A Sombra do Pistoleiro escrita por Danilo Alex


Capítulo 16
Kirk Ortiz


Notas iniciais do capítulo

Olá, meus queridos!

Na última vez que encontramos Enrico, ele tinha acabado de enfrentar no deserto noturno uma gangue de bandidos para salvar os ocupantes de uma diligência avariada. Seguiu com eles para Denver. Vejamos agora como ele se sai ao confrontar o primeiro dos quatro assassinos de quem pretende se vingar.

Espero que gostem!

Boa leitura!!!



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Ao sair do deserto, a diligência cruzou o emaranhado de canyons que separava Sangre de Cristo do espaço urbano e finalmente chegou a Denver, a famosa cidade no estado do Colorado. Denver era conhecida devido ao ouro encontrado em suas imediações, e essa descoberta proporcionava vantagens e desvantagens.

Uma vantagem era o fato de Denver ter crescido muito por ser ponto de referência para garimpeiros e comerciantes de ouro. A desvantagem era que, juntamente com os garimpeiros, atraídos pelo sonho áureo de riqueza fácil, vinham todos os tipos indesejáveis: aventureiros, caçadores de recompensa, pistoleiros de renome, jogadores profissionais; enfim, toda sorte de forasteiros e renegados da Lei.

E o índice de crimes aumentara drasticamente nos últimos meses.

A diligência parou diante do “Only Hope Hotel” e os passageiros desceram. Era um estabelecimento mais barato e mais simples que o famoso “The Eldorado Saloon and Hotel”. Contudo, embora fosse mais simples, o Only Hope se mostrava um lugar mais calmo, melhor freqüentado e indubitavelmente menos barulhento. E o que os passageiros daquela diligência mais precisavam naquele momento era de um pouco de sossego.

Enquanto os funcionários do hotel se aproximavam a fim de ajudar os novos hóspedes com as bagagens, os lindos olhos da bela Catherine Summers procuravam ansiosamente por seu salvador, mas não o encontraram. Tão silenciosamente como havia chegado, Enrico De La Cruz se afastou sem ser notado. Nem mesmo Bryan o vira quando Enrico pegou de volta seu Winchester.

Olhando atentamente ao redor, observando a rua quase deserta, o máximo que Catherine pode ver, auxiliada pela tênue iluminação pública, foi um vulto empurrar a tradicional dupla portinhola vaivém e entrar no The Eldorado Hotel and Saloon, situado na próxima esquina, cerca de cinqüenta metros de onde estava parado o veiculo. Ninguém disse nada à jovem, mas seu coração soube que aquele homem entrando determinadamente no saloon era Enrico De La Cruz. E ela se decepcionou mais uma vez por não ter conseguido ver o rosto heroico daquele que salvara sua vida.

Enrico adentrou o estabelecimento nada respeitável e lançou um olhar perscrutador ao redor, muito sério. Em seu coração havia um só sentimento: ódio. E em sua mente, um único nome: Kirk Ortiz.

O movimento era grande, a casa estava cheia. O The Eldorado era uma mistura infernal de hotel, bar, restaurante, cassino e bordel. O reino da perdição em pleno Colorado.

Alguns dos piores tipos do Oeste frequentavam aquele lugar. O relógio marcava nove horas da noite.

Enrico De La Cruz se dirigiu ao balcão e estacou diante do barman, que enxugava os copos de uma pilha.

— Quero um uísque duplo. – pediu.

— Para você vai custar um dólar e meio.

— Que absurdo! Por que?

— Forasteiros pagam mais caro. É a regra da casa, não crie problemas.

— E quem é daqui, quanto paga?

— Setenta e cinco cents. Vai querer?

Enrico reprimiu um palavrão. Novamente o maldito preconceito em seu caminho. Aquilo lhe dava nos nervos. Olhou nos olhos do barman e, mudando momentaneamente de assunto, perguntou:

— Quem aqui é Kirk Ortiz?

— Ele não gosta de ser incomodado. Por que quer falar com ele?

— Porque vou matá-lo.

O barman estava perplexo, mas acabou apontando discretamente para um homem sentado a uma mesa do canto esquerdo. Enrico agradeceu, deixou uma moeda sobre o balcão polido e avisou:

— Minha conversa com ele será breve. Daqui a pouco voltaremos a falar sobre meu uísque.

Assim que Enrico girou nos calcanhares e se afastou na direção indicada, o barman abanou negativamente a cabeça num gesto claro de reprovação, voltando ao serviço.

Lastimou antecipadamente a perda de mais uma vida tão jovem. Muitos homens já haviam chegado ali daquele modo, perguntando por Kirk Ortiz. Todos tinham contas a ajustar com ele. E todos descansavam em paz no cemitério de Denver. O que aquele barman não sabia é que daquela vez podia ser diferente.

O rapaz mexicano caminhava de modo lento, mas firme. Dava a impressão de ter calculado mentalmente a distância a qual o separava do homem a quem procurava.

Abria espaço por entre a confusão de mesas, cadeiras e pessoas. O som de risadas e de clientes conversando animadamente se misturava às notas alegres do piano, e tudo isso enchia os ouvidos de Enrico enquanto ele avançava com certa dificuldade pelo saloon apinhado de gente.

O movimento estava em pleno auge. O jovem mexicano nem sequer havia sido notado ainda, mas parecia alheio ao que acontecia ao seu redor. Seus olhos negros e vivos estavam cravados na figura de Kirk Ortiz.

O pistoleiro estava sentado a uma mesa localizada num dos cantos do saloon, tendo uma garrafa de vinho à sua frente, um charuto no canto da boca e uma garota do The Eldorado sobre seus joelhos. Sério, Enrico estacou diante da mesa e permaneceu de pé, imóvel, até que o bandido finalmente desviasse os olhos da jovem corista para fitá-lo com curiosidade:

— Perdeu alguma coisa por aqui, garoto? – grunhiu enquanto mastigava seu malcheiroso charuto.

— Você por acaso é Kirk Ortiz?

— Ele mesmo, em carne e osso. Por que?

— Ouvi dizer por aí que você é infalível com uma arma na mão.

Ortiz deu uma risadinha, olhou bem nos olhos de Enrico e, depois de rolar o charuto de um canto para o outro da boca, respondeu:

— Bem, realmente é o que dizem. E como se ouve por ai, amigo: a voz do povo é a voz de Deus.

— Talvez seja. Ainda assim, sei de uma vez que você falhou em missão.

— O que está insinuando, rapazinho?

— Profissionais como você tem uma boa memória, então suponho que você se lembre de um “serviço” de mais ou menos sete anos atrás, numa fazenda em Monterrey, no México. Sua tarefa era, juntamente com três outros abutres, eliminar uma mulher indefesa e seu filho, que não passava de uma criança na época.

— Já mandei muita gente para o outro mundo, sabe, filho? Difícil guardar todos na memória. Mas, diabos! Sim, eu me lembro do caso que você está falando. Dei dois tiros no menino em fuga, e ele caiu num milharal. A mãe morreu antes, com um balaço no coração. Meus amigos sempre foram muito bons de mira. – e Kirk Ortiz riu como se tivesse contado uma piada hilária.

Enrico ouvia em silêncio, impassível como uma estátua de pedra. Em seus olhos semicerrados surgiu um brilho medonho. Essa foi a única mudança, quase imperceptível. Nenhum músculo de seu rosto se moveu. Parecia um homem feito de gelo.

A essa altura, os fregueses já tinham percebido que algo acontecia naquele canto. Todo ruído cessou, a música morreu e o silêncio somente era rompido pelas gargalhadas de Kirk Ortiz.

Os presentes esperavam algo emocionante.

Havia grande expectativa no ar.

Queriam ver duelo.

Queriam ver um matar o outro.

Curiosamente, esse tipo de espetáculo sangrento ao invés de deprimir, chamava a atenção das pessoas. Assim giravam as engrenagens do destino humano: a iminência da morte de algumas pessoas parecia determinar o ápice da vida de outras, aquelas que assistiam. Sombriamente inexplicável.

De repente, Kirk Ortiz parou de rir e olhou para Enrico:

— Mas como você sabe de todas essas coisas? Que diabos isso importa a você?

— Importa muito. Eu sou o garoto em quem você atirou naquela tarde maldita. Você destruiu minha infância.

Ao ouvir essas palavras, qualquer outro pistoleiro se colocaria de pé com um salto, já levando a mão à arma. Mas Kirk Ortiz era diferente. Cuspiu longe o charuto, tirou a pequena de cima dos joelhos e se pôs de pé sem pressa nenhuma. Espreguiçou-se metodicamente como um gato.  Lançando a Enrico um olhar transbordante de petulância, disse-lhe:

— Entendo; você é mais um que me procura buscando vingança. É uma pena que tenha vindo de tão longe para morrer aqui em Denver. Me lembro muito bem daquele serviço, garoto. Ele me rendeu uma boa quantia.

— Você também atirou em minha mãe?

— Aquela vagabunda? Não, não fui eu. Já que vai estar morto daqui a pouco, vou te contar: quem a matou foi meu colega Paul Blake. Mas todos lamentamos muito por não termos desfrutado de bons momentos com aquela mexicana; tinha belos melões e ancas muito largas. Não sei se lembra bem dela, mas sua mamãezinha era um bela de uma potranca, sabe? Diversão à beça garantida. Infelizmente recebemos ordem expressa para não tocar nela nem viva, nem morta. Realmente uma pena. Agora chega, já falei demais. Sabe rezar?

— Como todo mundo.

— Então é bom começar, porque vou matá-lo.

— Se quiser, pode tentar. Mas quero avisá-lo que desta vez não será tão fácil. Desta vez eu não fugirei, então não terá como me acertar pelas costas. Hoje estou armado. Logo, não será uma execução e sim um duelo. Além disso, não sou mais um garotinho assustado.

O silêncio era sepulcral. Todos os olhares estavam cravados nos dois adversários. O destino dera as cartas. Estava lançada a sorte. Kirk Ortiz aparentava calma embora seus olhos brilhassem mortalmente. Apanhou a garrafa de vinho e tomou um demorado gole pelo gargalo, sempre espreitando Enrico pelo canto dos olhos.

O jovem mexicano estava ainda de pé diante do inimigo, imperturbável, quase indiferente. Já não tremia mais tanto em momentos como aquele. Para ele, se tornara pura rotina lidar com a proximidade da morte. Sua atenção estava fixa em Ortiz.

Súbita e traiçoeiramente o bandido lançou a garrafa com força ao chão, e ela se despedaçou ao se chocar violentamente contra o assoalho de madeira velha e roída por cupins. Ouviu-se o estridente tilintar de vidro partindo e o conteúdo líquido e rubro escorreu pelo chão.

Ato contínuo a esse, Kirk Ortiz urrou de ódio e iniciou o movimento de saque, veloz como o próprio vento.

Mas ele apenas iniciou o saque.

Enrico estava atento e não se distraiu com o velho truque da garrafa. Decidira humilhar Kirk Ortiz no momento de sua morte, a fim de puni-lo pelo sofrimento que o mesmo causara a ele e sua mãe. Então, determinou que Kirk Ortiz morreria sem sacar a arma.

Quando todos os presentes julgavam ser aquele o fim da linha para Enrico, o rapaz se moveu. Com uma velocidade quase sobrenatural, empunhou e disparou o par de Colts, que parecia ter surgido como que por encanto entre seus dedos treinados e relaxados.

Foi a sucessão de disparos mais rápida já vista em Denver. O jovem De La Cruz desfechou oito tiros com tal rapidez que os presentes julgaram ter sido apenas cinco ou seis.

Mais tarde todos se surpreenderiam ao ver oito buracos no cadáver de Ortiz.

Mais que ninguém, o bandoleiro estava surpreso, de olhos arregalados enquanto o furacão de chumbo se precipitava em sua direção.

A chuva de balas alcançou-o na altura do peito, lançando-o violentamente para trás com um grito horrendo de morte. Tão logo a fumaça se dissipou, todos puderam vê-lo pregado na parede por causa dos tiros, os olhos insanamente esbugalhados, os dedos apenas tocando a coronha do revólver que nem chegara a sair do coldre.

Em meio a um murmúrio geral de assombro e perplexidade, Kirk Ortiz escorregou da parede para o chão, seu corpo produzindo um baque seco ao cair. Seu sangue quente, o qual tingira na parede uma esteira vermelha e sinistra conforme ele deslizava para o chão, misturou-se ao vinho derramado pouco tempo antes, formando uma poça escura e arrepiante. Ortiz ficou então totalmente imóvel e o sopro da vida o deixou.

Enrico De La Cruz recarregou suas armas sem pressa, guardou-as e olhou ao redor. Seu rosto jovem era uma espécie de máscara indecifrável; não se podia saber o que ele pensava ou sentia. Sempre acompanhado pelos olhares pasmos de todos, o garoto moreno que fez um ás do gatilho parecer um amador caminhou tranquilo até o balcão, olhou para o barman e perguntou com ironia;

— E o meu uísque duplo, amigo? Vai sair ou não?

— Imediatamente, senhor. – gaguejou o homem já preparando a bebida apressadamente, as mãos tremendo visivelmente.

Reprimindo o risco a custo, Enrico se dirigiu a ele novamente:

— Fico agradecido. Bem, há alguns minutos o senhor tinha mencionado algo sobre esse uísque duplo me custar cerca de um dólar e meio...

— De modo algum, senhor. Esqueça o que eu disse. Por favor, aceite essa bebida por conta da casa.

— Obrigado.

Com um sorriso vitorioso nos lábios, Enrico tomou sua dose em um único gole, depôs o copo e agradeceu. Fez menção de se afastar, pareceu se lembrar de algo e subitamente ficou sério, voltando-se. Ante o olhar amedrontado do barman, enfiou a mão no bolso, de onde tirou uma moeda. Colocou-a sobre o balcão, ao lado do copo que usara e disse:

— Isso é pela bagunça que causei no seu estabelecimento.

A seguir, sem mais palavras, girou o corpanzil para começar a se mover rumo à saída.

O silêncio reinava. Ninguém se atreveu a dizer nada.

Diante da porta, Enrico se deparou com um homem alto de pé à sua frente, fitando-o. Era alguém que o olhava com a firmeza peculiar de seu trabalho. Uma estrela de latão dourado brilhava em seu peito.

Hall Connors, o xerife de Denver, assistira da porta tudo o que se passara entre Kirk Ortiz e aquele jovem forasteiro. Vira sua destreza incomum com os Colts. Profundamente impressionado, se achava agora de pé, diante daquele rapaz intrigante. Por instinto, indagou:

— Os mortos andam, forasteiro?

— Por que a pergunta, xerife?

— Porque todo homem que duelou com Kirk Ortiz está morto.

— Com certeza dirão o mesmo a meu respeito quando ele chegar ao Inferno, senhor.

Hall Connors sorriu com os olhos, mas não com a boca. Intimamente, sabia que aquele menino maluco havia prestado um grande favor à cidade, eliminando aquele tipo peçonhento que em vida se chamara Kirk Ortiz.

— Quem é você, garoto?

— Enrico Aguilar De La Cruz. – respondeu Enrico antes de acrescentar, bem humorado – Se não vai me prender, gostaria de passar agora, senhor xerife. A menos, é claro, que o senhor queira me pagar uma bebida.

Hall Connors não disse nada. Seu silêncio era respeitoso. Esticando a perna, deu um longo passo para a direita e desbloqueou o caminho. Entretanto, permaneceu com os olhos sérios fitos em seu jovem interlocutor.

Passando por ele, Enrico levou dois dedos à aba de seu chapéu, num esboço cordial de cumprimento. A seguir, caminhou até a porta e deixou o saloon sem ser incomodado por ninguém.


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Notas finais do capítulo

E aí? Que acharam?

O que vocês esperam daqui pra frente?

Esses gostinho inicial da vingança foi satisfatório?

Deixa seu review por favor para eu saber o que gostaram e o que não.

Vejo vocês no próximo capítulo, que posto semana que vem, cowboys e cowgirls!!!



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