À Espada Pelo Sangue escrita por LahChase


Capítulo 74
Confissões


Notas iniciais do capítulo

Eu me pergunto se ainda tem alguém aí.

Oi, gente. Não consegui dormir essa noite, e acabei parando aqui nessa história depois de quase dois anos. Posso ter deixado de postar há muito tempo, mas acho que nunca a abandonei por inteiro. Ela é minha filha, afinal. Também nunca parei de escrever, mas tenho trabalhado em originais, que precisam de atenção e muito labor. Talvez, um dia eu as publique.

Eu sinto muito por ter desaparecido. Não acho que tenha uma explicação plausível para isso. E também sinto muito por não prometer voltar a escrever essa fic. O que trago hoje é um capítulo que está escrito há muito tempo e que acaba dando um salto de algumas semanas na história. Queria muito ao menos contar essa parte pra vocês. Se é que ainda tem alguém aí.



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— O que quer, Ian?

O garoto colocou as mãos nos bolsos, o olhar tão fixo ao meu que eu poderia me sentir intimidada se não já estivesse tão inundada por sentimentos confusos. Eu fiz a pergunta, mas sinceramente não queria ouvir a resposta. Não queria que ele dissesse nada, porque sabia do seu poder de me abalar. A situação como um todo já havia me afetado mais do que eu havia previsto e temi que, se ele dissesse qualquer coisa, meu frágil controle sobre a minha vontade de chorar pudesse vir por água abaixo. E eu sentia que tinha o dever de não deixar isso acontecer.

— Eu vou com você.

Precisei de alguns segundos para absorver a informação, mas, quando por fim entendi, consegui bufar em desdém.

— Não vem não. - respondi, voltando a enfiar as coisas na mochila - Você é o primeiro familiar de Izumi, tem sua irmã para tomar conta e ainda precisa se tornar um dos doze generais. Não pode vir comigo.

— Eu vou com você. - repetiu, em um tom teimoso.

Droga. Mas que tipo de brincadeira era aquela? Por que ele tinha que chegar com uma história dessas quando sabia que era impossível? E logo agora?

— Pare com isso, Ian. Você sabe que não pode vir. 

— Eu consegui a aprovação de Izumi. - rebateu. 

Senti meu controle oscilar. Desesperada para apartá-lo dessa ideia estúpida, senti-me forçada a praticamente bradar: 

— Eu fui exilada, Ian! Mas que droga, será que não entende o que isso quer dizer?! Se vier comigo, vai se tornar um pária também, um renegado como eu! Eles não vão te perdoar! Você não vai poder ver Charlotte, não vai poder tomar sua cadeira no Conselho, vai atrapalhar os planos de Izumi! É isso mesmo que acha que deve fazer?

— Maya.

Ergui o olhar para ele, ainda segurando uma expressão exasperada na cara. Seu rosto estava sério.

— Você não quer ir sozinha.

Respirei fundo, mais uma vez xingando mentalmente. Droga, Ian, droga. "Por que tem que tornar as coisas mais difíceis?" 

Ele estava certo. É claro que ele estava certo, mas não devia. Eu não devia estar assim tão desesperada por sua companhia. O plano fora meu, afinal. E dera certo. Himeko estava morta, por um trabalho da nossa equipe, mas o que a família sabia era que eu fora a assassina. O exílio era exatamente o que planejávamos quando eu bolei o plano, e Izumi se arriscara muito para conseguir que essa fosse a minha punição. O fato de eu ter sido praticamente apagada do seio dos Greno - embora nunca tenha estado realmente lá - era uma parte fundamental do plano daqui pra frente. Era uma tarefa que só eu podia cumprir e, mais que isso, que eu me voluntariara a realizar. Então por que estava assim, tão desolada por estar sozinha novamente?

Eu não devia aceitar a loucura tentadora de Ian. Não podia.

— Não importa o que eu quero. - retruquei - E eu não preciso de mais ninguém comigo, não preciso da sua pena. Estarei bem sozinha.

— Idiota - ele se aproximou mais alguns passos, agora assumindo um tom repreendedor - Pare de mentir. Eu sei muito bem o que está fazendo. Faz de conta que não se importa em estar sozinha mais uma vez, mas a verdade é que só está tentando fugir da dor que isso lhe causa.

— Isso não...!

— Eu venci a aposta.

Franzi a testa.

— O que?

— A aposta sobre te salvar em campo. Você disse que se precisasse ser salva, eu poderia pedir algo em troca. Vou com você.

Fiquei pasma por alguns instantes, fitando aqueles olhos verdes que me olhavam tão intensos quanto um oceano de pensamentos indisvendáveis. Até que consegui murmurar:

— Você só pode estar brincando.

Ele permaneceu sério.

— Eu vou com você.

Não desgrudei os olhos dele, congelada. Meus pensamentos se embaralharam em algum ponto até deixarem de fazer sentido, o que me levava a um nível de frustração que me fazia querer dar um murro no garoto à minha frente. E eu tentei. Esmurrei seu peito pateticamente, quase sem forças. Ele deixou, abrandando a expressão ao notar que estava tudo tão difícil quanto ele previra.

— Droga. - murmurei - Droga, Ian.

E, antes mesmo que eu percebesse, estava chorando. Minhas pernas falharam, e Ian precisou me segurar para que eu não caísse no chão de vez. Ao invés disso, ele me colocou sentada na beira da cama, sentou ao meu lado e tentou olhar meu rosto.

— Ei, está chorando? 

Mantive o cabelo cobrindo os olhos que deixavam as lágrimas correrem. Meu coração já estava acelerado o suficiente sem ter que olhar em seus olhos de mar, não ia correr o risco. 

— Maya, o que...?

— Eu te odeio. - resmunguei.

Ele parou por um segundo, mas não pude ver sua expressão.

— Escuta, se acha que dizendo isso você vai me fazer desistir de ir com vo...

— Eu te odeio, Ian! - falei mais alto, e dessa vez ergui o rosto. 

De repente eu quis que ele visse. Quis que ele enxergasse o estado a que me levava. Aquelas lágrimas eram responsabilidade dele. 

Seu rosto assumiu uma expressão assustada.

— O-o que? - conseguiu dizer.

Funguei. Estava me sentindo como uma criança mimada que acusa o amigo de roubar seu brinquedo, mas ignorei a parte racional de mim que me acusava de sentimentalismo sem sentido. Eu ia jogar tudo pra fora, e que ferre-se o mundo. 

— Não importa o quanto eu lute, nunca consigo te vencer! - praticamente gritei - Não importa o campo de batalha, você sempre me derrota! Eu te odeio, Ian!

Ele franziu a testa.

— Mas o que...?

— Eu cansei de lutar - interrompi novamente, dessa vez murmurando - Cansei de lutar contra você, contra os sentimentos que gerou em mim. Chega, desisto. 

Ele umedeceu os lábios, confuso e nervoso.

— Do que está falando, Maya? Por que está chorando? Eu...

— Baka Ian! - soquei seu peito novamente, dessa vez com mais força - Por que nunca entende o que quero dizer?

— E-ei! Isso machuca! 

Ele agarrou minhas mãos. Tentei me desvencilhar afastando-me, mas dei com as costas na cabeceira da cama.

— Me solta! 

— Não enquanto você não me explicar o que...

— Cala a boca! - esbravejei, o rosto quente - O que estou tentando dizer é que eu amo você! Entendeu? Eu amo você, seu grande idiota!

Ele arregalou os olhos e ficou vermelho até as orelhas. De repente, soltou meus braços e cobriu a boca com as costas da mão. Ficamos assim por mais alguns infinitos segundos. Arquejante, tive tempo suficiente de me arrepender, depois de me arrepender de ter me arrependido, e depois de me arrepender de novo. Até que a voz dele saiu, quase num sussurro:

— Isso é... sério?

Desviando o olhar, assenti com a cabeça.

— ... De novo.

— O-o que?

— Fala de novo.

Recusei. Ele se inclinou para frente, intenso. Neguei com a cabeça.

— Fala de novo. - insistiu, encurralando-me contra a cabeceira.

Engoli em seco.

— Eu... Eu a-amo vo... - minha voz morreu quando o vi aproximar o rosto do meu.

Mais perto, mas perto... Senti sua respiração em minha pele, meu coração acelerou, meus braços queriam empurrá-lo para longe. Mas ele os segurava, aquela era uma batalha perdida. Eu não podia mais lutar. Eu não queria mais lutar.

Nossos lábios se tocaram por alguns segundos, inertes até que se moveram para aprofundar um beijo terno, um beijo tinha o sabor de quem havia esperado muito por aquilo, um beijo que aos poucos se tornou mais ávido, antes de Ian se afastar o suficiente para olharmos nos olhos um do outro. Os dele pareceram surpresos. Minha voz não saía, e minha expressão devia ser tão surpresa quanto a dele, pois ele soltou meus braços de repente, embaraçado.

— Pelos deuses, desculpa! - sussurrou, mas não fez menção de se afastar totalmente - Eu fiz sem pensar e...

Sua fala morreu, enquanto ele observava meu rosto. Ele se aproximou novamente, e por um momento pensei que iria repetir o beijo, mas ao invés disso, Ian apoiou a cabeça em meu ombro, enterrando os olhos em meu pescoço.

Congelei, sem saber o que fazer. Perguntando-me o que estava acontecendo, eu senti sua respiração em minha pele, ainda incapaz de fazer minha voz sair. Alguns infinitos segundos se passaram até que eu fosse capaz de murmurar:

— I-ian?

Não houve resposta. 

"Dormiu?" pensei "Num momento como esse? Isso é ao menos possível?"

Eu o observei. Vi sua respiração subir e descer, uma de suas mãos estava pousada sobre a minha, em meu colo, e seus fios pretos caíam no rosto. Seu cabelo... Antes que me desse conta, já o afagava, passando os dedos entre os fios lisos e macios. Fechei os olhos, com o coração batendo forte.

— Eu... - a voz dele soou, surpreendendo-me - Se não estou por perto, estou sempre preocupado com você, mesmo que não haja nada de mais acontecendo. Sempre que fica triste, tudo que penso é em um jeito de te fazer sorrir. Morro por dentro sempre que algum cara se aproxima muito de você, e por muitas vezes você é o meu primeiro pensamento pela manhã.

Ele fez uma pausa, enquanto eu, pasma, ouvia muda à sua confissão. Permaneceu na mesma posição, fazendo sua respiração roçar minha pele.

— Acho... Que é isso que chamam de amor, certo? - ele apertou a minha mão - Eu sei como é se sentir assim... Com Lotty. Mas é diferente. Com você é diferente, Maya. Eu passo o dia todo me controlando para não pegar na sua mão, para não te abraçar, beijar ou me aproximar demais, mesmo que esse desejo nunca me deixe. Mesmo que tudo o que eu queira seja ficar desse jeito, perto... 

Ele suspirou. Permaneci quieta, com a mão pousada em sua nuca. "Ah, pelos deuses..." pensei "Esse garoto é sempre uma confusão..." 

Mas ele não havia terminado.

— Então acho que fomos os dois derrotados. - ele se afastou um pouco, e colou nossas testas. Fechei os olhos - Eu amo você, Maya. Você me venceu. Derrubou as minhas muralhas e desfez as minhas defesas. Você invadiu meu coração e se fez rainha dele. E eu desaprendi a viver longe de você. Então, por favor, não me mande ficar longe. A partir de hoje, não me peça algo assim. Não vou conseguir fazer isso.

Meus ombros pareceram relaxar de repente, como se um peso lhes tivesse sido tirado. Deixando uma lágrima de alívio rolar, senti o toque dos dedos de Ian em minha face e, aos poucos, assenti. Não o mandaria para longe. Não precisaria ficar sozinha.

Ele soltou um suspiro, e então passou os braços por minha cintura e enterrou o rosto em meu peito novamente. Eu o abracei de volta, e ficamos assim. Ficamos como se fôssemos pertencer um ao outro para sempre. Como se fôssemos ser o refúgio um do outro para sempre.

E, mesmo que não tenhamos dito isso em voz alta, essa foi a promessa silenciosa que fizemos um ao outro ali. Refúgio. Para o resto dos nossos dias.

 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler até o fim.
Eu ansiei muito chegar a essa parte da história, mas havia perdido essa oportunidade antes.

Se você veio até aqui, por favor, imploro que deixe um comentário.
Assim, talvez, meu coração consiga começar a dar adeus a essa primogênita que é "À Espada Pelo Sangue".

A todos os leitores e leitoras que me deram muito amor desde o começo: minha eterna gratidão. Quem sabe um dia poderemos nos encontrar entre palavras de um outro universo, em alguma outra história.
Amo vocês. Sinceramente.
Adeus.