A conspiração escarlate escrita por Drafter


Capítulo 36
Mind Games




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— Como assim Liu e Bozukan ainda não foram localizados?

A voz do Rei Enma soava grave e poderosa, fazendo todo o Reikai estremecer. O monarca era conhecido pelo temperamento difícil e pela maneira draconiana com que governava o Mundo Espiritual, mas ainda assim, costumava ser reservado. Poucos tinham tido o desprazer de ver o governante realmente nervoso.

— Toda a força-tarefa do Esquadrão está empenhada em fechar os portais abertos, senhor — Ayaka respondeu, com seu jeito austero.

— Já se passaram cinco dias desde a última invasão. Por que a missão ainda não foi concluída?

— A tropa precisou ser dividida. Tínhamos pelo menos quatro fendas ativas, e o consenso foi trabalhar com todas simultaneamente, evitando novas invasões. Não podíamos deixar nenhuma das barreiras desprotegidas, senhor. Não depois do que aconteceu.

— E qual é a sua previsão, General?

— De acordo com o último relatório, calculo que vamos precisar de mais 72 horas para assegurar a completa vedação...

— Termine em 24 horas — Enma interrompeu.

— Senhor, nossa equipe já está trabalhando com a capacidade máxima...

— O prazo é esse. E assim que os portais estiverem fechados, quero todas as unidades empenhadas na eliminação de Liu e Bozukan imediatamente.

A general engoliu em seco.

"Eliminação"

— Sim, senhor.

Rei Enma a dispensou e Ayaka deixou a sala, concentrada em repassar a ordem de acelerar o fechamento das fendas dimensionais para a tropa que atuava no Mundo dos Humanos.

Compreendia a urgência do soberano, da mesma maneira com que se preocupava com o fato de Bozukan estar livre no Ningenkai, e se sentia frustrada por não poder dar conta de tudo ao mesmo tempo. Era disciplinada o bastante para saber cumprir ordens, delegar tarefas e planejar sua estratégia de maneira eficaz para minimizar possíveis danos colaterais, mas aquela situação a deixava mais agitada do que o normal.

— Precisamos conversar, Sr. Koenma — a general anunciou ao ser recebida na sala do filho de Enma.

Ele se surpreendeu com a chegada de Ayaka. Começou a imaginar toda sorte de más notícias que ela poderia estar trazendo.

— O que houve?

— Em particular, por favor.

Koenma bufou, mas acabou acompanhando a general até uma sala de reunião, onde puderam ficar a sós. A mesma sala onde tinha se encontrado pela primeira vez com o Comandante Liu para discutirem aquele caso. Não conseguiu deixar de pensar em quão irônica era a situação.

— Como meu pai continua dando ordens, depois das denúncias que tivemos sobre ele?

— Não temos provas do envolvimento dele no acordo com o Makai — a general respondeu — E ele negou todas as acusações. Sem provas, não temos muito o que fazer. Além do mais, Kurama se enganou quando disse que duvidava que Liu tivesse procurado o Bozukan original, então talvez tenha se enganado sobre o Rei Enma também.

O raciocínio prático de Ayaka realmente caminhava nessa direção, mas a ordem de eliminar Liu a pegou de surpresa. O protocolo correto do Esquadrão seria localizar, prender e interrogar o comandante e não "eliminar".

— Bom, e o que você quer comigo?

Ayaka ponderou por um segundo.

— Koenma, você confia nos seus amigos?

Ele não entendeu a pergunta — ou ficou com medo de entender.

— Como assim...?

— Urameshi, Kurama... você acha que eles são confiáveis?

— Você vem me perguntar isso depois de tudo que aconteceu? Não foram eles que abriram os portais ou causaram toda essa confusão!

— Eu sei — respondeu Ayaka, um pouco perplexa pela resposta enérgica de Koenma — Só queria saber se ainda podemos contar com eles...

Ela interrompeu a fala, pensando em como expor sua opinião. A verdade era que ainda não se sentia confortável em confiar em um grupo composto quase que inteiramente por youkais, mas achou que isso talvez fosse deixar Koenma ofendido. A general, no entanto, não conseguia evitar. Tal sentimento tinha sido insistentemente incutido dentro da sua cabeça ao longo dos muitos anos de treinamento a que se submetera até alcançar a patente atual.

— Digo, a licença de detetive espiritual foi caçada. Teoricamente, Urameshi não tem mais nenhuma obrigação ou vínculo conosco — ela emendou.

— Você tem razão, ele não tem — respondeu — mas Yusuke nunca deixaria de agir para proteger seus amigos. Onde está querendo chegar?

Ayaka fez uma nova pausa, pensando com cuidado em como colocar o assunto.

— O Esquadrão está empenhado em fechar as barreiras com o Makai, mas enquanto isso não estiver finalizado, não podemos nos dedicar a mais nada que exija um efetivo muito potente... — falou, com cuidado.

Koenma continuou calado, ouvindo a general com uma expressão cética.

— Vamos investir todas nossas forças em encontrar Liu e Bozukan assim que o pelotão estiver disponível. Meu medo é que isso seja tarde demais.

— Você quer que Yusuke e os outros encontrem Bozukan e Liu antes, é isso?

— Digamos que seria bom eles ficarem de olho...

Koenma sorriu discretamente. A general com certeza não conhecia seus amigos.

(...)

Kurama desligou a televisão da sala no meio do noticiário, tentando disfarçar a raiva enquanto conversava com a mãe. Disse que ela deveria se ocupar com assuntos mais leves em vez de ficar se preocupando com aquelas notícias sensacionalistas. Shiori sorriu, dizendo que o único preocupado ali era ele, mas no fundo, agradecia os cuidados que o rapaz tinha com ela. Shuichi era o filho mais amoroso que uma mãe podia ter.

Quando ele inesperadamente anunciou, assim que terminou de lavar a louça do jantar, que iria sair, a senhora Minamino não resistiu a uma provocação.

— Vai namorar?

— Eu não tenho namorada, mamãe! A senhora sabe disso — Kurama riu, dando na mãe um beijo carinhoso.

— Sei... Quando você vai trazer ela aqui de novo? — ela ainda falou antes do filho fechar a porta, mas Kurama apenas se despediu da mãe com um aceno bem-humorado.

A expressão descontraída deu lugar a uma muito mais séria tão logo ele pôs os pés na rua. As notícias daquela noite o inquietaram. Na verdade, vinha se incomodando com o noticiário há cinco dias, quando mortes inexplicáveis e insólitas começaram a ser reportadas nos jornais. As poucas pistas deixavam a polícia confusa, que criava todo o tipo de teoria para explicar os assassinatos, desde animais selvagens a serial killers, passando por rituais satânicos ou até mesmo acidentes improváveis.

Kurama, no entanto, sabia exatamente quem estava por trás daquelas mortes — e de provavelmente muitas outras que nem sequer chegavam ao conhecimento do público. A mídia evitava dar muitos detalhes, provavelmente para não chocar a população, mas ele não precisava dos jornais para saber quão bárbaras eram as condições das vítimas encontradas. Kurama tinha visto com os próprios olhos.

— Alguma atividade incomum até agora? — perguntou em voz alta, apesar de estar desacompanhado.

Hiei já tinha pressentido a chegada do amigo antes mesmo de ouvir a pergunta. Se ajeitou no galho da árvore onde gostava de se esconder dos olhares humanos e saltou para o lado de Kurama.

— O filho da puta decidiu se esconder hoje — ele respondeu — Sabe que estamos atrás dele.

— Ele sabe, mas não é por isso que está quieto.

Desde o incidente com Bozukan, Hiei vinha monitorando incessantemente os movimentos do demônio através do Jagan. O único problema era que o youkai conseguia esconder sua energia de uma maneira impecável, ficando praticamente invisível para o radar de Hiei. Porém, vez ou outra, deixava escapar pequenas centelhas de seu youki, criando um rastro sutil, mas forte o bastante para ser captado pelo terceiro olho do demônio de fogo. Em todas as vezes, Hiei se apressaria até o local, guiado pelo Jagan, apenas para encontrar o lugar já deserto.

Ou quase deserto.

Kurama tinha acompanhado o amigo em várias dessas excursões e por mais de uma vez, tudo que achavam era um corpo sem vida, destroçado. Ou ao menos, partes do que um dia fora um corpo humano.

— Ele está brincando conosco — Kurama concluira.

Tão logo percebeu que estava sendo vigiado, Bozukan passara deliberadamente a deixar suas pistas pela cidade, fazendo-os achar que poderiam agarra-lo na próxima oportunidade. Muitas vezes, o resquício da energia maligna do youkai era tão forte que era como se eles o tivessem perdido por uma questão de segundos. Não demorou para Kurama perceber que estavam sendo feitos de trouxas pelo demônio.

Ainda assim, Hiei continuou observando as atividades de Bozukan, tentando compreender alguma lógica nos ataques. Achava que poderia prever em qual área da cidade ou até mesmo da província ele iria surgir, o surpreendendo em tempo hábil. O youkai, entretanto, parecia continuar sempre um passo a frente deles.

No começo, os lugares e horários escolhidos para suas investidas eram aparentemente aleatórios, sem nenhuma conexão entre si. Por isso, quando Hiei comentou que sentira o youki de Bozukan a duas quadras da escola de Kurama, ele inicialmente pensou se tratar de uma coincidência.

Começou a se preocupar quando os ataques passaram a ser reportados em locais cada vez mais conhecidos pelo grupo. Um corpo foi encontrado na mesma rua do restaurante dos pais de Keiko, e, dois dias depois, uma cabeça decepada foi descoberta no parque próximo à casa de Kiki — o mesmo parque com a trilha que levava à clareira que a menina gostava de frequentar.

Kurama entendeu que aquilo era uma provocação, talvez um aviso para pararem de uma vez por todas com aquela brincadeira de gato e rato que vinham jogando nos últimos dias. "Vou poupar seus amigos", Bozukan tinha dito. Não que um sociopata como ele levaria a sério suas promessas, mas Kurama sabia que o demônio gostava de criar mind games e provocar terrores psicológicos em seus inimigos. Talvez realmente não os atacasse diretamente, mas isso não significava que eles seriam poupados.

O pai de Kiki, a mãe de Yusuke, a irmã de Kuwabara, a mãe de Kurama, a família de Keiko. Qualquer um deles poderia ser usado para atingi-los. E essa possibilidade o perturbava.

— Nenhum sinal o dia todo? — Kurama voltou a perguntar.

— Nada.

O ruivo apertou os lábios. Bozukan sabia o efeito que isso causava no youko.

Aquele silêncio não significava que o demônio estava sem agir. Pelo contrário, eram nesses momentos que ele mais atuava. Os corpos desfigurados e o banho de sangue eram apenas um espetáculo, o fazia meramente para aparecer e causar pânico. O verdadeiro prazer de Bozukan estava em promover horas de tortura, estripar as vítimas ainda vivas e só então devora-las por completo.

— Me avise de qualquer interferência, Hiei — ele pediu — Não importa a hora que for.

Hiei aquiesceu. Conhecia muito bem a obsessão que Kurama às vezes desenvolvia por algum inimigo.

Se despediram, mas Kurama não voltou para casa imediatamente. A reunião com Hiei não tinha sido o único motivo que o fizera sair naquela noite.

Esperou o amigo desaparecer e caminhou mais um pouco pela praça vazia, iluminada apenas pelos postes de luz amarela que adornavam a alameda e criavam sombras de proporções exageradas a medida que ele passava.

Continuou andando pelas ruas, já com outro destino em mente. Parou assim que encontrou o viaduto que seria palco do seu próximo encontro. Analisou o ambiente e, quando teve certeza de que estariam sozinhos, avançou.

— Estou aqui, Liu.


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