À Espada Pelo Sangue escrita por LahChase


Capítulo 34
Capítulo Extra - A História de Mais Alguém: O Porquê de Querer O Campo De Batalha.


Notas iniciais do capítulo

Oiii
Aqui está o capítulo prometido ^^
Gente, meu tempo tá bem complicado, então eu realmente peço desculpas pela demora para responder aos comentários. Agora mesmo estou postando rapidinho por causa da pressa. Mas prometo que vou arrumar um momento para responder apropriadamente todos vocês que comentam. Eu amo MUITO seus comentários, de verdade.
Bom, sem mais delongas...



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Uma criança, dez anos de idade, cabelos negros bagunçados, empoeirados e manchados de sangue, está no chão da sala escura, encolhida de dor. Em seus pulsos, pesadas algemas pendem, assim como em seus pés. O garoto, dono do corpo castigado, faz esforço para levantar, apesar da dor. Uma vez em pé, seus olhos fitam a escuridão. Qualquer um que pudesse enxergá-los naquele momento veria a fúria e determinação que emitem aqueles olhos escuros.

— Mais uma vez... – o menino murmura – Posso aguentar só mais uma vez.

Um grave som se faz ouvir, e os pelos do braço dele eriçam. Ele trinca os dentes e fecha os punhos com força. No segundo seguinte, raios de eletricidade percorrem as correntes presas às algemas e atingem seu corpo, fazendo-o retesar. A dor preenche cada espaço de si, mas o garoto não grita. Ele sente a voltagem aumentar ainda mais, e seus cabelos negros começam sua mudança para um branco, alvo como neve. A voltagem continua aumentando, a eletricidade castigando-o cada vez mais, cada pedacinho de si implorando pelo fim daquilo. Quando todos os fios de seu cabelo ficam brancos, a corrente cessa e o garoto cai no chão, seus braços fumegando. Ele respira pesadamente.

“Ainda não” pensa “Preciso aguentar até o fim”.

Ele obriga seus braços a se moverem e fica de joelhos, com as palmas da mão no chão. Com um grito, ele liberta toda sua fúria e a sala treme com a descarga de energia. Poderosos raios de eletricidade podem ser vistos ao redor do garoto, lançando flashes de luz nas paredes.

Seu cabelo começa a ficar escuro novamente, mas, antes que a transformação se complete, o menino faz um último esforço, lançando uma descarga tão poderosa que as algemas se partem. Com isso, ele cai no chão novamente, esgotado.

Alguns segundos se passam, até que uma voz masculina soa em um tom duro pelos alto-falantes:

— Ora, quem diria? Você foi bem hoje. Aguentou vinte sessões.

Há uma pausa.

— Mas se isso é tudo que pode fazer não vou poder te deixar sair em campo nem tão cedo.

O garoto move os dedos de leve, querendo protestar, mas não consegue reagir.

— Bom, acho que vou chamar logo aquela garota, já que não consegue sair sozinho. Até amanhã.

“Amanhã?” os olhos do garoto se arregalam no escuro, e então tremem. “Amanhã... Mais uma vez”. Ele finalmente permite que uma lágrima corra por seu rosto, expressando sua dor, sua frustração e amargura. Seu corpo se encolhe, um grunhido de dor escapando dos lábios.

Ele fecha os olhos, mas o barulho da porta sendo aberta o faz negar a inconsciência.

— Hiro-kun! – a voz de uma garota soa.

Quando ele escuta os passos começarem a se aproximar, diz em tom urgente:

— Tori-chan, não! Não entre ou pode se machucar. A sala ainda pode estar eletrizada.

A garota não lhe dá ouvidos. Ao contrário, corre até ele e o ajuda a ficar de pé. Trincando os dentes para aguentar o contato, ela o conduz para fora.

 

 

— Hiro-kun... – os olhos de Charlotte, aos 12 anos, fitam o chão – Eu estou cansada de te ver assim. Por que você aceita isso? Por que permite que Asada Oji-sama*.

O garoto, deitado no futon* em seu quarto, com seus ferimentos gentilmente tratados pela amiga e suas habilidades com plantas medicinais, aperta o copo de néctar que segura, seus olhos tristes. Ele olha para Charlotte, sua melhor amiga, como sempre aliviado por tê-la ali. Ela foi a primeira pessoa com quem ele se permitiu se importar.

 Quando chegou em sua casa, alguns anos antes, encontrou um garoto solitário e que se excluía do resto do mundo, um garoto que havia aprendido a suportar a dor fazendo pouco caso dela, um garoto que se negava a se importar com a vida que levava e com as pessoas a sua volta. Aquela garota irrompeu seus muros e quebrou todas as trancas que ele construíra para si, deixando-lhe sem escolha a não ser deixa-la entrar. Desde então, eles cuidam um do outro, e é nele que Ian confia quando não está por perto para protegê-la.

Hiro a encara e responde o que ela já sabe que vai ouvir:

— Para não precisar mais aceitar.

Ela o fita por alguns segundos, e então assente.

— Sabe... Eu sou grata à sua família por ter acolhido Onii-sama e a mim, e eu tenho péssimas memórias de quando estávamos na Austrália, mas... Eu sinto falta de algo. – ela tem lágrimas nos olhos – Sinto falta da liberdade.

Hiro não precisa de mais palavras para entender. Ele é do mesmo jeito: desesperado por sair daquele confinamento, ansiando pelo verdadeiro campo de batalha, lá fora, lutando contra os demônios, finalmente fazendo valer a pena todo aquele treinamento e toda a dor. Lá fora, onde não teria mais que abaixar a cabeça para seu “pai”, ou para Himeko, ou para cada convidado que estava ciente de sua posição na família, onde não teria mais que suportar os olhares de pena ou de desprezo. Lá fora, liberdade.

— Hiro. – diz Tori, e o fato de ela não ter dito “Hiro-kun” grudou totalmente sua atenção nela – Vamos provar para eles.

Seus olhos estão determinados, e ela abaixa o tom de voz, séria.

— Vamos para o campo de batalha e vamos provar para eles que somos fortes o suficiente para lutar. E então conquistaremos nossa liberdade. Não precisaremos mais ficar aqui, você não vai mais precisar continuar sofrendo, eu poderei mostrar que consigo lutar por mim mesma. Vamos mostrar para eles.

Ele sustenta seu olhar, por três, quatro segundos, até responder, determinado:

— Hai!

 

 

Os dedos de Hiro voam pelo teclado de seu notebook, colocando em prática todos os seus conhecimentos e habilidades de hacker, enquanto se esconde no depósito abandonado de sua casa para que ninguém o veja. Ele vai muito ali. Sua afinidade com tudo o que envolve energia elétrica desencadeou nele desde cedo um interesse por tecnologia que o levou a aprimorar seu domínio sobre ela. Se ao menos a tecnologia não fosse tão facilmente um fator atrativo de monstros... Foi esse pensamento que o levou a buscar incessantemente por um feitiço para minimizar esse efeito, usando suas conexões sanguíneas com a deusa Hécate, sua avó.

O preço para essa magia não era barato, então ele sabiamente manteve segredo de todos exceto Ian, Tori e Izumi, e a lançou apenas sobre alguns aparelhos. O restante da família utiliza computadores, celulares e internet apenas dentro de suas casas, onde as barreiras mágicas fornecem certa proteção, mas ele tem a liberdade de usá-los quando quiser.

Tudo isso resultou em Hiro Asada: o garoto que, aos dez anos, foi capaz de dar uma espiada no sistema da NASA sem ser detectado. Foi como ele desenvolveu uma de suas habilidades secundárias, justamente a de Hacker, que ele agora coloca em prática para espionar os negócios da família.

“Vamos provar para eles”, Tori dissera. Mas, como sempre, ela não pensou em como eles fariam isso. É sempre assim. Ela toma suas decisões impetuosas sem pensar muito, e Hiro precisa correr atrás dela, limpando sua bagunça ou garantindo que ela não faça nenhuma besteira. Em resumo, ela é a luz, e ele sua sombra. A mente dele trabalha bem com probabilidades, com cálculos, medindo forças e trajetórias. Suas habilidades absurdas com as pistolas se devem a isso. A mente dela trabalha com o que é preciso fazer. Se ela chega a conclusão de que o certo é ajudar alguém, ela o faz sem considerar mais nada.

Ele gosta quando as coisas funcionam bem, e por isso está sempre encontrando sua maneira de fazer com que seja assim. Ela é muito mais simples em suas resoluções, e por isso consegue o que quer a todo custo. Os dois acabam compensando as faltas um do outro, e isso os fez ficar ainda mais próximos, como irmãos.

“Vamos provar para eles”. Mas como vão fazer isso?

Hiro chegou à conclusão de que não há um jeito melhor de fazê-lo se não completando uma missão. Mas ninguém os designaria para uma. Então eles a tomariam para si.

“Isso nem pode ser chamado de desafio” ele desdenha mentalmente quando acha o que buscava e começa a abrir os arquivos, à procura do que precisa.

“Relatos de uma concentração de demônios na Índia...” Longe de mais, seria complicado sair do país. “Um monstro marinho na costa sul do Japão” Ian o mataria se levasse Tori para o mar sem ele. “Um Formigueiro de Myrmekos sendo construído nos subúrbios de Kyoto” Eles precisariam de muito mais do que duas pessoas para lidar com aquilo.

Hiro continua passando arquivo por arquivo, sempre encontrando um fator contra cada uma das propostas, até chegar ao fim da página, sobrando apenas uma pasta com o título em inglês “Red Missions”. Ele clica e descobre que está protegido por uma senha criptografada. Três minutos são suficientes para que ele burle a segurança e abra o arquivo....

E não gosta nada do que vê ali.

 

 

— Tori-chan.

A garota levanta sobressaltada, acordando também o seu irmão. Como frequentemente acontece, ela não está em seu quarto, mas dormindo com Ian.

— Hiro! – exclama – Que susto!

— O que aconteceu? – Ian pergunta, notando a expressão séria do garoto.

O outro lhes lança um olhar escuro.

— Venham comigo.

Depois de acordar Izumi, os quatro rumam para o velho depósito, onde Hiro lhes mostra a tela de seu notebook, que exibe os Arquivos de Red Missions.

— Os Greno... Estão matando pessoas. – diz.

Ian e Izumi se entreolham, e Hiro fica atento às suas expressões. Tori franze a testa.

— O que...?

— Estes arquivos são missões enviadas pelo Conselho. – Hiro explica – Elas têm como objetivo a “eliminação” de líderes políticos, diplomatas, figuras públicas... O Conselho tem nos mandado matar pessoas importantes, e, pelo que eu vi, estamos obedecendo!

— Mas... – Tori começa – Eu achei que matar mortais fosse contra as Regras Sagradas.

Ela faz uma pausa e lança ao irmão um olhar de dúvida.

— Não é, Onii-sama?

Ele não responde.

— Eles já sabiam, Tori-chan. – Hiro diz, calmamente.

— O que?

— Izumi Nee-san, será que poderia explicar como o Conselho pode transgredir as Regras Sagradas dessa forma? – o garoto continua, em um tom duro.

O olhar de sua irmã é suave, mas ela nunca parece fraca. Com um suspiro, ela responde:

—  Nós já sabíamos sobre as Red Missions. E sim, elas desobedecem às Regras Sagradas. Eu não sei como o Conselho ainda não foi punido pelos deuses por isso, mas com certeza isso tem a ver com o desaparecimento do Investigador. Essas missões são enviadas ao Conselho por líderes de todo o mundo, presidentes, ditadores. Se o Conselho julgar que deve eliminar o alvo, repassa a missão. Se não, recusa.

Tori e Hiro permanecem em silêncio por alguns segundos.

— Então, basicamente somos Mercenários. – Hiro conclui – Assassinos de Aluguel. O que o Conselho ganha em troca por esse serviço?

— Influência. – Ian responde – Dinheiro. Poder. A verdade é que não sabemos ao certo.

Tori lança um olhar ao irmão.

— Onii-sama... Você e Izumi-chan sabiam disso o tempo todo?

Izumi toca o ombro dela.

— Eu sou a Herdeira do Conselho, Tori-chan. – lembra – Preciso estar por dentro dos assuntos do Conselho.

O olhar afiado de Hiro repousa sobre ela.

— Nee-san. – sua voz soa grave – Você já cumpriu uma Red Mission?

Ela devolve o olhar.

— Já fui designada para uma Red Mission como um teste de lealdade. – responde – Mas, Hiro, só porque eu já sabia sobre elas, não quer dizer que eu concorde. As Regras Sagradas são claras: não devemos matar inocentes. O Conselho achou uma forma de tronar isso a seu favor. O Líder de Guerra afirma que os alvos que são enviados para nós não são de forma alguma inocentes: todos eles cometeram crimes graves ou algo do tipo. Essa desculpa não é suficiente para mim.

— Não foi isso que eu perguntei.

— Eu recusei, Hiro. – a voz dela soa chateada – Mas há um limite até onde eu posso desobedecer às ordens do Conselho. Você sabe exatamente o quanto eu me controlo para não desafiar o Líder antes do tempo, e o quanto eu quero mudar as coisas... Por você, por nós. Só que eu tenho que esperar. Eu sou a Herdeira, mas não assumi a liderança ainda. Até que isso aconteça, devo obediência ao Líder de Guerra, e a Otou-sama.

O garoto se cala, as mãos hiperativas estralando os dedos.

— Onii-sama...

Ian ergue a mão, impedindo que sua irmã prossiga com a pergunta que ele sabe que vem a seguir.

— Não. – diz – Não me faça dizer isso em voz alta, Lotte. Você sabe até onde eu iria por você. Sabe que eu faria qualquer coisa para impedir que te machuquem.

Os olhos dela se enchem de lágrimas, compreendendo o que aquilo quer dizer.

Um barulho do lado de fora coloca os sentidos de todos em alerta de repente.

— Quem está aí? – uma voz feminina chama.

Hiro olha para Izumi.

— É Himeko Nee-sama. – sussurra – Ela não pode ver minhas coisas, Nee-san.

À menção do nome, as mãos de Tori buscam apoio no amigo.

— Nós vamos na frente – Ian sussurra, sabendo que a irmã não vai querer encontrar-se com Himeko – Vocês dois esperem aqui até que a levemos para longe.

Hiro assente.

— Terminamos essa conversa depois.

— Sim, terminaremos depois. – Izumi lhe lança um último olhar antes de sair pela porta, seguida pelo outro.

Hiro e Tori permanecem quietos por algum tempo, até as vozes se afastarem, e então soltam a respiração novamente.

— Hiro... – a garota ainda segura o braço dele – Eles me ameaçaram para convencer Onii-sama. Eles estão matando pessoas...

Ele encara a tela do computador.

— Eu realmente não suporto mais ficar aqui.

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Vocabulário:
*Oji (-san, -sama, -chan): (japonês) uma forma de dizer "tio", que pode ser usada para um homem mais velho.
*Futon: uma espécie de cama japonesa, que seria quase como um colchonete no chão.

Eu de novo!
O que acharam?
Críticas, comentários, sugestões, teorias? Deixa um coment aí me contando tudo! ^^
Ainda não consegui decidir um nome para o próximo capítulo hehe, mas ele será postado no sábado ^^ Até lá ♥
Beijos