Segredo Virtual escrita por Alehandro Duarte


Capítulo 34
2º T: Capítulo 9 Tapas na Cara


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo gigante de SV, após um hiatus de 3 meses sem capítulos!



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O caixão já encostava no final da cova cavada há algumas horas. Talvez a cor dele não fosse a que Helena mais gostava, mas o que importava era a intenção. Um morto não poderia escolher, de qualquer modo. Um homem recitava palavras de um livro, da bíblia talvez. Não tinha como ter certeza, já que sua mão tampava o título, e provavelmente nenhuma das trinta pessoas no cemitério conseguiria ler independente do ângulo. Miguel se sentia mal por sentir um profundo tédio em um enterro. Não era pra ser animado, porém ficar em pé ouvindo palavras aleatórias de um homem que mal conhecia a falecida também não seria a melhor das escolhas para honrar alguém. Também se interessava mais pela história do acidente de carro que foi muito mal contada, tudo o que descobriram foi que o carro derrapou de uma ponte. Bianca não pensara em Dylan em momento algum desda ligação. O choque de mortes ao seu redor ficara tão grande, que não pôde parar de chorar para iniciar uma série de pensamentos que só levariam a pensar o pior. Lídia era quem aconchegava e apoiava a prima aquela hora, até a levou para passar algum tempo em sua casa. Ela tinha que começar a reprimir a dor que sentia com a morte de seu pai, para poder ser o forte de Bianca. Mas Daniel era quem realmente corroía toda a sua dor. Sempre fez isso. Para ele, doía mais ver quem amava sofrer do que a si mesmo. Fazia muito tempo que não chorava, às vezes a esposa brincava dizendo que ele era um poço seco. Sofia observava bem de longe, repousando seu braço em uma árvore com tantas flores que mal tinha espaço para outra cor sem ser o vermelho das pétalas. Rose procurava Dylan com o olhar, mas ele não parecia estar presente. Ou pelo menos não queria mostrar estar. De repente as pessoas começaram a jogar as flores que carregavam para dentro do túmulo. Elas caiam graciosamente em cima do caixão de madeira escura. Bianca então se perguntou; Por que as pessoas matavam seres vivos para jogar em cima de uma caixa onde repousava um outro ser morto? Era pra ser algo bonito, mas agora não fazia sentindo algum matar algo para homenagear um morto. A palavra " morte " tinha virado o seu pior pesadelo, no qual pensava todas as horas do seu dia. Conviver com sigo mesma em um estado psicótico dentro de sua mente era algo normal entre seus irmãos. Dylan também tinha problemas parecidos, algo de seu passado vivia para sempre em sua cabeça, trazendo uma sensação depressiva em sua mente. Jason sempre teve o espírito de um matador, se imaginava um monstro, e se tornou um. Nem mesmo a mãe sabia explicar como fez seus três filhos virarem assassinos. Os educou, cuidou, mas não os protegeu do mundo, deixou que vivessem e aprendessem por conta própria. Confiar na humanidade foi o seu maior deslize como mãe. E pensando bem, não era apenas os antepassados da família Augustos que tinham sérios problemas mentais. Aquele problema parecido recaia também sobre a descendente. Alguns segundos após a chuva de flores, algumas pessoas começaram a se retirar, então sem perder tempo as crianças também se retiraram:

 

— Quero ser enterrado aqui.- Miguel queria fazer graça em um cemitério, infelizmente não era um dia bom para isso.- Que cemitério chique.- Por sorte apenas sua irmã ouviu. Naquele mesmo momento importuno, seus olhos foram guiados para uma coruja de olhos...luminosos? Suas patas aterrissaram no galho de uma árvore sem flores, apenas folhada em verde. O que o garoto não conseguiu ver, foi uma borboleta morta sendo esmagada pelos "pés" da ave. Não era nem um pouco comum corujas em Sanru. Com certeza a cidade era bem privada delas, mas ninguém iria se incomodar com isto, em vista que à tantas coisas mais fascinantes para se pensar nesta cidade.

 

— Nossa mãe disse que não precisamos esperá-la.- Lídia ficaria erguida ali até que Bianca decidisse que queria ir. Daniel faria o mesmo, apoiava sua esposa em quase todas as situações. Foi o que fizeram durante duas horas. Só os três restaram de frente para o túmulo, em um lugar assombroso e com barulhos assustadores. Foi uma despedida longa e sofrida. Bianca nunca iria esquecer todos os momentos maravilhosos que viveu com Helena, é impossível se esquecer de alguém totalmente. Várias cenas passaram por sua visão embaçada de lágrimas. Não eram miragens ou alucinações, só memórias. Com memórias foi criada sua perturbação, mas com memórias também foi criada a sua esperança. A esperança de um dia poder viver em paz. "É claustrofóbico viver dentro de um corpo e em uma mente que nunca irei sair", continuava Bi em seus pensamentos lúcidos e com um pé na crise existencial.

 

 

 

A oriental bateu a porta de entrada do casarão, jogando sua bolsa prada no sofá, e tentando mais uma vez encaixar as peças do quebra-cabeças diário. Foi ao enterro por consideração, mas foi ela que se sentiu enterrada pelos olhares de todos que compareceram a reunião de Lídia no porão. Agora também se responsabilizava pelas contas, pela loja de gibis que lhe foi dada, já que mais ninguém estava em condições para ficar em um local que remete um ente morto. Provavelmente todo mundo a odiava. Foi a causadora dos assassinatos e ficou com tudo dos defuntos. Parecia até um belo golpe. Também já fazia muito tempo que Dylan não vinha conversar com Lícia. Jogou todo o peso do desafortuno com Jessica e Sebastian para suas costas. Que droga! Apenas queria rever sua família. Talvez tivessem morrido, mesmo assim poderia receber sósias e fingir que são sua famílai de verdade. Fazia tantos anos desde que foi obrigada a trabalhar para Jessica, e agora ela tinha morrido...De qualquer forma ultimamente morrer havia virado tendência. Morte era o pensamento que rondava todo mundo. Morte aqui, morte ali. Ninguém aguentava mais essa palavra:

 

— Me sinto como se estivesse morta.- Arfou Sofia ao entrar pela mesma porta, reclamando do calor que estava sentindo.- Esse calor ainda mata um.- As duas se sentaram no sofá, olhando seus reflexos na televisão desligada. Sofia e sua "empregada particular", como a chamava nas horas vagas, tinham virado grandes amigas. Ou talvez grandes inimigas. A relação delas nunca ficou muito claro. Uma teria que confiar na outra para não ser sufocada por um travesseiro durante a noite.

 

— Seu filho não aparece há muito tempo por aqui.- Jogou no ar sua indignação.

 

— Está com saudades?- Doce sarcasmo. Apoiou seu cotovelo sobre um dos braços do móvel, colocando sua cabeça sobre o punho, lembrando-se que não aguentava mais lembrar do passado. As ironias rolavam soltas hoje, provavelmente era alguma diversão do destino para esse dia tão desconfortável.

 

— Como se sente sabendo que criou um monstro?- Aquilo feriu o orgulho de mãe de Sofia. Seus filhos não eram perfeitos, mas...Talvez realmente fossem monstros. O lado positivo era que apenas um era considerado desse modo.

 

— Do mesmo jeito que sua família deve estar se sentindo.- Foi pesado e infantil. Mas aquelas mulheres não se importavam nem um pouco com os sentimentos dos outros.- Acho que entendo o porquê de Dylan querer tanto esse jogo.- Disse quebrando o silêncio que não durara nem um minuto.- A vida chega a ser um tédio às vezes. Quando se conhece esse método de entretenimento, real e divertido na maior parte do tempo...Acaba virando um vício. Manipular pessoas como se fossem bonecos é um vício. Ele está criando uma história, e quando as coisas não saem como previu, pode ser uma grande reviravolta para o enredo ou uma grande falha. Dylan ficava revoltado quando as coisas não saiam como queria. Provavelmente já se acostumou a isso, porém personalidades não mudam, se amadurecem.

 

— Por que está me contando isso?- Elas se entreolharam, abismadas.

 

— Gosto de compartilhar meus pensamentos.- Seus olhares voltaram novamente ao tedioso reflexo na televisão.- Agora você é uma jogadora. Está enfraquecida. Devia ter aliados para te salvar caso alguma coisa aconteça.- Era bem sugestivo, mesmo não sendo de propósito.

 

— Sei me virar sozinha.

 

— Eu também pensei que sabia. Até que vi várias pessoas caírem na própria cova que cavaram.- Derrotar Dylan seria o suficiente para tudo acabar? Se tentasse contra ele poderia acabar caindo em uma cova, mesmo se não for cavada pela própria.

 

 

 

— É sério que ela vai ficar no meu quarto?- Miguel estava irritado. Sua tia acabara de perder a noiva, e Lídia a convidara para passar dias em sua casa, no quarto do garoto?! Que audácia, não? Daniel se arrependera de tê-lo mimado tanto. Ou essa teimosia exuberante podia vir de seu gene. Sara nunca foi fácil de lidar.

 

— Fala baixo. Sua tia está passando por uma fase ruim. Temos que dar apoio emocional a ela.- O pai não aguentava a falta de sensibilidade em seu filho. Ás vezes até parecia que sua ignorância era contagiosa.

 

— Meus avós morreram e nem por isso eu fiquei de drama.- O rebelde cruzou os braços, olhando dessa vez para sua mãe com uma cara nem um pouco amigável.

 

— Eu não criei um monstro pra você ser insensível com os sentimentos das pessoas.- Disse Lídia, secamente, encarando o garoto de boca aberta.- E espero que não faça reclamação alguma na frente da sua tia ou eu vou meter a mão na sua cara.- O queixo dele estava mais baixo do que nunca. Desde quando aquela mulher era tão dura e ameaçadora em suas palavras? Dando meia-volta para o quarto de sua irmã, que estranhamente era mais bagunçado que o seu, Miguel avistou um papel colado na porta, no qual dizia " Horário de funcionamento do hotel Rosenerys: 22:00 às 11:00. Pagamento: Sua mesada ". Ele ia reclamar com seus pais, mas se deu conta que poderia levar outro fora daqueles. Lídia trocou olhares com o marido. Ela expirou desfazendo a postura ao ver o pestinha virar o corredor. Ser forte com seus filhos não era sua vocação.- Como eu fui?

 

— Cruel.

 

— Que bom. Devo ameaçá-lo com uma faca na próxima vez?

 

— Acho que por enquanto está ótimo.- Às vezes até Daniel pensava que um facão resolveria os problemas numa boa. Infelizmente escolheu ser um pai bonzinho. Rose saiu de seu quarto, parecendo uma super-star pronta para entrar em um circo.

 

— Quer uma peruca também?- Daniel a cutucou com o cotovelo, avisando a esposa para parar de tentar dar patadas. Aquela maquiagem estava totalmente exagerada, e para algumas horas após um enterro...bem inapropriada.

 

— Aonde você planejava ir?

 

— Ah, não. Você precisa deixar eu ir. Não quero ficar chorando pelos cantos da casa, pra mim já deu.- Ela andou até o sofá, da onde pegou sua bolsa, e também onde percebeu que tinha sido seguida.- Eu vou atrás do meu namorado, tá bom?

 

— Será que ele não pode vir pra cá?

 

— E assistir ao festival de melancolia? Não mesmo. Acho que todo mundo só tá querendo paz, e vou conseguir a minha bem longe daquilo.- Rose passou seu braço pelo alça da bolsa, criando postura e abrindo a porta para retirar-se.- As majestades me dão permissão para me retirar?- Eles abriram um carão que fez a ruivinha fechar a porta mais rápido do que pretendia.

 

 

 

Flashback on:

 

 

 

As delicadas mãos brancas de sua enfática paixão da infância passavam entre seus cabelos volumosos e lisos em excesso. Todas as outras crianças do grupo tinham ido embora, sobrando apenas aquele casal de crianças inquietas deitadas sobre a varanda da casa do garoto. Aquele momento era tão fofo, inocente...Anos antes de perderem completamente a razão, de serem banhados em sangue. Daniel repousava sua cabeça no colo da menina que o fazia sentir pela primeira vez uma paixão doce no coração, como se degustar de açúcar e fica a sós com ela, fosse a mesma coisa. Amores de infância são sempre inocentes, nunca duram, e normalmente são ridículos quando se olha para trás após alguns anos. São tão imaturos, porém insistem que já são crescidos o suficiente para namorar. Só tinham onze anos de consciência e já começaram a trilhar o bosque encantado do amor. Ahhh, como estava uma tarde linda sendo perfumada pelas flores plantadas no jardim e chegando até eles pelo frescor do vento. Era romântico:

 

— Ás vezes eu penso que poderia ter nascido uma borboleta.- Começou Ellen, quebrando o silêncio aconchegante que tanto cultivavam.

 

— Por que uma borboleta? Ela apenas é bonita, não tem nada demais nela. Mil vezes ser um cangurro, um leopardo ou um leão com uma juba enorme.

 

— Mas as borboletas tem fases. Começam horríveis, feias e fracas. Até que se isolam do mundo para depois virarem uma deusa. É motivador. E elas ainda cegam pessoas!- Aquele mito realmente era bem famoso na época, infelizmente foi tirado como justificativa alguns anos depois quando descobriu que o máximo que podia acontecer seria ter uma reação alérgica por coçar o olho logo após ter colocado a mão na asa de uma.- Ouvi dizer que algumas bebem sangue.

 

— Você gosta de beber sangue?- Repreendeu-a como se estivesse ouvindo a confissão de um suposto crime.

 

— Claro que não! Tem gosto de ácido, e ácido não tem gosto bom.- Mentiu. Para a pequena Ellen, sangue tinha um gosto bom. Talvez por estar quase na fase prática do projeto no qual foi colocada por seu pai, isso a tenha influenciado em ter um pático por sangue.

 

— Eu odeio insetos. Só servem para nos darem medo e nojo. Talvez o mundo fosse melhor sem esse tipo de animal.

 

— O mundo seria melhor se não houvessem humanos.

 

— Mas se não houvessem humanos, quem iria se encantar com o mundo melhor? As borboletas?- Uma delas acabara de pousar em seu nariz, o que o fez se estabanar para tirá-la do rosto, dando-lhe um tapa.

 

— Para! Vai matar ela!- Ellen se aproximara da criaturinha parada no piso, pronta para que subisse em seu dedo, mas ela se dispôs a voar de volta para o jardim.

 

— É por isso que as odeio!- Coincidência ou não, os dois tinham certeza que a borboleta os tinha ouvido. As risadas finas e escandalosos foram bem gostosas, sendo ouvidas até do vizinho durante um bom tempo.- Ei! Ouvi dizer que viram o Jason por ai. Acha que é verdade?- Aquela mudança de assunto fez com que os dois se sentissem mal após a primeira frase. Jason tinha fugido de casa na época. Foram quase dois anos de procura, todo mundo pensou que a fuga dele foi um surto pela morte do pai. Não estavam totalmente errados. E o caso do marido da Família Augustos entrou para a lista de assassinatos mal resolvidos. A garota sabia onde ele estava, não apenas ela como o grupinho de amigas, mas não podiam dar sequer uma dica para que Daniel desvendasse aquilo. Talvez fosse melhor deixá-lo longe de tudo.

 

— Ele provavelmente tá morto.- Os dois se calaram por alguns segundos. Qualquer palavra que remetesse a morte era algo pesado para as crianças. Não se sentiam preparados para lidar com tal ênfase em seu significado.

 

— As outras garotas também concordam com você?- Ele a encarou. Nunca deixaria de acreditar que Jason estava sim vivo. Nem sequer pensava em descobrir o falecimento de alguém que conhecia. Isso poderia...Destruí-lo.

 

— É. Concordam. Não tem porquê se iludir achando que alguém que desapareceu há dois anos ainda esteja vivo em algum lugar. Isso é ser idiota.- Nunca diria aquilo na cara de Bianca ou Sofia, mas para Daniel que nem um integrante daquela família deformada era? Diria todas as verdades, mesmo que fossem falsas.

 

— Não acho que pensem assim.- Seu rosto olhava para o piso, pensando em como aquela garota era tão insensível às vezes. Enquanto isso, a pequena Ellen se calou, também devaneando em pensamentos. Mentir não era difícil, podia ser um hobby legal para testar sua vocação como atriz, mas dizer tamanha crueldade para um amigo esperançoso e inocente era tão doloroso.

 

— Acho que preciso ir.- Ela se levantou, descendo os dois degraus de entrada. Apressando seus passos e vendo as borboletas voando perto de si. Tinha que sair rápido daquele clima, antes que falasse demais. " Tudo bem, já estou acostumado ", disse ele pelas costas, quase como um sussurro. Uma sensação desagradável bateu ao peito. Seria remorso? Culpa? Pena? Negativamente entendera. Mas ao seu virar de volta para o garoto, encontrou-o em pé, a observando ir. Doeu. Doeu durante muitos anos. Tinha virado um monstro, e mesmo assim, nunca se perdoaria por ter feito aquela escolha com o seu amor verdadeiro, nem em seu último suspiro..- Quer vir comigo?- O sorriso com qual pronunciou aquelas palavras, nunca mais foi visto de um jeito sã.

 

 

 

Flashback off:

 

 

 

—...Tá todo mundo uma merda lá em casa, não sei se vou aguentar mais aquele clima horrendo.- Respondeu Rose para o namorado, sentada ao lado dele na praça. Naquela mesma praça aonde foi sequestrado há vários anos atrás, junto de sua tia, Rebeca. Talvez sua esperteza tenha ficado nos pijamas que costumava usar na infância, agora não passava de uma menina narcisista e mesquinha. Podia enganar seus pais fingindo ser alguém mais inteligente, mas apenas a eles.- Acho que preciso de um tempo.

 

— Devia dar um tempo a eles, não a si mesma.- Ela se virou, olhando descrente para ele.

 

— O que quer dizer com isso, Leonardo?

 

— Seu narcisismo é tão idiota quanto o do seu irmão. Os seus pais realmente são os certos da situação.

 

— Eu estou passando pelo mesmo que...

 

— Você não está sentindo nada. É tão seca quanto uma poça d`água exposta ao sol.- Aquilo caiu como um balde de água fria sobre a cabeça de Rose. Parecia que todo mundo tinha tirado o dia para lavar a roupa suja.- É capaz de eu me importar mais com sua família do que você mesma.- E alguém com certeza iria sair da máquina, escorraçado.

 

— Acha que sabe o que é passar por tudo isso? O que passa na minha mente? Não tem ideia de quantas coisas eu preciso manter em segredo para não machucar ninguém!- Ela se levantou, mas permitiu enfrentá-lo.- Provavelmente não é nem uma surpresa tão grande te ouvir falar grosserias sobre mim.

 

— As pessoas não gostam de ouvir a verdade.- Os braços se cruzaram enquanto ela virava e ia andando.- Espero que daqui há algum tempo, reflita e perceba o quão imatura está sendo.- O dedo do meio foi a única resposta que viu. Mal começara o dia e já imaginava o quanto de esporos que poderia levar durante a estadia da tarde a noite. E dormir no mesmo quarto que o irmão? Seria no mínimo...Irritante. Sua pose de raiva se desfez ao virar a rua, próxima a um beco, para o qual foi puxada rapidamente por mãos delicadas e com as unhas pintadas de vermelho. Já estava pronta para lutar, até ver quem era a ameaça.

 

— Ah, é você.- Pôde respirar ao ver o rosto de Rebeca, que não parava de olhar para sua maquiagem exagerada.- Precisava de verdade se encontrar comigo aqui?

 

— Por que anda aceitando remédios do Dylan?- Indagou, com uma face bastante séria. Um vento forte soprou naquele momento, levantando o cabelo das duas, que agora pareciam mais densas a cena na qual viviam.

 

— Se não bastasse um lunático colocando câmeras em cada canto dessa cidade, você também vem me vigiando?- Uma coruja sobrevoara o céu aberto do beco. Rose achara que apenas ela percebera aquela peça fora de lugar. Desde quando tinham corujas em Sanru? Bem, talvez devesse prestar mais atenção em sua vida no que em animais em lugares inusitados.

 

— Não aceite mais nenhum frasco, me ouviu? Nem se encontre mais com ele.- O rosto de Rose congelou. Pronto, só lhe faltava essa. Se sua tia quisesse revelar tudo aos seus pais, estaria fodida.- Tome.- Rebeca tirou um frasco do bolso, quase igual ao que Dylan havia dado a sua filha, também com pílulas dentro.

 

— Agora é moda todo mundo me dar remédios sem dizer para o que servem?

 

— Você...- Essa garota só podia ser retardada.- Vou fingir que não ouvi o que disse. Mas também prefiro não te contar para o que são.- Nunca planejara ter que invadir o quarto de uma adolescente para roubar medicamentos e estudá-los, mas já que não tivera outro jeito.

 

— Tá de brincadeira.- A ruiva arfou, aceitando o frasco.- É tão fácil assim invadir a minha casa, pegar algo e sair?- Não houve resposta, porém tinha certeza que qualquer um pouco mais inteligente conseguiria entrar lá sem ser pego.

 

— Vem cá.- Os braços de Rebeca envolveram o corpo pouco atlético da sobrinha. Amava aquela pirralha. A amava mais ainda quando realmente era uma pirralha. Era esperta, fofinha e até um pouco estrategista. Se sentia aliviada por ela não ter virado uma versão de seu pai. Tinha uma grande vocação para isso.

 

 

 

Ela estava triste. Ah, como estava triste. Partilhava da mesma preocupação que sua cunhada, mas a irmã de seu marido desaparecido, parecia estar bem pior. Justamente por isso veio atrás de Lídia. Carla achara em Lídia aquelas colegas na qual visitava toda semana para contar fofocas. A dona da casa abrira a porta, a convidou para entrar e se sentar. Também ofereceu um café, que fora aceito:

 

— Marina está tão acabada. Sente saudades do irmão... Os sumiços, as mortes...Isso tá matando todo mundo.- Dialogou Carla, olhando para a xícara na qualquer bebia café, já colocado há alguns minutos.

 

— Já estamos mortos.- Cochichou Lídia para si mesma.- Sinto muito pelo o que está passando.

 

— Acho que você também conhece esse sentimento.- Ela colocou sua mão sobre o punho estendido da proprietária.- É estressante ter medo o tempo todo.- Lídia ia ficar calada, mas estava sincera demais para isso.

 

— Nós deveríamos ter medo o tempo todo. Com Dylan ou sem Dylan, sempre estaremos expostos. Apenas não sabemos disso.- Carla deu um olhar estranho, tentando achar o que aquilo significaria.- Querendo ou não, somos aliados um dos outros. Confiamos nos motoristas de carro, nos cabeleireiros, das empresas alimentícias, até de quem passa ao nosso lado na rua. Confiamos nossas vidas a essas pessoas. Desconhecidos.- Bianca acabara de passar por elas, com um olhar incrédulo e um pouco distante...Culpa?

 

— Oi, Carla.- Cumprimentou, levantando os olhos para substituir o gesto do aperto de mãos.

 

— Oi...- Respondeu. Pensou em comentar sobre o clima para quebrar o futuro gelo que poderia vir, mas a vida estava complicada demais para se perder em devaneios futuristas. O agora era o mais importante.- Eu sinto muito...- Não deveria sentir, foi ela que matou o seu marido. Carma. Bianca deixou os lábios separados com o intuito que iria falar brevemente, porém os fechou ao perceber que não tinha nada para falar. Aquele som de motores ligando vinha da garagem. Daniel não dissera aonde ia. Normalmente dizia. Lídia gritou ao ouvir a janela quebrar. Uma criança acabara de arremessar uma boneca em sua vidraça da cozinha. Carla se dirigiu a janela, olhando para o garotinho que brigara com uma menina chorona, que logo começaram a correr em retirada.- Foram apenas crianças.- Ela se abaixa para pegar a pequenina representação em plástico.

 

— Dessa vez não pegou na minha cabeça.- Descontraiu-se Bi, sendo encarada por olhares que não sabiam em que estado emocional a viúva poderia estar.

 

 

 

Mãos trêmulas. Testa suando. Firme e com foco. Aquela era uma chance com riscos, precisam ir além do que aparentavam ser. O jogo não poderia mais continuar de jeito nenhum. Soldados demais foram perdidos no meio de tantas batalhas, e nunca, nenhuma vez sequer, chegaram perto de acertar a maior peça rival. É logo que passava longe de sua cabeça ter que matá-lo. Nunca mataria seu filho, jamais. Mas nesse momento, qualquer pessoa seria capaz do contrário. Sofia não podia garantir a sobrevivência de Dylan nesse plano, porém, sua intuição materna dizia que não precisava se preocupar com isso. Ficar longe de Dylan era o único meio para conseguir alguma vantagem, e era disso que precisava. Mas...Um rei seria pego por seus súditos em um plano tão medíocre para derrotá-lo? O celular começou a tocar, tirando-a de seus pensamentos com um pulo:

 

— Puta merda!- Insultou, quase desgovernando o carro. Abaixou sua mão, pegando o celular e atendendo a importuna ligação já esperada.- Fale, princesa.

 

— Acho que a minha coroa caiu...- Comentou Lídia.- Já está no seu posto?

 

— Digamos que não tenho uma tarefa muito difícil.- Dirigir foi o que sempre fez a vida toda. Olhou para seu masso de cigarros no banco ao lado. Quase nunca fumava, apenas quando algo a deixa apreensiva.- Espero que seu marido esteja aqui.- Aquela zona de saída era como uma floresta fora da estrada. Para os dois lados, havia apenas árvores grandes, algumas até com frutos.

 

— Daniel já saiu, não se preocupe.

 

— Me preocupar é a única coisa que dá pra fazer.- Ao desligar a ligação, Sofia se viu sozinho de novo. Não havia nenhuma voz para acompanhá-la. Até que um pássaro desengonçado entrara pela janela, deixando os dois ser vivos assustados. Para a ave foi mais fácil sair daquela situação, foram apenas três segundos para reencontrar o local de entrada, mas a humana fez o carro se desengonçar pela estrada de asfalto. Por sorte não batera em uma árvore. Pelo visto estava melhor sozinha do que alguém ou algo. Ao olhar para o retrovisor, viu um homem do lado de fora, caminhando lentamente quase para fora da pista. Era careca, alto, negro e forte. O mesmo homem que aplicou uma injeção em Sara no hospital, o mesmo que fazia parte do novo Cold Blood. Sofia mordeu os lábios. Dylan mordera a isca. Tanto que há alguns quilômetros à frente, Daniel lutava com um Guy Blood dentro de seu carro, escondido em uma estradinha entre as árvores que dava de frente para a pista. Tudo estava indo rápido e fácil. Um dia acelerado.

 

 

 

Flashback on:

 

 

 

Só agora teve a capacidade de compreender a situação reveladora que vivia ao lado de Ellen. Que coisa louca seria esta que suas amigas tanto escondiam dele? As saídas conjuntas, conversas secretas...Por que não podia ter entrado pela frente daquele casa? Para uma entrada escondida ser tão necessária, com certeza isso iria ser uma descoberta de outro mundo! A adrenalina não o contia, seus olhos não tão pequeninos espiavam cada centímetro do primeiro cômodo, mesmo que não desse para ver nada naquele breu. Algumas vozes cochichavam algo no andar à cima daquele...porão? Ah, meu Deus, quanta curiosidade sentia:

 

— Vamos subir logo!- Disse Daniel, quase que gritando. Ellen o deu um olhar repreensivo, o pegando pela palma da mão e fazendo sinal de silêncio para que ele se aquetasse. Quase tropeçou no primeiro degrau, porém teve a sorte de sua amada lhe ter segurado. Continuaram subindo, já dava para ver luz vindo das fretas da porta. A linda garota pôs sua mão na maçaneta, temendo que quando abrisse, alguém a visse.

 

— Acho melhor voltarmos. Eu não devia ter te trazido aqui.- Tarde demais para a pequena Ellen. Mas nunca que Daniel sairia de lá sem saber o que acontece atrás daquelas paredes. Ele pulou na frente dela, puxando a porta em seu lugar. A reação da menina não poderia ser melhor, quase morrera de medo. A partir de agora, não tinha volta. Que a sorte esteja sempre a seu favor.

 

— Aonde as garotas estão?- Perguntou, baixinho dessa vez. A única coisa que deram de cara foi com uma cortina tampando a janela do corredor estreito. Aquela casa tinha cheiro de remédios...Também fazia sons como se algo estivesse vibrando em seu piso. A inquietação tomava conta de seu corpo, mas...E se fosse decepcionante? Pra todo esse mistério, não tinham como ser decepcionante. Ellen ouviu passos vindo da virada do corredor, rapidamente puxou o pulso de Daniel e entrou juntou a ele dentro de um novo cômodo. Aterrorizante. Horripilante. Fotos de pessoas mortas, cortadas e picadas, pairavam nas paredes ao redor. Uma mesa no centro continha algumas armas típicas de lutas medievais.- O que é isso?- A garota permaneceu calada, ouvindo as batidas da bota da empregada, se distanciando da porta.- O que é isso, Ellen?!- Ele caminhou se aproximando daquilo que era tão curioso.

 

— Não mexe ai!- Ordenou. Também tinha um manequim usando um terno preto formal, com uma pena negra em seu bolso.Grandes segredos, grandes tesouros. A garota o puxou pelo pulso, o levando para a porta, antes que mais perguntas saíssem de sua boca.- Se quer continuar aqui, vai ter que fazer tudo o que eu mandar.- Ele assentiu com a cabeça. As crianças saíram daquele lugar, vagando sorrateiramente pelo corredor. Os quadros nas paredes, eram de animais aleatórios e pessoas adultas, estranhamente elegantes. Nas mesinhas encostadas nas paredes, lírios do campo enfeitavam e davam um brilho mais caseiro ao local. O dono da casa tinha mal gosto para decoração, evidentemente. Aqueles degraus para o segundo andar, faziam tanto barulho, que não tinha como ninguém tê-los ouvido subir. Como um lugar tão importane e comprometedor poderia estar mal vigiado? Talvez Ellen tivera colocado muita fé naqueles treinadores de etapa um. Queria ser surpreendida. E fora, mas apenas quando chegou no acampamento. Deveria se sentir bem, pelo menos ninguém a pegara...Ainda. Regra número 22: Não trazer ninguém de fora. Confiar em crianças? Quem foi o burro que pensou que isso daria certo?- A partir de agora você precisa ficar calado, sem tocar em nada. É sério, Daniel. Se pegarem você aqui...

 

— Confia em mim.- Ele levantou o dedo mindinho. Um juramento que adoravam fazer, mas que não seria mantido por mais que alguns minutos. Os dois dedinhos se entrelaçaram. Era essa encantadora criança que se transformaria em uma assassina? Realmente, só Mary conseguiria por ordem naquela porra toda. Ellen abrira um pouco uma porta, observando o quarto pela frecha.

 

— Não faça nada. Por favor.- Caminhando para dentro, foi abrindo a porta de madeira, fechando-a logo após a entrada de Daniel, que parecia mais abismado do que nunca com a vista que estava presenciando. Ela está agoniando! É ali que suas amigas vão quase todo dia? O que é de verdade isso?

 

— É a irmã do Thiago?- Uma garotinha, se remexendo amarrada em uma maca, com um equipamento de mental entre seus dois ouvidos, e com algo estranho tampando sua boca. O fio do equipamento era ligado a máquina do tamanho de um frigobar, ao lado. - É a Amélia, Ellen?!- Eram grandes rajadas de choque, aquilo era tão...torturante de assistir...- Precisamos fazer algo!- Ele correu para perto da garota, mas não podia tocá-la. Aquela máquina era complicada demais...

 

— Fica longe!- Gritou, indo atrás dele, mas sendo segurada com força por um funcionário.

 

— O que você fez, Ellen?- Seu abraço estava doendo muito, mas qualquer explicação não seria o suficiente para sair dessa, nem tempo teria para explicar...Daniel viu o homem, era ameaçador. Logo se pôs a correr. Não para a saída, mas para mais perto da máquina, arrancando um fio grosso que conectava ao corpo daquela pobre menina. Junto daquele ato equivocado, um boom inesperado veio a acontecer. A máquina explodiu, arremessando a maca e o menino para o outro lado do quarto. Ellen presenciara o pior erro da sua vida.

 

 

 

Flashback Off:

 

 

Seus cabelos soltos voavam ao vento na sacada que dava direto para um terreno inabitado. Ninguém podia vê-la, nem pressenti-la. Alguém percebera sua dor nesses últimos dias? Não importava mais. Logo agora que era considerada forte, sua força não aparentava mais estar lá. Marina se descobrira instável. As mortes ao redor não a afetavam mais, mas o sumiço de seu irmão...Ah, como aquilo a destruíra por dentro. Tanto que precisou afogar suas mágoas nos braços de alguém que estava bem pior do que ela. Seu coração batia forte no peito. Aquela camisola branca a fazia tão poética, mesmo que se suicidar antes da noite chegar fosse um desperdício de cena. Nem se importava mais com poesias. Dylan não estava presente para assisti-la pular. Seus olhos apenas miraram o horizonte, não vendo sol, apenas uma nuvem acinzentada conjuntada com um vento frio que de algum modo se assemelhava a morte. A queda seria o suficiente para matá-la? E se a terra estivesse fofa? Talvez se tivesse se drogado antes, já teria pulado, achando que passaria por um portal para alguma outra dimensão onde a dor não existisse. Suas mãos se posicionaram uma longe da outra naquele apoio de ferro friento, então a primeira perna pôs-se a subir naquele lugar escorregadinho. Já estava sentada de frente para a queda, de frente para o fim de sua vida em um mundo tão infernal. As vezes acreditava que o mundo era o verdadeiro inferno, e que o céu era o término de qualquer consciência carnal ou espiritual. Gostaria de ser um vazio, um vácuo eterno. Sua vida parecia assim ultimamente. Não tinha mais pelo o que lutar. Seu rosto empalidecido, sofrido...Escondera seus surtos do mundo, porém nunca poderia esconder algo de Dylan, ele era tão inteligente, invasivo, cruel. Mais cruel do que fora com aquelas criancinhas. Ele é um genocida! Quantas pessoas precisarão morrer para detê-lo? Isso não era mais assunto seu, mesmo que tantas perguntas ecoem pela sua cabeça. O sentimento de não estar mais viva era gentil ou temível? Jamais pararia de se perguntar, até que enfim decidisse pular. Uma última lágrima despencara dramaticamente de seu rosto sardoso. Agora era a hora de fazer o mesmo, tinha que ser tão teatro quanto. Vá:

 

— Uma flor de pétalas negras faz toda a diferença em um clima poético. Deveria saber disto.- Ele chegou. Ele sempre arruinou tudo.- Despencar em um tempo chuvoso, também .

 

— O que você quer agora?- Seu olhar continuava firme e forte no horizonte, não queria deixá-lo ter mais um gostinho de seu sofrimento. Daqui há pouco, Dylan não existiria mais.

 

— As pessoas sempre nos decepcionam, não? As que pensamos serem fortes são as que se destroem mais rápido, enquanto as que pensamos serem fracos são as mais persistentes.- Ele a considerava forte? A teria prejudicado tanto por isso? Bobagem! Pouco importa. Se Dylan morresse agora, na sua frente, se jogaria dali mesmo assim.

 

— Como você não se próprio destruiu ainda?- " O mal por si só se destrói ", isso não se aplicativa ao comandante de jogos.

 

— Destrua os outros antes de si próprio. É assim que se veste uma armadura. É assim que se fica forte.- Fazia algum sentido? Talvez fosse algo mais profundo do que pudesse entender naquele momento. O homem caminhou em sua direção, sentiu a palma dele submergir sua delicada mão. Dylan tinha uma pele tão macia e cheirosa, ela era perfeita. O cheiro do perfume forte a extasiou, por um minuto pensando em como ele era tão apaixonante naquele jeito provocante. Ele era um assassino! E ela também. Se rolasse um beijo seria tão estranho assim?...Por que pensaria em receber um beijo dele? Precisa voltar a focar-se no fim de tudo, não começar algo quando está prestes a terminar com todos os outros.

 

— Continue com sua armadura inatingível.- Sem nem mesmo perceber, tirou sua mão de debaixo da dele.

 

— Não sou inatingível. Estou sempre exposto esperando que algum dia possam me acertar.- Que cara de pau. Poderia matá-lo nesse exato momento...- Não precisa ser assim, Marina. Nem vai ser assim, você sabe que não.- Ela virou o rosto para ele, o vendo se apoiar com os braços cruzados no corrimão.- Desista de morrer sem eu querer. Sua vida pode ter vários sentidos, é só correr atrás deles.- Se pulasse agora, talvez teria alguma chance de fugir dele...Não, nunca poderia fugir dele. Após arfar, levantou suas pernas em direção ao apoio, quase deitando naquela estreita barra.

 

— Você tem razão...- Dylan lhe jogou um olhar sem algo que pudesse dizer o que pensava, apenas um vazio em seus lindos olhos. Conseguira impedir o suicídio de sua boneca.- Morra!- Gritou ela, dando um chute no rosto bonito daquela criança mimada que brincava de ser um Deus. Suas costas bateram de contra as barras de ferro, o fazendo se abaixar lentamente até o chão. Era tudo um plano para derrotá-lo! Marina levantara sobre o corrimão, andando em cima dele calmamente. De repente a suposta suicida tinha uma faca nas mãos, tirada de uma das barras de ferro na lateral com pedaços de fita isolante amostra da vista de fora. O vilão recupera-se, se jogando longe no chão após intervir um próximo golpe com os pés que acertaria centralmente o seu rosto, novamente. Marina pula de volta para o piso, já vendo Dylan em pé no meio da sala começar a abrir seu cínico sorriso.- De repente virei a fodona, não é?- Sofia também era uma parte do plano, queria que seu inimigo pensasse que descobrira todo o planejamento, sua própria mãe fugindo da cidade para encontrar algum contato da organização para detê-lo, quando na verdade, o ponto chave de tudo isso era apenas uma mulher a fingir tentar se matar, e então o fazer morder a isca.- Você tem toda a razão. Você é decepcionante

 

— Te ajudo a se recuperar, e em troca quer tentar me matar?Bem, acredito que precise mais do que um pé para me pegar.- Agora sim, estava sendo excitante.

 

— Está funcionando.- Ela partiu pra cima, segurando a faca como se fosse enfiá-la em alguém a qualquer momento. O que não se podia esperar era a " criança mimada " dando um mortal para trás do sofá, sacando dramaticamente sua arma, apontando-a para a adversária. Marina se joga para o lado, acertando o chão e arremessando a lâmina em direção ao pescoço de seu alvo. Com a mão esquerda livre, Dylan agarra a faca na parte da lâmina, deixando sua mão ser cortada afundo pelo metal encharcado por bastante sangue escorrendo da palma. A cicatriz da facada que levara de Bianca não existia mais em seu braço. Que tipo de produto era tão eficiente assim?

 

— Prefiro levar tiros do que cortes.- Seu rosto não mudara muito, aquilo podia ser agoniante para alguém de fora, mas para um assassino? Nenhuma dor seria pior do que frustração.

 

— Que seja feita a vossa vontade.- A porta é escancarada estrondosamente, revelando a chegada épica de Lídia com uma arma-de-fogo engatilhada. Dylan, armado, desvia o olhar para a entrada triunfal de sua prima, e logo é acertado, pela distração que dá a chance de Marina para se tacar em cima dele com um chute no tórax, o arremessando um pouco mais longe do que pensava que alcançaria. Lídia entrou depressa na casa, passando pelo meio dos dois sofás perto da mesa de centro sã e salva. A visita chorosa a Lídia no dia anterior não fora em vão. Colocara um papel dentro de seu bolso, e sussurro no ouvido da proprietária da cafeteria, mas a grande questão era: O que aconteceu com Carla para ser a Lídia quem manusearia a arma? Sua mão continuava mirando o inimigo sorridente no chão.- Atira!- Ela suava. Lídia nunca matou ninguém, ainda mais alguém que conhecia há anos, que crescera junto. Não queria virar uma assassina como quase todo mundo ao redor. Dylan não temia a morte, dava para ver isso estampado em seu rosto, tanto que parecia um blefe da parte dele, por dentro deveria estar apavorado, enfim o pegaram.- Atira, Lídia!- Matar o seu primo, o pai da sua filha. Ninguém merecia morrer, ninguém precisava morrer! Mas ele...era o maior assassino de todos.- Lídia!- Com o último grito, veio o disparo. Pobre ilusão da parte delas. Apenas acertou o piso! Dylan desaparecera. Foi engolido pelo chão?- Puta que pariu!- Marina correu até a área que o chão abrira para salvá-lo, pulando com força, fazendo um barulho enorme no andar de baixo, mas aquilo não abria de jeito nenhum.- A gente tava tão perto!- As mãos dela subiram para os cabelos, precisava pensar e se acalmar.- Ele ainda tá aqui, ele não tem poder de teleporte, caralho!- Marina correu apressada para fora de casa, descendo as escadas e encontrando Carla caída no começo delas, que se dane a cunhada, deixou o trabalho para Lídia que vinha logo atrás, resolver. As duas foram o desastre do plano, mesmo. Suas mãos chegaram na porta do apartamento logo abaixo do seu, não demorou nem um segundo para rodar aquela maçaneta, e ver com seus próprios olhos- Que filho da...

 

 

 

Flashback on:

 

 

 

— Ele vai matar você!- Choramingou Isabela, pela amiga perdida. Se Amélia não se recuperasse do incidente, ou se o amigo delas fosse executado...Trazer Daniel para um local de treinamento de assassinos? Ela havia ficado louca! Assim eles nunca mais confiariam em crianças bobas. Mas e se as consequências vierem do próprio homem corvo? Certamente Ellen estaria morta. Quebrar uma regra é o mesmo que assinar o atestado de óbito, porém, não foi o seu atestado que a filha do futuro-prefeito veio a assinar. Um dos guardas saiu de trás da porta de madeira, olhando para seu colega que vigiava as duas meninas burras.

 

— O homem corvo virá pessoalmente para vê-la.- O guarda acenou com a cabeça para o outro, levando Isabela juntos para longe daquela sala que dava entrada ao escritório do dono da casa, quem dava as ordens. Estava disposta a encarar aquela figura ameaçadora para proteger Daniel, ela o amava, e jamais o deixaria morrer por sua causa. Afinal, se conseguiu entrar em um lugar daqueles, certamente podia fazer qualquer coisa. Esse era o espirito! Mas talvez fosse o seu espirito que começaria a vagar aquele casarão. Sua espinha gelou quando viu a porta do escritório se abrir. Aquele senhor era tão elegante em seu terno preto, combinando com a cor de seus olhos, de seu bigode e de seu cabelo. Realmente ele lembrava um corvo até em sua face. Sua altura o fazia parecer mais assustador para uma criança, porém tinha um jeito tão inofensivo no jeito de se movimentar e falar.

 

— Como vai, pequena Calíriu?- O homem corvo sempre os chamara pelo sobrenome, dizem que apenas chama pelo nome seus próprios descendentes, mas nunca soube de nenhum familiar da linhagem dele.

 

— Me perdoe.- Implorou ela, com os olhos brilhando de lágrimas. O senhor apenas a admirava, enquanto sentava-se ao seu lado.- Não o mate, por favor!- As lágrimas desceram pela sua bochecha vermelha. O homem corvo a acolheu em seu braços, como um grande pássaro que aquece seus filhotes embaixo de suas asas.

 

— Não chore em vão.- Pronunciou a figura. Ellen conseguiu ver em seu relógio de pulso, que havia um corvo estampando atrás dos ponteiros que marcavam as horas. Era tão lindo...e sombrio.- Você é apenas uma criança, não precisa se preocupar com seus erros, sempre são acobertados.- A pouca idade era uma justificativa para tantas bobagens.

 

— Vai deixá-lo ir?- Disse, se desaproximando para encará-lo.- Podem colocá-lo na máquina ou...- Ela pensou, talvez fosse melhor ouvir do que falar. A decisão não estava sob sua autoridade. Apenas enxugou algumas poucas lágrimas e se fez em silêncio, esperando as respostas ao abrir da boca do velho senhor de preto.

 

— Seu amigo já foi colocado na máquina. Infelizmente algumas outras partes de seu cérebro também foram apagadas.- Os guardas sempre comentavam sobre essa tecnologia que apagava memórias. " Jamais dará cem por cento certo! ", garantiu um deles, outra vez.- Mas creio que o pequeno ficará bem.- Suas cordas vocais se fizeram cansadas com o levantar do homem, esticando as pernas longas até chegar novamente na porta de seu misterioso escritório. Já ia fechá-la quando ouviu a voz fina um pouco equivocada.

 

— E a Amélia? Ela ficará bem?- Uma tensão nasceu pelo ar com a energia dos dois olhares cruzados. Ele desviou seus olhos para o chão, deixando os lábios entreabertos para quando decidisse enfim falar.

 

— Sinto muito por sua perda.- Disse no final, o homem corvo ao fechar a porta.

 

 

 

Flashback off:

 

 

 

Era um tubo gigante de ferro. Qualquer pessoa com menos de cem quilos conseguiria passar por aquilo. Foi sorte demais Dylan conseguir escapar. Sorte ou...Planejamento? Garanto que não foi o destino que deu a ele essa libertação, mas sim seus cálculos.

 

— Isso com certeza dá para o subterrâneo da cidade.- Pensou Marina em voz alta, tocando o metal por onde o super vilão teria passado. Estava irritada demais com Lídia e Carla. Só tinham que atirar nele, será que nem isso conseguem fazer direito?!

 

— Um Guy Blood lutou com a gente!- Gritou Carla, histérica. Era sua primeira vez numa cena que mais parecia ter saído de um filme de investigação. Que palhaças, só tinham que apertar um gatilho, e nem isso o fizeram. Também estava sendo um milagre nenhum vizinho ter vindo reclamar daquela barrulheira toda. O celular de Lídia começou a tocar, era uma chamada de Sofia. Como dizer a ela que tudo deu errado depois de cada esforço que fizeram para tentar?

 

— Como estão as coisas ai? Aqui estão ótimas.- Falou a loira do outro lado da linha, com uma mão na cintura, admirando a bela vista de Daniel amarrado semi-nu no capô do carro ao lado da placa que marcava a entrada para a cidade, na qual dizia:" Bem-Vindo à Sanru ".

 

— A gente...Perdemos ele.- Ela engoliu a seco ao pronunciar a frase. Tinham uma pista, mas não o alvo principal, isso não era o suficiente. Deixaram bem claro o plano falso para Dylan nas câmeras da cafeteria, tomaram todo o cuidado para não serem descobertas. Porém, os áudios escondidos por diversas partes do estabelecimento, os pegaram.

 

— Ah, vão se ferrar.- Desligou Sofia, encarando o olhar curioso do cara amarrado um pouco levantado para vê-la melhor.- Perderem ele.- Desilusão, ele bateu com a cabeça no carro. É sério que pensaram que poderiam pegar Dylan? Meu Deus, parecem até noobs.

 

— Ela tem toda a razão para estar puta.- Marina queria justificar o fracasso naquelas mulheres, que se sentiam horríveis por terem estragado um plano nem tão perfeito assim.- Como já sabemos pra onde isso leva, já que o fodão não seria tão idiota de deixar seu quartel general embaixo da minha casa, só resta procurar pra ver se existem mais dessas...caixas por aqui..

 

— A gente fez merda, eu sei...- Pronunciou Lídia, desolada.

 

— Não, vocês não sabem! São tão inúteis vivas ou mortas.- Marina as calou.- Se ele assassinar mais um de nós, a culpa é de vossas excelências.- Ela saiu batendo o ombro contra Carla. " A raiva nos faz infantis ", disse a mãe das três em alguma noite de dezembro, uma grande coincidência, mas que as vezes lembravam quando iam se deitar já adultas. As mães sempre tem razão. A raiva fazia todos infantis.

 

 

 

Flashback on:

 

 

 

— Parece que o trabalho aqui já está feito.- Disse Jason ao entrar na casa de sua ex-vítima. Não precisariam mais fazer absolutamente nada. O chão já estava imundo de sangue e tripas, junto de três cabeças decepadas, e outros membros separados. Ele pegou uma maçã da bancada, e então começou a devorá-la.- A concorrência está muito grande até para o ramo de assassinos.- Ellen se dirigia à um quarto escuro, onde provavelmente encontraria a vítima principal que seria morta se ainda permanecesse viva. Thiago vinha atrás, ainda usando a sua máscara de Guy Fawkes.

 

— Pode ser uma cilada.- Disse ele em um tom engraçado.

 

— Ou talvez um fã.- Sugeriu o outro Guy Blood.- Nós preferimos chocolates de presente!- Disse em alto e bom som. A Girl Blood os olhou com raiva, mandando-os ficarem quietos. Lentamente ela abria a porta, segurando uma arma na mão, já com o dedo no gatilho, caso algo saísse errado. Uma energia negativa invadia o corpo de todos, não por estarem naquele cenário sangrento, mas por sentirem que algo de ruim poderia acontecer a qualquer momento. A porta se abriu completamente, e todos puderam ver um homem sentado na cama, em cima do cadáver da vítima principal. Ele segurava no colo um machado ensanguentado da lâmina até o final do cabo de madeira. Seu olhar centralizava o nada, apenas admirando uma parede branca vazia, enquanto o líquido vermelho respingava de seu cabelo.

 

— Daniel?- Ellen o reconhecera por baixo daquele sangue todo, dando passos até a cama, e então abraçando-o. Seu amigo de infância estava assustado, completamente fora de si. Ela sabia que o assassinato de sua família mexeria com o emocional dele, mas não de tal forma. Ellen anda para trás, sendo surpreendida com Daniel se tacando no chão, como se estivesse implorando por algo.

 

— Obrigado!- Gritou em lágrimas. Jason e Thiago apenas se entreolharam, pensando se deveriam ignorar e sair, ou continuar ali parados admirando o agradecimento.- Obrigado! Obrigado...

 

— O que você está fazendo?- Seu olhar sereno revelava o mar pronto para desabar de seus olhos. Ela colocou suas mãos em seu rosto, limpando cada resquício de suas lágrimas. Os pensamento da Girl Blood voltaram para um tempo muito antigo, quando brincavam juntos, fugiam de casa para se encontrar quando eram namoradinhos. Lembrou-se até dos dias ruins, aqueles que obrigou a organização o fazer esquecer. Talvez um dia ele soubesse de quando Amélia morreu, mas até lá, Ellen queria que aquela memória permanecesse escondida o máximo possível.

 

— Vocês...- Um sorriso brotou em seu rosto.-...Vocês mataram o homem que eu mais odiei neste mundo...Ele matou a minha família....- Uma frase pronta acabara de surgir em sua mente perturbada, dando início a uma negociação.- Eu devo tudo a vocês, e quero pagar como desejarem.- Ele aponta toda a sujeira que havia feito.- Eu sou forte, aguentarei tudo o que vier.

 

— Vamos matá-lo logo. Não sobrou nada pra matar hoje.- Thiago se sentou no chão, esperando uma conclusão.

 

— Quero ser como vocês. Quero ser um de vocês. Sinto que devo isso.- Daniel levantou seu machado, e o cravou no crânio do cadáver em cima da cama. Ellen o olhou, não estava crendo no que acabara de ver e ouvir.

 

— Olha, cara, eu não te conheço, mas...Isso é muito sério. Não se entra no Cold Blood assim de repente.- Jason começou a argumentar. Thiago apenas queria acabar logo com aquilo, era tão fácil só matá-lo.- Daniel, certo?- Ele confirma com a cabeça.- Isto aqui é um pesadelo, é um mar de sangue. Para todo lado que olhar, apenas verá sangue e tripas espalhadas. Você perde a sua humanidade quando entra no Cold Blood, e só a recupera quando sai dele, se é que alguém consegue recuperar...

 

— Vocês não sabem o quanto eu posso aguentar.

 

 

 

Flashback off:

 

 

 

Foi um dia péssimo. Lídia estava pronta para dormir, com sua camisola e o cabelo solto, porém, não conseguiria dormir tão cedo, pensando na paz que poderia ter tido se tudo ocorresse como o planejado. Que droga! Que Droga! Precisava descansar sua mente desse jogo. O jogo que nunca termina. Será que vai terminar algum dia? É bem provável que não. Os deuses pareciam adorar o sofrimento humano. Ah, pelo menos se encontrava deitada no conforto da cama de casal, mesmo não tendo um casal ali nesse momento. Seus olhos se fecharam, prontos para ter um belo sonho com flores do vale e...:

 

— Ele vai matar todo mundo.- Ecoou abafadamente uma voz fina de boneca, logo embaixo da cama. Lídia se levanta depressa, deitando seus joelhos no piso frio. Ajeito uma mecha de seu cabelo para trás, era apreensivo.- Ele vai matar todo mundo.- Jogou suas mãos para o escuro, agarrando o baú de brinquedos no qual guardava lembranças de Sara. O puxou para a luz, não preparada para saber a surpresa que seu querido primo havia deixado. Respirou fundo, e lentamento veio a abrir. A boneca idêntica a ex-garota em coma, agora podia falar. Bem, grande novidade. Lídia puxou uma cordinha pregada nas costas do pedaço de pano.- Sara precisa de vocês, os jogos para encontrá-la começou.- Mais jogos? Chega! Ninguém aguentava mais!- Bianca tem um mapa.- Com um grito, a morena tacou a mini-amiga na parede, estava derrotada. Porém, Dylan não queria saber, tanto que até deixou mais um recadinho no baú: " Achem Sara antes da minha vontade de matá-la ". Nem se matar os tirarão daquele matadouro.

 

 

 

Continua...


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