A Vida Secreta de Rachel escrita por L CHRIS


Capítulo 14
Desconstruindo Amélia


Notas iniciais do capítulo

"Amélia
Substantivo feminino
B infrm. mulher amorosa, passiva e serviçal."
O nome do capitulo é o titulo da música da Pitty, o capitulo foi inspirado nessa música. Quem quiser ouvi-la, deixarei o link aqui: https://www.youtube.com/watch?v=OVF-EhZ-QhE
A todos uma boa leitura.



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Os dias sucederam-se longos, a lembrança de Frankie tornou-se cada vez mais distante, o que me fizera acreditar que talvez fosse de fato algo momentâneo que logo passaria despercebido.

Minha vida continuara como sempre, levava as crianças para escola e as quintas ao futebol, fazia compras para casa, preparava as refeições, arrumava a casa. Nada além do que sempre vivera. E o que sempre iria viver, não importa o quanto quisesse fugir, eu estava condenada a ser a mulher de Allan, a dona de casa exemplar.

Respiro fundo.

– Com licença...

A voz me afasta os pensamentos, encaro ao redor, estava no supermercado fazendo a compra mensal. A dona da voz era uma senhora já idosa. Cabelos brancos e ralos, uma pele envelhecida naturalmente pelo tempo, postura curva de uma pessoa de idade e um olhar sereno.

Ela trazia nas mãos um cesto com algumas frutas e legumes, e juntamente uma caixa de macarrão.

Encarando-me ela sorri.

Suas mãos eram levemente tremulas.

– Você poderia ler para mim? Quero saber se tem glúten.

Abro um leve sorriso.

– Sim. Claro. – Respondo gentilmente.

Olho a embalagem e logo no rodapé noto a frase em negrito “SEM GLÚTEN.”

Devolvo a embalagem a senhora, dizendo.

– Não, senhora. É sem glúten.

A idosa abre um sorriso me agradecendo.

– Muito obrigada, senhorita.

Então ela se afasta lentamente com suas compras nas mãos, sigo ela com o olhar até vê-la desaparecer no final do corredor.

Aquela senhora me parecia solitária, talvez o tipo de esposa e mãe exemplar, que depois de anos de dedicação fora abandonada. Talvez, ela fosse meu retrato no futuro.

Uma senhora sozinha. Uma mulher que servira sua vida inteira e fora descartada no final.

Suspiro.

Volto a empurrar meu carrinho a fim de finalizar as compras o mais rápido possível.

– Rachel? – A voz soa atrás de mim. Um arrepio súbito me faz parar o carrinho no meio do corredor de higiene pessoal.

Giro meus calcanhares lentamente, como se eu quisesse adiar o que estava por vim, como se eu não quisesse ver. Ou apenas tivesse medo.

Maldito destino! Esbravejo em pensamentos ao ver a figura em minha frente.

Cabelo revolto, jeans, camisa branca e coturno, nada fora do habitual. E o seu sorriso. Aquele sorriso. Era sem duvidas sua marca registrada.

Sinto meu coração palpitar, por um momento me sinto constrangida, porque eu tenho certeza que naquele instante meu rosto queimara.

– F-francesca. – Gaguejo.

Sinto minha garganta secar, meu único desejo era fugir dali.

Frankie trazia em suas mãos uma embalagem de pizza e um refrigerante, talvez, aquela fosse sua refeição do dia. Concluo por fim.

Minha maturidade parecia inexistente, eu estava me sentindo novamente como uma maldita colegial. Francesca provocara aquilo em mim.

– Nossa. Que surpresa. Como você está? – Frankie diz em um tom amigável, como se realmente fossemos próximas – Eu precisava tanto falar com você!

Comigo? Questiono mentalmente. Talvez Frankie houvesse se arrependido, ou apenas quisesse pedir mais uma vez desculpas por toda a situação desagradável. Penso esperançosa.

Respiro, fingindo indiferença.

– Comigo? – Indago sem entusiasmo, mesmo que por dentro meu corpo ardesse com a sua presença.

– Sim – respondeu – Você é fotografa, não?

Hesito.

– Sim. Por quê?

– Isso é perfeito. Eu preciso de uma fotografa, eu não, – ela parou por um instante – uma amiga minha. Eu pensei em você.

Eu pensei em você. Repito sua frase mentalmente.

– Eu não fotografo há muito tempo, Francesca. – Respiro fundo – me sinto feliz pelo convite. Mas não poss... – Uma voz interrompe a conversa.

– Baby. Olha o que eu achei.

Uma mulher loira e alta surge atrás de Francesca, ela devia ter pelo menos 40 anos, tinha um rosto acentuado, olhos de um castanho vivo, usava muito blush e vestia uma camisa preta de alguma banda na qual não conhecia. Ela tinha um ar jovial, tinha uma tatuagem em um dos braços, um tribal, ou algo assim.

A mulher para por um momento, ela trás nas mãos um pote de sorvete e um filme pornô lésbico – aquilo era sério? Eu não imaginara que alguém comprasse isso no mercado. Penso perplexa.

– Quem é ela? – Perguntou a mulher seria.

– Sou Rachel. – Respondi seca.

– Rachel? – Respondeu com hostilidade.

– Gina, essa é a fotografa na qual falei.

Gina, então essa era a amiga de Frankie? Mas e Stella? Ou seria Ester? Tanto faz, eu não estava interessada nos nomes de suas namoradas amigáveis.

– Oh, sim – o tom da mulher parecera mudar radicalmente, de seria e hostil, fora para simpático. Aproximando-se tocou minha mão – Eu sou Gina Pepper. Sou designer de roupas intimas. Frankie, falou muito bem de você!

Encaro-as perplexa.

Aquilo era realmente serio? Penso com uma ruga na testa.

– Ah, é? – Questiono – Como eu disse para Francesca, não estou mais fotografando.

Frankie me olha, e naquele momento sinto uma quentura me invadir, sem duvidas sua presença ainda me trazia desconforto.

– É uma pena. O trabalho era para divulgar minha nova coleção de lingerie, eu precisaria de uma fotografa para a campanha – a mulher para por um instante pegando algo na bolsa – aqui está meu cartão. Por favor, me ligue se mudar de ideia. Seria muito importante.

Analiso aquele cartão silenciosamente:

Gina P. Jon

Designer & Estilista.

Fone: 9279301

– Me liga. Eu adoraria conhecer seu trabalho.

Ergo meu olhar e encaro Frankie novamente, seu olhar era cauteloso como se tivesse medo da minha reação, algo assim.

Pressiono meus lábios e naquele momento tenho a certeza que devia me manter longe dela, o perigo estava em seus olhos. E eu não estava pronta, não para isso.

– Até logo, Gina. Pensarei sobre. – Lanço-lhe um leve sorriso.

Aceno silenciosa para Frankie e me viro enfiando seu cartão no fundo da bolsa. Sabia que nunca ligaria para Gina. Mesmo assim, sabia que seria ofensivo se recusasse seu cartão.

Sigo para o caixa em passos largos, por um momento me sinto desnorteada como se a presença de Frankie houvesse me tirado o foco de tudo em minha volta. Estar com ela novamente mexeu comigo mais do que gostaria.

Acabei abandonando as compras no carrinho, algo me tomou o peito e a única coisa que eu queria era fugir dali. E esquecer-se daquele encontro desastroso.

***

Já era quase seis da tarde quando começo o preparo do jantar, as crianças estavam fazendo o dever no andar de cima e Allan acabara de entrar na cozinha.

Ainda vestido com a roupa social habitual do seu trabalho ele se aproxima e beija meu ombro, ignoro aquele beijo e continuo cortando os legumes.

– Você não fez compras? – Ela indaga assim que abre a geladeira.

Lembro-me da ida ao mercado e do encontro com Frankie.

Sim. Eu fiz. Mas deixei no mercado assim que encontrei meu flerte com sua nova namorada.

– Não. Eu vou amanhã.

Posso notar quando Allan bufa atrás de mim, batendo a geladeira após pegar uma cerveja. Ele se senta em uma cadeira da mesa, então começa:

– É incrível, Rachel. Você não faz nada além de cuidar dessa droga de casa! E mesmo assim não tem a capacidade de comprar os mantimentos.

Respiro fundo.

Eu precisava ignora-lo, certamente bebeu depois do expediente.

– Que espécie de mulher é você?

Uma mulher que esta cansada de ser traída, tratada como objeto por um marido infiel e ausente. Respondo mentalmente.

– Me responde! – O seu tom de voz estava mais grave.

Silencio.

– Você tem uma vida perfeita, Rachel. Quantas mulheres não desejariam isso? Muitas – ele mesmo responde sua pergunta – Uma casa, filhos, marido. Todas as mulheres clamam por isso. Mas olha para você... – Sua voz era grosseira – Você nem se cuida mais, anda sempre com essas roupas. Esse mesmo cabelo. Você é tão patética.

As lagrimas começam a escorrer pelo meu rosto, aperto firme meus dedos no cabo da faca e torço para que as ofensas de Allan acabassem por ali. Mas meu desejo não foi concretizado.

– Sabe, Rachel. Às vezes eu olho para você e me pergunto o porquê me casei com você. Você não é uma mulher atraente, você cozinha bem, mas isso qualquer uma pode fazer. Você é frigida. Sempre o mesmo jeito, as mesmas falas. Você é uma droga da mulher.

Quem aquele homem pensara que era? Allan me traiu por anos, e ainda sim se sente muito para mim? Suas palavras me matavam por dentro, mas não por ser ditas e sim por ter permitido que tudo chegasse aquele ponto. Talvez ele estivesse razão por agir assim. Porque no fundo, eu sabia que dei permissão para ele sentir-se meu dono. Mas eu não ia admitir mais isso. Não. Estava mais do que na hora de encarar essa situação como mulher. Uma mulher de verdade.

Viro-me de frente para ele, e pela primeira vez encaro Allan nos olhos.

– Chega! – Grito – Você que é patético Allan. Olha pra você! Um homem importante, que na frente dos amigos quer ser o rapaz perfeito, doa grandes quantias para igreja, frequenta a missa aos domingos. Aparente pai perfeito, marido fiel. Mas você é um nojento e um patético bêbado, que vive trepando com mulheres diferentes a cada noite. Eu tenho vergonha de ser sua mulher Allan Sadie!

Allan me encara incrédulo, e por um instante penso que ele possa reagir mal. Seguro firme a faca que trago nas mãos. Eu estava pronta para enfrentar Allan, seja como for.

– Mamãe. – A voz assustada pelos gritos de Bath, me faz largar a faca na pia.

Encaro Allan com desdém e digo:

– Você viu o que você fez?!

– Rachel... – Começa Allan em um tom arrependido.

– Não! Allan, sem mais uma palavra. Eu quero o divorcio.

Saiu da cozinha e vou à direção dos meus filhos que me olhavam assustados, encaro os dois com um leve sorriso e me ajoelho para abraça-los.

Naquele instante as lagrimas rolam sem parar, e uma tristeza profunda toma meu peito.

– Mamãe, você o papai estavam brigando? – Bath me encara cabisbaixo.

– Oh, não querido. Era apenas uma conversa de adultos.

– Adultos não falam gritando. – Rebate Arthur.

Fico sem palavras e apenas continuo a abraça-los.

– Vai ficar tudo bem.

– Eu não quero ser filho de pais separados – Arthur parece estar certo do que estava dizendo – eu não quero! – ele exclama e então solta de meus braços seguindo em disparada para o andar de cima.

Respiro fundo e beijo o topo da cabeça de Bath.

O que eu poderia fazer? Quando finalmente tenho coragem de enfrentar Allan, Arthur me deixa sem chão com sua reação.

Naquele instante, eu sei que a separação afetaria meus filhos bem mais do que imaginei. Mas do que isso, eu sabia que não poderia me separar daquele homem repulsivo. Pelo menos não agora. Mas isso não significara que as coisas continuariam como estão.

Muitas coisas mudariam daquele dia em diante.

E a primeira coisa a fazer era uma ligação.

Uma ligação importante.

Para Gina P. Jon.


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam? Até o próximo capitulo!



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