma aventura, queria ser importante. Tudo isso ele sabia após conviver com ela poucos dias, e estava quase a ponto de saber mais. De saber tudo. Uma ideia brotava no fundo da sua mente, o esboço de um plano. Talvez ela pudesse ser ainda mais, talvez ele pudesse fazer dela outros usos.

Morzan sabia que a queria quando ela jurou lealdade a ele. Ela o fizera por vontade própria, sem que ele precisasse insistir muito. Ele já não estava mais a testando àquela hora, sabia que não a destruiria. Ela era mais, mais do que ele jamais esperara. Forte e vulnerável; ambiciosa, sim, mas nunca almejara ser mais que ele, ou mesmo sua igual. Isso era bom; esse não era um objetivo que ela seria capaz de alcançar. Ela era inocente, pura, mas quando vira a escuridão dentro dele, se apaixonara. Ela confessara seu amor em sussurros, enquanto ele brincava com uma mecha daqueles longos cabelos castanhos. E quando ele finalmente cedeu ao impulso de se perder em sua mente e conhecer cada um dos detalhes de quem ela era, ele viu que ela não mentira.

Morzan sabia que a queria quando viu quão rapidamente ela aprendia tudo que ele a ensinava. Ele a treinou para ser a melhor, a mais eficiente, a mais perigosa, e ela era. Ela executava suas ordens com perfeição. No começo, é claro, ela achou tudo difícil. Muito difícil. Não foi apenas uma noite que ela passou enrolada embaixo dos cobertores, chorando enquanto ele corria os dedos por seus cabelos. Ele não se importava em se sentar com ela, segurá-la no colo, consolá-la. Ele sabia que não a destruiria. Talvez fosse difícil, mas, no final, ela sairia mais forte.

Morzan sabia que a queria quando a levou para corte. Ela logo dominou os jogos e intrigas que permeavam as relações entre os mais poderosos nobres do Império. Ele a guiou por cada passo do caminho, tomando um cuidado especial para protegê-la do resto dos Treze, mas só precisou de ajuda no começo. Não demorou muito para que conseguisse olhar nos olhos do rei e responder suas perguntas sem hesitar.

Morzan sabia que a queria quando pediu sua mão em casamento. Ela havia acabado de completar uma missão particularmente difícil, e ele fez o pedido mais como uma recompensa do que qualquer outra coisa. Ele dissera as palavras entre beijos, e ela não acreditara de imediato que ele estava sendo sério. E então ela concordou, como ele sabia que concordaria. Eles se casaram em uma cerimônia discreta; ele não queria chamar atenção ao que estava fazendo.

Morzan sabia que a queria quando ela engravidou. Ele foi pego de surpresa; mesmo depois de ter se casado com ela, filhos não eram algo que ele esperava. Não eram algo que ele queria. Mas quando aconteceu, ele aceitou. Talvez se importasse mais com os sentimentos dela do que sabia. Talvez parte dele já visse a oportunidade naquilo.  Morzan a levou para seu castelo na calada da noite e a gravidez foi mantida em segredo. Nove meses, e ela estaria de volta com ele. Nove meses, e eles poderiam seguir em frente com suas vidas.

Morzan sabia que a queria quando o menino nasceu. Murtagh. Ela olhava para o bebê recém-nascido, maravilhada — sua expressão era tão aberta, tão sincera. Ela amava o menino mais do que jamais amara outra coisa. Morzan sentiu alguma coisa, também, a primeira vez que viu a criança. Talvez, no fundo, ele entendesse a mudança que acontecia dentro dela naquele momento. Mas certos tipos de sentimentos eram perigosos, eram fraquezas. Ele sabia disso, e selou seu coração.

Morzan sabia que a queria quando lhe deu as costas. Aquela fora a primeira vez que ela o desafiara, a primeira vez que ela não completara uma missão por livre e espontânea vontade. Ele nunca esqueceria o choque naqueles olhos castanhos quando ele gritara com ela pela primeira vez, e o medo por trás. Ele sabia que talvez estivesse indo longe demais, mas no momento não se importava. Ele estava furioso, e não hesitou em gritar e ameaçar fazer exatamente aquilo que ela mais temia. Ela havia desobedecido a uma ordem sua, e isso ele não podia aceitar.

Morzan sabia que a queria quando a perdeu. Desta vez, ele não podia negar que fora sua própria culpa. Não podia culpá-la pela raiva que sem dúvida estava sentido. Não podia culpá-la pelo veneno em sua voz quando ela se voltou contra ele e disse que o odiava. Que não sabia como o amara um dia. Que ele não era mais do que um monstro. E Morzan não podia negar, por mais que quisesse, que ouvir aquilo doera. E ele acreditara nela, a princípio. Como não acreditar que o que ele vira naqueles olhos castanhos era ódio? Mas ódio e amor não eram assim tão diferentes. Não eram exclusivos. E ele se convenceu de que, mesmo que no momento ela o odiasse, ela ainda o amava. No fundo.

Morzan sabia que a queria quando ela se foi. Um dia ela estava lá, tão presente, e no próximo ela desaparecera. Ele não sabia dizer se ela fugira, se ela fora levada, se... Ele não sabia. Não sabia onde ela fora, onde ela estava. E ele não podia abandonar o que estava fazendo para sair em sua procura. Era quase como se ela tivesse escolhido o momento para sumir. Ele tinha que caçar o ovo de dragão roubado do rei, então procurou outros jeitos — convenceu o rei a mandar seus próprios homens atrás dela, mas eles nem mesmo sabiam onde começar a procurar. Foi nesse momento que Morzan percebeu que talvez não fosse vê-la novamente. Meses se passaram, e ele soube que ela não voltaria mais.

Morzan sabia que a queria, sabia que a tivera, sabia que a perdera. Ele tinha apenas que fechar os olhos para vê-la como ela havia sido. Inocente, pura, feliz. Ele a desejara desde o primeiro momento, quisera torná-la sua. Olhando para trás, ele podia ver a mancha de sua própria influência se espalhando sobre ela. Olhando para trás, ele sabia por que a queria. Selena. Sua Selena.


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Notas finais do capítulo

Ahhn, é. Essa não é minha primeira fanfic, não é minha primeira fanfic postada no Nyah!, não é nem mesmo minha primeira fanfic do Ciclo a Herança, mas é minha primeira fic nessa conta, e minha primeira oneshot nesse estilo, então não estou 100% confiante nela. Mesmo assim, espero que tenham gostado.
Também vou parar dois segundos pra dizer que estou escrevendo uma longfic (Shiver; para mais informações, falei sobre ela no meu perfil) sobre a história da Selena, dessa vez sobre o ponto de vista dela (como deve ser), e todos os plot points que o Morzan menciona aqui vão estar lá. Claro que como Pure é pelo ponto de vista dele, é um pouco mais dark, e não tem nenhuma menção ao Brom. Porque na cabeça do Morzan a história dele com o Brom e a história dele com a Sel são duas coisas diferentes, eu acho. Anyways isso não importa agora. O que eu queria dizer mesmo é que estou ciente de quão problemático o relacionamento do Morzan e da Selena é, e que não tive intenção de idealizar ele, e que eu acho, na verdade, o ponto de vista dela mais importante (por isso a longfic pra ela e a oneshot pra ele). Okay, vou parar de encher o saco.
Espero de verdade que tenham gostado. Comentários são sempre bem-vindos!

(ATUALIZAÇÃO 05/2017: longfic da Sel, Shiver, pode ser encontrada no meh perfil!!



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