Michael segura entre as mãos o caderno de anotações onde vinha escrevendo sobre Mayara. No começo, ele havia anotado apenas as informações médicas que poderiam ser relevantes, mas depois de um tempo havia começado a escrever sobre a própria Mayara. Suas manias, a forma como seu cabelo balançava quando andava, suas habilidades incríveis, ou sua voz que de vez em quando quase soava musical.

Ele sabe que era uma prática perigosa. Se Kate descobrir aquilo, ela vai surtar. Mas não pode evitar. Aquela garota havia lhe transformado. Fora ela que o fizera finalmente ser capaz de falar sobre a Guerra com alguém, que lhe mostrara, através de sua própria confusão, que ele mesmo precisava reorganizar seus pensamentos, e que lhe dera coragem para expressar seus sentimentos para Kate.

O garoto tem certeza de que sua namorada e May se dariam bem se não tivessem começado tão mal.

Ele sacude a cabeça. Não é hora de pensar naquilo.

Abre o caderno na anotação de dias atrás, quando tudo foi por água abaixo.

“Eu seria capaz de fitar seus olhos por horas.” Está escrito “Quando ela está determinada, eles brilham, tão intensos e ferozes, que eu posso ter certeza de que conseguirá o que quer. Quando ela está feliz, iluminam, quando chateada, intimidam, quando pensativa, vagam. São seus olhos que sempre me dizem o que se passa com ela. Mas hoje eles estavam inexpressivos. Não fui capaz de ver dentro dela. Ela se trancou, e me colocou para fora de si. Doeu, e não pude resistir mais, não pude mais ficar contra ela em suas vontades. Dei-lhe as costas, para que não notasse meus olhos que ardiam, e obriguei-me a proferir aquelas palavras dolorosas. E esse foi o fim. Só espero que ela fique bem agora”.

Ele passa os olhos pelas palavras novamente. Sabe que não é a melhor forma de expressar-se, mas não pode encontrar um jeito mais adequado de fazê-lo. Desde que começou o relacionamento com Kate, os dois tiveram algumas discussões que envolviam Mayara, e ele não sabia muito bem como reagir às desconfianças da namorada, nem como fazê-la enxergar que a filha de Atena não era quem ela pensava que era. As discussões o incomodavam, mas se eram o preço por continuar como amigo de May, ele estava disposto a pagar.

Não havia conseguido evitar ter menos tempo para estar com ela, no entanto. E aquilo fora sua ruina.

É madrugada. Todos no chalé de Apolo estão em seus sonhos perturbados. Depois de tudo o que aconteceu esta manhã, Michael tem certeza de que o chalé 7 é o mais agitado esta noite. E apesar de estar preocupado com Percy e tudo o mais, o sonho de Michael havia sido com May, e ele acordou com o coração apertado, querendo vê-la.

Mas não pode.

Ela não quer vê-lo.

— Mike? – a voz de Shayla soa baixinho por cima de seu ombro, e ele a olha assustado.

— Shay... – diz – Não consegue dormir?

Ela faz que não com a cabeça, e seus olhos enchem de lágrimas.

— Sonhei com ele de novo. – sussurra.

Michael abre os braços e sua irmã sobe na cama, aninhando-se em seu abraço. O garoto sabe do que ela está falando: ela sonhou novamente com o homem que assassinou na frente dela sua mãe, quando tinha seis anos. Ele não demorou muito para descobrir que ela tinha pesadelos com isso, visto que muitas vezes ela acorda de madrugada e fica encolhida em sua cama.

Ele sabe o que é ter pesadelo com essas coisas. Teve sua própria cota de sonhos assustadores por muito tempo depois da Guerra, e, desde a chegada de Shayla, havia decidido: ia se tornar o irmão mais velho que ela precisasse.

Shay aperta sua camisa com força, segurando o choro.

— Não tem problema chorar. – Michael sussurra em seu ouvido e ela soluça.

— Eu não quero ficar sozinha de novo. – diz – Não quero, Mike, não quero.

Ele passa a mão em seus cabelos.

— Você não está sozinha, Shay.

Ela se afasta o suficiente para olhar em seus olhos.

— May está indo para longe amanhã.

“Então é isso.” Michael percebe. “Ela está com mais medo dessa missão da May do que parece”.

— Não é para sempre. – ele diz gentilmente – Ela vai voltar. E até lá, eu não vou sair daqui, vou estar sempre aqui.

— Promete?

Ele dá um beijo na testa da irmã.

— Prometo.

A garota chora mais um pouco, até ser capaz de se acalmar. Os dois se encostam na cabeceira da cama, Shayla descansando a cabeça no ombro de Michael, enquanto enxuga as lágrimas. Ela então nota o caderno aberto que o garoto havia esquecido e estende a mão para pegá-lo.

— O que é isso?

Ele faz um gesto.

— Eu acho que vou me livrar disso...

Shayla lê as palavras, e de repente já esqueceu seu sonho.

— Mike... Você realmente se sente assim?

Ele desvia o olhar.

— O que posso dizer? A sua amiga é extraordinária. Mas agora ela me expulsou de sua vida.

Ela o fez olhar em seus olhos.

— Mike, do ponto de vista dela, foi você quem fez isso.

Michael fica surpreso.

— Do que você está falando? Eu não seria capaz...

A garota suspira e coloca o caderno de lado.

— Sinceramente, vocês dois às vezes podem ser tão idiotas.

Ela não diz mais nada. Apenas deita a cabeça no travesseiro e fecha os olhos, sua mão segurando a do irmão.

Michael está um pouco atordoado com o que ela acabou de dizer, mas não ousa tirá-la de seu sono. Seus pensamentos correm, tentando decidir o que pensar sobre o que Shayla dissera. Se aquilo era verdade...

O garoto espera que a irmã adormeça, e então, com o interior conflitante, dirige-se à praia.