Leesburg, Virginia – 14 de Setembro.

Em todos os meus anos de trabalho, nunca ficara tão nervoso daquele jeito, não a ponto de experimentar doze calças, quatorze camisetas e vinte e três suéteres para ver qual ficaria melhor em meu corpo. Realmente queria causar uma boa impressão depois de estar fora das escolas de Leesburg por mais ou menos cinco anos, impressionar os outros professores e aquele diretor carrancudo seria bom.

Após concluir todas as minhas trocas de roupas e decidir pela calça escura e gasta nos bolsos, uma camiseta cinza escuro e um de meus suéteres favoritos, desci para um café, que segundo o relógio pendurado no topo da sala de estar, teria de ser rápido o bastante para algumas torradas em casa, e uma xícara de chá ao longo do caminho.

–Disse que conseguiria o emprego. – repetiu minha mãe pela milésima vez com certo ar vitorioso.

–E estava certa Sra.Trudie Olen. – gracejei, enquanto derramava o chá dentro da grande xícara de porcelana.

–E antes que me esqueça. – esticou o dedo indicador para mim, como sempre fazia antes de um de seus avisos. - não deixe aquele idiota te intimidar. – ordenou indo até um dos armários de onde tirou um vidro de mel. – está aqui antes que me pergunte. – colocou-o a minha frente.

–Obrigado. – fiz um gesto com a cabeça. – e não acho que terei problemas com o diretor. – comecei a derramar o mel, que se dissolvia no chá escaldante. – nenhum dos outros professores tem.

–Mas nenhum dos outros professores está começando agora, como você está. – começou a envolver o avental em sua cintura. – e sabe que há sim uma diferença enquanto a isso. – voltou-se para a bancada.

–Tudo bem. – comprimi os lábios, enquanto buscava a pasta ao lado da mesa, e segurava firmemente a xícara de chá com a mão livre. – agora eu preciso ir, antes que o Sr.Moosen tenha motivos para me demitir em meu primeiro dia. – já estava fora da cozinha.

Dentro do carro me organizei rapidamente, deixando a pasta no banco traseiro junto a algumas torradas que trouxera comigo, e em uma das mãos a xícara fumegante, que dificultava um pouco a tarefa de ligar o carro com uma das mãos, mas mesmo assim o fiz. Virei-me para trás para poder ver a rua, engatei a ré e sai com carro.

07h50min

Havia acabado de chegar à escola. Entrara pelos fundos e andara o mais rápido o possível pelos corredores, até chegar à sala dos professores, onde encontrei um senhor que se ocupava com um jornal e um copo do que se parecia com café. Não devia ter menos do que eu no quesito idade, mas ainda sim devia ser dois ou três anos mais velho. Estava usando uma calça Jeans clara, e uma camiseta com as escritas “Corrija seus erros jornal de Leesburg!”, e em seus pés um par de sandálias. Fitou-me assim que adentrei a sala, demorando alguns segundo para voltar ao jornal.

Coloquei minha pasta e minha xícara sobre um pequeno espaço que não era usado na mesa, chequei o relógio, ainda tinha sete minutos. Aproveitei o tempo para dar mais uma olhada nos horários, checar qual seria meu prédio e quanto tempo teria cada intervalo. As vozes ao lado de fora aumentavam, fazendo retornar a mim a sensação de como era lecionar para alunos do primeiro colegial. Desesperadora. Passei a mão pela barba e corri os dedos pelo cabelo que ficou todo desajeitado, larguei os horários e busquei um refugio em meu chá com mel, mas havia me esquecido que tomara o ultimo gole ainda no estacionamento. Antes que procurasse por mais um pouco da bebida ou retomasse minha calmaria, o sinal tocou, me fazendo correr cautelosamente pelos corredores da escola.

Cheguei rápido até a sala, indo até a mesa e colocando a pasta em um canto não tão visível. Aguardei boa parte dos alunos por alguns minutos, esperando com que não demorassem mais do que o necessário. Tive tempo para tamborilar uma musica e escrever meu nome no quadro negro, até aparecerem.

–Bom dia. – cumprimentou uma garota de cabelos castanhos e sardas acima do nariz. – Sr.Ocean? – apertou os olhos olhando o quadro.

–Sim. – comprimi os lábios. – como em oceano.

–Legal. – deu uma leve entortada nos lábios. – gosto do oceano. – ajeitou a alça da mochila, indo para uma das mesas no fundo. O restante dos alunos logo terminou de chegar, permitindo assim que a aula começasse.

–Olá a todos. – cumprimentei-os. – eu sou quem lecionara historia de agora em diante. – virei-me olhando o quadro negro. – meu nome é Sr.Ocean.

10h58min

Após o fim de todas as minhas aulas, fui até a sala dos professores, onde encontrei boa parte deles sentados pela sala, bebendo de seus grandes copos de café e revisando algumas coisas em suas fichas. Não demorou muito até que alguém reparasse minha chegada no local, e se dispusesse a me oferecer um café ao qual recusei de maneira educada, acredito eu.

–Como foi o primeiro dia aqui em “HVLs”? – indagou uma professora, que se sentava próxima a uma estante de livros.

–Me desculpe. – mostrei-me confuso.

–Os alunos chamam a escola desta maneira. – explicou. – são preguiçosos até para falar nesta idade.

–Entendo. – bebi um gole da xícara de chá. – foi um bom dia. Produtivo.

–E o que achou dos alunos?

–São muito inteligentes e educados.

–Espere até se acostumarem com você. – disse uma mulher de grandes olhos azuis. – irão acabar com toda essa imagem que tem deles.

–Não exagere Honora. – repreendeu a outra. – não dê atenção a ela quando esta na TPM. – aconselhou-me. Antes que pudesse respondê-la uma figura entrou pela porta, revelando ser o barbado carrancudo que me recebera na escola.

–O que estão ainda estão fazendo aqui? – bufava.

–Fique calmo Geoffrey. – Honora falou calmamente. – estamos no nosso horário de almoço, e os alunos já foram embora, esqueceu? Meio período.

–Claro que sei Srta.Shea, mas creio que os esquecidos aqui são vocês. – arqueou a sobrancelha.

–Desculpe? – franziu o cenho se mostrando confusa a tal alegação.

–Você e os demais se esqueceram da reunião. – ergueu a manga do terno retro, olhando o relógio em seu pulso. – daqui a três minutos, no auditório, com a superintendente. Sra.Corinne Lawson.

–Corinne estará aqui hoje? – o homem sentado a cadeira tirou os olhos do jornal.

–Sim Tristan, ela estará. – assentiu. – então peço que se dirijam para lá o mais rápido possível. Antes que sejam demitidos por ela. – indicou a porta para os corpos temporariamente inertes, que se levantaram e arrastaram-se deixando para trás o cheiro de café. – no auditório. – lembrou o diretor. – e Sr.Ocean. – virou-se para mim. – poderia não chegar atrasado em sua sala de aula, e por favor não deixar este cheiro no ar.

–Como senhor? – indaguei.

–O chá coloca mel nele, não?

–Sim, coloco.

–Pois bem, não o faça. – pediu, saindo logo em seguida.

Eu continuei parado tentando entender aquilo, e em um instante era claro, ele não ia mesmo com a minha cara, assim como minha mãe não ia com suas ações e seu sobrenome, Moosen. Tudo o que conseguia imaginar naquele momento era “Se ele não gosta do mel em meu chá, imagina o que acha de mim.”.