Capitulo 19 - Correntes

Não tinha certeza de como Yura estava se sentindo, porém com seus olhos desfocados e a mente nublada eu poderia supor que ele estava tão perdido quanto eu, o que me passava algum conforto, eu queria estudar aquele momento, mesmo que pra mim, já não houvesse certeza do que estava fazendo...

“Quero entender” eu dizia a mim mesma, queria entender a única pessoa que já havia arrancado de mim o que eu considerava real, o que eu esperava da minha vida, e que eu mesmo assim sabia que não era meu...

- Me perdoe... – eu disse tentando entender a angústia de Yura.

- Por quê?

- Eu sei que você não quer se apegar a nada disso... Eu já sabia desde o primeiro dia, mas mesmo assim eu insisto em mentir, em fingir que isso não será tão passageiro...

- Mas eu não disse que seria. – ele disse com os olhos de verdade.

- Me diga se você não queria que toda essa situação não fosse real? Pra que você não precisasse de mim.

- Eu sempre fui assim. Não quero depender de ninguém... – ele disse olhando pela janela.

- Eu entendo.

Não havia forma de nenhum de nós evitarmos o que estava por vir, tanto que tudo o que eu poderia fazer, era me entregar àquele momento, mesmo que passageiro, mesmo que descartável, pra que eu conservasse pelo menos uma lembrança boa de tudo aquilo, onde eu não estava calculando e me trancando pra não me machucar...

Yura aceitou os caminhos sinuosos os quais eu seguia, eu o amava, não havia como impedir isso, eu queria evitar, eu queria esquecer, queria sumir...

- Hun... – naquele momento a voz de Yura soava mais suave do que de costume, o sussurrar suave de seus anseios...

As mãos de Yura travaram-se ao meu redor, era atormentador ver como ambos éramos fracos, como estávamos tentando nos esconder de algo que nós mesmos começamos...

O corpo, voz e mente de Yura se adaptavam a mim, aos meus caprichos, aos percursos violentos das minhas carícias, aos temores angustiados que eu despejava sobre ele, o amor e o ódio que eu tanto me afeiçoei, e que acabaram por me jogar em um dos vícios mais fatais e mais amados que eu jamais quis... Amando-o o bastante pra sacrificar meu próprio futuro e felicidade por esta causa, e odiando-o o bastante para matá-lo com a minhas próprias mãos...   

Ele já era meu, sua respiração entrecortada me dizia isso, queria tanto isolar aquele momento, queria fechar as feridas abertas do meu coração, ama-lo uma vez mais, tirar-lhe o juízo, até que ele implorasse por mais... A combinação de sentimentos no meu cérebro estava criando um prazer ácido e vingativo, mas seus olhos permaneciam ternos...

Ele estendeu a mão e tirou o cabelo do meu rosto, suas mãos estavam geladas e trêmulas, ele me sorriu com uma expressão suave, eu havia terminado de quebrar os alicerces de sua calma, arrancando-o daquela cúpula de vidro onde ele se trancou.

Quando terminou, o eco do suspirar suave de Yura permanecia dentro da minha mente, cravado a fogo em mim. Eu revia tudo o que tinha acontecido, revisando por que eu estava tão... Viciada naquela agonia.

Eu me levantei e caminhei até a porta do quarto.

- Deixe a porta entreaberta... – Yura disse estendendo uma das mãos na minha direção.

- Certo...

Caminhei pra fora do quarto, levando comigo um dos lençóis, ao chegar no corredor eu desabei, em um choro dolorido, acredito que Yura estivesse se trocando agora, pondo um daqueles moletons que ele adora, eu não podia fazer nada, as lágrimas não paravam de cair...

- Alice...? – Yura disse num tom preocupado do que eu estaria fazendo no chão.

Ao ver minhas lágrimas no chão molhado, ele caminhou pelo corredor e me abraçou, ajoelhado no chão junto comigo.

- Prometa-me que vai ser eterno enquanto durar. – eu disse me agarrando a ele, meu único conforto.

- Eu prometo.

E ficamos os dois abraçados no corredor, duas pessoas que ao se envolverem só estavam de destruindo...