Registro Panorâmico escrita por Titi


Capítulo 29
Aquecer




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Pela manhã, Edgar veio me chamar, como de costume. Estava muito calor, eu havia até jogado o cobertor no chão por me remexer durante toda a noite. Acordei praticamente sufocada... Eu podia ter pegado um ventilador e ligado na hora de dormir, mas a preguiça era maior.

         Depois de tomar um banho por pouco congelado e fazer todas as outras coisas, eu já estava pronta. Fui até lá embaixo e tomei quantos copos de achocolatado frio que eu pude aguentar.

         –Água que é bom, nada, não é, peste? –meu irmão comentou.

         –Pelo menos eu estou tomando alguma coisa. Sede é o que eu não vou ter...

         –Problemas nos rins, quem sabe?

         –Hm... Falou o machão mais saudável que eu conheço.

         –Não digo pra você ser que nem eu! NUNCA digo. Eu digo pra você fazer as coisas certas. Não sou educado, mas acredito que eu saiba educar.

         –Desconfio disso até hoje. Esse seu argumento não tem base nenhuma. Uma palavra: Contraditório. –subi outra vez pra escovar os dentes e fui pra fora de casa.

         O Hebrom estava do outro lado da rua, conversando com a sua irmã mais nova, enquanto Zac falava ao telefone... Muito provavelmente com Judi. Fui correndo até lá assim que o sinal fechou. O garoto de olhos verdes nem percebeu que eu cheguei, ou talvez tenha percebido e não dado atenção... Enfim, ele estava cantando baixo e se balançando. Com uma das mãos ele tomava conta da Dileã e com a outra, segurava o dicionário que eu dei... Não acredito que ele ainda tem isso. Eu esperava que ele enfiasse numa gaveta antiga e nunca mais tirasse dela.

         –Oi, gente... –tentei falar com eles. Zacur só acenou e continuou seus assuntos.

         –Quésia! Oi! –Hebrom parecia feliz como é normalmente. Se atrapalhou todo, tentando pegar o dicionário e continuou falando. –Eh... Ahm... Você... Você... Você está todo os elogios que tem nesse dicionário!

         –Então tá, né?... Obrigada. Eu acho. –não entendi o porquê de ele estar ansioso daquele jeito, o calor deve estar fazendo efeito nele... Aquela frase me deu vontade de rir.

         –Eh... Eu nunca tinha te visto com esse tipo de roupa...

         –É que só uso no calor...

         –Não acha que é muito curta? Quer dizer... Ahm... –ele ficou vermelho. Eu realmente não estava entendendo a causa dele estar assim. –O corpo é seu... Você pode vestir o que quiser... Mas eu... –colocou a mão no rosto.

         Eu estava com uma blusa de alça, uma bermuda e sandálias. Não era nada demais.

         –Não sei do que você tá falando. Outra coisa que eu não sei é como você ainda tá vivo usando esse jeans nessa temperatura...

         –Bem... Isso não importa... Preciso falar uma coisa importante com você.

         –Estou bem na sua frente.

         –Certo... Eh... Dileã, vai fazer companhia pro Zac.

         –Não! Ele é chato!

         –Por favor! Eu brinco de boneca com você mais tarde.

         –Tá. Mas você vai ser o mordomo!

         –Certo, certo, agora vai. Obrigado. –a garotinha foi dispensada e saiu andando.

         Eu ia dizer pra ele ser direto, mas o ônibus logo chegou e nós subimos. Estava um pouquinho mais cheio do que da outra vez. Parece que estamos com sorte, todos os ônibus que pegamos estavam bons em relação aos passageiros. Ou vai ver, essa cidade seja mesmo muito pequena, do jeito que o Edgar disse... Sentamos e Hebrom voltou a falar:

—É que eu andei pensando...

         Ah... Os pensamentos... Os maiores criadores de problemas que existem. Ele falando assim, dá pra supor que não vai sair nada que preste da sua boca.

         –Pensando o quê?

         –Você me odeia?

         Quésia... Acertou, miserávi.

         –Não, garoto, tá maluco? Quem botou isso na sua cabeça?

         –Ninguém! Então... Você me detesta?

         –Claro que não, Salamander. –aquela conversa já começou a me deixar farta muito antes do que eu esperava. A cada frase que ele dizia, dava vontade de chamá-lo de lerdo e agredi-lo com meu calçado.

         –E essa coisa minha de ter ciúmes? Não te incomoda?

         –Incomodar, incomoda. Mas tem seu lado bom, não? Mostra que você não quer perder minha amizade...

         –Eu tento parar com isso, Quésia, é sério. É muito difícil pra mim. Tipo... Nunca tive uma amiga, muito menos uma como você. Não quero te perder. Eu sei que te conheço faz pouco tempo... Só que tudo o que você é me faz gostar cada vez mais de você!

         –Entendi... Eu também não quero que você me perca ou até te perder mesmo... E sobre essa coisa de ciúmes, eu já me acostumei... Desde que você não comece a achar que pode mandar em mim por isso, não dou importância. Não sei muita coisa de você... O que você disse sobre gostar vale pra mim também...

Por exemplo, eu gosto do jeito que você se esforça pra me incomodar, porque eu não consigo ficar incomodada com você agindo normalmente. Eu já notei que você tem medo de que as pessoas fiquem com medo de você... Não sei o motivo, mas sei que tem. Que é cristão praticante, mas eu não lembro a denominação. Você não tem vergonha de expressar seus sentimentos. Você é muito feliz e sensível, trata todas as pessoas da mesma maneira... E por isso algumas pessoas acabam te estranhando... Tipo... Achando que você gosta dos rapazes.

         –Como você sabe dessa última? Você já deve ter ouvido alguns boatos que o Folk espalhou quando eu parei de andar com ele...

         Não, foi mais por experiência própria mesmo.

         –Nem ouvi falar sobre isso. Honestamente... É que... Você é muito carinhoso com todo mundo que conhece... E isso não é muito comum por aqui.

         –Ah, sim... Mas discordo! Acho os brasileiros bem simpáticos!

         –Eu também acho, mas você é intensamente simpático. E com a mesma intensidade pros dois gêneros... Por isso as pessoas estranham.

         –Obrigado... Você também! –ele deu um sorriso. Acho que ele não entendeu muito bem... Melhor assim. Essa lerdeza dele tem um pró. –Mas que fique claro que eu sou heterossexual! Bem... Eu nunca amei nenhuma menina... Mas eu tenho um fetiche grande por você. Isso conta, não conta?

— Creio que sim... –fiquei um pouco envergonhada de ouvir isso. Será que ele sabe mesmo o significado de "fetiche"?

—E... E eu também aprendi algumas coisas sobre Quésia Cortês, olha: Ela é um pouco tímida, tem medo do escuro, ama livros e bichos de pelúcia... É adotada. Gosta de música clássica. Parece que é vintage... Provavelmente ela é tão infantil quanto aquele bobo do Hebrom Salamander... Não se dá tão bem assim com seu irmão. Não passa uma semana sem ironias e sarcasmos. Não gosta de aparecer ou chamar atenção. Não gosta de falar sobre si, aí, se você quiser conhecê-la, vai ter que se transformar num detetive e dar teu jeito... Ela desenha muito bem. É chocólatra, mas não assume. Tem pijamas e pantufas parecidos com de crianças... Aparentemente detesta expressar sentimentos porque acha difícil; é reservada, mas acaba revelando certas coisas. Sabe bastante coisa sobre Português... E a maioria das pessoas não valoriza muito a garota incrível e legal que ela é.

         –Hm... Não é justo. Você já foi ao meu quarto... Deve ter fuxicado cada centímetro dele.

         –Claro que é justo! Você também vai ver como é o meu um dia. Não vou te esconder nada. Pode me perguntar o que quiser. Eu confio muito em você...

         –Ah... E também me esqueci de acrescentar que você não perde a oportunidade de ser meloso.

         –E eu esqueci de acrescentar que você fica nauseada quando sou meloso contigo. E também que você é muito fechada pra uma garotinha de catorze anos. –me olhou torto. –E conhecê-la mostra o quanto ela é bonita. Ainda mais do que parece! Como é possível? Essa eu não sei.

         –Chega... Eu vou acabar vomitando... Acho que você não quer brincar de adivinhar meu café da manhã.

         –Ai, credo! Como você é romântica!

         –A culpa é de quem se você é mais feminino e delicado que eu, macho man?

         –Eu sou homem!

—E daí? Vários homossexuais também são...

—Nem vem! Você sabe que eu te amo! E não me empurra pra garoto nenhum, porque eu quero você. –me deu um abraço de urso enquanto ria.

         –Ai!

         –Caramba... Machucou? Desculpe! –o garoto foi um pouco pra trás.

         –Não foi você exatamente... –fui olhar onde ele tinha tocado pra saber o porquê de doer tanto.

         Era um das feridas que ganhei no orfanato. Essa era mais pra parte de trás do ombro. Eu tinha até me esquecido dessas coisas... Não esperava que algum deles ainda estivesse sensível.

          –Que machucados são esses, Quésia...? –Hebrom fez uma cara apreensiva.

         –Eu caí da escada hoje cedo...

         –Não minta pra mim, por favor.

         –Como você sabe que eu estou mentindo?

         –Eu não disse que sabia... Eu só pedi pra você não mentir... Você acabou de se entregar.

         –Tsc...

         –Me diz, eu tenho que fazer alguma coisa a respeito!

         –Não tem, não. Você não pode ajudar.

         –Fala logo quem fez isso, Cortês! –vish... Ele elevou o tom de voz e me chamou só pelo sobrenome... A bagaça ficou séria...

         –Você já sabe... Eu fui adotada...

         –O que isso tem a ver? Não é o Edgar que te bate, é?! Olha, a minha igreja faz uma campanha contra violência e o nome é Quebrando o Silêncio, a gente pode te ajudar...

         –Não, claro que não! Não é nada disso!

         –Bem, então diga quem foi.

         –As meninas do orfanato... Elas me batiam.

         –Por quê?

         –Eu sei lá! Elas não iam com a minha cara. Eu não fazia nada, elas tinham raiva de mim.

         –E você não disse isso pra ninguém?

         –Não...

         Hebrom olhou pra mim ternamente, ficou um tempo parado, deitou a cabeça no meu colo e as suas pernas ocuparam mais um banco do fundo do ônibus. Tapou os olhos com uma das mãos e... Só.

         –Ei... –tentei chamar a atenção dele, mas ele, calmamente, gesticulou pra que eu ficasse quieta.

         Ele deveria estar pensando em alguma coisa... Será que ele vai ajudar a me vingar?

         –Você ainda guarda rancor delas? –finalmente tirou a mão de cima dos olhos.

         Se você acha que “esperar ansiosamente pelo dia da morte de” e “guardar rancor de” são coisas parecidas... Sim, eu ainda guardo, com muito carinho e cuidado pra que ele não se perca ao longo da minha vida.

         –Não.

         –Já pedi pra não mentir pra mim...

         –Tá, eu guardo.

         –Então... Tenta parar com isso. Por favor. Vai fazer mais mal a você do que a elas. E eu tenho certeza de que elas te tratavam daquela maneira por nem tentar te conhecer pra valer. Você é uma garota ótima, mas nem tudo o que você receber do mundo vai ser ótimo... Aqui, infelizmente, nós confundimos pessoa boa com objeto descartável...

         Salamander falava como se já tivesse passado por algo parecido... Nessa mesma hora, me veio na mente a lembrança de Folk dizendo que o Hebrom era ridicularizado por um monte de gente na escola. Como ele conseguia ser feliz assim? Salamander diz pra eu não mentir pra ele... Mas acho que ele mente pra si mesmo. Não dá pra ser feliz sem se importar com a opinião das pessoas que não gostam de você e... Espera... Que porcaria é essa que eu imaginei?!

Não achei que eu fosse tão cabeça-dura a ponto de pensar em uma coisa dessas só pra sentir que estou certa... Eu, hein... Enfim... Não me julguem. Aqui são minhas memórias, eu posso fantasiar o que eu quiser.

         Nós chegamos na escola e fomos direto pra sala de aula. Depois de nós, o primeiro que entrou na sala foi o Francisco, que nos cumprimentou e foi pro seu lugar. Em seguida, o professor apareceu e perguntou onde estava todo mundo.

         –Ainda está cedo, cara. –Dewei respondeu.

         –Não me chame de “cara”, garoto da pilastra. –o homem se jogou em sua cadeira, abriu seu caderno e começou a escrever, quase cochilando em cima da mesa. Eu não entendo a razão dele estar sempre cansado.

         –Vem cá, Francis, o que aconteceu com você depois das pessoas ficarem espalhando sobre você ter perdido a briga por um acidente? –perguntei.

         –Ah, você sabe como é o pessoal dessa escola, né? Adora dar uma trollada a hora que pode... Mas eu bati em quem tentou tirar onda comigo e a piada acabou.

         –Entendi... –fui me ajeitando na carteira, como posso dizer... Chocada? Ele falou aquilo numa naturalidade que chegava a ser sociopata.

         Os outros alunos foram entrando e a aula começou. Não consegui prestar atenção naquela chatice... Eu tentei. Juro que tentei, mas não dá. Bem no finalzinho da aula, o professor chamou a atenção de um garoto dormindo no meio da aula. Pegou uma régua, bateu com ela na mesa dele e deu uma bronca. Sujo falando do mal lavado...

Se a escola não fosse tão cara, eu dormiria nas aulas de Geografia também. O professor começou a malhar o garoto, chamando ele de preguiçoso, inútil... Cada coisa absurda que eu vejo nesse colégio...

         Acabou. A aula de Português já ia começar... Esse dia de aula tá uma belo estrume. A professora perguntou se alguém não tinha feito o teste. O único que levantou o braço foi o Folk (eu nem sabia que ele estava ali, já acostumei com ele matando aula). Quando terminou o teste, a professora nos mandou parar de fazer o dever das páginas que ela passou e ir pegando o teste, porque os dois tempos já acabaram e nós iríamos pro intervalo.

         Na vez do Hebrom, ele começou a chorar. Fui ver a nota, mas ele se recusava a me mostrar.

—Qual é?... Não pode ter sido tão ruim assim! –peguei a folha na mão... 0,8. Coitado.

—HAHAHAHAHAHAHA! CARACA, MANO, COMO VOCÊ É BURRO! ERA MELHOR TER TIRADO ZERO DIRETO! –Folk apareceu rindo de se acabar.

—Cuida da tua vida, garoto! –tentei defender.

—Ui, calma, princesinha, eu só estou zoando com o meu amiguinho.

—Você deveria parar de rir do seu “amiguinho” e agradecer por ele suportar essa criatura inepta que você é! –Ágata não pôde deixar de se meter na treta.

—Olha, gatinha, para de fogo que eu não bato em menina... Só se elas me pedirem. –o folgado mexeu no cabelo cheio de gel.

—Pois eu não faço esse tipo de discriminação, sua marica! –Van Raitz ia pular em cima dele, mas seu primo a segurou.

—Aproveita e bota uma coleira na gatinha. Parece que ela quer arranhar alguém. –Folk não sabia a hora de calar a boca. –Ah, princesinha, a profs tá te chamando ali, se você não ouviu.

Fui até a mesa da professora e ela estava revisando a folha. Riscou a nota e colocou outra no lugar.

—Espero que não tenha sido cola. –entregou o papel na minha mão.

Voltei pro lugar e o Hebrom se ajoelhou ao meu lado e me perguntou quanto eu tinha tirado, ainda soluçando.

—Ahm... Não importa! Vamos... Marcar outro dia pra você estudar na minha casa.

—Vai, Qué, eu quero ver... Por favor. Você viu o meu. –ele pediu outra vez e eu não consegui negar. –Dez! Parabéns! Ah, que legal! Você mereceu! –sorriu, mesmo estando evidente de que ainda estava triste.

—Não fica assim, não precisa fingir pra me agradar... É só uma nota... Você vai recuperar depois. –coloquei a mão no rosto dele.

—Não estou fingindo... E nem é por isso que eu estou triste, Qué... É que a professora disse que estava desapontada comigo. Ela sabe que eu tenho dificuldade, mas falou que esperava mais de mim... Eu realmente fico feliz por você ter tirado uma nota tão boa! Você entende mesmo de Português... –enxugou o resto das lágrimas e riu.

—Qual é a graça? Quero rir também. MAIS DO QUE EU RI COM A NOTA DO SALAMANDER, PORQUE, NÉ, PUTZ GRILA, HAHAHAHAHAHAHAHAHA! –Folk ainda gargalhava histericamente por causa da nota do garoto.

—A Quésia tirou dez! –Salamander disse num sorriso bem largo. Me parecia que estava sendo honesto.

—E você tá achando graça de quê, palhaço? Você se ferrou! ZERO VÍRGULA OITO! NÃO AGUENTO! CONVULSÃO! HAHAHAHA! NÃO BASTA SER UM IMIGRANTE FRACASSADO, TEM QUE SER DEVOTO E DESPROVIDO DE INTELIGÊNCIA TAMBÉM! SE BEM QUE DEVOTO E DESPROVIDO DE INTELIGÊNCIA SÃO QUASE A MESMA COISA! HAHAHAHAHA! NÃO ESPERAVA MAIS DE VOCÊ MESMO!

—Não vejo problema em ficar feliz pela a minha amiga.

—Amiga é minha avó! Se essa daí ligasse pra você, te daria a resposta de pelo menos alguma questão! Eu já te disse, eu sou teu único amigo!

Hebrom parou de se dar ao luxo de responder àquele egocêntrico. Depois de um tempo, a professora também o chamou. Lá na frente, quando segurou o teste, Folk continuou com cara de sério, mas logo depois, deu um tapa muito forte na folha.

Foi pro fundo da sala, sentar no seu lugar. Não era tão longe da minha carteira e da do Hebrom, por isso, nós fomos lá. Eu estava curiosa e o Salamander queria ver se estava tudo bem.

—Quanto você tirou? –perguntei.

—Noé.

—Noé?

—Noé da sua conta, princesinha.

—Caramba, que humor atualizado que você tem! Dá essa porcaria aqui! –tomei da mão dele.

—Me devolve!

—Espera, espera, espera. –arregalei meus olhos e comecei a dar uma de Edgar e rir que nem uma capivara tendo AVC. –ZERO VÍRGULA TRÊS, GAROTO?! AAAAAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA! NÃO ACREDITO! PALMAS! PALMAS, POR FAVOR, PESSOAL! HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA! Ai, ai, chega, parei, desculpa, mas... É engraçado... –dei uma pausa pra respirar. Nunca gostei tanto de um número decimal na minha vida.

—Vai se lascar! –ele pegou o papel da minha mão de volta.

—Eu... sinto muito, Folk. –Hebrom colocou a mão no ombro dele. Me senti um lixo por ter rido depois dessa cena.

—Me poupe! Não preciso da sua compaixão, sai de perto com essa tua beatice! –o playba foi pra fora da sala, porque a maioria dos alunos já havia saído.

A professora disse que as nossas notas foram as piores de todas as salas que ela leciona. Hm... Que legal... Ganhamos algum título sem nem sair do primeiro mês de aula. Ela disse também que o resultado geral foi tão catastrófico que ela decidiu não usar essa nota pra nada. Só porque eu consegui me dar bem, deve ser... Ela não vai muito com a minha cara e até parece que ela se importa de reprovar 85% da sala.

Fomos em direção ao refeitório. Judith e Greta apareceram e saíram me arrastando. Acabei deixando o Hebrom no vácuo. Ele olhou pra mim com uma cara tipo “Já esperava que você me trocasse... Sou sem graça mesmo”. Eu precisava voltar pra falar com ele... Sei que é chato ele se magoando o tempo todo e tal, mas, fazer o que, não é? As pessoas fiéis são poucas... Ele é uma delas. Não vou desistir dele por causa de defeitos, porque qualquer um tem defeitos. E fidelidade tá cada vez mais rara...

Elas começaram a falar e falar como da outra vez. Não sei a causa de elas me quererem por perto. Talvez seja só pra exibir a linda amizade delas. A Judi me chamou pra ir hoje depois da aula pro apartamento dela, ficar conversando e outras coisas. Eu recusei... Além de ter absoluta certeza de que a Greta estaria lá, eu já tinha compromisso. Seja o que for, eu pedi licença e me levantei. Fui atrás de Hebrom, ele estava sentado com o Wendel, que nem deva valor à presença dele, porque tinha alguém muito mais especial... o precioso vídeo game.

—Cadê o Andreas? –me preocupei.

—Ele foi até a biblioteca... –Hebrom respondeu meio chateado.

—Nós temos uma biblioteca?!

—Sim, sim...

—Salamander, por que você tá assim? Desembucha logo. Se for por eu estar com aquelas meninas, fica tranquilo, eu vou de despedir delas e volto pra cá, pode ser?

—N-Não era isso! Eh... Eu achei que você não quisesse mais ajudar com Português.

— Você inventa cada coisa! Seu problemático! Que droga, hein?! Mas o que isso tem a ver?!

—Ah, eu sei lá. Mas foi o que eu pensei. Você foi com elas tão depressa...

—Elas me arrastaram!

—Não importa, o ponto é que eu achei que você estivesse cansada de mim por eu ser burro...

—Você não é burro.

—Quando se trata de Português, o Hebrom não é burro mesmo... É um jumento! –Yamada finalmente deu sinal de vida.

—Ah, obrigado pelo upgrade, Wendy... –o garoto olhou para o outro com uma certa melancolia.

—Brincadeira, aibou! Você só é desprovido de conhecimento...

—Certo, estou sabendo...

—Eu já volto, tá, gente? Vou avisar à Gre e à Judi que vou acompanhar com vocês.

—Não precisa fazer isso pra me agradar. –Salamander fez.

—Tá. Não faço pra te agradar, e sim porque eu quero. –fui andando em direção a elas.

Cheguei atrás da Judith discretamente... A Greta estava falando “Ah, que bom que você parou de frequentar aqueles orfanatos idiotas! Demorou tanto tempo pra você desistir disso. Eu te avisei que Zacur não ia dar bola pro fato de você ser voluntária ou não. Ele gostaria de você pelo que você é...”. Logo, a garota de mecha azul notou a minha presença e parou de falar. Eu senti uma pontada no coração... Eu achei que já tivesse desapegado da Barcelos...

Deu vontade de chorar, mas eu não faço isso em público. Corri pra longe dali e fui em direção à sala de aula. No meio do caminho alguém me jogou contra um armário... Hebrom, não surpreendentemente. Ele estava com uma cara brava... Parecia de ódio. Segurou o meu rosto e o levantou, me olhando fixamente. O corpo dele estava próximo ao meu e eu senti mais calor do que o que a temperatura ambiente causava. Agora sim eu estava com medo dele. Em seguida, apertou minhas bochechas com a mão, me deixando com cara de peixe e disse sorrindo:

—Achou que ia se livrar de mim?

Ainda assim, parecia um psicopata. Fiquei calada, com medo de minha voz sair trêmula e ele perceber que eu estava prestes a chorar.

—Você é rápida! Eu nem teria te alcançado se o Jamal não me avisasse que te viu correndo. Quero falar com você. Vamos buscar nossas mochilas.


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Notas finais do capítulo

Quantos perceberam que Hebrom é neurótico?



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