Um peso, duas medidas escrita por Miaka


Capítulo 10
Imperdoável


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! Capítulo saindo mais cedo porque quero trabalhar numa oneshot essa semana e em Escape que peço que leiam, se puderem! ^^ Além do que eu ter organizado as ideias mais cedo? Hahaha! Acho que deixa a todos felizes! O último capítulo terminou de uma forma bastante inesperada e que trará consequências terríveis! Muito obrigada a todos que estão lendo! Espero que gostem! ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/659580/chapter/10

 Os olhos esverdeados se estreitaram refletindo o brilho naquela lâmina afiada. Seu alvo era o pescoço de seu desprevenido rei, adormecido. Há quantos anos não sentia aquela adrenalina que tinha de conter a todo custo? Um assassinato silencioso, arte na qual era perito. Sua mão nem sequer tremia. O olhar gélido cravado na veia pouco visível sob a pele morena, mas que ele tinha certeza de estar ali, afinal, conhecia cada canto do corpo daquele homem.

 Sem dar um pio, ele se esforçava para controlar até mesmo sua respiração, preocupado até mesmo com o som das batidas de seu coração.

— Por que está assim?

— Já mandei calar a boca! Todos estão nos esperando no navio!

 Mordia o lábio inferior marchando na frente daquele que se apressava para acompanhar o ritmo de sua caminhada, mas não. Ja’far não queria que Sinbad caminhasse ao seu lado e visse aqueles rastros que derramavam em seu rosto. Simplesmente não podia ver.

— Eu já estava indo! Estava me despedindo daquela moça! Não precisava ter vindo me buscar!

— Claro, estava fazendo algo muito mais importante! - a voz trêmula respondeu. - E passando a noite com ela, com certeza o mínimo a fazer é se despedir de forma apropriada!

— Tsc! - o moreno coçou a cabeça. - Por que está tão nervoso?! - Sinbad ainda seguia os passos apressados.

 Era óbvio demais, ao menos para Ja’far. Já para Sinbad, provavelmente parecia patético pensar que seu subordinado estava… com ciúmes.

 Desde a morte de Serendine, lutava consigo mesmo ao se descobrir nutrindo sentimentos que iam muito além da amizade e da admiração. Seu rei havia se tornado alvo de sua cobiça. Um objeto de desejo que Ja’far sabia não poder ter jamais. E naquele momento em que tanto precisava de uma mãe para confessar o que sentia, seus conflitos e ânsias, Rurumu não estava mais com ele. Sentia-se completamente só. E por mais que trancasse aqueles sentimentos em seu coração, aqueles momentos eram o suficiente para que perdesse completamente sua determinação em escondê-los. A desolação, o desespero e a dor de perdê-lo tão facilmente para a luxúria e mulheres da vida eram terríveis, impossíveis de ignorar, por mais que tanto tentasse.

 Sinbad, não sendo respondido, notou que prosseguir com Ja’far daquele jeito apenas traria mais problemas. Deu dois passos maiores e capturou o braço daquele que havia chegado aos 16 anos de idade há poucas semanas.

— Oe, Ja’far!

— ME SOLTA! - a resposta foi imediata com a tentativa de se desvencilhar de Sinbad.

— Ei!

 Os olhos dourados se arregalaram surpresos ao ver o rosto choroso de seu subordinado. Mais do que isso, sob aquele par de esmeraldas haviam olheiras que maculavam aquela alvura angelical, tão típica de Ja’far. Piscou confuso, um tanto quanto sem ação ao vê-lo chorar. Naquela descoberta, acabou deixando que o mais jovem se soltasse e abraçasse a si mesmo, as bochechas assumindo um tom avermelhado ao se ver descoberto.

— Ja… Ja’far… - ele chamou preocupado. - Por que está assim?

— Me deixe em paz, por favor!

 As longas e afiadas unhas do ex-assassino cravavam em seus próprios braços enquanto tentava se proteger dele.

— Pare com isso, está se machucando! - Sinbad o advertiu e tomou os pulsos do alvo, incapacitando-o de protestar, já que era bem mais forte que ele.

— Por que está chorando assim? Aconteceu alguma coisa? - ele realmente estava preocupado.

— Nada! - sendo direto, Ja’far balançou a cabeça.

— Tsc, não minta! Não é de chorar por nada! E essas olheiras? Não dormiu, não é? De novo trabalhando sem parar, vai acabar doente!

— COMO SE VOCÊ DESSE A MÍNIMA!

 E mais uma vez os sentimentos de Ja’far sobrepujavam aquela razão que ele acreditava ser ímpassível de qualquer abale. Mas o arrependimento de exclamar aquilo veio logo em seguida, mas era tarde demais.

— VOCÊ ACHA QUE NÃO ME IMPORTO?! - Sinbad parecia ofendido.

— Se importa em ir pra um puteiro se deitar com uma qualquer! ME DEIXE! Você pode fazer o que quiser, eu também posso! Então não se preocupe comigo! - Ja’far vociferou.

 O rei estava confuso com aquela declaração tão intensa de Ja’far, que costumava ser tão contido. Viu Ja’far lhe dar as costas novamente na vã tentativa de esconder aquelas lágrimas teimosas. Droga, quando elas parariam de cair? - ele se perguntava.

— Sabe muito bem que voltei a fazer isso porque sinto… sinto falta dela! - Sinbad desabafou, vendo sem saída. - Tsc… eu sei que estou fazendo besteira…
Não vai afagar seu coração se deitando com uma prostituta! Seja menos hipócrita! - Ja’far era impiedoso.

 Sinbad assentiu, concordando com as palavras daquele que era muito mais do que seu servo.

— Tem toda razão…

 O alvo permaneceu de costas ao ouvir a resposta. Ainda abraçava a si mesmo, como se daquela forma pudesse evitar que mais e mais do que sentisse continuasse a transbordar. Ele só não esperava sentir os braços fortes de Sinbad o envolvendo por trás, o queixo dele pousando sobre seu ombro.

— Eu faço isso porque a única pessoa que amo como a amei… não me quer.

 Ja’far, ao ouvir aquele sussurro ao pé do ouvido, se arrepiou da cabeça aos pés. Não ousou se virar de frente para encará-lo. Permaneceu ali, sem ao menos se mover.

— É muito ruim para mim pensar que nunca vou ser correspondido como gostaria… e por causa de um detalhe tão pequeno que, sinceramente, eu não dou a mínima.

— Q-que pena. - o alvo gaguejou. Será que era o que estava pensando? Não, era impossível. - Mas fico feliz em saber que já tem alguém em mente para… para assumir o posto de rainha!

— Sempre tive. - Sinbad sussurrou.

 Sinbad subitamente o virou de frente. Dourados e verdes se encontraram e fizeram, com tamanha proximidade, Ja’far dar um passo para trás na defensiva, descobrindo um muro que serviu de apoio para as duas mãos de Sinbad. Agora ele estava completamente cercado por seu rei. Engolindo a seco, encarou-o assustado enquanto que o moreno, mesmo estando dominando a situação, parecia hesitante e receoso diante de suas próprias atitudes. E como era estranho para Ja’far ver um Sinbad hesitante ou desconfiado de si próprio…

— O que está fazendo, Sin? - a voz de Ja’far se tornou um sussurro também diante daquela proximidade.

— Tomando o que é meu! Não disse para eu parar com as relações superficiais com as prostitutas? Pois bem, eu vou te mostrar quem eu quero que seja a minha rainha!

 Não houve tempo para protestos, para suposições. Soltando uma das mãos da parede, Sinbad afundou seus dedos na nuca de Ja’far e o puxou para tomar seus lábios. Entreabertos como estavam, foram uma porta fácil para a língua do moreno invadir. As mãos que de início tentariam afastá-lo, trouxeram Sinbad para mais perto, os dedos finos do alvo se fechando nas vestes claras de seu rei. Como desejavam aquilo. Como ansiavam por aquele momento que ambos pensavam que nunca chegaria. Trocaram carícias intensas, nitidamente querendo levar àquilo a um outro nível. Ja’far se via extasiado, confuso, completamente desorientado ao sentir as mãos largas de seu amado rei lhe tocarem com tanto desejo. Sinbad o amava? Não podia crer. Mas eram dois homens… Não era certo, não é? Não podia questionar, tampouco pensar em mais nada, já que seu corpo e alma estavam completamente dedicadas àquela entrega.

— Eu acho que não sou tão desinteressante ainda a ponto de você vir cumprir sua promessa!
 Arregalou os olhos, como se tivesse saído de um transe no qual aquelas lembranças foram capazes de lhe tirar completamente o foco e se viu ali, com aquela lâmina apontada para seu rei que estava atônito em vê-lo apontar uma arma para si. Como há tantos anos Ja’far fizera…

— S-Sin… O que eu… ia faz...

 Sinbad segurou firmemente o pulso de seu subordinado e levemente o torceu para que soltasse aquela arma. Não teve piedade ao desarmá-lo, estando em choque ao acordar e se deparar com aquela cena.

— Ah! - Ja’far reclamou, ainda seguro pela mão de um ágil Sinbad, que prontamente se levantou, ainda tendo o mais jovem em seu encalce.

— O QUE PRETENDIA?! É melhor responder logo ou eu quebro esse seu outro braço e não vai mais fazer nada por um bom tempo!

 Furioso, o rei de Sindria sacudiu seu ex-conselheiro que parecia tão assustado quanto ele. Ja’far o encarava com os olhos arregalados, ofegante, suava frio se questionando como havia chegado até ali e como fôra capaz daquilo.

— S-Sin… - ele gaguejava sem saber o que falar. - Eu… eu não sei…

— Se eu não tivesse acordado, estava morto agora! Pretendia me matar, Ja’far?!

— Não! Não, Sin! Eu… eu não… eu nunca faria isso…

 Ja’far não sabia se respondia aos questionamentos severos de seu rei ou se tentava compreender o que havia acontecido. Como sequer pudera pensar em atacar Sinbad? Aquele que representava tudo, seu mundo, sua vida. Matar Sinbad significava matar a si próprio, qualquer razão que tinha para viver.

— EU SEMPRE CONFIEI MINHA VIDA A VOCÊ, JA’FAR! - a decepção de Sinbad era nítida. - Quantas vezes dividimos essa cama?! Quantas vezes dormi com você ao meu lado?! - ele chegava a lacrimejar. - Tudo isso é por causa da Arba?!

— Sin… Sin, eu não sei… Eu… eu ouvi que… que tinha dormido com ela… - as palavras foram praticamente cuspidas por um Ja’far arrependido, ao mesmo tempo em que frustrado. - Você e ela… estão juntos… E eu…

— Tsc, EU NÃO ESTOU COM ESSA MULHER! - Sinbad vociferou, estava no limite de sua paciência. - O que aconteceu foi um erro, mas…

— Então é verdade?!

 Tendo toda a situação confirmada, ouvi-la dos lábios de Sinbad como a verdade era bem pior do que ser afagado por aquela pequena ponta de dúvida que o levava a crer que tudo poderia ser uma mentira.

 Sinbad suspirou, massageando as têmporas com a mão livre.

— Sin, me responda!

— Sim, Ja’far. - ele foi direto. - Porém… isso não lhe dá o direito de tirar a minha vida.

 Aquelas palavras perfuravam o coração de Ja’far. Sinbad estava certo, completamente certo. E ele se via, pela primeira vez em sua vida, sem ter ao menos a razão para se defender. Havia chegado ao nível mais baixo possível, atentando à vida de seu rei. Sentia-se merecedor daquela traição.

— Eu juro que não sei o que aconteceu! - Ja’far não escondeu o choro. - Eu encontrei o... digo... o que eu fiz? - ele balançou a cabeça confuso. - T-tudo o que eu pensava era… que eu tinha que vir aqui e… - a voz do alvo se perdia entre soluços.

— Eu… jamais pensava que poderia ser capaz disso, Ja’far… - Sinbad balançou a cabeça negativamente. - Eu sei que errei, sou um péssimo homem, rei, companheiro para você… Mas… eu sempre lhe confiei de olhos fechados a minha vida! Tudo, absolutamente tudo! Você sempre foi a pessoa a quem mais confiei tudo, Ja’far! Confiei mais em você do que na Serendine!

— Sin, não diga isso, por favor… - Ja’far estava sem palavras. - Você… tem razão… Com certeza aquela mulher merece mais esse lugar na sua cama do que eu, um assassino sujo!

— MAJESTADE!

 As portas dos aposentos do rei de Sindria se abriram violentamente, revelando não só os aflitos generais que vieram ao ouvir os gritos que vinham dali, mas vários servos que estavam preocupados com o que acontecia.

 E assim que se deparavam com Ja’far ajoelhado, seu pulso preso firmemente pela sua majestade, todos se questionavam o que acontecia e ficavam apreensivos. Mas Hinahoho foi o primeiro a sair do fundo daquelas pessoas e se aproximar.

— OE, SINBAD! O QUE ESTÁ FAZE…

— Por favor, Hinahoho-san

 Ja’far o interrompeu imediatamente, fazendo o robusto homem se conter.

— Majestade, - Ja’far ergueu o rosto para encará-lo, em sua posição superior que muitas vezes poderia ser confundida com igualdade enquanto dividiam os mesmos lençois. - ordene minha prisão, por favor.

— Ja’far-san! - Yamuraiha abraçou o cajado que trazia consigo, angustiada.

— O que aconteceu? - foi a vez de Sharrkan se manifestar.

— Eu atentei contra a vida do nosso rei! Por favor, me levem para a prisão! Eu… eu mereço a punição máxima por isso! Ordene que me executem, Sin, digo, majestade...

 Sinbad permanecia sério, não conseguia esboçar nenhuma emoção ao ver Ja’far ali, implorando para ser executado. Tinha plena ciência de seus erros, mas não conseguia conceber o que acontecera. Parecia que simplesmente tinha perdido Ja’far, seu Ja’far, aquele que era seu melhor amigo, companheiro e amante. Seria um castigo pelos erros terríveis que cometera? Pela traição? Ele questionava a si mesmo enquanto seu silêncio era assistido tanto pelo ansioso Ja’far, por ouvir sua sentença, quanto pelos demais que estavam chocados.

— Não vou prendê-lo, Ja’far. - o rei foi categórico. - Sua consciência será seu algoz. Espero que se lembre todo dia da confiança que lhe depositei E DO AMOR que eu te dei para que hoje tentasse me matar.

 Ja’far sentiu o corpo tremer dos pés à cabeça, ao ser encarado pelo par dourado que o fuzilava com dor e indiferença. E sem a menor cerimônia, Sinbad largou seu braço ali mesmo, como se fosse um lixo qualquer e se retirou. Os demais rapidamente abrindo caminho para que seu rei passasse, temendo serem alvos da fúria que dominava os olhos dourados.

 Para o ex-conselheiro de Sindria, aquele que acompanhava Sinbad desde sua infância, viveu suas aventuras e descobriu o amor ao seu lado, parecia que tudo estava acabado. Não havia forças em seu corpo. Apenas observou as costas de seu rei se afastando, sentindo as mãos trêmulas sobre seu colo questionando a si mesmo o que havia feito, como havia chegado até ali.

— Eu conversei com a Arba…

 Era a última coisa que se lembrava antes de estar então ali, com seu household vessel pronto a findar a vida daquele que mais amava. E, ironicamente, havia acabado com sua própria vida.

— Ja’far-san...

 Uma receosa Pisti se aproximou. A loira o encarava piedosa ao lado dos demais companheiros de sempre. Ja’far, por sua vez, nada respondeu. Nem ao menos escutou a voz da princesa de Artemyra. Os olhos verdes ainda estavam perdidos na direção daquela porta, o último lugar onde viu Sinbad. Onde o viu lhe dar as costas… para sempre.

 Caminhava pelos corredores sem se importar de estar vestindo um mero roupão de seda, os fios púrpura bagunçados ainda pelo remexer do sono. Tudo o que precisava fazer era chegar naquela sala e dar um fim em tudo. Chega! Estava determinado! Nem que custasse Sindria, nem que custasse todos os esforços de sua vida, seu sonho, ele não permitiria mais aquela presença que foi capaz de fazer Ja’far atentar contra sua vida.

 Escancarou a porta e encontrou sentada naquela mesa, que normalmente era habitada por Ja’far, a mulher que sorria com doçura ao notar sua presença.

— Sinbad-sama, bom dia! Adiantei bastante trabalho enquanto descansava até mais tarde!

 Não houve resposta. O moreno caminhou em passos largos até aquela mesa e a espalmou, assustando a moça que arregalou o par de olhos azuis.

— O QUE PENSA QUE ESTÁ FAZENDO?! - Sinbad vociferou.

— D-do que está falando, majestade? Cometi algum erro em algum processo? Me perdoe, mas não estou tão acostumada com o Ja’far-san...

 Ela mimicava um nervosismo que não existia. Na verdade, era dificil conter o riso. A vontade que tinha de gargalhar ao ver Sinbad tão tenso daquele jeito, vendo que Ja’far havia caído perfeitamente em sua isca, era quase incontível.

— NÃO SE FAÇA DE SONSA!

 Assustou-se por um instante. Será que Sinbad havia perdido o receio de revelar que sabiam quem ela realmente era? Será que ele seria capaz de ser violento com ela? De certa forma aquilo excitava a bruxa.

— Contou para Ja’far que transamos! - ele perdera completamente a compostura, não tratando nem um pouco formalmente a primeira princesa. - E pelo jeito da pior forma!

— Eu… eu nunca faria isso, Sinbad-sama! Eu… - os olhos marejavam. - Que vergonha! Eu não falaria sobre isso com ninguém, ainda mais que… você sabe, eu era virgem e não quero que ninguém saiba que me entreguei a você até que nos casemos…

 Era pior do que Sinbad pensava. Agora Hakuei dizia que então, certamente, se casariam já que havia consumado o sexo com ela.

 Respirou fundo tentando não respondê-la rispidamente, ou pior, agredi-la…

 Mas subitamente, vendo-se encurralado com a astúcia e lábia daquela mulher e lembrando-se do ocorrido, de todos os conflitos com Ja’far e agora aquela perda total de confiança, o arrependimento, Sinbad fraquejou. Deixou que os joelhos trêmulos o fizessem sentar naquela poltrona no canto daquele escritório e soluçou. Sentia-se desesperado, arrependido, fraco… Havia perdido Ja’far e ainda tinha sido capaz de culpá-lo. Tinha sido um monstro para ele, maltratado e ainda lhe traído, era óbvio que o descontrole o deixaria assim. Havia perdido seu amante, seu melhor amigo… em nome de sua ambição.

 E naqueles momentos, Arba sabia exatamente como agir. Era aquele o melhor instante para se aproximar e, dando a volta naquela poltrona, levou os dedos compridos de unhas bem feitas tingidas de vermelho às laterais do rosto masculino. Dedilhando as lágrimas que caíam, uma a uma enquanto ele tremia a cada soluço.

— Sinbad-sama… Tenho certeza de que o Ja’far-san vai compreender tudo. Ele vai entender, inteligente como é, que Sindria precisa de uma rainha e… eu fico tão honrada em ter sido sua escolhida, Sinbad-sama...

 Ele subitamente capturou aquela mão e a encarou, os olhos marejados se estreitaram, repletos do mais puro ódio que o rei de Sindria já havia sentido. Arba vacilou, preocupada com uma reação inesperada, tinha de estar pronta a se defender.

— Saia daqui! - ele disse de forma firme, segurando o choro. - Me deixe em paz, por favor...

 Era quase uma súplica. Até o coração gélido da bruxa amoleceu diante da expressão chorosa de um Sinbad que ela considerava patético.

— Como quiser, majestade.

 A bela moça se curvou e então deixou o escritório que outrora pertencia a Ja’far. Não havia mais muito o que fazer, Sinbad teria de aceitar o matrimônio com ela e a relação de ambos, a pedra no sapato da bruxa, estava em frangalhos, se é que existia algum resquício do que fora um dia.

— Eu… vou embora de Sindria.

— Quê?! - todos exclamaram em uníssono.

— Está louco? Vai embora pra onde? - Sharrkan se exaltou.

— Sindria não é Sindria sem o Ja’far-san. - Masrur foi categórico.

— Ja’far-san, as coisas entre você e nosso rei vão melhorar!

 Parecia o dia de sorte de Arba. Nada melhor do que passar naquela sala de reunião e ver, pelas portas entreabertas, os oito generais reunidos debatendo o futuro daquele fracassado que ela tinha destruído.

— Não tem como, Yamuraiha-san… Fiz algo imperdoável.

 Ja’far ainda parecia um tanto quanto catatônico. Os olhos verdes estavam inchados e perdidos, as mãos trêmulas segurando um copo com água.

— A culpa foi minha! - Hinahoho suspirou pesado.

— De forma alguma, Hinahoho-san… - Ja’far via o próprio reflexo naquela água. - Bem… eu… eu quero pedir que cuidem do Sin quando eu não estiver mais aqui.

— Do que está falando, Ja’far-san? - Pisti se manifestou. - Não pode nos deixar!

— Eu não posso continuar ao lado de vocês… Sou um assassino.

— Ninguém aqui tem as mãos tão limpas, Ja’far-san. - o moreno cruzou os braços.

 O Sin jamais vai me perdoar e eu estou do lado dele… Tentei matá-lo.

 “Por essa nem eu mesma esperava. Meu plano saiu melhor do que eu imaginava. Era só para você ter uma briguinha com seu rei, mas parece que seus instintos de assassino prevaleceram… Muito útil, Ja’far.” - Arba ria ouvindo a conversa do lado de fora da sala de reunião.

— Ja’far-san… - Yamuraiha se fez ouvir. - disse que não se lembra de nada depois que conversou com a Arba, não foi?

 A moça que estava no corredor arqueou uma sobrancelha após ouvir a declaração da maga. Será que…

— Sim, não me lembro…

— Nos encontramos antes de ir para o quarto do Sinbad. - Hinahoho o lembrou.

— E a Yamu-san e eu fomos vê-lo no escritório, não lembra? - Sharrkan reiterou.

 Ja’far apenas balançou a cabeça, sentindo-se extremamente confuso. Todos pareciam se recordar claramente do que havia acontecido, menos ele.

— As coisas estão começando a fazer sentido! - a maga se levantou de supetão.

— Hm? - Ja’far piscou, entendendo menos ainda do que ela falava.

— Ja’far-san, qual a última coisa que se lembra?

— Bem… - o alvo ergueu os olhos tentando trazer à tona o que recordava. - Ela… havia sussurrado algo em meu ouvido… - ele não queria revelar que Arba havia se deitado com Sinbad.

— Tenho certeza de que ela conjurou alguma magia que o fez agir dessa forma! - Yamuraiha espalmou a mesa.

 “Droga! Já vi que vai ser bom eu tirar essa do caminho bem rápido. É perigosa, muito inteligente, diferente dos outros que são bem ignorantes…” - Arba mordia o lábio inferior, aflita com a suposição da maga.

— S-será? - Ja’far duvidava de si mesmo.

— Não pode checar se há algum feitiço feito no Ja’far-san? - Hinahoho sugeriu.

 Yamuraiha levou a mão ao queixo, refletindo sobre aquela possibilidade.

— Hm, como ele já despertou e provavelmente quebrou o feitiço naquele instante, infelizmente não tenho como detectar… Só se fosse um magi, algo nesse nível, poderia detectar algum resquício de magia… Afinal, ela também é um magi, certo?

— Oe, então poderíamos pedir ajuda ao Aladdin-kun! - Sharrkan pensou rapidamente.

 Bem, provavelmente terei como perguntar a ele em breve… - Ja’far se levantou.

— Mas o Aladdin-kun não está em Kou? Ajudando como magi do príncipe Hakuryuu, digo, agora Imperador? - Yamuraiha indagou.

— Exatamente. Vou pedir para que o Sin me deixe ir a Kou… Como representante da Aliança, irei auxiliar o inexperiente novo imperador em seu governo… - Ja’far suspirou. - Não posso permanecer aqui depois de tudo o que aconteceu…

— Mas estamos esclarecendo tudo! - Pisti relutou. - Seja paciente, você não teve culpa, Ja’far-san… - a loira continha as lágrimas.

— Eu agradeço muito, mas eu já me decidi…

— Ja’far-san

 O alvo abriu um largo sorriso, por mais que seu rosto estivesse encharcado pelas lágrimas. Precisava ser forte por eles, que estavam ao seu lado durante todos aqueles anos. Parecia surreal pensar que estava indo embora, mas… como os encararia todos os dias? Afinal, havia sido ele que ensinara aquelas ainda crianças a respeitar e amar Sinbad.

— Peço desculpas pelo transtorno que causei a vocês e… por favor, cuidem do Sin!

 O mínimo que poderiam fazer era respeitar sua decisão.

 Ja’far saiu da sala de reunião, tão desatento que nem viu a mulher que se escondeu atrás de um vaso de planta. Caminhava sem forças, sem vontade.

 Seguiu até o escritório de seu rei, já que praticamente todos falavam sobre o ocorrido daquela manhã, comentando que Sinbad estava trancado em sua sala desde então.

 Mas além dos rumores que ouvia, Ja’far também podia perceber os olhares que lhe fuzilavam, sem dó. Por mais que amassem seu conselheiro, a autoridade máxima daquele país era admirada de uma forma sem par. Não os culpava, afinal, havia apenas demonstrado sua verdadeira natureza, aquela que escondeu por tantos anos… por ele.

 Assim que notavam que Ja’far os encarava, os serviçais mudavam o assunto e tentavam dispersar qualquer atenção.

— Então, amanhã mesmo enviaremos um navio para Kou. Não precisaremos usar a rota terrestre já que não há mais perigo no caminho e a costa de Kou é segura agora pela Aliança. - um dos empregados falava.

— Vossa majestade pediu o máximo de urgência! Ele parece empenhado em auxiliar o novo imperador!

— Ele também se tornou rei jovem, sabe que não é fácil...

 As vozes foram diminuindo e se tornando abafadas à medida em que Ja’far caminhava. Seguiu por sua sala e chegou às duas enormes portas duplas. Respirou fundo e bateu uma, duas vezes.

— Si..!!! Digo, majestade! - ele se remendou ao chamar.

 Não houve resposta, porém a porta estava trancada.

 Passou a mão por dentro de uma das longas mangas de suas vestes de tons pastéis e tirou de lá um pequeno molho, basicamente contendo as chaves dos escritórios seu e de Sinbad e dos aposentos seu e de seu rei. Girando-a duas vezes na fechadura, ele encontrou no fundo daquela ampla sala o moreno de costas, a cadeira em direção à sacada principal do palácio. Sinbad permaneceu imóvel mesmo tendo sua privacidade invadida e percebendo que Ja’far se aproximava.

— Peço perdão pela minha intransigência. - ele se curvou, apesar de Sinbad não poder ver seu cumprimento formal. - Vim apenas comunicar que estarei partindo amanhã.

 Sinbad engoliu a seco. Apesar de seu coração acelerar com aquela afirmação, ele se manteve completamente firme, como se nada o abalasse. Nem ao menos se virou para encará-lo.

— Irei para Kou, auxiliar o Hakuryuu-kun. Sei que não deve se interessar, mas acho que devo orientá-lo. Não terá muitos problemas já que todos estão cuidando bem do meu trabalho. Apenas vim… pedir sua permissão, sendo meu rei…

— Não me interessa para onde vai. - Sinbad o interrompeu.

  Foi a vez de Ja’far se surpreender. Piscou, a angústia tomando seu coração. Ele realmente não se importava?

— M… me perdoe, então...

 Deu meia-volta, estava envergonhado, sem saber como agir. Por que havia ido até ali?

— Ja’far!

 A esperança se reacendeu ao ouvir aquele chamado. Ele parou e girou os calcanhares para virar-se de frente para aquele que finalmente lhe dirigia a palavra.

— Eu realmente errei tanto assim? Para que… para que quisesse me matar?

— Eu jamais faria isso estando com meu juízo perfeito, Sin… - Ja’far disse com simplicidade. - Se me dá licença, preciso ir arrumar minhas coisas.

 Ouviu os passos do alvo, precisava ter coragem. Cerrou os punhos, reunindo forças. Precisava sobrepujar seu orgulho. Já tinha tido tantas provas de que o orgulho só o levara a ruína…

— JA’FAR!

 Assim que se levantou e virou-se na direção da porta, ela foi batida com força.

— Droga!

 Sinbad voltou a se jogar na cadeira, esfregando o rosto nas mãos. O que estava fazendo? O que estava acontecendo? Furioso, capturou o primeiro objeto que viu na sua frente, um jarro sobre sua mesa, e o arremessou na direção daquela porta.

 Ja’far, ainda recostado sobre aquela superfície de madeira, ouviu o impacto da cerâmica que se quebrou em mil pedaços. Será que jamais poderia perdoá-lo?

— Sin… - ele soluçou.

— Lembra quando me desafiou a tirá-lo de você?

 Não era possível! Ergueu o rosto e encontrou a mulher que sorria abertamente para ele.

 Era a última pessoa que queria encontrar. Na verdade, queria matá-la, ali mesmo. Já havia perdido tudo mesmo, Sinbad provavelmente não o perdoaria.

 Matar uma princesa agora protegida pela Aliança provavelmente seria o suficiente para que fosse executado. Não era “corajoso” como Sinbad pensava em atentar contra sua própria vida, sendo seu rei o motivo pelo qual não podia desistir de viver. Então, cometer um crime tão bárbaro, poderia ser a saída?

— Me deixe em paz, por favor.

 Ele tentou ignorá-la, caminhando em passos largos para passar por Hakuei, mas a bruxa foi mais rápida. Capturou o braço de Ja’far e os olhos azuis brilharam.

— Está indo para Kou, não é? Se meu queriiido filhinho, digo, irmãozinho - ela cantarolou - souber de alguma coisa, apresse-se para o enterro de seu rei.

— Você não seria capaz! - Ja’far riu, faceteiro. - Tem muito mais a ganhar se aproveitando dele, sendo a vagabunda que é, do que o matando!

— Já pensou que tendo um filho dele, seu rei se torna completamente inútil para mim? Bem… a única utilidade dele será na cama mesmo. - a mulher, repleta de malícia, gargalhou.

— Você dá nojo! Nunca será capaz de dar um filho ao Sin, bruxa!

— Por que não? - ela se aproximou do rosto alvo. - Acho que quem não é capaz aqui disso é você e por que será, não é? - irônica, ela cobriu o riso com a longa manga das vestes.

— Nunca precisei disso para prender ele, diferente de você que precisa disso para agarrar homens!

— Lembre-se do que aconteceu com os antigos imperadores… Pobre Sinbad-sama… - ela ria. - Em breve posso reinar absoluta aqui…

 Ja’far estava perdendo a paciência. Ela já tinha o que queria, não? Por que permanecia a provocá-lo de forma tão obstinada?

— O que pretende?! - Ja’far vociferou. - Já não conseguiu tirá-lo de mim? Por que me tortura? Por que me instiga a ter uma atitude ruim com você?! ME DEIXE EM PAZ!

 O alvo saiu marchando completamente transtornado. Como aquela mulher podia seguir lhe torturando daquela forma?

 A bruxa, por sua vez, permaneceu a gargalhar, parando apenas quando se surpreendeu ao notar alguns rukhs escuros acompanharem o caminhar do ex-conselheiro de Sindria.

— Ah, Ja’far, você é tão inocente… Todos aqui são tão inocentes que dá gosto ver cair... - Arba sussurrou satisfeita. - E até agora não sabe o que pretendo? Tolo… Só não é mais tolo… que ele...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Vamos fazer um mutirão para ir linchar a Arba, vamos?
Bem, a fic está entrando na reta final! É a primeira fic de Magi que publico que passa dos 10 capítulos e vamos que vamos! Espero que tenham gostado e lembrando que críticas, sugestões, dicas, são sempre bem-vindas!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um peso, duas medidas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.