Um peso, duas medidas escrita por Miaka


Capítulo 9
Mentira


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! Parece que as semanas se passam cada vez mais rapidamente e quando vejo já está no dia de eu postar! Hahaha! Acaba que fica corrido, mas me animo a prosseguir, ainda mais vendo as reviews lindas que vocês deixam! Estou tentando responder todas em tempo! ♥ Muito obrigada por acompanharem, pessoal!



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— Sinbad, eu quero ir embora!

 Aquelas palavras faziam Sinbad sair dos eixos. Não. Há tantos anos aprontava tantas coisas que irritavam Ja’far, que os levavam a discussões e brigas, mas no final o rei de Sindria sabia que tudo ficaria bem. Pediria desculpas, tentaria se remendar e voltariam a ficar juntos como sempre… Por que seria diferente agora? Eram nada menos que dezessete anos de convivência passando por altos e baixos e jamais, em toda sua vida, Ja’far ousou dizer que o deixaria.

— Faça sua escolha: Arba ou eu.

— Ja’far, não tem sentido no que está dizendo, eu jamais trocaria você pela Arba! - Sinbad tentava contornar da melhor forma, se é que havia alguma.

— Então devolverá ela para Kou, certo?

— Você sabe o quão importante ela é em nosso projeto, o que tanto sonhamos!

O alvo sorriu de canto, ironia e melancolia se misturavam. Não sabia mais quantas vezes ponderaria e chegaria à conclusão de que tudo aquilo só podia ser um pesadelo. Era surreal demais.

— Meus sonhos com você nunca incluíram a Arba!

— Com o poder dela tudo será mais fácil, Ja’far! Me entenda, eu estou… usando ela! - ele foi direto enfatizando aquela palavra.

— Usando ela como o quê? Uma mulher para saciar seus desejos?

— Eu tinha bebid… digo…

 Ja’far, inconscientemente, havia lançado uma isca e Sinbad a mordera no mesmo instante. Porém, para o ex-conselheiro daquele país, aquela afirmação apenas lhe trouxe confusão. Do que ele estava falando?

— Digo, quando a beijei!

— Não me lembre disso, por favor. 

 Ele cruzou os braços, demonstrando sua indignação, porém, Sinbad só podia lamentar aquele ocorrido. Subitamente desejou que Ja’far soubesse de tudo. Era tão ingênuo e lhe confiava tanto que nem ao menos cogitara que Sinbad pudesse se embebedar e ir para a cama com Arba. O rei se sentia cada vez mais imundo. Como poderia reverter tudo aquilo? Se fosse sincero, Ja’far poderia nunca mais perdoá-lo e ele estava se recuperando, finalmente. Estava tão sensível, talvez não se recuperasse ao saber que havia sido vítima de tamanha traição. O que podia fazer?

— Ja’far...

 Sinbad então, se sentou à beira da cama e tomou as duas mãos daquele que virou o rosto na direção oposta, evitando encará-lo. Mas o moreno conseguia sentir aqueles pequenos dedos tremerem. Esboçou um fraco sorriso.

— Eu prometo que não vou te decepcionar! Vamos aproveitar essa bruxa para cumprir o que planejamos e continuar nossas vidas, juntos, ok? Eu sei que… me perdoar não deve ser fácil...

 Soltando uma de suas mãos, que envolviam as de seu general, Sinbad acariciou a face clara. E por mais que ela estivesse novamente intacta, conseguia ver a vermelhidão e a marca de seus dedos, que não estavam mais ali.

— Te machuquei, fui um estúpido. - ele sussurrou.

 Ja’far fitou de canto um choroso Sinbad. Será que estava realmente arrependido?

 Aproximou-se do alvo e apoiou sua fronte na dele, a mão sobre a face deslizando para a nuca do rapaz e afagando os fios brancos.

 Queria empurrá-lo, se desfazer daquele toque, mas como? Ja’far só pôde suspirar, tentando se manter firme. Não podia se entregar àquelas carícias baratas. Não. Não depois de tudo.

 Tentou afastá-lo sutilmente, mas sua tentativa se fez falha no momento em que Sinbad a notou e o abraçou firmemente. Seus braços envolveram o corpo menor tomando cuidado para não machucar, sem querer, mais alguma região ferida do corpo de seu conselheiro. Mas o segurava firme, como se quisesse ficar ali para sempre.

— Nunca se afaste de mim, Ja’far! - Sinbad sussurrava em uma súplica. - Eu imploro! Por mais que eu erre, eu juro que não consigo suportar ficar sem você! Me perdoa! Me perdoa! Me perdoa!

 Sinbad repetia sem parar, chegando a assustar o albino que não entendia aquela reação tão emotiva vindo de seu rei. Ele que costumava ser tão racional…

 Sentiu o abraço dele ficar cada vez mais forte enquanto soluçava. Seu coração apertou. Se havia algo que não suportava, era ver Sinbad daquele jeito.

— C-chega…

 Ja’far gaguejou, um tanto quanto sem ação, correspondendo finalmente o abraço do moreno. Envolveu-o em seu único braço livre enquanto contorcia os lábios. Não aguentava ver seu rei, tão forte, fraco daquele jeito.

— Não é a primeira vez que beija uma mulher depois que começamos a nos relacionar… - Ja’far tentou fazer as coisas parecerem simples.

— Eu não vou te decepcionar mais, Ja’far, mas… - Sinbad tentava secar as lágrimas, afastando-se para encarar os olhos verdes. - por favor, não diga que vai me deixar! Vamos ficar juntos sempre, certo? Eu… te amo tanto… - ele parecia extremamente angustiado. - Droga! Por que fiz tantas coisas estúpidas?!

 Ele se assustou ao ver Sinbad vociferar subitamente questionando a si mesmo. A frustração estampada em seu rosto. Provavelmente Ja’far jamais havia o visto tão abalado como naquele momento.

— Sin… - escapou por seus lábios.

 Ouvir seu nome daquela maneira única que seu conselheiro o chamava era como uma suave melodia. Abriu um largo sorriso ao encará-lo. Não tinha como Ja’far evitar mais quando o viu se aproximar. Entreabriu os lábios e deixou que acontecesse, mesmo querendo tanto evitar em nome de seu orgulho. O hálito de Sinbad estava tomado pelo álcool. Havia bebido então, Ja’far tinha certeza, mas não estava bêbado, ao menos não mais. Havia bebido tanto assim após sua briga?

 Suave, Sinbad parecia querer relembrar o sabor de cada canto daquela boca, a língua perscrustando na procura daquela doçura que seria capaz de tirar aquele gosto amargo que Arba deixara. Sentindo seu corpo imundo, ele desejava mais que nunca tomá-lo em seus braços e possuí-lo. Ja’far parecia receptivo quando o inclinou de volta aos travesseiros, assumindo sua posição sob o corpo robusto de seu rei. Mas não. Não se entregaria a ele tendo seu corpo sujo pelo de Arba.

 Separou-se para buscar ar, mas Ja’far agarrou sua veste com uma expressão que Sinbad sabia muito bem o que ele queria, parecia decepcionado ao ver que não prosseguiria.

— B-bem… Eu estou todo suado, preciso… ir a alguns compromissos agora de manhã. - ele sorriu amarelo tentando disfarçar.

— Mas é de manhã cedo e já está vestido. Pensei que já tivesse se banhado… Passou a noite toda bebendo, não é? - Ja’far não escondia o desagrado.

 Sinbad farfalhou os próprios fios púrpuras, levantando-se. Naquele questionamento, não conseguia encará-lo. Balançou a cabeça positivamente. Ah, se pudesse voltar no tempo…

— Quantas vezes já disse para maneirar na bebida? Já viu no espelho essas olheiras! Se eu acendesse um fósforo perto de você, pegaria fogo de tanto álcool no seu sangue! Acha que isso vai fazer bem para sua saúde? Não vai ter 30 anos para o resto da vida! E… droga, - Ja’far interrompia seu próprio sermão, típico, o que se repetia a cada bebedeira de Sinbad. - por minha culpa! - completou.

 Naquilo Ja’far tinha razão e Sinbad chegava a sentir sua consciência ser um pouco afagada. Afinal, se tinha bebido daquela forma e ido para a cama, melhor, para o tapete com Arba, era culpa de Ja’far, que havia discutido com ele. Não era tão fácil assumir aquilo de forma tão ingênua. Era estúpido demais.

Shhh, pare com isso! Eu fui beber porque estava preocupado quando o vi piorar POR MINHA CULPA. Porque te agredi injustamente. Nem se tivesse uma razão, de fato, eu devia ter feito aquilo! Mas… eu te juro que não sei porque fiz aquilo! É como se… eu não tivesse feito.

— Sin… - Ja’far refletia preocupado. - Sin, será que aquela bruxa…?

Shh! - ele levava dois dedos aos lábios de seu ex-conselheiro. - Não vamos falar mais nela, por favor. Tudo o que me importa agora é você e eu!

 Ja’far suspirou, acatando o pedido de seu rei. Talvez ele finalmente tinha colocado a cabeça no lugar, mas… não podia inocentar Arba. Será que estava usando de alguma magia para tudo aquilo? Era uma explicação plausível diante das atitudes absurdas que Sinbad estava tomando, aquelas que faziam com que Ja’far e seus amigos nem ao menos reconhecessem o rei e amigo que tanto estimavam.

— Vou cuidar de alguns compromissos agora e mais tarde almoçamos juntos. Não quero que saia da cama ainda, ok? Há meia-hora atrás não estava nada bem! - lembrou.

— Então me traga alguns papéis que estão na minha mesa, Sin! Posso passar o tempo conferindo-os.

— Não se preocupe, todos estão cuidando de tudo para que o “Ja’far-san” se recupere! - ele disse com um largo sorriso, imitando a forma como os demais generais costumavam chamá-lo. - Inclusive, tive uma ideia…

Hm? - Ja’far piscou.

— Quero viajar com você assim que se recuperar! Só nós dois, o que acha?

— V-viajar? - ele estava cada vez mais confuso.

— Sim! Vamos tirar umas férias!

— Sin, você é o rei deste país e eu seu conselheiro! - Ja’far foi categórico. - Como tiraremos férias?!

— É uma ordem de seu rei que tire férias! Quero… - os olhos dourados encararam o céu azul pela janela aberta. - viajar ao seu lado, como antigamente. Sem preocupações. Estamos precisando de um tempo para nós dois, não?

 Ele coçou a cabeça, afinal, bastante preocupado. Será que eles dariam conta dos processos? E será que dariam conta da forma correta? De qualquer maneira, sentiu seu coração afagado com aquela proposta. Sinbad, que nunca se preocupara em agradá-lo ou ser tão romântico, fazendo aquilo ainda para se redimir depois daquela crise era algo admirável. Tinha sido apenas uma crise, Ja’far tinha certeza.

— Não se preocupe com nada, - Sinbad se inclinou para beijá-lo levemente nos lábios. - Apenas descanse.

 Deu o primeiro passo para se distanciar da cama quando sentiu uma mão segurar um dos seus pulsos. Piscou desentendido, virando-se para encarar um Ja’far que mordia o lábio inferior. Ele evitava encarar as gemas douradas de seu rei, mas tomou fôlego para fixar sua atenção em Sinbad.

— Sin... - chamou.

 Sinbad fitou a mão trêmula de seu general. Parecia tão angustiado.

— D-diga.

— Não está me escondendo nada, não é?!

 Aquela pergunta perfurou seu coração sem o menor aviso. Sinbad arregalou os olhos.

— Por favor, Sin! Eu… eu só quero protegê-lo! Não me esconda nada! Não posso cuidar de você se eu não souber o que está acontecendo!

 Sinbad suspirou, o peso em suas costas aumentando. Ja’far tinha a habilidade de conseguir fazê-lo se sentir péssimo sem ao menos se dar conta. Sentia-se cada vez mais podre e desprezível. Ficaram a se encarar por algum tempo, as esmeraldas angustiadas esperando uma resposta.

— É claro que não, Ja’far!

 O rei de Sindria abriu um largo sorriso antes de levar a mão dele aos seus lábios e beijá-la com ternura.

— Não esconderia nada de você, nunca!

 Ah, se Ja’far soubesse como estava doendo dizer aquilo…

 Não havia mais nada a dizer. A angústia lhe corroía, ainda mais quando Ja’far assentiu e esboçou um fraco sorriso, como se quisesse com ele reafirmar para Sinbad a confiança que depositavam um no outro. Tudo o que Sinbad queria era sumir…

— Até logo.

 Ele reuniu forças para se despedir antes de deixar seus aposentos. Fechou as portas duplas e apoiou as costas nelas. Levou as pontas dos dedos aos lábios e se lembrou do beijo de Ja’far. Tremia. Como pudera ser tão sujo? Como pudera enganar seu anjo mais uma vez? Tranquilizá-lo?

— Majestade!

 Sinbad piscou, confuso ao ver uma Pipirika nada satisfeita se aproximar. Vinha marchando pelos corredores extremamente irritada e trazendo alguns papéis em mãos.

— O-o que aconteceu? - ele tentou se recompor para que a moça não notasse seu estado.

 A sua “nova conselheira” proibiu que os generais entrassem no escritório do Ja’far-san! E a mim também! Não podemos cumprir o que nos pediu!
Não era possível. Eram tantos problemas… Tudo o que ele queria era tomar um banho e descansar, ao menos um pouco, se bem que…

— Pipirika, eu… eu acho que temos uma reunião às onze, certo? Podemos discutir sobre isso… - ele tentava se sair daquela situação.

 Daqui a pouco ela também não vai permitir que você entre em seu escritório, Sinbad!

 Ela rapidamente cobriu os lábios ao notar que, acidentalmente, chamava seu rei pelo nome.

— Digo, majestade…

— Não precisa de toda essa formalidade, Pipirika. - Sinbad massageou a própria nuca. - Deixe que a princesa de Kou faça o que quiser, ok? E peça que todos não discutam com ela. Eu vou tomar as devidas providências!

 Não havia jeito. Extremamente exausto, Sinbad caminhou até a ala administrativa do palácio, acompanhado por uma Pipirika que carregava um vitorioso sorriso nos lábios. Cantava vitória, não vendo a hora de ver aquela mulher abusada expulsa da sala daquele a quem sempre serviu.

 Mal chegou nos corredores que davam para a sala de Ja’far, a qual antecedia a sua, avistou o grupo que parecia exaltado defronte àquela porta. Mas assim que notaram a aproximação de seu rei, todos cessaram o burburinho e abriram um sorriso.

— MAJESTADE!

 Pisti foi a primeira a se aproximar e a que parecia mais irritada com aquela situação.

— O que está acontecendo? - Sinbad massageou as têmporas sendo cercado pelos seus generais mais jovens.

— Essa bruxa não permite que entremos mais no escritório do Ja’far-san. - Sharrkan cruzou os braços.

— Idiota! - a maga ao lado do moreno fincou a ponta de seu cajado no pé do rapaz, que urrou com a dor. - Quer que ela descubra que sabemos de tudo? - Yamuraiha sussurrou.

— Calma, calma! - Sinbad ergueu as duas mãos na tentativa de contê-los.

— Ela disse que você a nomeou nova conselheira, majestade. - a mulher de seios fartos prosseguiu.

 Aqueles pares de olhos o encaravam aguardando uma resposta, parecendo todos questionar se Sinbad realmente seria capaz de algo assim.

 Aquele lugar pertencia unicamente a Ja’far, era o único que sabia de toda a administração e arquivos confidenciais de Sindria.

— Bem… - ele suspirou, arqueando as sobrancelhas. - sim, eu nomeei a princesa como conselheira. Ia anunciar isso na reunião que teremos logo mais, mas…

— E o Ja’far-san?

 E a voz que Sinbad menos esperava se fez ouvir. Masrur questionou e apesar de não saber demonstrar muito, era nítido que aquilo também o incomodava.

— Eu já disse a vocês que quero reduzir a carga de trabalho do Ja’far. Ele não está suportando a pressão de ser um dos oito generais, conselheiro de Sindria, chefe administrativo…

— Ele lidava muito bem até essa mulher chegar aqui!

 Sharrkan tapou a própria boca ao se tocar do que havia dito, os demais receosos com a ousadia daquele que costumava ser desbocado com seu jeito desleixado.

— Eu estou ciente disso. É temporário. Por favor, entendam...

 Sinbad não pareceu nem ao menos irritado. Sentia-se cansado o suficiente para se permitir não dar maiores explicações. E pensar que ainda teria que dar um jeito naquela mulher após ter passado a noite com ela. Aquela discussão entre eles não daria em nada. Se Hakuei, melhor, Arba, estava ocupada o suficiente para não importuná-lo, estava feliz.

— Majestade...

— Pipirika, por favor, quero que adicione todos os compromissos pendentes na minha agenda para os próximos dias.

 Ninguém soube como reagir. Sinbad havia postergando reuniões e qualquer coisa em nome de distração e festas. Pipirika, por sua vez, rapidamente tirou um pergaminho de dentro das largas vestes.

— Podemos sentar para decidir qual devemos priorizar? - ela indagou.

— Não me importa como vai organizar, apenas preencha tudo em todos horários, do primeiro horário da manhã até o mais tardar da noite.

— S-sim, majestade! Como quiser!

 Ele, por sua vez, nada mais disse. Deixou-os ali mesmo, temendo que aquela mulher abrisse a porta e tivesse de encará-la. Ainda se questionava tudo o que havia acontecido. Se o arrependimento tivesse chegado antes daquela fatídica noite…

 

—----xxxxx------

 Três dias haviam se passado, o suficiente para que se visse fora daquela cama. Apesar de lhe recomendarem repouso total, não se permitia ficar ali, parado. E, de qualquer forma, não podia negar que estava ansioso com aquela proposta que Sinbad havia lhe feito. Como desejava voltar a viajar sem rumo ao lado dele, nem que por um curto período de tempo.

 Desejava estar completamente recuperado o mais breve possível.

 Ainda estando com o braço enfaixado, teve um pouco de dificuldade para vestir e abotoar a blusa de linho branca. Depois de algumas tentativas em cada botão, ele conseguiu terminar.

 Encarou o moreno adormecido na cama. Ultimamente voltava tão tarde para seus aposentos, mas Ja’far não se importava, afinal, Pipirika e os demais lhe garantiam, quando o visitavam, de que Sinbad, por um motivo completamente desconhecido, estava trabalhando dia e noite com muito afinco.  Unicamente naquela manhã havia se dado o luxo de descansar até mais tarde.

 Será que ele estava mudando? Quem sabe aquela crise que passaram tenha tido um saldo positivo - pensou, tentando posicionar o keffiyeh corretamente na cabeça, sem obter sucesso. Acabou largando-o sobre a penteadeira mesmo.

 Observou o household vessel sobre a cabeceira e decidiu se prevenir, mordendo a ponta da linha vermelha para amarrá-la no braço saudável. Não podia se dar ao luxo de andar desarmado, ainda mais com Arba andando livremente pelo palácio.

 Jogou a parte superior do uniforme sobre os ombros e se encarou no espelho. Estava pronto.

 Aproximou-se da cama e, afastando os desalinhados fios púrpura, depositou um beijo carinhoso na fronte de seu rei. Faria uma surpresa a ele, assim que chegasse ao escritório, o veria já trabalhando.

 Abriu um largo sorriso e deixou o quarto.

 Apesar de ser bem cedo, durante todo o caminho Ja’far foi saudado de forma animada por praticamente todos os serviçais que passavam por ele. Querido como era, todos se enchiam de alegria ao vê-lo bem, esboçando preocupação ao ver o braço ferido do ex-conselheiro daquele país.

 Cumprimentando quem o visse e viesse falar de sua preocupação, Ja’far acabou demorando mais do que esperava para chegar em seu escritório.

 Abriu a porta com o braço disponível e se surpreendeu com o aroma que estava na atmosfera. Um perfume forte, feminino. Ja’far dificilmente acendia algum incenso no ambiente. Será que era obra de Yamuraiha e Pisti tentando limpar seu escritório? Sorriu imaginando que tipo de travessura teriam aprontado enquanto estava fora. Mas andando um pouco mais, se surpreendeu ao ver as estantes vazias. Onde estavam os principais pergaminhos? As prateleiras não estavam mais com seus tinteiros organizados de forma enfileirada ou seus pincéis. As cortinas também tinham sido trocadas de verdes e brancas por um escuro tom de vermelho.

 Piscou confuso quando então avistou sua mesa, totalmente diferente do que havia deixado. Mas mais do que os novos objetos que haviam nela, estava o par de pernas cruzadas de Ren Hakuei, completamente à vontade em sua poltrona.

 Assim que seus olhos esverdeados a encontraram, a animada expressão em seu rosto esmaeceu e deu lugar à revolta.

— O que está fazendo aqui?! - ele quase cuspiu, furioso.

 A bela mulher sorriu de canto girando os calcanhares para amassar alguns papéis nos quais seus pés se apoiavam.

— Ora, ora, já pode sair da cama? Sinbad não estava te mantendo que nem um cachorrinho acorrentado lá? - ela provocava.

 Ja’far respirou fundo. Não cairia no jogo de Arba. Não novamente.

— Só peço que saia da minha mesa, preciso trabalhar. - o alvo se manteve firme.

— Sua? - a antiga princesa gargalhou, demorando a recuperar o fôlego. - Acho que não fez bem em vir trabalhar tão cedo, não soube ainda? Ou o Sin estava te poupando?

— Tsc, - ele estalou a língua, cruzando apoiando o braço esquerdo no enfaixado. - não ouse usar o apelido íntimo que apenas nós temos com ele.

— Bem, Ja’far, acho que já está na hora de saber… - Arba pôs as pernas para baixo e se levantou, ajeitando as vestes róseas. - Eu estou na minha mesa. - a mulher se apoiou na superfície de mogno, dedilhando o móvel. - Fui nomeada por Sinbad a conselheira de Sindria e adivinha? - ela apontou para o albino. - No SEU lugar.

 Engolindo a seco, Ja’far deu um passo para trás. A única reação que deixou escapar. Os braços cruzados ajudavam para que se mantivesse sem vacilar. Não podia deixar que notasse que fraquejara ao ouvir aquilo. Era mentira. Tinha de ser. Mas como seria se seu escritório estava completamente redecorado? Não importava. Isso ele decidiria depois com Sinbad. Diante dela, tinha de permanecer impassível as provocativas.

 Duvido muito que o Sin tenha nomeado alguém sem o menor conhecimento e, pior, uma inimiga, uma bruxa, em meu lugar! - Ja’far riu ironicamente.

— Ele me deu muito mais coisas que um mero cargo, Ja’far…

 Aproximando-se, Arba deu meia-volta no ex-conselheiro que se permitiu ficar de costas para ela. Estava na defensiva, caso ela tentasse algo. Nada respondeu, ainda mais quando sentiu as longas unhas deslizarem por sua nuca.

 Arrepiou-se, controlando a si mesmo para não atacá-la quando ela parou e sussurrou em seu ouvido:

— Será que você dá para ele tão bem quanto eu dei?

 Aquelas palavras eram o fim. O sangue de Ja’far ferveu. Um pequeno movimento e sua lâmina escondida por baixo da longa manga poderia dilacerar o rosto daquela bruxa.

 - Em breve eu vou ser a futura rainha daqui, Ja'far...

  Mas não. Ele precisava sentir aquilo. Não precisava de armas.

  Virou rapidamente para levantar a mão que foi certeira em direção à face da mulher. Mas assim que o fez, a porta se abriu, interrompendo aquele erro terrível que estava para cometer.

— JA’FAR-SAN!

 O albino imediatamente se afastou, ofegante. Era mentira, só podia ser!
Cambaleou até à mesa onde se apoiou, os olhos arregalados refletindo sobre o que tinha ouvido. Sinbad estava tão arrependido, parecia tão abalado. Mas não, ele havia dito que jamais o esconderia nada. Tinha que confiar nele.

— Ja’far-san!

 Nem ao menos notara a presença de Sharrkan, acompanhado de Yamuraiha que vinha logo atrás. O moreno não fazia esforço para esconder que não suportava a mulher que franzia o cenho ao se ver interrompida.

— Eu agradeceria se batesse em meu escritório antes de entrar, Sharrkan-san. - a princesa escondeu uma risadinha por trás das mangas longas.

— M-me desculpe. - ele se curvou rapidamente antes de se voltar a Ja’far.

— Ja-Ja’far-san! - Yamuraiha tomou a frente. - Soubemos que tinha vindo trabalhar e ficamos preocupados! Não devia estar de pé!

— Muito menos em péssima companhia. - Sharrkan sussurrou. - Está bem, Ja’far-san? Está tão pálido… - notou.

 Ja’far tinha de se recompor. Agora tinha certeza de que Arba dizia a verdade, ao menos quanto a ser a nova conselheira. E, claramente, com isso também podia crer que Arba havia dito a verdade quanto a ir para a cama com Sinbad.

— Eu… eu estou bem sim… - Ja’far estava desorientado. - Não se preocupem, já estou melhor, só… só preciso ir a um lugar antes...

 Deixando tanto Sharrkan quanto Yamuraiha confusos ao sair tão subitamente. Já a mulher apenas ria, mexendo nos longos fios negros. Aquele sorriso não passou impune diante dos olhos do moreno.

— Oe, o que fez com o Ja’far?! Não o maltratou por ele estar aqui, não é?!
Apenas o esclareci de que aqui não é mais a sala dele…

— V-vamos logo! - Yamuraiha o puxou pelo braço. - Com licença, alteza!

Seguiu pelos corredores em passos apressados, trocando uma perna com a outra naquela pressa enquanto tentava processar tudo aquilo. Não era mais conselheiro de Sindria? Havia sido distituído de seu cargo? E o pior… Não, Sinbad não mentiria para ele. Como seu rei iria para a cama com aquela mulher, sabendo que era uma bruxa? Não devia cair nas provocativas dela, certo?

 Parou diante de uma das sacadas do longo corredor e tentou recuperar o fôlego. Apoiando-se na mureta, ele sabia que devia esfriar a cabeça. Devia pensar mais claramente.

— Ja’far!

 Ergueu o rosto para encarar o homem tantas vezes mais alto que ele. O alívio de vê-lo se misturava a tudo o que estava sentindo. Hinahoho conhecia muito bem aquele rapaz e era nítido que algo não estava bem. Aproximou-se e o segurou pelos ombros.

— Oe, o que aconteceu? Não se sente bem? Não devia estar se recuperando ainda?

— Hinahoho-san… - Ja’far tremia ao encará-lo. - eu… eu descobri a verdade, agora...

 O homem robusto arqueou uma sobrancelha antes de suspirar.

— Eu sinto muito, Ja’far… - ele foi sincero. - Você sabe como o Sinbad é com mulheres...

 E enquanto Ja’far falava sobre o fato de ter perdido seu cargo como braço direito de Sinbad, Hinahoho lhe fazia o favor de lhe entregar a história por completo. Então era verdade que havia passado a noite com aquela mulher. E aquilo não era algo escondido, afinal, todos pareciam saber.

 Ja’far não disse mais nada. Atônito, apenas afastou-se daquele que tanto estimava.

— Ja’far...

 Ele chamou, sem obter resposta, mas compreendeu de imediato que o rapaz precisava ficar sozinho.

 Mas Ja’far tinha um destino certo. Seguiu rapidamente pelos corredores do palácio, as lágrimas caíam incessantemente, mas ele não se preocupou em secá-las. Mordia o lábio inferior a ponto de fazê-lo sangrar.

 Escancarou as portas dos aposentos de seu rei e ali o avistou. Assim que o fez, foi como se os antigos instintos de assassino despertassem. Pé-ante-pé caminhou até aquela enorme cama. A cama que tantas vezes dividiram, na qual se amavam…

 Perto o suficiente, deixou que as linhas que enrolavam seu braço esquerdo afrouxassem, a lâmina sendo capturada em sua queda, tamanha habilidade de Ja’far em manejar aquela arma. 

 Aquela mesma cama serviria de túmulo para seu rei.

— Adeus, Sin.


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Notas finais do capítulo

É... aqui se faz aqui se paga, Sinbad! Será que Ja'far vai ter coragem? Depois de tudo o que ele passou?
Muito obrigada por lerem e lembrando que críticas, sugestões, puxões de orelha, tudo é sempre bem-vindo e respondido com muito carinho!



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