Coisas Quebradas escrita por Adriana Swan


Capítulo 16
Tyrion Lannister




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Não havia neve em Dorne, mesmo que o inverno parecesse ter chegado a quase todo o restante de Westeros.

O Príncipe Doran somente concordara em se encontrar com Tyrion no meio da noite, numa praia cheia de pedras que os protegeria do vento e de olhares curiosos. Os homens do anão se espalhavam discretamente fechando um perímetro de segurança ao redor do local por horas até que finalmente a literia do Príncipe Dornês surgisse por entre o caminho de pedras e areia molhada.

Ao lado de Tyrion, Jorah fazia as vezes de guarda costas e, agora bem vestido, parecia ter reassumido seu posto de cavaleiro. Uma companhia mercenária, alguns homens das montanhas e um cavaleiro exilado não eram o belo cartão de visitas que planejava ter para conquistar Lordes de Westeros para sua causa, mas seria um longo e tortuoso caminho para traçar até chegar a Rochedo Casterly.

Pararam a dez metros de onde os esperava. O príncipe chegou com uma escolta pequena de seis cavaleiros bem armados. Um deles o ajudou a descer sua cadeira da literia, sendo que Tyrion e Jorah foram até eles com passos tranquilos.

— Príncipe Doran Martell – Tyrion começou cortês. – Fico honrado que tenha aceitado encontrar-se comigo discretamente.

— Tyrion Lannister – o príncipe respondeu no mesmo tom educado. - Devo reconhecer que fiquei surpreso e curioso com essa visita inusitado. Havia muitos boatos maldosos.

— As pessoas adoram boatos maldosos – o anão respondeu. Metade dos homens de Martell haviam descido de seus cavalos e estavam parados próximos ao seu senhor. – Que diziam? Que estava morto?

— Que conspirava pelas sombras para matar os outros Lannisters.

— Bem, então não eram tão maldosos assim – ele riu. – Afinal, dizem que todo boato tem um fundo de verdade.

Doran ergueu as sobrancelhas educadamente surpreso.

— Então pretende mesmo derramar o sangue de sua própria família? – questionou, cético. – Dizem que os deuses amaldiçoam assassinos de parentes.

— Então já estou amaldiçoado pelo sangue de meu pai, duvido que uma maldição a mais me mandasse para um inferno muito pior – "mas você entenderia se tivesse a minha família ao invés da sua", ele pensou. Engoliu em seco e resolveu ir direto ao ponto. – Príncipe Doran, temos inimigos em comum.

— Sua irmã?

— A Casa Lannister, senhor.

— Você é um Lannister – Martell respondeu calmamente. – E parece bastante perigoso para mim.

Tyrion respirou fundo. Já esperava por aquela reação.

— Eu sou perigoso – um leve sorriso sarcástico brincou nos lábios dele - ...para meus inimigos. A Casa Martell não é minha inimiga. Serei eternamente grato pelo que o Príncipe Oberyn fez por mim em Porto Real.

— Oberyn morreu em Porto Real – Doran falou, em tom seco, deixando claro que aquele não era um assunto que queria abordar. – E fez por Elia, não por você.

— Ainda assim minha vida esteve em suas mãos e serei eternamente grato por isso. Não esquecerei disso quando tiver alcançado meu lugar.

— Seu lugar?

— Rochedo Casterly.

Dessa vez foi o Príncipe e seus cavaleiros que pareceram divertidos.

— Rochedo Casterly? – um dos homens de Martell falou, não aguentando ficar calado. – E como pretende tomar a fortaleza dos Lannisters sendo procurado por regicídio?

— Com uma companhia mercenária extremamente eficaz e o apoio de alguns bons Lordes de Westeros – o anão respondeu, tranquilamente.

— Sua cabeça vale um senhorio – o cavaleiro continuou. – Conhece alguém que não te entregaria a Rainha Cersei por um senhorio?

— Estou aqui diante de homens que não fariam isso nem por todo ouro dos Lannisters – Tyrion respondeu, voltando a atenção para Doran mais uma vez. – Pretendo apoiar a causa de Stannis.

— E porquê ele o aceitaria, depois de ter queimado toda a frota Baratheon na Batalha da Água Negra? – outro dos cavaleiros de Martell se pronunciou. Essa era realmente uma pergunta muito boa.

— Porque pretendo ajudar-lhe a provar sua pretensão – o anão afirmou, categórico – Tomem é fruto de incesto.

O Príncipe Martell não pareceu nenhum pouco impressionado.

— Palavras são vento, Lord Tyrion – ele suspirou. – Ainda mais palavras tão convenientes a Stannis. De qualquer forma, Stannis está no Norte e deve ter problemas mais urgentes.

— Stannis tenta reinar no Norte, mas aquele povo não pode ser conquistado – "os nortenhos têm seu coração quebrado e ele tenta se aproveitar disso ao curar suas feridas, mas eu posso ir mais longe que isso", pensou o anão. – Minha esposa, Sansa Stark, é a herdeira viva da Casa Stark. O Norte somente se curvará a Casa dos Lobos.

— Deve ser por isso que adotaram um novo lobo – Doran falou, sem se mostrar impressionado com o plano de Tyrion.

— Um novo lobo? – não parecia possível que algum outro senhor tomasse o lugar dos Starks ou que o Norte se curvasse a Casa Bolton.

— Não soube das notícias? O bastardo desertou – informou, mas como Tyrion não mostrou reação nenhuma a isso, o príncipe continuou. – O Lord Comandante da Patrulha da Noite abandonou a Muralha depois de acusado de traição.

Jon Snow?!— Tyrion falou, não conseguindo ocultar a surpresa. Conhecera o rapaz em sua visita a Winterfell e sua viagem juntos até a muralha de gelo. – Desertou?!

O crime de deserção era o pior que poderia ser praticado por um homem juramentado a Patrulha da Noite, e sem dúvida era inimaginável para um Lord Comandante da mesma. Tyrion tentou pensar no rapaz verde que conhecera, ainda tão iludido quanto a sonhos de honra e grandeza que ia descobrindo dia após dia como a Muralha podia por gelo até no coração dos poucos homens que a habitavam. "Jon não abandonou a Patrulha quando seu pai morreu ou quando massacraram seu irmão", pensou.

— Era o que dizia o corvo que recebemos a pouco tempo. É procurado por deserção.

— Sete Infernos. Acabou de por a própria cabeça a prêmio – falou e sua preocupação era genuína. "Você é meu amigo, Lannister", o rapaz lhe falara um dia antes que ele partisse de volta ao sul. "Adoraria ter sido seu amigo, jovem Jon".

— Não creio que ele esteja preocupado com isso, Lord Tyrion – Doran falou, percebendo que a notícia afetara o anão mais do que ele podia imaginar. – Se os boatos são verdade, mais facilmente o povo do Norte lhe daria uma espada na mão que no pescoço. Desceu da Muralha liderando um exército de selvagens e dizem que busca tomar Winterfell da mão dos Bolton.

— Stannis não permitirá uma deserção.

— Se ele é contra, não sei dizer, mas dizem que o Lord Snow tomava partido por Stannis quando era Lord Comandante da Patrulha. Deu abrigo a Stannis depois da Batalha da Água Negra. Há quem diga que estão juntos.

— Stannis não daria Wintefell a um bastardo.

— Stannis deu um título a um contrabandista de cebolas.

O anão ficou sem palavras, o que não era muito de seu feitio. Seria mesmo possível que Jon Snow marchasse para Winterfell? Possivelmente. Com um exército de selvagens? Bem pouco provável. A Patrulha odiava selvagens ainda mais que o povo comum.

— Se veio aqui me oferecer palavras bonitas e me pedir minhas espadas para marchar contra Rochedo Casterly, receio que tenha perdido a viagem – Príncipe Doran continuou, friamente. – Sua causa não me interessa. Foi bom vê-lo, Lord Tyrion. Passar bem.

O príncipe de Dorne fez um gesto para seus cavaleiros o ajudarem a voltar a literia. Tyrion suspirou tomando coragem, a segunda parte que planejara para a conversa seria a parte verdadeiramente delicada de abordar.

— Na verdade, vim prestar meus sentimentos. Lamento muito sua perda, Lord Martell.

O tom fora o mais delicado e sentimental possível, mas não causou nenhum efeito naqueles homens.

— Dispenso seus sentimentos por Oberyn, Anão, - o príncipe continuou, com desprezo contido. – Se pensa que vai vir aqui e...

— Não me referia a Oberyn, senhor, - Tyrion o interrompeu, escolhendo bem as palavras. - - Referia-me a seu filho, Quentyn Martell. Meus sentimentos por sua perda.

Essas sim, foram palavras que aqueles homens não esperavam. Suas faces demonstraram toda confusão e surpresa que sentiram. Ninguém em Westeros sabia sobre a viagem do Príncipe de Dorne e muito menos sobre sua morte.

— Como você... – Doran abriu e fechou a boca, aparentemente sem saber o que dizer.

— O Príncipe Quentyn teve uma morte honrosa – Jorah falou, entrando na conversa pela primeira vez. – Lutou com dragões, e isso é algo que só se pode dizer de verdadeiros heróis, senhor. Deve estar muito orgulhoso, pois seu filho honrou o nome de sua Casa. Infelizmente, aqueles dragões ainda estão muito longe de serem domados.

Os dorneses olharam para o ex-cavaleiro com verdadeiro espanto nos olhos. Aqueles homens não estavam admirados com a morte do rapaz, claramente já sabiam há tempos, mas sim com o nível de conhecimento dos dois. As pessoas em Westeros nem acreditavam na existência dos dragões ainda.

— Como vocês sabem sobre isso? – dessa vez a voz do príncipe foi vacilante e cheia de dor.

— Como sabemos que o Príncipe se prostrou diante de Daenerys Targaryen e ofereceu-lhe uma promessa de casamento junto com as espadas de Dorne? – o anão suspirou. – Por que estávamos em Meeren quando isso aconteceu. Muito tem se falado sobre o que fiz depois de assassinar meu pai. A verdade é que cruzei o mar e fui encontrar a herdeira Targaryen. Este cavaleiro a meu lado foi um dos muitos que serviram a Mãe dos Dragões.

— Estava lá no dia que os dragões nasceram, Príncipe Martell, - Jorah continuou, já que os dorneses pareciam incapazes de expressar o que quer que fosse. – Tinham o tamanho de gatos e já cuspiam fogo. Estava lá quando pela primeira vez foram acorrentados. Estava lá quando começaram a matar crianças, ao invés de ovelhas. Estava lá quando um deles levou Daenerys Targaryen embora de Meeren e ainda não a trouxe de volta. Estava lá no dia que mataram seu filho e voaram sobre a cidade espalhando fogo e sangue.

— Vi os dragões – Tyrion completou, solene. – Eles definitivamente não são como cantavam nas canções.

O Príncipe Doran Martell respirou fundo várias vezes, tentando lidar com as informações despejadas sobre ele. Era bem difícil.

— Quem é você? – perguntou um dos homens dornenses se dirigindo a Jorah.

— Sor Jorah Mormont.

— Sor? É cavaleiro?

— Ex cavaleiro – o mais velho dos homens do príncipe respondeu por eles. – Lembro de suas grandes proezas em torneios. Era muito bom. Vassalo dos Starks, mas sua carreira chegou ao fim depois que Lord Eddard retirou seus títulos e o expulsou de suas terras.

— Por que motivo? – o primeiro homem quis saber.

— Não me recordo, mas conhecendo a Casa dos Lobos, aposto um dragão de ouro como mereceu.

— Devo lembra-lhes que Eddard Stark foi decapitado por traição? – Sor Jorah falou, irritado.

— Assim disseram os Lannisters – Doran rebateu, parecendo finalmente ter se recuperado do choque das palavras de Tyrion. – O que você quer, Duende?

Era a primeira vez que Martell se referia a Tyrion de forma pejorativa, o que o deixou tenso. Era necessário muito ódio contido para fazer aquele homem deixar de lado toda sua gentileza e educação pelas quais era amplamente conhecido.

— Sei o que esperava. Não tomou partido na Guerra dos Cinco Reis e não pretende tomar nessa porque esperava por sua Rainha Targaryen. Ela não voltará, - falou e realmente desejava que não voltasse. – Conheci Daenerys e ela não é a Rainha que sonhamos. Ela queimaria Westeros com fogo e sangue...

— Como fizeram com a Casa Targaryen – o príncipe interrompeu.

— ...e inocentes morreriam.

— São os Lannister que matam os inocentes.

— Já ouviu histórias dos lobos Starks? – Tyrion perguntou e Doran franziu o cenho, sem entender a ligação.

— Os lobos?

— Os lobos gigantes – continuou, impaciente. – O Rei no Norte andava com um lobo gigante a seu lado, chamado Vento Cinzento. O Lord Comandante da Patrulha da Noite, bastardo da Casa Stark, também tem um, chama-se Fantasma. Ouviu as histórias? São tão reais quanto os mitos antigos.

— Se ouvimos as histórias de como Robb Stark o alimentava com carne humana dos homens que derrotava ou de como ele podia comandar a vontade do animal? – o cavaleiro mais velho riu. – E os Freys dizem que o próprio Jovem Lobo era um demônio que se transformou em lobo dentro das Gêmeas e tiveram que mata-lo por isso. É nessas histórias que quer que acreditemos?

— Eu não sei o que eram ou não capazes de fazer, ou o quanto há de verdade nessas histórias – o anão continuou, ignorando as caras céticas dos homens. – Mas vi aqueles lobos em Wintefell antes da guerra. Tive pouco contato com o lobo de Robb Stark, mas o do Lord Comandante Jon Snow... existia algo naquele animal. Eu não sei o que é, mas não é desse mundo. Dizem que a Casa Stark tem sangue dos primeiros homens, sangue até dos deuses antigos. Se acreditarem em deuses podem acreditar que aqueles monstros foram presentes dos deuses para a Casa dos Lobos.

— Aonde quer chegar?

— Sempre acreditei que os dragões fossem criaturas fantásticas, criaturas divinas, como aqueles lobos. Estava errado. Os dragões são bestas assassinas e não podem ser domados. Não esperem pela Casa Targaryen, pois nada de bom pode vir com aqueles dragões.

Um silêncio se abateu sobre os homens, grande o suficiente para ouvirem o barulho das ondas quebrando a algumas dezenas de metros dali.

— Era isso que tinha a me dizer? – o tom de voz de Doran dessa vez foi seco e já desprovido de qualquer emoção.

— Sim, Príncipe Doran, fico feliz que tenha aceitado me encontrar aqui. Agora tenho que seguir meu caminho, e espero que o senhor escolha algum também – "De preferência um que não seja contra o meu", pensou. – Não temos mais tempo para planos, o inverno está chegando.

— Adotou até a frase dos Starks? – o príncipe forçou um sorriso enquanto seus cavaleiros o ajudavam a coloca-lo na literia.

— Sou casado com uma Stark, - Tyrion deixou um sorriso cínico brincar em seu rosto enquanto fechavam a porta da confortável carruagem. – Ah, e se alguém descobrir sobre nosso encontro, não precisa guardar segredos de meus planos. Pode contar a Westeros como o procurei tentando reunir tropas para marchar contra Porto Real para decapitar minha irmã? Ficaria realmente agradecido se pudesse espalhar esse boato. Seria de grande ajuda.

— Imagino que seja tudo o que a Rainha Cersei quer ouvir –a voz veio abafada pela janela. – Não espera apanhá-la de surpresa?

— Não espero apanhá-la – ele riu, já se virando para voltar a seu navio. – Só espero que ela convoque os exércitos de Rochedo Casterly para ir protege-la em Porto Real. É muito mais fácil tomar um castelo quando está quase vazio.


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