Registro Panorâmico escrita por Titi


Capítulo 9
Rancor


Notas iniciais do capítulo

Guardar rancor é se tornar escravo da pessoa que te fez mal.



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O pessoal da sala estava pegando suas mochilas e saindo da sala outra vez.

—O que tá acontecendo? Já podemos ir? –perguntei pra Ágata. Nós começamos a andar juntas depois do intervalo.

—Fiquei sabendo que os dois últimos tempos seriam de Educação Física. Mas eu não sei pra onde eles estão indo. –ela pegou sua mochila. –Melhor irmos atrás.

Nós chegamos num campo de futebol. O professor estava esperando com uma bola na mão.

—Todos já chegaram? Espero que sim. Podem ir mudar de roupa. Depois escolham o que irão jogar. –ele disse.

—Ágata... Porque ele tá aqui? –falei apontando pro Folk, que estava conversando com algumas garotas.

—Quem? Ah! Aquele dali com cabelo no gel? Ele é da nossa sala, só que devia estar matando aula... De novo. Vamos logo pro vestiário. –ela foi até uma porta do lado da arquibancada e a abriu.

—Olha quem tá aqui! –a Ariadne já estava lá dentro. –Vou acabar com a sua raça hoje.

—Você não aguenta nem quebrar uma unha, Galvão. Não fica tentando botar medo nela com uma coisa que você não consegue fazer. –a Raitz retrucou no meu lugar.

—Acha que eu não? Vamos ver! –a loira saiu tentando não parecer fraca.

—Não liga pra ela. É só uma desocupada. –eu não sabia desse negócio de mudar a roupa, aí continuei com a que eu estava.

—Tudo bem. Eu não me importo... –deu para notar que aquela garota de cabelo roxo estava me encarando de longe outra vez. E, infelizmente, a Ágata também notou.

—Algum problema?! –ela falou bem alto, e a garota virou o rosto, fingindo não ter escutado. –Vamos. –a Ágata terminou de se arrumar.

Lá fora encontramos o Salamander, que estava correndo na nossa direção.

—Oi... –eu cumprimentei primeiro.

—Quésia... Oi... Preciso muito falar com você. –depois ele olhou pra Ágata.

—Que foi? –ela perguntou, como se não estivesse fazendo nada errado.

—Hebrom! –o irmão dele estava chamando do outro lado do campo.

—E-Eu já volto. –ele saiu correndo.

—Nossa, que lerdo! –a Galvão estava do meu lado, também ouvindo toda a conversa também.

—Dá pra fazer o favor de voltar pra tua fazendinha, vaca? –Raitz revirava os olhos.

—Eu já estava de saída. –como eu esperava um barraco, ela ter ido embora logo foi um ato admirável.

—Vem, Quésia. Vamos sair daqui.

Quando eu tentei dar um passo pra frente, acabei caindo de boca no gramado. Meus cadarços estavam soltos, já que nunca aprendi a amarrá-los.

—Cretina! –a Ágata pulou em cima da Ariadne.

—Me solta, garota! –uma começou a puxar o cabelo da outra.

Eu me levantei e o professor apareceu tentando separar a briga. Mas ele acabou levando um tapa. Depois de tentar muito, ele conseguiu separar as duas.

—Já chega! As meninas não vão mais jogar! –o professor anunciou.

—Viu o que você fez?! –Raitz já ia pra cima dela de novo.

—Se vocês brigarem outra vez, eu juro que não jogam nessa escola pelo resto da vida! –ele apontou para as duas. Ficou impaciente.

—Ah! Que saco! –a Ágata foi pra arquibancada, e eu fui junto. Não falei nada. Preferi deixar o assunto morrer.

Bora logo, cambada! –o professor chamou os garotos pro meio do campo.

O jogo começou e não aconteceu nada. Só quem ficava com a bola era um cara do time do Hebrom. Negro, com tranças enraizadas. Ele jogava muito bem, mas o goleiro do outro time, coincidentemente, era o Folk. E ele não deixava passar nada.

Estava um tédio ficar sentada ali só olhando. Mas a maioria das garotas parecia ter aprovado a ideia de não ter nada pra fazer além de mexer no celular e tirar fotos umas das outras e dos garotos.

—Esses frangos não conseguem fazer nada que preste! Se eu estivesse ali, já teria pelo menos feito um gol. –a Raitz estava quase explodindo de raiva.

—Pois é... O jogo tá meio dormido. –comecei a mexer na mochila, na esperança de encontrar alguma coisa interessante pra ler ou algo parecido.

Até eu encontrar aquele anuário que o gamer entregou pra mim, e encontrei os nomes e cargos que ele havia mencionado.

—Que isso aí? –a Ágata logo quis saber. –É seu diário? Posso ler?

—Não! Não é diário!

—Então que negócio é esse?

—O anuário escolar passado.

—Achei que você não estudasse aqui.

—Não é exatamente meu, foi um moleque quem me deu isso.

—Nossa! Quésia Cortês arrasando corações, hein?

—Pois é, Ágata. Nada mais romântico do que dar um anuário escolar velho e rabiscado pra pessoa que você gosta.

Consegui fazer a Raitz ficar quieta. Eu descobri um monte de coisa. Tipo, aquele menino que joga bem, o nome dele é Bruno Moura. E até o ano passado o cabelo do Hebrom era... Não sei... Estranho. Ele devia usar muito spray pra fazer aquele topete, mudou muito. Acho que nem usava aparelho. Particularmente eu prefiro cento e oitenta e nove vezes ele agora... Aprendi o nome de algumas pessoas que já vi por aí, com sorte eu me torno colega de alguma delas se eu me lembrar.

Eu terminei de olhar aquele livro enorme, e quando tentei colocar do meu lado, acabei deixando ele cair no espaço que havia na arquibancada.

—Nani?! –tinha derrubado livro em alguém. Fui verificar quem estava ali atrás.

—Wendel? –ele jogava vídeo game.

—Qué-chan?

—Tá fazendo o que aí?

—Fugindo da aula de Educação Física. Não tá óbvio?

—Faz sentido. –a Ágata ouviu nossa conversa e quis entrar nela.

—O que está querendo insinuar com isso, Van Raitz?

—Cara... Cê é raquítico. Ia ser mutilado rapidinho.

—Tenho quase certeza de que ela tem razão... –olhei pros bíceps quase inexistentes dele.

—Pra mim tanto faz. Agora calem as bocas, eu estou tentando zerar um jogo aqui.

Aff, criatura, vai arranjar uma namorada, ou fazer algo produtivo! –Ágata fez cara de desprezo.

—E por que você não vai dar em cima do Zac como costuma fazer?... Não, espera! Péssima ideia! Já que ele tem coisa melhor. –ele sequer olhava o rosto dela.

Raitz estava rangendo os dentes e cerrando os punhos, parecia que mais alguém seria quebrado hoje.

—Zac? Zac... O Zacur? Irmão do Hebrom? Ágata, você tá interessada nele? –eu tentei adivinhar.

—Sim, ela tá sim. Mas não se conforma dele ter namorada, e continua tentando conseguir algo, mesmo sabendo que o cara não dá a mínima pra ela. –o Yamada não desistiu da ideia de provocá-la.

Ela olhou pra baixo e seus punhos aos poucos se abriram, logo foi se afastando.

—Espera aí, Ágata. –tentei segurar sua mão, mas ela não deixou.

—Até amanhã. –a garota pegou a mochila e foi pro outro lado da arquibancada.

—Você não devia ter dito isso! Ela pode ser implicante, mas tem sentimentos também! –me queixei.

—Ela gosta de irritar os outros e não aguenta ser irritada. O azar é todo dela. Eu só fui sincero.

—Mesmo assim, não acho que deveria ter sido tão...

—Você não sabe de nada. Achei que fosse menos chorona. Dandere estúpida.

—É a sua mãe! –gritei pro Wendel, que saiu dali e continuou jogando. Eu não fazia ideia do que ele tinha me xingado. Deve ser coisa de japa.

Então eu fiquei ali, sozinha. Esperando a aula acabar. Por sorte, depois disso o tempo passou mais rápido. Estava nos últimos minutos. Aquele garoto que eu mencionei, Bruno Moura, driblava todo mundo, mas não tinha graça, porque ele não dava a vez pra nenhum dos outros jogadores.

O Folk estava praticamente dormindo encostado na trave por não ter precisado se esforçar meio que o jogo inteiro. Depois o Moura pareceu ter finalmente parado de pensar só em si, e começou a procurar pelo resto dos jogadores. Viu o relógio do placar e ficou assustado. Finalmente ele tentou chutar para o gol adversário de novo, só que foi fraco demais.

O Hebrom estava próximo dali e foi correndo atrás da bola pra ver se conseguia ajudar. Ele chegou no tempo certo e a chutou pro canto. Folk pulou pra agarrar, mas a bola nem bateu na ponta dos dedos dele. Finalmente um gol. Todo mundo começou a berrar. Salamander virou pra mim e sorriu. Achei que ele estivesse com raiva de mim... Não entendi nada. Só sei que deu pane no meu cérebro. Será que ele já se esqueceu que estava bravo?

—O jogo ainda não acabou! –o Folk pegou a bola da rede e arremessou com força de volta pro campo, acertando o tórax do Hebrom, que caiu.

Eu saí correndo com a mochila na mão e ajoelhei ao lado dele.  A Ágata veio com pressa até o goleiro, que parecia estar inconformado por perder:

—Acéfalo! –Raitz deu um soco no meio da cara dele.

O treinador finalmente prestou atenção no que estava acontecendo e foi pro meio do campo apitando.

—Cartão amarelo pros dois! –ele chegou perto da Ágata e do Folk.

—Eu nem to jogando! –a garota protestou.

—Mas fez o nariz do garoto sangrar! Castigo! –o técnico não parecia saber o que estava fazendo.

—Foi ele quem pediu! Esse jumento atacou o irmão do meu amigo com uma bola só porque não aceita ser um fracassado!

—Então... Então castigo pros dois! –ele estava confuso, mas pelo menos a Raitz iria respeitá-lo, já que era o professor.

—Já sei o caminho. –o Folk saiu andando com a mão tapando o nariz.

—Nem morta que eu vou ficar trancada numa sala junto com aquele animal! –ela apontava o goleiro que ia embora.

—Azar! Agora vamos! –o treinador segurou ela pelo braço e a foi arrastando.

—Tudo bem com você? –perguntei pro Hebrom caído no gramado.

—Tudo sim... –pôs a mão na barriga. Pela cara que ele fez, não tinha se machucado mas estava triste.

—Bonito gol.

—Obrigado, mas eu só ajudei. –ele aparentava ainda estar com raiva.

—O que foi?

—Estão liberados. –o professor voltou correndo e avisou.

—Acho melhor a gente ir logo. –Hebrom levantou.

—Antes me diz o que aconteceu.

—Você gosta do Folk?

—Hã? Quê? Não. Claro que não!

—Não é o que parece.

—Não tô te entendendo...

—Você acha ele bonito?

—Eu não! –isso me deixou tão aborrecida quanto ele.

—Espera... Não? Como que não? Ele é todo bonitão lá...

—Não tem motivo pra eu achar uma coisa dessas!

—Então... Você vai sair com ele hoje? –o Salamander estava quase voltando ao normal.

— “Olha... Não vai fazer diferença você saber disso agora”. –fiquei de pé e fui procurar o carro do Edgar.


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Notas finais do capítulo

"Todo bonitão"? De quem Hebrom está com ciúmes? Será que ele é bi? Vocês sabiam que não perdoar dá câncer? Tudo bem com vocês? Gostaram do capítulo?
São tantas as perguntas...



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