Blood And Fire escrita por Sawatari


Capítulo 7
Uma detenção muito divertida. Ou não.




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            Detenção de semi-deus não é muito diferente da detenção de um mortal. Exceto que quem te arrasta para a sala é um deus e não um professor. Acho que a enfermaria era bem mais interessante do que a sala onde a gente iria ficar, que parecia uma biblioteca em miniatura. Eu odeio bibliotecas. Exceto quando podemos por fogo em algumas coisas. Aí fica divertido.

            A sala não tinha nada de especial, era feita da mesma madeira que o resto da casa, perfeitamente quadrada. Num canto tinha uma prateleira com uns livros e um ou dois pergaminhos velhos, e uma mesa, tipo aquelas de professor. Entre as duas, tinha umas mesinhas espalhadas, como se não fossem muito usadas. Eu me senti de volta à minha segunda casa, a detenção do internato. Dioniso só foi até a porta, e quando eu me virei, já não estava lá. Deve ser legal ser deus, nem precisa andar.

            Claro que imediatamente olhei pelo corredor, traçando uma rota de fuga.

 

            - Eu não faria isso. – disse uma voz vinda do fundo da sala. – Quando eu fugi, ele tentou me estrangular com vinhas.

 

            Eu virei espantado, jurando que não tinha ninguém na sala antes. O cara estava na carteira mais ao fundo da sala, longe das janelas. Ele, bem, me fazia parecer perfeitamente normal. Devia ser mais velho que eu, mas não muito, com dezesseis no máximo. Era a perfeita imagem do perturbado: Alto, físico definido, pele branca e cabelos pretos despenteados. Seus olhos negros eram sarcásticos. Dava para ver uma camisa do acampamento debaixo de uma jaqueta de couro preta, e tinha algo muito parecido com sangue em suas botas militares.

 

            - Ah... Oi, Alastair. – disse Kat, tentando parecer gentil. – O que você fez dessa vez?

            - Tentei chutar a cabeça de um garoto até ele morrer. – Alastair respondeu calmamente. Ele devia ser estrangeiro, porque falava de um jeito meio estranho, os “r’s” soando fortes. Alemão, com certeza. – E você?

            - Fui tirar uma foto do nosso campista novo. – ela virou os olhos na minha direção. O garoto fez o mesmo, mas seu olhar era sarcástico, presunçoso.

            - É, - achei melhor falar alguma coisa. – eu sou Michael...

            - Todo mundo sabe quem você é, o filho da Héstia. – ele me interrompeu, visivelmente incomodado. Depois deu de ombros. – Eu sou Alastair Crowe.

            - Eita nome de gente velha. – interveio Justin, falando pela primeira vez, em tom baixo.

            - Hey, Justin. – disse Alastair, parecendo finalmente ter notado sua presença conosco. Um pequeno sorriso apareceu em seu rosto. – Eu ainda quero te matar.

            Silêncio tenso. Ninguém parecia saber o que falar depois desse comentário. Deuses, eu sei que sou encrenqueiro, mas com certeza não merecia o mesmo tipo de castigo do que o Alastair-o-alemão-homicida. Situação tensa ou não, eu não estava a fim de ficar as duas horas de detenção de pé. Simplesmente fui até uma das primeiras carteiras, as mais longes possíveis do fundo e do Alastair, e sentei, olhando para a janela. Legal, tinha uma visão panorâmica dos garotos levando tombos na parede de escalada.

            Kat sentou do meu lado, enquanto Justin pegava uma cadeira e parada na nossa frente, cuidando para passar bem longe de Alastair, que já não olhava mais na nossa direção. Só posso dizer duas coisas. Uma, o tempo passa rápido quando se tem alguém pra conversar. Dois, tem gente bem mais anormal do que eu nesse acampamento.

            Sinceramente, perdi a noção do tempo enquanto conhecia mais daquele lugar estranho. Era a detenção mais divertida que eu já tive, e claro que isso significava que algo muito ruim e/ou estranho iria acontecer e/ou eu iria me arrebentar e/ou eu iria levar a culpa. Você já leu o suficiente desta história para saber disso, imagino. No momento em que ouvi os passos, batendo rápidos no chão, vindo na direção da sala, já sabia que estava ferrado.

            É claro que eu estava certo.

            A porta foi aberta com força, quase sendo arrancada das dobradiças, e um borrão vermelho parou em seu lugar. Era a primeira adulta que eu via no acampamento, tirando a parte de cima de Quíron, mas acho que isso não conta. Seu peito subia e descia, sinal de que havia corrido muito para chegar ali, os cabelos ruivos caindo sobre os olhos verdes. Eles pareceram brilhar quando se pregaram em mim. Agora que eu me ferro, foi meu único pensamento.

 

            - Hey... Ahnn... – Eu comecei, levantando devagar. Eu aprendi que se um adulto corre até você, a primeira coisa que se faz é fugir para o mais longe possível, então não sabia como reagir.

            - Você... escute... – e antes que terminasse a frase, ou conseguisse respirar direito, curvou-se, como se alguém a tivesse acertado. Imediatamente eu fui na sua direção, mas, tão rápido quanto abaixara o rosto ela o levantou. Seus olhos estavam realmente brilhantes e distantes. Mas foi a sua voz que me fez parar no meio do caminho. – Alma corrompida pela morte voltará,

Fúria incita a sede pelo sangue proibido,

Aliado passivo terrível inimigo será,

Para retornar ao mundo o primeiro concebido.

 

            Silêncio. Silêncio tenso. Silêncio muito tenso. Eu olhei para Kat. Kat olhou para Justin. Justin olhou pra mim. Eu olhei para Justin. E teríamos ficado lá, nos encarando sem saber o que fazer, se Alastair não tivesse levantado e marchado para a mulher, segurando o meu ombro e empurrando.

            Em geral eu iria me irritar, mas o toque foi muito bizarro. A pele do cara era fria, não do tipo comum pelo inverno, mais sim tipo um cubo de gelo. Sem dizer nada, ele se ajoelhou e a segurou pelos ombros, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Ela apertou os olhos antes de abri-los, se sobressaltando. Também, acordar e dar de cara com Alastair não devia ser uma boa experiência.

 

            - O que aconteceu? – perguntou hesitante enquanto se levantava.

            - Você teve uma visão. – respondeu Justin, mas Kat o interrompeu.

            - Mas não entendemos nada, talvez seja melhor você falar com Quíron.

            - É, certo... – ela concordou, indo para a porta.

 

            Eu até tentei bancar o gente boa e ajudá-la a achar Quíron, mas a verdade é que só a levei até a porta. Quando ela atravessou, eu virei rápido, esperando que alguém gritasse “Pegadinha do Malandro!” pra mim. Acredite, isso já aconteceu, e foi assim que Dew Meyers acabou com o nariz deformado para sempre. Ninguém gritou, então eu me vi obrigado a quebrar o silêncio.

 

            - O que foi isso?

            - Eu acho que foi uma profecia. – disse Kat, pensativa.

            - Profecia? Profecia?! – eu quase gritei, aí lembrei que não sabia o que era. – O que é profecia?

            - Deuses. – bufou Alastair, cobrindo os olhos com a mão.

            - Profecia é meio... como um poema. – começou Justin, hesitante. – Os oráculos usam eles pra dizer o futuro.

            - Aquela tia acabou de prever o futuro? – eu olhei sobre o ombro, mas não sei bem porque. – Mas nada do que disse fez sentido.

            - Profecias nunca fazem sentido. – retrucou Kat. – E Rachel não é uma tia, ela é bem legal.

            - Ok, isso não tem a ver com o que aconteceu. – eu realmente estava confuso com tudo aquilo. – Porque ela veio aqui e disse uma profecia sem sentido logo para a gente?

            - Não sei. – Justin respondeu, tão confuso quanto eu. – A gente só ganha uma profecia se vai ter uma missão. Uma missão para resolver algum problema no mundo mortal.

 

            Ok, aquilo não parecia muito bom. Se aquela profecia era mesmo para nós, e eu rezava sem muita esperança que não fosse (a quem estou tentando enganar?), significava que alguma coisa estava mal lá fora e isso tinha a ver comigo. O lado bom é que depois de ter sido estraçalhado por um manticore e quase morto por deuses, eu não achava que isso seria tão ruim. Ah, como eu tava errado...

 

            - Aham... e o que fazemos agora?

            - Garantimos que mais ninguém saiba disso. – disse Alastair, praticamente aparecendo entre nós.

            - Você tá falando sério?

            - Acorda, Mike. – ele revirou os olhos. – Se eles souberem, vão dar alarme e aí fudeu.

            - Sério? – Justin se meteu, arqueando uma sobrancelha.

            - Tá, não contamos para ninguém. – concordou Kat. – E aí?

            - Eu sugiro tentar pensar no que essa profecia queria dizer.

 

            Parecia lógico manter segredo, pelo menos no começo. Essa coisa de profecia, problemas no mundo lá fora, oráculos e alarmes tava me dando dor de cabeça. Sentei na mesa, olhando pela janela. Tudo parecia calmo, pela primeira vez em muitos dias. Eu não queria que isso acabasse, mas parecia que não tinha escolha. Eu só tinha uma pergunta em mente.

            O que um encrenqueiro incendiário, uma pervertida, um magrelo e um semi-sociopata podiam fazer pra resolver aquilo?

 


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