Blood And Fire escrita por Sawatari


Capítulo 6
Não são só os deuses que me sacaneiam...


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora em postar um novo capítulo, eu andava resolvendo problemas com a história, mas voltarei ao ritmo original.



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            Bem, depois do episódio nada desastroso da minha chegada no acampamento, era de se esperar que as coisas melhorassem, certo? Errado. Tudo bem, aqueles quadradinhos estranhos e o suco de maça com gosto de doritos tinha ajudado um pouco. Na parte física, porque na parte social, nem tanto.

            Era o meu segundo dia no acampamento, e o primeiro fora da enfermaria, e já queria fugir dali. Tipo, pra todo lugar aonde ia, as pessoas se afastavam, como se eu fosse pegar fogo de repente, ou começavam a sussurrar, me olhando assustados ou até irritados. Parecia meu primeiro dia de aula. A única diferença era que eu não era evitado por ter feito algo errado, e sim por ser o resultado de algo errado. Não era exatamente uma coisa boa.

            E lá estava eu, tropeçando pelo caminho coberto de neve e gelo, de mau humor. Era metade da tarde, e eu já havia tentado quase todas as atividades do acampamento. Eis os resultados: Equitação, três quedas que quase quebraram meu pescoço; Arco e Flecha, um campista puto comigo por quase ter levado uma flecha na cara; Escalada, quase-queimaduras constantes; Canoagem no lago semi-congelado... Ok, sem comentários. Água + Mike = Desastre Suicida.

            Era por isso que eu estava ensopado, procurando os chuveiros naquele labirinto grego. Parecia que estar coberto de lama da borda do lago e neve não me tornava mais digno de aproximação do que quando tinha chegado dois dias atrás. Levou muito tempo, mas finalmente achei os banheiros. Bem, só comento: Para um lugar semi-divino, estava meio abaixo da média.

            Mas pelo menos estava vazio. Dei uma olhada, e acabei achando uns armários com roupas do acampamento sobrando. Laranja, sempre laranja... Decidi que iria me preocupar com isso depois. Simplesmente joguei as roupas que usava num cesto e entrei no chuveiro. Confesso que foi um choque água quente ter saído. Os chuveiros apreciam ser aqueles de quartel, frios e pequenos.

            Por algum tempo tentei não pensar em nada, apenas me concentrando em aumentar o calor em volta. Uma fina camada de névoa subiu, o que queria dizer que dera certo. Queria saber fazer isso quando fui para aquela escola militar aos doze anos. Foi aí que eu ouvi. Passos, leves e rápidos. Definitivamente não era outro garoto entrando. Abri a porta alguns centímetros, tentando ver algo lá fora.

            Contra a nuvem de névoa, uma figura esguia se destacava, chegando cada vez mais perto de onde eu estava. Então fiz a coisa mais idiota daquele dia (tirando talvez ter tentando montar em um cavalo). Abri a porta com tudo e ergui o punho, que começou a pegar fogo, alheio à umidade no lugar.

            A garota deu um pulo de susto, tão chocada quanto eu quando nos vimos. Só que, diferente de mim, levantou alguma coisa e uma luz pequena piscou. Eu só tive um vislumbre dela, antes de agarrar uma toalha (os deuses finalmente me ajudaram em alguma coisa) que estava perto e amarrava na cintura. Só aí olhei para a estranha sem saber se gritava com ela ou me afogava na pia.

            Ela era alta, quase chegando na minha altura, com um corpo escultural, mesmo que bem agasalhado do frio. A pele era pálida, mas parecia ter sido bronzeada antes. Cabelos negros e perfeitamente lisos caíam pelas costas, emoldurando um rosto fino e olhos azuis celeste. Esse mesmo rosto ostentava um sorriso um tanto mal intencionado.

 

            - O que você tá fazendo aqui?! – consegui disparar, ainda chocado.

            - Bem, - ela começou, erguendo as sobrancelhas. – eu queria saber se você era bem dotado como minhas irmãs diziam... Parece que estavam certas.

            - Bem dotado...? – quando eu saquei o que aquilo queria dizer, senti o rosto ficar tão quente que achei que estava pegando fogo.

 

            Ela só deu uma risada baixa, o que acabou com minha paciência. Agarrei a primeira coisa em um dos armários e fui para trás deles, mais para pensar no que fazer do que qualquer outra coisa. Saco, era uma bermuda um tanto grande, mas era melhor do que uma toalha. Finalmente saí para falar de novo com ela, mas parei no meio do caminho.

            A garota estava sentada na pia, balançando os pés e rindo baixo. Estava segurando um celular aberto, com os olhos pregados na tela. Me lembrei da estranha luz de quando saíra do chuveiro antes de vê-la. Deuses, ela não faria isso, né? Não seria tão cara-de-pau, ou idiota, de fazer uma coisa dessas.

 

            - Você tirou uma foto de mim? – exclamei, chamando a atenção dela e chegando mais perto.

            - Bem... – ela saltou da pia e fechou o celular com um estralo. Começou a se afastar de costas em direção à porta.

            - Me dá isso. – eu disse, chegando cada vez mais perto, tentando ser ameaçador.

            - Venha tirar de mim.

 

            E com essa frase desafiadora, ela abriu a porta e saltou com uma gazela. Eu olhei para fora, sem saber o que fazer, por um segundo. E mais uma vez, fiz a coisa mais idiota possível. Saí correndo atrás dela. Saí correndo atrás de uma desconhecida tarada pela neve só de bermudas. Aquilo era sacanagem de lá de cima, tenho certeza!

            Não sei é porque eu sou filho de Héstia ou porque estava mesmo muito puto, correndo atrás dela, mas o fato foi que o frio não me incomodava mais. Sério, não estava sentido nada, além de irritação. E isso ajudou, porque cada vez mais chegava mais perto dela. Sim, eu sabia o que aquela cena devia estar parecendo para todo mundo, mas eu iria me preocupar com isso depois. Antes eu ia fazer ela engolir aquele celular!

            Seguimos até a área dos chalés, que eu ainda não conhecia por ter ficado na enfermaria no dia anterior. Visto de perto, eles pareciam ainda maiores. A garota estava correndo para um chalé específico, claro e bem arrumado, parecendo perfeito para garotas como ela. Apertei o passo, chegando muito mais perto.

            Aí eu estendi a mão e agarrei a ponta do seu casaco com força. Grande erro. Ela levou um susto e parou no meio do caminho, mas eu ainda estava correndo, o que não me deu tempo de parar também. Acabei por derrubar nós dois no chão, MAS (e esse “mas” maiúsculo é para provar que nem tudo estava perdido) ela deixou o celular cair no chão, rolando pela neve até parar perto do braseiro no centro dos chalés.

 

            - Ha! – foi tudo o que eu consegui falar, ofegante. Ela me olhou, erguendo uma sobrancelha bem desenhada.

            - Você não tá com frio?

 

            Deuses, por que ela tinha que falar isso?! Foi só ela dizer a palavra frio, que eu comecei a sentir de verdade o frio dali. Ainda nevava de leve, mas o vento era forte e nem o fogo ali perto ajudava. Comecei a tremer, mas não deixei que isso ficasse claro para ela. Em vez disso, fui mudando de assunto.

 

            - Quem é você?

            - Katryn Bates, ou só Kat. – ela respondeu, como se estivéssemos numa conversa normal. – Filha de Afrodite.

            - Ah. – Afrodite, Afrodite... quem era Afrodite mesmo? – Eu sou MichAAAAHHH!!

 

            Pelo “Aaaaaahhh”, você deve ter presumido que algo me interrompeu, e está certo. Antes que eu terminasse de falar, alguma coisa se jogou do meu lado, me derrubando de cima de Kat. Reagi instintivamente, segurando o outro cara pelos ombros e jogando-o para trás. Bem, eu não sou exatamente... err, forte, mas era maior do que ele, então não foi difícil trocarmos de lugar. Ergui o punho, tentando não fazê-lo pegar fogo antes de falar.

 

            - Qual é o seu problema? – É, eu não estava de bom humor.

            - Qual é o seu problema, tarado? – ele retrucou, tentando se soltar.

 

            Eu olhei para ele, tentando saber se tava de sacanagem comigo ou era sério. Kat invade o banheiro e me tira aquela foto, e o tarado sou eu?! Como eu disse antes, ele era menor e mais magro do que eu, com uma pele bronzeada, como se fosse verão e não inverno. Seus cabelos cacheados e loiros caíam na frente dos olhos verdes e irritados. Ocupado em manter o cara parado, nem vi quando Kat se levantou, agora séria, e chegou perto.

 

            - Justin, menos. – ela se colocou do nosso lado, e, com uma força que não parecia proporcional à sua forma delicada, segurou cada um de nós pelo ombro e puxou. Eu logo fiquei de pé, tirando a neve que já tinha se acumulado em mim, mas sempre de olho no outro cara. Ele também se levantava e me encarava meio irritado. Esperava que já tivesse noção de que não tinha chance comigo.

            - Kat, o que tá acontecendo aqui?

            - Eu também queria saber. – Ela deixou os ombros caírem, como se decidisse contar contra vontade.

            - Ah, o de sempre, eu só fui tirar a foto do anuário do campista novo. – depois ela olhou pra mim. – Ah, esse é Justin Hale, filho de Apolo.

            - Apolo? – Bem, a semelhança física era incrível, mas no humor... – Eu conheço o seu pai.

            - Ah... – Justin me olhou mais calmo, talvez porque sabia que a culpa da cena com Kat não era minha culpa, ou talvez só porque já conheci Apolo. – Então foi sua culpa?

            - Não, eu só tava tentando pegar essa foto de volta. – E agora que me lembrei, dei uma olhada no chão onde Kat tinha deixado o celular cair. É claro não estava mais lá. Tenho que admitir que ela é boa.

 

            Bem, eu estava quase indo pegar o celular de volta, quando ela ofegou, olhando fixamente para a frente. Justin e eu nos viramos para trás. Mesmo distante, dava para ver uma figura alta contra a neve, chegando cada vez mais perto e rápido. Uma figura indefinida, mas familiar.

 

            - Quíron. – falei sem pensar.

            - Ele sempre aparece quando a gente faz algo errado. – disse Justin, começando a se preocupar.

            - É melhor a gente sair daqui. – Kat segurou meu braço, começando a me puxar para trás. Eu não sabia as regras daquele lugar, mas acho que quebrá-las no segundo dia era um recorde, até para mim.

 

            Comecei a correr para trás, seguindo os dois. Eu deveria ter me virado antes de sair correndo, porque no segundo passo me choquei contra algo grande e flácido, coberto por uma camisa listrada dos anos oitenta. Tropeçando para trás, levantei o rosto para tentar ver acima da barriga. Acho que preferia não ter feito isso, porque a cara vermelha, com aquela cara de ressaca, estava parecendo irritada.

 

            - Muito bem, - disse Dioniso, olhando para nós três. É claro que eu não fui o único que parou de correr quando ele apareceu do nada. – temos outra invasão aos banheiros, um distúrbio na paz, uma briga e uma tentativa de fuga aqui. O que eu devo fazer com vocês?

 

            Como sempre, minha boca me ferrou ainda mais.

 

            - Podia nos deixar fugir enquanto agita o punho e grita “Oh, pestinhas”? – Digamos que aquilo não ajudou muito a melhorar o seu humor.

            - Detenção na Casa Grande. Agora.

 

            Então abaixou os olhos diretamente em mim, e eu soube desde aquele momento que ele me odiava, e muito.

 

            - E faça o favor de vestir alguma coisa.

 


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