Impulsiva escrita por Maíra Viana


Capítulo 10
Capítulo 10


Notas iniciais do capítulo

Esse, definitivamente, é o capítulo que eu mais gosto da história INTEIRA! Leiam com carinho e me digam o que acharam!!



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Capítulo 10

Nove dias se passaram e lá estava eu, andando pelas ruas, quando encontrei uma casa abandonada. As janelas estavam quebradas e o mato crescia ao seu redor, rapidamente. O portão de grade já não oferecia proteção alguma, e na tinta branca, estava o reflexo do luar. As pontas quase cravavam o céu, como espadas, tentando arrancar um pedaço das nuvens e preencher o vazio que você deixou no meu coração, Karl.

Uma moça passou ao meu lado e me assustei. O rosto era de uma raposa, já o foscinho, se misturava com um nariz. O mundo me deixa confusa, na maior parte do tempo, e ela não passava de uma senhora normal como outras por aí.

Ah, se eu pudesse voltar no tempo e não cometer meus erros!... Eu poderia ter sido uma pessoa completamente diferente, mas, se eu não tivesse seguido os caminhos que escolhi, talvez não fosse quem hoje eu sou. E não tenho certeza se gosto disso ou não.

Karl esqueceu o pen drive no notebook, o que me causou certa curiosidade. Depois de um tempo lendo todas as informações e tentando absorvê-las, minha mente já estava se cansando. Os medalhões são encaixados em uma porta de aço blindada e escondida na Suíça, onde toda a economia do chamado Círculo Secreto é guardada.

Havia fotos de todos os novos e antigos integrantes, e um pouco sobre cada um, semelhante a uma biografia. Eu fui mencionada quando falavam do meu pai. A última atualização nos arquivos foi em 2012, alterando a parte de “Mãe desaparecida” por uns símbolos estranhos. Parecia um código. Letras e números se embaralhavam, me deixando cada vez mais maluca.

Uma boa parte da minha raiva por Daniel se passou e, sinceramente, não queria voltar a ter carinho por aquele desgraçado. Eu ainda continuava sem entender o porquê ele me deu aquele pen drive, mas iria continuar sem saber, pois ir até ele estava fora de cogitação.

Depois da briga que tive com Karl, eu nunca mais queria ter que sentir aquilo de novo, como se eu fosse o problema da humanidade e a pior pessoa de todas, só por não conseguir interpretar seus sinais ocultos. Mas eu queria ver seu sorriso de novo.

Peguei o trem das onze e me sentei num vagão vazio. Meu reflexo na porta mostrava a mesma raposa que eu tinha visto mais cedo. Só que era uma raposa com os olhos perdidos no enorme nada que eu sou. As orelhas, aguçadas, como se estivesse tentando captar o seu pedido de socorro, menina. Mas tudo que ouço é o barulho do trem ao ser parado e o frio nos meus braços nus ao caminhar na rua em direção à boate.

A luz estava acesa e agradeci mentalmente. Bati na porta seis vezes e ninguém apareceu. Girei a maçaneta cromada e não me importei em entrar, mesmo que não fosse minha casa. Comecei a andar pelo porão, procurando por Karl ou Track, mas parecia que estava completamente vazio. Então, cada vez mais que eu andava em direção aos fundos, ouvia a água caindo no chão. Alguém estava no banho. Resolvi esperar, quieta no sofá, e assistir a um pouco de televisão, coisa que eu não fazia há bastante tempo.

Distraída com a reportagem, levei um susto quando alguém tossiu atrás de mim. Me olhando com aqueles olhos desconfiados, ele soltou um pensamento alto.

– Você se assusta com tudo. – abaixou o volume da TV e se sentou no outro sofá, com a toalha amarrada na cintura.

– Tenho meus medos também.

– Você parecia corajosa na primeira vez em que te vi. – esses assuntos que voltam ao passado estavam se tornando tão comuns, que era como perguntar se eu havia tomado café da manhã.

– Nunca estive com mais medo na minha vida como naquele dia.

– Você não deveria estar aqui. – ele disse com uma expressão séria e foi até seu quarto.

– Em todo o universo, esse é o único lugar que eu tenho certeza de que deveria estar – ele saiu do quarto, de roupa trocada, e foi para a sala.

– Você quer me contar alguma coisa.

– E o que eu desejo te contar?

– Não sei, só arrisquei em dizer o que eu penso, já que “não há nada de errado em fazer isso.” – e sorriu sutilmente, me olhando.

– Mas eu não disse nada até agora.

– Eu sei – riu e balançou a cabeça – quanto mais acho que estou te entendendo, mais confusa você fica.

– Eu não quero te contar nada. E, já que estamos falando sobre coisas confusas, você esqueceu o pen drive comigo.

– Daniel te deu o pen drive. Ele é seu.

– Como ele o conseguiu?

Francamente, toda essa história já estava me dando nos nervos. Havia tantas dúvidas em minha cabeça! Talvez o meu problema seja pensar demais.

– Ele é que era o responsável pelas senhas, códigos, informações... O pen drive era, praticamente, seu brinquedinho. E você leu tudo, não é?

Soltei um riso baixo. Não pude evitar.

– Por que você é o chefe se não é o mais velho?

– Ah! Estava demorando pra você começar com mais perguntas!

– Por favor, – seria uma boa hora para olhá-lo como uma criança pede mais chocolate de sobremesa? – me explica...

– Meu pai era o chefe e o cargo ficou para mim.

– Então, qual é o medalhão dele?

Karl respirou fundo. Quantas angústias cabem em suspiro?

– O pen drive não foi criado a tempo de ter seu nome lá.

– Não estou entendendo...

– Ele era perseguido, sabe? Houve uma época em que ele não podia nem sair de casa, caso contrário, levaria um tiro no meio da testa. – e sorriu, mesmo que os seus olhos pudessem expressar apenas tristeza – Ele cansou de viver trancafiado.

– Karl...

– Minha mãe morreu no meu parto e essa foi a vida que meu pai escolhera, Lisa. E acabou se matando quando eu tinha quinze anos. Track era a única pessoa que eu tinha. Nós estávamos sozinhos. Completamente sós. E... – sua voz fraquejara – quando pedi emprego aqui na boate, fui tão bem recebido, que era como ter uma nova família.

Aos poucos minha ficha foi caindo. O homem que eu matara não era o pai de Track e nem de Karl. Tudo parecia se encaixar, novamente. A verdade que eu conhecia, desmanchara-se na minha frente, assim como Karl estava prestes a ficar.

– O seu pai, digo, o dono da boate... aceitou na hora matar o meu?

Parecia que tocar naquele assunto com Karl, o motivo de tudo, era normal. E não deveria, jamais, ser assim! Ele confirmou com a cabeça e, quando acho que sou uma pessoa ruim... vem o mundo e me mostra que há piores. Sempre há. Eles são cruéis. Não confie em ninguém, menina. Um dia, estão andando ao seu lado; no outro, espalhando seus segredos e rindo de sua cara. Eles sempre riem. Cuidado com quem você escolhe para ficar perto, menina.

– Com quem você acha que eu aprendi a ser assim, Lisa? – riu e olhou para baixo. Devia ter algo a mais naquela fala... Eu sabia que tinha! – E ele me devia um favor.

– E qual era esse favor?

– Não te interessa.

Engoli seco. Muito educado de sua parte, Karl! Levantei-me, totalmente sem graça, e fui em direção a porta. Quando fui abrir, ele se enfiou por baixo do meu braço.

– Foi mal. Não precisa ir embora por causa disso.

– Não há mais nada para ser dito, só isso.

– Para de mentir! Parece que é só o que você consegue fazer.

– Ah, então essa é a hora da verdade, em que falamos tudo o que pensamos um do outro? – perguntei, com nariz empinado e uma arrogância tremenda. Deixe de ser ridícula, Lisa! – Nem sei por onde começar. Que tal... dizendo que você é um brutamontes?

– Eu prefiro a parte em que você é cabeça dura. Por que não para de contra-argumentar tudo o que os outros falam?

– Queria ver se fosse você no meu lugar. Dizem que devemos achar quem realmente somos, mas como fazer isso quando boa parte de sua vida é uma escolha dos outros?

– Se eu estivesse no seu lugar, como você diz, eu deixaria de lado as mentiras que você usa para esconder o que sente. E, ser cabeça dura não é bom a partir do momento em que você começa a desconfiar de alguém que está tentando te proteger!

Eu cravava minhas unhas na porta de madeira, não com raiva, mas com tudo misturado. Nós nos olhávamos e, mais do que tudo, nos enxergávamos.

– Me proteger do quê?

– Daniel, o colar, o círculo. Eu e você! – ele dizia aparentemente calmo. – Não percebeu que está tudo ligado?

– Como assim?

– A partir do momento em que você coloca seus pés para fora de casa, o risco de ser seqüestrada ou morta, se torna maior!

– Por que alguém faria isso? – esfregou o rosto, nervoso. Sua testa estava vermelha e o meu coração batia mais forte.

– Você é o Dois! – e gritou, com os olhos esbugalhados, quase como se quisesse revidar. Senti medo. Minha vontade de chorar estava voltando... Olha só que piada, chorar bem agora!

– Eu não sei o que isso quer dizer, Karl! Eu sou apenas uma fotógrafa tentando mudar a vida, não alguém que lê códigos no computador! – queria atacá-lo, mas eu não tinha forças. Eu estava sob pressão e aquilo me afetava de uma forma inexplicável. Apenas as minhas lágrimas, que começaram a descer pelas minhas bochechas, pareciam fazer sentido.

– Lis...

– Me desculpa se sou tão burra a ponto de não conseguir te compreender!

Sentei-me com as mãos no rosto, molhadas, e as bochechas ardendo. Eu queria ter o poder de comandar os meus sentimentos, assim como o homem faz com uma máquina.

– Você não é burra. Eu é que sou um imbecil, Lisa! – e permiti-me rir um pouquinho. Parecia que somente quando eu chegava ao meu limite, é que ele entendia a besteira que estava fazendo.

– Eu não consigo te proteger de tudo! – retirou minha mão da porta e a segurou. – E isso me mata por dentro.

– Se você me disser o que está acontecendo, eu também irei me proteger. Então seremos nós dois contra o mundo. – e em seus lábios surgiu um sorriso que eu nunca havia visto de forma mais doce.

– Nós dois contra o mundo... – disse, brincando com as palavras – Me parece uma boa ideia.

Guiou-me até o sofá, pegou uma caneta e um papel em cima da mesa e escreveu “E.L.O.S.A – parte 1”.

– O que isso significa?

– Ensine à Lisa ou, seja agredido. – e gargalhei – Podemos começar?

– Está mais do que na hora!

– Atrás de cada medalhão, há um número de acordo com a quantidade de segredos que a pessoa tem. E, como o seu pai tinha dois segredos, agora, você é a herdeira. Quer queira, quer não. O número dois é o seu número também.

– E quais são esses segredos?

– Como chefe, eu podia saber metade dos segredos. O único que eu sei, é que ele fazia parte do Círculo Secreto. E, se o seu pai tiver algum inimigo... quer dizer que agora você é quem tem.

A batida. O vulto. A abordagem na rua. Meu Deus!

– Daniel não é meu inimigo.

– Foi ele quem te deu o pen drive...

– Se ele quisesse acabar comigo, já teria feito!

Ele riu.

– Eu conheço mais de destruição do que você, Lisa. – tentava ser cuidadoso com as palavras para eu não ser ferida por elas. – Matar alguém é simples demais. Quando querem te fazer sofrer, de verdade, não vão lá e te quebram ao meio. Eles martelam de pouquinho em pouquinho na sua ferida, Lisa, para que o dano causado seja maior. Eles não são seus colegas de escola. São seus rivais.

– E o que tem de tão importante naquele colar?

– As informações secretas estão em códigos que nós, do grupo, criamos, para que ninguém, além da gente, entendesse. A senha do banco também está lá, protegendo nossas maiores economias, de décadas. Agora, todos são suspeitos. Duvide de palavras e sorrisos gentis. São as demonstrações mais singelas que escondem o pior ser humano.

Estremeci com a sua fala. Quanta bagunça! Não sabia nem se deveria confiar em mim mesma.

– Está tarde, preciso ir. – disse, levantando-me do sofá até que sua voz entrecortou a minha atitude.

– Com todo esse perigo, o lugar mais seguro é ao meu lado.

Como recusar um convite daqueles, quando seus olhos pediam, incansavelmente, para que eu ficasse? Eu aceitei e aceitaria quantas vezes fosse necessário, porque Karl me trazia sentimentos bons e ruins. E nunca acreditei que fosse sentir-me tão atraída pelo desconhecido.

Depois que conversamos e rimos muito, ele foi para o seu quarto e eu fiquei na sala.

A madrugada quieta me deixou agoniada, porque meus sonhos seguiam um ritmo totalmente oposto. O cenário era um auditório grande onde eu era a personagem principal no teatro “Procura-se uma Julieta”. Com um vestido delicado e atitudes diferentes, eu enceno uma menina tímida que não é permitida ficar com o seu amor que acabara de conhecer. Busco por Julieta, cuja cor dos cabelos não conheci e nem na imensidão dos olhos, me perdi. Busco por você, menina, que vê tudo acontecendo e se cala. Faz os outros sorrirem, enquanto busca um motivo para continuar de pé. Busco por você, sendo uma Julieta ou Clara, Fernanda, Júlia, Pollyana, Larissa, Isabel, Maria, Nathália, Stephany ou qualquer que seja o seu nome. Onde está você, que tanto busco? Será que no quarto, deitada na cama e lendo um livro? No banheiro, chorando baixinho para que ninguém escute? Ou será que está perdida no reflexo do meu próprio espelho?

Pela manhã, depois do café, fomos caminhar um pouco pelas ruas monótonas do bairro. Com o céu cinzento e um lago ao meu redor, eu observo, sentada em um banco da praça, as pessoas andando de bicicleta, carregando nas cestas os seus impossíveis sonhos, ao redor do lago que estava na nossa frente. Um típico dia onde temos que aproveitar a brisa e a companhia.

– Aqui é bonito. Já tirou alguma foto?

– Nunca vou tirar foto desse lugar. – respondi, suavemente, sentindo meus olhos pesarem e os fechei. – A melhor fotografia é feita com a alma. Deixe que o vento more em você. – e apalpei seu braço até chegar em seu rosto, tocando-lhe nos olhos. Ele os fechou e não conseguíamos, obviamente, ver se havia alguém nos olhando estranho ou se estávamos sozinhos. A única coisa que importava naquele instante, era a imensidão que sentíamos. É só fechar os olhos.

E quando ele menos esperava, me levantei e comecei a rodear o lago. Estou me cansando de andar por aí, vendo a vida brincar de sim e não, comigo. Como se eu estivesse rodopiando dentro de um labirinto de incertezas, onde danço sobre os meus cacos de solidão.

Ele se aproximou com a mão na minha cintura e ficamos olhando nossos rostos se desmancharem nas profundas águas.

– Está tudo bem? – perguntou baixo e eu o olhei. – Você conversa com os olhos. – eu não sabia o que dizer, nunca soube, na verdade. Esse foi o elogio mais doce que alguém já me disse, nessa vida, então sorri. Apenas sorri. Estar ao seu lado era a única felicidade que o dia-a-dia me permitia ter.

Seguimos caminhando pela praça e vimos, de longe, pequenos pontinhos coloridos. Curiosos, fomos ver o que era. Subimos as longas escadinhas cercadas pela natureza até chegar ao topo de um pequeno monte com a visão do lago e boa parte da cidade.

– Quanto custa? – perguntou virado para o senhor que carregava uns balões.

– É de graça. – e nos entregou a penca de balões. – Vocês são o primeiro casal que vem aqui só por causa desses balões. O amor de vocês vai durar. – e saiu me deixando envergonhada e Karl sem fala. Nós nos sentamos em uma pedra, sentindo a ventania ir de encontro aos nossos cabelos e os desarrumando-os.

– Gostaria de conseguir pular daqui e não ter medo de nada. – disse, respirando fundo e admirando a paisagem. A vida tem dessas de trazer sentimentos que antes pensávamos estarem mortos.

– Queria ter te conhecido, por motivos diferentes. – ele disse, com aqueles lábios firmes que tanto clamavam pelos meus. Estava com os joelhos dobrados e os braços apoiados, quando pousei minha cabeça em seu ombro. Ele deu um beijo nos meus cabelos.

– Talvez seja por tudo isso que eu gosto de você. – e lhe dei um beijo no pescoço, rindo.

– Você gosta de mim? – ergueu as sobrancelhas, todo convencido, e soltei uma risada, tão estranha, que até ele começou a rir.

– Bom, se você pagar um sorvete para mim... Pode ser que eu chegue a te amar. – disse, rindo, e ele apertou meu nariz com dois dedos.

– No meu caso, não preciso de sorvete algum para que isso aconteça. – e me olhou. Foi diferente. Como se, naquele momento, ele estivesse me enxergando por dentro. – E uma massagem agora cairia bem.

– E aí, você me amaria? – perguntei, rindo, e logo passei para trás e massageei seus ombros.

– Isso já está acontecendo – e minhas mãos começaram a tremer e a suar frio. A maneira de deixar tudo escondido em suas falas me fascinava e me confundia. Deixei a massagem de lado e comecei a distribuir beijos em sua nuca, quando senti suas mãos me puxarem para frente e nos deixar cara a cara. Seu nariz roçava no meu e seus olhos me descobriam, enquanto sua boca navegava na minha. E quando notamos, os balões estavam voando... abraçando o céu.

Meu celular tocou nos despertando do beijo, suspirei fundo e tive que atender, deixando Karl olhando para o nada.

– Lisa! – Amanda disse, eufórica. – Onde você está?

– A-Ah... o que aconteceu?

– Me diga onde está. – percebi seu tom animado... lá vem!

– Estou naquela famosa praça, em frente ao lago. – e Karl me olhou dando um sorriso como de quem entendesse aquela situação. Desliguei e fomos até o banco em que estávamos no início da manhã.

Havia três garotos soltando pipa, correndo de um lado para o outro e segurando a linha, enrolada numa lata. Bermudas desgastadas e chinelos prontos para serem trocados.

– Cuidado para não cair no lago! – o moreninho aconselhou, sentado no chão e vendo decolar a pipa, que subia cada vez mais. Eles estavam espantados e admirados por nunca terem conseguido fazer uma pipa voar tão alto, como naquele dia.

Posso estar errada, mas deixo aqui a minha afirmação de que as crianças pobres serão adultos mais felizes. Não é exatamente pela falta de dinheiro, mas, sim, pela valorização das coisas simples. Se ganham uma bola nova, eles ficam contentes por poder jogar com os amigos. Se a mãe faz aquele ensopado que tanto amam, também se alegram por poder encher a barriga. As pequenas coisas são as mais ricas para eles, porque não precisam de dinheiro para possuir um enorme valor. E você, menina, tem valorizado o quê?

– Encontrei você. – e me virei, rapidamente, dando de cara com Laura, Amanda e Track. – Ou melhor... Vocês.

– O que está fazendo aqui? – Karl perguntou, virado para Track.

– Te pergunto o mesmo.

– Lisa, estou pensando em dar uma festa no meu aniversário. – Amanda disse tentando conter aquele sorriso enorme nos lábios. – E preciso da sua ajuda.

– Podemos conversar em outro lugar? Estou com fome. – todos balançaram a cabeça concordando e Karl riu. – O que foi?

– Você está sempre com fome.

– E você sempre falando besteira. – e apertei seu nariz, o que o fez rir.

Andamos uns dois quarteirões até encontrar uma cafeteria que ficava ao lado de uma loja de limpeza e do outro, produtos para decoração. Pedi um café expresso e escolhemos a maior mesa que estava nos fundos, quando notamos um papel pregado com fita-crepe.

“Escreva algo que seja importante pra você.”

– Vocês querem escrever? – Amanda perguntou, todos se entreolharam e depois concordamos.

– Laura começa.

– Por que eu?

– Porque eu escolhi assim. – e Laura mostrou a língua e retirou da bolsa uma caneta azul e a tamborilou na mesa, durante uns segundos, pensando.

“Amor.”

– É pra colocar sentimento?

– Não sei. Vai, Track. – Laura disse e entregou a caneta para Track.

“Amigos.”

– Eu sei que você nos ama. – falei, rindo, lhe dei um forte abraço de lado e um beijo no rosto.

– Já está bom, Lisa. – Karl disse, me puxando para si.

– O que foi? – Track perguntou sem entender e eu também não entendi.

– Vocês dois. – ele disse e vi linhas se formarem na sua testa.

– Qual o problema? – acabei rindo de tão ridículo que aquilo havia sido. Laura e Amanda também começaram a prestar atenção na conversa.

– Vamos continuar? – Amanda perguntou e passou a caneta pra mim. Fiquei indecisa, por uns segundos, mas depois me decidi.

“Viver.”

– Droga! Eu poderia ter colocado isso. – Laura disse, fazendo um biquinho, e depois riu.

– Foi uma boa resposta. – Track disse, sorrindo e me abraçou de lado e apertou minhas bochechas. Ah, como era bom voltar a ser amiga dele novamente!

– Sua vez, Amanda.

“Felicidade.”

– Melhor que a minha. – imitei o biquinho de Laura e Track me fez cócegas.

– Claro que não! A sua foi bem melhor.

– Você está enganado! – e disse, rindo, devido ao acesso de cócegas. Quando notamos, a porta havia sido batida com força e Karl não estava mais na cafeteria. – O que houve?

– Eu não sei. Ele é maluco.

– Eu vou conversar com ele. – e saí, deixando o café expresso que tinha acabado de chegar, em cima da mesa. Karl estava escorado no muro, uma perna na parede e um cigarro girando nos dedos.

– Eu não quero falar nada. – logo me repreendeu, quando sentiu minha presença.

–Me conta... – pedi, segurando seu rosto, de leve, para que olhasse pra mim. – Eu fiz alguma coisa?

– Não. – disse curto e direto, mas logo deu meia-volta. – Mais ou menos.

– E o que eu fiz de mais ou menos? – perguntei, contornando sua boca com o meu indicador.

– Você e Track...

– Do que está falando? Ele é seu irmão! – eu estava escutando aquilo? Karl estava com ciúmes de Track?

– Eu sei, vamos entrar. – e pegou em meu braço, mas recuei. Sua expressão era confusa. – O que foi?

– Você realmente acha que eu seria capaz de ficar cheia de amores com seu próprio irmão?

– Você traiu Daniel... Não duvido de mais nada.

– Como você sabe disso? – perguntei, furiosa! Eu não deveria estar tão machucada com aquilo, mas o mundo parecia estar desmoronando em cima de mim. – Você investigou minha vida? Você não tinha o direito! – berrei, mesmo estando com um aperto tremendo no coração. Minha cabeça começou a latejar. Eu não tive culpa!

– Eu não investiguei sua vida! – respondeu, gritando, com os punhos fechados. – O seu pai me contou. – ele se aproximava cada vez mais. Quem era ele? Eu não conhecia mais.

– Vai me bater também? – perguntei, em prantos, tentando esconder minha tremedeira. – Vai seu panaca, me bata também! – berrei e comecei a lhe dar socos no peito, mas eu não tinha forças. – Me bata como Daniel fez! Você não é homem? – Amanda, Laura e Track viram o que estava acontecendo pelo vidro da cafeteria e vieram até nós.

– Qual o problema, Lisa? – Amanda perguntou, me puxando para longe de Karl, enquanto eu limpava as lágrimas e colocava um sorriso no rosto. Hora de atuar, Lisa.

– Não há problema nenhum, Amanda. – e lhe dei um abraço de lado. Karl também estava tentando se conter.

– Pois bem, a festa será daqui a duas semanas, na casa de Amanda. – Track disse com as mãos no bolso da calça e me olhou. Ele sabia que não estava nada bem e mudou de assunto, respeitando minha vontade de não querer contar. Track, se você soubesse o quanto você é especial... – Vocês vão?

– Você vai? – Karl perguntou intercalando olhando para o chão e depois para mim.

– Eu tenho que trabalhar.

– Dinheiro não é tão importante assim, Lisa. – e minha vontade era de voar em seu pescoço e o enforcar. Que moral ele tinha pra dizer aquilo?

– Você não é a pessoa mais indicada pra falar isso. – e lhe lancei um sorriso que fazia parte da peça de teatro. Por que eu estava assim? Me sentia como três anos atrás, encolhida no chão e chorando. Mas a culpa não era de Daniel, era minha. Completamente minha. Eu não sabia que Daniel levava nosso “namoro” tão a sério... Mas, eu o traí, não é mesmo?

Ninguém consegue ver como realmente sou. Cale a boca! Você não me entende, menina. Por que está brigando comigo? Pare! Está dizendo que nunca deveria ter me apaixonado por Karl? Você não sabe de nada. Ouvidos tampados e olhos abertos procurando algum suspeito. Ou será que eu é que sou a criminosa?

– Lisa, o seu café. – Laura disse, me entregando o copo, mas estava gelado. – Escute, se você mudar de ideia e quiser ajudar na festa da sua melhor amiga, será daqui a sete dias, na casa de Amanda. Então, chegue no início da tarde. – Laura sempre chantagista! É claro que daquele jeito eu seria convencida a ir. Amanda era minha melhor amiga e já me socorrera em diversos momentos. Como não ir? Ela saiu com Amanda e Track permaneceu ao nosso lado.

– Eu não sei o que está acontecendo e o problema não é meu, – colocou uma mão no ombro de Karl – mas tomem cuidado com o que vocês fazem ou falam.

Eu sabia que aquele recado não era pra mim. Ou talvez fosse. Ah, nem sei mais o que pensar! Ele me deu um beijo no alto da cabeça e prosseguiu com os passos, rumo ao lado oeste da cidade. Comecei a ir embora, também, mas sabia que aquela história não estava finalizada para Karl.

– Ele te bateu? – perguntou, chegando mais perto. – Eu não sabia.

– E se soubesse, – meus olhos encaravam os dele com tanta profundidade que ele foi obrigado a desviar o olhar. Consciência pesada? – não iria fazer diferença.

– Você está enganada.

– Você estava louco para me socar.

Naquele momento era como se eu estivesse falando com o meu clone. Os fiapos de cabelo esvoaçando no ar, as sobrancelhas grossas e o nariz arrebitado.

– E você não fez exatamente isso? – estava com tanta raiva que cheguei a morder meus lábios com força. Dei um sorriso de despedida, e logo em seguida, ele me interrompeu. – Eu sinto vontade de fazer muitas coisas e nem sempre elas são boas, mas você faz muitas coisas ruins. – e parei de andar como se fosse um reflexo do meu corpo. – O que nos define não é o que sentimos ou pensamos, mas o que fazemos.

E joguei o meu café expresso em sua cara.

– Aproveite o café gelado que comprei, assim você não precisa gastar seu dinheiro, de que tanto gosta.

E saí, rindo, pela praça sem olhar para trás. Eu sentia seus olhos pesando sobre minhas costas.

Passei em um restaurante típico da região, com as toalhas brancas forradas nas mesas e as cadeiras de madeira, todas em seus devidos lugares. Os lustres não eram muito chiques e muito menos a comida. Mas eu não preciso de um almoço cinco estrelas para me satisfazer, assim como não preciso de um amor perfeito para ser feliz.

Passei em casa, tomei um rápido banho e peguei a minha câmera, seguindo para o centro cultural da cidade. Minha cliente esperava, sentada em um banco, com o vestido preto e cabelos presos como nos anos 60.

– Está pronta para as fotos?

Ela concordou e fomos para a frente de um casarão antigo de cor amarela. Suspendeu o vestido e comecei a fotografar. A tarde se passou depressa, quase como num piscar de olhos.

Havia uma senhora de cabelos grisalhos e com os braços apoiados no parapeito da janela. Ela usava um vestido branco com flores vermelhas bem pequeninas, olhando as pessoas ir e vir. E ficava quieta, observando a vida passar sem ao menos sair daquela casa. E você menina, vai se acomodar e deixar que a vida escape diante de ti?

A moça que eu estava fotografando colocou um óculos colorido e redondo, segurou em um poste antigo e sorriu. Quando começou a escurecer, nós terminamos a sessão, ela me pagou e seguimos o nosso caminho. Peguei um táxi e, ao me aproximar cada vez mais do meu bairro, senti um cheiro forte de queimado. A serra estava pegando fogo e a fumaça se misturou com a escuridão do céu. O barulho das folhas sendo arrancadas só foi cortado pelo som das rodas dos carros em alta velocidade. Eu queria poder salvar a natureza, assim como gostaria de salvar os animais, mas não podemos ser um super-heroi o tempo inteiro. E eu, estou mais para vilã.

Deitada na minha cama, com o lençol bagunçado envolvendo meu corpo, eu observo a lua surgindo ao redor das estrelas. Faz frio e essa é minha última preocupação, no momento. Não sei se o que estou escutando é o ventilador ou a minha própria respiração. Tantas certezas mudaram de lugar, que será um desafio descobrir onde elas definitivamente se enfiaram.

O dia seguinte amanheceu chovendo. Me levantei sem tomar café e fui até a varanda, mas fiquei na ponta para que não me molhasse. O vento estava fresco, de uma forma que eu não me lembrava. Fazia muito tempo que não chovia. Pelo menos, muito tempo em que eu não fazia da chuva a morada do meu coração. A melhor sensação é essa, de poder ouvir as gotas caindo e a orelha ficar gelada. Costumo dizer que o cheiro é de terra molhada e isso me lembra da minha infância, porque, onde nasci, vivia chovendo.

Na minha frente está um poste com os fios cortando o céu cinzento. Logo em frente há umas casas sendo construídas e, ao redor, as luzes da cidade. Por falar em cidade, sabe quando você não sente se realmente pertence aquele lugar? Olha para todos os cantos e não encontra um ponto onde se sinta incluída? Talvez esteja para nascer a pessoa que compreenda meus sentimentos... Ou ela pode estar do outro lado da rua, olhando para algum lugar, pensando nas mesmas coisas que eu.

Não existe nada melhor do que abrir os braços, sentir aquele vento no rosto e saber que ninguém está te olhando. Um relâmpago risca o céu, de repente me fazendo assustar. É algo impressionante, onde existe beleza e força. As pessoas olham, algumas temem, mas outras, como eu, adoram observá-lo cair. Eu não trocaria nada por esse momento. Em casa, olhando para o céu e contemplando a vida.

O pior não é ficar na varanda e saber que não posso ser como o relâmpago, e, sim, olhar para aquela vastidão e saber que existe alguém cuja casa foi inundada, a roupa molhada e o teto destruído. E existe também aquela pessoa que não tem nem casa para ser destruída, mas vaga por aí. Chega a ser egoísmo ficar dizendo o quanto gosto da chuva, enquanto os outros podem estar sendo prejudicados por sua causa. Mas, do outro lado, sempre haverá uma dose de sofrimento.

Às vezes digo coisas tão confusas e sem sentido que fico perdida nas minhas palavras. Estou cansada de mim. Surge uma vontade repentina de raspar o cabelo, tirar fotos com índios, mudar de roupas e andar como se nada me afetasse. Pequenas coisas do dia-a-dia estão me desgastando. Aquele sorriso irônico no rosto de uma amiga com quem acostumei a conversar, agora me dá repulsa. Aquele amigo que eu achava engraçado até como se sentava, hoje, acho irritante como ele diz um olá. O que está acontecendo comigo?

Queria poder desaparecer por um tempo e só voltar quando o mundo melhorasse. Do que estou falando? Devo praticar a mudança que desejo nos outros ao invés de murmurar pelos cantos. Não passo de um verme rastejante que acha tudo grande demais, até perceber que eu é que sou pequena. Tão minúscula e mesquinha quanto os meus sonhos.

Calem a boca todos vocês! Não suporto suas vozes! Por que não fecham essas matracas e param de falar porcaria? Conversar com você não está mais me ajudando, menina. Só me fere. Não consigo ver ninguém ao meu redor, mas qual é a novidade? Eles nunca estiveram ao meu lado. Eles não são meus amigos e nunca serão. Um sorriso e uma piada podem ser trocados com qualquer um, não se engane. Ninguém está preocupado com notas ruins, perdas e muito menos com o que sinto. Acorde, Lisa, eles não são seus amigos!

O mundo deu um enorme passo para trás em tão pouco tempo, não concorda? Eles elogiam os outros, falam sobre sorriso e inteligência, mas, no fundo, não passam de hipócritas. Odeio isso. Quando eu era menor, uma amiga da minha avó disse que eu havia engolido um dicionário. Por que tive que ser tão educada? Eu não sou essa garota doce de anos atrás e nem aquela que adorava o vestido branco de morangos. Eu não preciso que me achem incrível quando eu não estou nem perto de ser uma boa pessoa. Do que adianta ter as palmas do mundo se não tiver um bom coração?

Para de se iludir, menina! Dentro de casa você é a filha amada que faz todos felizes e, na escola, é quem faz as gracinhas. Mas seus pais não te conhecem e nem os seus amigos. Você continua tentando esconder o que pensa e, muitas vezes, isso é o certo a se fazer. Mas, se nem você souber quem é, corra para longe, se esconda e coloque uma música alta. É o que eu faço quando arranjo algum problema.

Três dias depois, eu recebi uma ligação. Era Daniel.

– O que você quer? – perguntei sem a menor vontade de conversar com aquele babaca. Não conseguia mais confiar em nada.

– Nossa... Você está bem? – como se ele se importasse! – Eu fiz alguma coisa?

– Fala o que você deseja, Daniel. – a rigidez em minha voz era notável e, ok, admito, estava pegando pesado. Mas ele merecia, não?!

– Liguei porque teremos um jantar hoje e meus pais dizem estar sentindo sua falta, nessa casa.

Eu conseguia escutar seu sorriso abafado, do outro lado da linha. Intrigante, afinal, nunca tive tanta intimidade com ninguém daquela família a não ser Daniel. Mas, seria falta de educação recusar o pedido de velhos amigos do meu pai. Paciência, Lisa, você consegue.

– Apareço por volta das 18:30, ok?

– Ok. – e desligamos. Alguém sentindo minha falta? Isso era mais estranho do que encontrar fadas sentadas no caixa de correio. O que eles queriam? Aposto que Dussel iria fazer mais perguntas sem lógica, igual da outra vez. Aquele cara era maluco ou fingia muito bem. Sinceramente? Eu não queria sair dos cobertores quentes e felpudos que me cobriam naquele fim de tarde tão aconchegante.

Estava rascunhando uma história no meu antigo caderno de matemática no qual sobraram muitas folhas em branco. Sempre detestei até copiar aquelas contas. O reflexo da caneta no celular me dispersou daquele tédio e o despertador tocou. Hora de me arrumar.

Um banho, uma calça larga e uma blusa comprida de lã. Era tudo o que eu precisava para sair de casa, se não fosse aquela chuva. O mundo, realmente, não queria que eu fosse! Peguei um guarda-chuva preto e saí pelas ruas monótonas do meu bairro, procurando um sinal para ligar e pedir um táxi, quando deixei meu celular cair em uma enorme poça. O jeito seria ir andando. Ergui as calças até o joelho e dei graças por ter colocado uma bota para suportar a água naquele dia. Estava ventando tanto que meu guarda-chuva virou ao contrário, me impossibilitando de usá-lo. Então, comecei a correr para não pegar um terrível resfriado.

– Você está encharcada Lisa! – Silvia falou, ao abrir o portão, e me puxou para debaixo de seu guarda-chuva. – Espere aqui, vou buscar uma toalha. – e me deixou esperando na garagem coberta. Confesso, aquela casa me trazia boas lembranças. Ela voltou e me envolveu numa enorme toalha branca, como se fosse um abraço disfarçado. Era uma boa mulher. Entramos em sua casa e logo Daniel veio até mim.

– O que aconteceu?

– Meu guarda-chuva se foi. – disse, com um sorriso nos lábios. Pare com isso, Lisa! Lembre-se de que ele não é quem você pensa. O liquidificar estava ligado na cozinha, os sofás mudaram de lugar e Silvia estava com um roxo no braço. Seja lá o que estivesse acontecendo ali, não era bom.

– Você precisa trocar essa roupa, vem comigo. – e fui com Silvia até o seu quarto. Ela abriu umas gavetas e me entregou um vestido longo, porque seria o único que serviria. – Eu posso sair se você quiser. – eu poderia dizer que gostaria que ela me deixasse sozinha, mas neguei com a cabeça e lhe dei um sorriso. Tirei as roupas molhadas e coloquei o seu vestido, até que ela se aproximou tocando nos meus cabelos.

– Só agora percebi o quanto você cresceu! – eu estranhei sua atitude e consegui ver em seus olhos, lágrimas se formando. Ela se recompôs, dando um suspiro, e nós saímos do quarto, indo até a sala com a mesa já posta, com a toalha e repleta de comida. Dussel estava ao lado de Daniel, me aguardando.

– Olá, senhor Dussel. – disse-lhe, apertando a mão e sentando ao lado de Daniel. Ele pegou uma garrafa de vinho e serviu a bebida.

– Olá, Lisa. – disse com aquele tom que sempre detestei. Eu podia sentir aquele cheiro de álcool nos seus lábios e aquele olhar de cobra sobre mim, me analisando como se eu fosse a sua última e mais deliciosa presa a ser devorada. Todos se serviram com um pouco de assado de porco, degustando o vinho e, logo, um enorme silêncio se fez.

– Obrigada pelo convite. – falei, olhando os pais de Daniel, tentando ser ao menos um pouco educada. Dussel limpou o canto da boca e apoiou os braços na mesa.

– Na verdade, foi um pedido meu. – os meus pés não paravam de se remexer por debaixo da mesa e só ouvia o barulho dos garfos batendo nos pratos. Quando terminamos, o senhor Dussel se levantou para pegar os pratos – como sempre – e resolvi ajudar novamente.

– Pode deixar que eu carrego os copos.

Uma ajuda de vez em quando não faz mal. Ele concordou e quando fui prosseguir, Daniel pisou no meu vestido sem querer e acabei tombando o vinho na blusa de Dussel. Parabéns, Lisa!

– Me desculpe!

– Droga! – ele disse baixo, mas não tanto para que eu não ouvisse. – Está tudo bem. – largou a louça na pia e juntou-se a todos na sala para que Silvia o limpasse. Fui buscar uma toalha enquanto ele retirava sua camisa.

– Me desculpe. – e comecei a limpar seus braços, tão envergonhada pelo desastre que eu havia feito! Ele deu um sorriso.

– Não se preocupe, meu bem. Vou buscar algo para você vestir. – Silvia disse e saiu.

Sentei-me em uma poltrona, enquanto Dussel esperava Silvia, desconfortavelmente. Quando ela voltou e entregou a blusa para seu marido, foi impossível não encará-lo e não enxergar o seu pequeno colar dourado.

Ele me olhou. Eu o olhei. Ele sabia que eu estava desconfiada.

– Acho que choverá bem mais daqui a pouco. – Silvia disse, com um sorriso trêmulo no rosto e Dussel interferiu.

– O que está fazendo? – perguntou com os dentes cerrados para sua mulher. – Eu posso levar Lisa no meu carro a qualquer horário, não é mesmo? – perguntou para nós e Silvia lhe deu um abraço tão apertado, que seria capaz de deixá-lo sem fôlego. Ela apenas me olhou, olhou para o portão e depois para a mesa de centro com o controle do portão. Ela queria que eu fugisse. Dussel se desprendeu de seus braços e lhe dei um sorriso, olhando para aqueles olhos novamente. Era ele dentro do carro tentando me matar. Ele me abordou na rua. Esse tempo todo era ele.

Apertei no controle do portão, rapidamente, e saí em disparada pelo portão quando ouvi Dussel gritar raivoso pra Daniel “vá atrás dela, seu idiota!”. Eu não estava me preocupando se meus pés iriam se machucar naquele asfalto molhado ou se não sabia para onde estava indo. Eu só queria fugir. Estava frio e era noite, mas quem se importa? Eu estava correndo perigo. Olhei para trás e avistei Daniel correndo tão rápido quanto eu. Mentiroso! Quando fixei meu olhar na frente acabei tropeçando e caí. Meus cotovelos estavam machucados e minhas pernas estavam fracas, mas eu não iria sair dali acompanhada.

Ele conseguiu me alcançar com aqueles longos braços, segurou meus punhos e comecei a me debater.

– Me solta! – eu gritava horrores naquela rua. Será que ninguém ouviria? É claro que não, Lisa estúpida, estava rodeada de lotes vagos.

– Cale a boca, vagabunda! É melhor você se levantar ou irei acabar com você aqui mesmo! – falou, nervoso e tentando me levantar do chão. Esse sim era o Daniel com quem eu aprendi a conviver aos 14 anos. – Eu tentei te ajudar, Lisa. Entreguei aquele colar pra você cuidar e não deixar meu pai pegar o dinheiro... Mas, quem mandou ficar perto daquele desgraçado do Karl? Se você não pode me amar, então não pode amar mais ninguém.

– Ok, eu levanto.

Engoli seco, olhei para as minhas mãos no qual ele soltou e fui aos poucos me levantando. Era isso o que eu havia acabado de ouvir? Ele estava ajudando o pai a me matar porque eu amava Karl? Ajeitei meu cabelo e o vestido, comecei a andar ao seu lado, quando um carro com farol alto passou por nós e Daniel cobriu os olhos por causa da claridade. Aproveitei a situação e lhe dei um soco no nariz, voltando a correr desesperadamente. Dessa vez, ninguém me pegaria, porque Daniel seria burro demais para conseguir me achar escondida atrás da cerca. Ele soltou um berro e foi para sua casa.

Não conseguia chorar e nem rir, apenas olhar ao redor, cautelosamente, com medo de que alguém viesse me procurar. O vestido estava rasgado e sujo, quando na verdade, era com Silvia que eu deveria estar preocupada. O que será que Dussel faria com aquela pobre mulher?

Eu me levantei e fui andando pelas ruas. Apavorada, desiludida. O homem que conheci, quando era pequena, estava querendo me matar junto com o meu melhor amigo. O que de fato era real na minha vida? Não estava enxergando absolutamente nada, apenas seguia o rastro que a lua deixava para me guiar. Até que ouvi um barulho aos poucos ir aumentando. Só podia ser perseguição! Eis a questão: eu pedia ajuda ou não?

No estado em que eu me encontrava, negar ajuda não estava no topo da lista de prioridades. Tentei ir o mais rápido possível, porém, eu estava pior que uma tartaruga. Tive que dar a volta na boate e subir as escadinhas do fundo, procurando por qualquer pessoa que não fosse criada pela minha imaginação.

É duro receber uma surra da vida, mas é bom saber que vou estar preparada para coisas piores. Estou me sentindo tão mal. Queria poder atirar em alguém nesse momento e estourar os miolos. Estou com raiva ou com medo? Triste ou confusa? Seriam essas minhas atitudes uma completa atuação? Eu me acho uma farsa. Você não?

A porta estava trancada, droga! O lugar era coberto e me protegeria da chuva, me deixando exposta apenas para os ladrões de coragem que atacam a noite. Me encolhi no tapete frio e fiz do meu vestido um cobertor, abraçando meus joelhos e esperando que Karl me abrigasse em seus braços.

Não sei por quanto tempo dormi, mas acordei com o voo de uma coruja no meio da noite. Ela pousou no corrimão da escadinha. Era como se, em meio àquelas luzes artificiais e música alta, ela fosse minha guardiã. Fazia uns barulhos estranhos, olhava para todos os lados, com aqueles olhos enormes e depois voava para rondar meu corpo.

Eu sonhei com você, menina. Andando pelas ruas da cidade com um vestido longo e repleto de pedras, com o colar de baleia no pescoço que vivia se desamarrando e você voltava a amarrar. A multidão que se formava ao seu redor falava e falava, mas as vozes sempre desapareciam. Você parou em frente a um prédio alto e com uma vidraça que te refletia. Agora, o seu vestido não está mais clássico como antes. Ele bate nos joelhos e suas pontas parecem ter sido comidas por animais selvagens que lutariam por qualquer coisa. Em volta de seu pescoço, há um tule preto, algo que somente um palhaço usaria. Você olha de novo na vidraça e percebe que você é o palhaço. Não há pó branco no rosto, batom vermelho e nem roupas coloridas que te caracterizam, mas todos estão rindo de você, apontando seus defeitos e julgando seu jeito peculiar de ser. Finja sorrir menina, porque além de estar acostumada, não é isso que os palhaços fazem?

Não consegui mais pegar no sono desde que o frio começou a piorar, causando-me tremedeiras sutis no corpo, e também a boate não havia parado com aquele som. Quando aquilo ia acabar? Talvez não estivessem comemorando nada, apenas tentando fugir da rotina – se é que havia uma para eles – e beber, dançar e beijar. Às vezes tudo me parecia sem lógica, como uma peça de quebra-cabeça que não se encaixava, porque não iria nunca compreender a mente dos festeiros, aqueles que trocam o dia pela noite e a companhia de bons amigos por completos estranhos em suas camas. O que será que eles pensam? Que a vida deve ser aproveitada ao máximo? Não acho que isso seja um bom motivo para se enfiar em um quadrado escuro com luzes coloridas, com pessoas mexendo os pés e os braços no ritmo de uma música que você não sabe nem qual é, além de trocar saliva com aquele que acharem bonito. Isso pra mim se chama estupidez. Novamente te peço, não ache isso um absurdo ou venha atrás de mim para me bater. Já existem pessoas suficientes querendo o meu fracasso e, além do mais, você tem o total direito de discordar, porque reconheço que a última coisa que um dia poderei estar, é certa.

Aquelas enormes árvores na rua estavam começando a se parecer com facetas esquisitas de pessoas que não conheci, como fantasma de desenho-animado vestido com um lençol e assustando a vizinhança, por diversão. Olhos pequenos, boca larga e um cabelo longo mal penteado. Foi assim que a primeira árvore trouxe alguém quase igual a mim, repleta de sonhos escritos em um papel qualquer do diário. Essa era a Lisa com cinco anos, como qualquer criança é. Mas olho novamente para essa árvore e não consigo encontrar a Lisa; apenas vejo galhos despencando e um tronco fino pedindo ajuda para continuar crescendo. Devo ter errado de árvore ou seria apenas minha cabeça me enganando?

Estou ouvindo as músicas da boate e parece que estão sendo tocadas especialmente para me irritar ainda mais. Alarme de carro tocando, a cidade piscando, ronco dos carros e a minha respiração é o que há de mais silencioso agora, porque até meu coração bate mais forte. O céu está negro como os teus olhos, menina, tão fundos que parecem buracos no chão. Lá, longe, há um prédio alto com um pontinho vermelho no topo como se fosse um sinal. Seria alguém gritando por ajuda? Seria você ali, menina, prestes a pular? Ou não seria nada?

Desligue essa porcaria de música! Por que estou aqui? Mais carros, mais luzes, mais vozes. Minha mente não para. Percebo que ao meu lado tem uma flor tão macia, que parece ter roubado a suavidade das estrelas e colocado em suas pétalas. Ah, flor sortuda. Só tem que crescer, desabrochar e ser admirada. Flor sortuda.

O céu agora já não está tão escuro. Parece um oceano no alto da minha cabeça, pronto para despencar e me levar junto nessas águas agitadas e loucas para me afogar. Ouço um assovio. Vá embora! Escuto outro assovio como a canção na flauta que tocam para a cobra sair do cesto, mas a diferença é que não pretendo sair, só me esconder mais. Alguém está batendo o nó do dedo em algum lugar perto de mim e não quer parar. Isso me perturba.

As árvores arrancaram suas raízes do solo e começaram a se levantar vindo em minha direção. A coruja não está mais me protegendo como deveria, porque se juntou aos inimigos para me atacar. Não vou deixar que vocês me peguem! Levanto meu vestido até o joelho para que eu não tropece, e saio correndo pelas ruas, olhando loucamente e me vendo perseguida por esses monstruosos galhos com vida. Morcegos bravos, coelhos rápidos e até mesmo a lua! Todos contra mim, tentando me matar. Deixe-me em paz! Sinto mãos fortes agarrem meus braços e me fazendo cair com todo o peso no chão, mas eu não iria desistir de correr... Não dessa vez.

Poderia ser Daniel atrás de mim, tentando me capturar, arrancar meu coração e dar ao seu pai como prêmio de caça, assim como na história da Branca de Neve. Mas, é mais fácil eu ser a madrasta do que ser a moça tão bonita e cheia de encanto. Lobos selvagens estavam formando um círculo em minha volta, fazendo com que os meus piores pesadelos saltassem de uma caixa lacrada e entrasse no meu corpo que seria facilmente carregada pelos ventos. Olhava por todos os cantos e buscava qualquer placa que indicasse onde eu estava, mas, definitivamente, eu estava era perdida.

Apenas conseguia ouvir o barulho dos pássaros por entre as árvores. Eles alimentavam seus filhotes com tanto cuidado, que joguei uma pedra, só para ver se aquilo era real. Mas é difícil prestar atenção em alguma coisa além dos seus próprios pés, quando se está correndo. Pobres pais! Onde estarão quando o predador chegar? Não existe rota para fugir da morte. Ela irá te alcançar.

Patas e mais patas batendo contra a grama, prontas para agarrar minha pele e me devorar. Eu sentia aquele cheiro forte se aproximando a cada instante, e semicerrei os olhos, enxergando assim, um lobo com seu jeito indiscreto no meio daquela escuridão, uivando para o céu, como se pedisse à lua que me fizesse ouvi-lo. Aquele focinho e aquelas presas faziam minha cabeça girar tanto que vi um nariz e dentes humanos. Eu estava enlouquecendo.

– Lisa! – ouvi uma voz distante chamar meu nome, mas eu não entendia mais de uma palavra. Minha visão escurecia aos pouquinhos deixando que meu corpo lutasse contra o desmaio, mas sou tão fraca quanto você, menina.

Quando senti a água caindo sobre meu corpo, comecei a me desesperar. Era um oceano, eu sabia que era! Haviam me jogado no mar para que as ondas me levassem... Por que fizeram isso? Gritei. Gritei tanto que pensei ter assustado os peixes que nadavam ao meu redor.

– Está tudo bem, eu não vou te machucar. – uma voz calma falava perto do meu ouvido. Mas que loucura, peixes falam?!

– Quem me colocou aqui peixinho? – tentei imitar o mesmo tom daquela voz. – Por que me vendou?

– Abre os olhos, Lisa. – escutei um riso abafado e dessa vez sabia que não era um peixe. Peixes não riem! Abri os olhos e quase me assustei quando dei de cara com aquele sorriso singelo na minha frente.

– O que estou fazendo aqui? – perguntei, assustada e com aquela água do chuveiro ainda caindo. – Você não é um peixe. – e quando conclui aquilo, ele gargalhou tanto que inclinou a cabeça para trás.

– É claro que não. – deu um sorriso, desligou o chuveiro e me entregou uma toalha para me secar. Peixes não são tão bonitos, Lisa, não como Karl.

– Por que me colocou nesse chuveiro? Não estou cheirando mal! – e fui andando até a cama, sentindo minhas pernas bambearem e me desequilibrei. Ele me segurou.

– Você desmaiou, peixinha. – disse e me ajudou a sentar na cama, e depois, se sentou ao meu lado. Havia tanta coisa para perguntar e ser esclarecida entre nós, mas eu não sabia por onde começar. Às vezes, a partida é mais difícil que a chegada.

– Graças a Deus aquela música parou de tocar; não aguentava mais ouvir aquilo! Devia ser proibido, sabia? – fui sincera até demais, poderia ter ferido seu gosto musical, mas tudo que ele fez, foi rir. Então, eu ri também.

– Já está quase amanhecendo, por isso o pessoal foi embora. Mas e você, o que fazia na minha porta dormindo? Por que fugiu de mim?

– Eu não fugi de você, Karl.

– Você sempre arranja um jeito de fugir de mim.

– É difícil de explicar.

– Você ter dormido na minha porta?

– Não. Sempre fugir de você.

– Você tem medo de mim? – ele perguntou como se estivesse querendo saber aquilo há tempos, porque eu enxergava a curiosidade em seus olhos quase arrancando de mim as palavras que ainda nem foram ditas. Como responder? Na dúvida, desviei o assunto.

– Por que você está ferido?

– Você me feriu.

– Eu não seria capaz disso.

– Você sempre faz isso, Lisa.

– Ainda está bravo? – perguntei, me lembrando do café que eu havia lhe jogado no rosto. Ah, foi engraçado.

– Você me deixou sozinho e encharcado!

– Queria que eu voltasse e esperasse você se limpar? – perguntei, rindo. Ele só podia estar brincando comigo ou ele era algum maluco.

– Era melhor do que ter ido embora. – e deu um sorriso de canto me fazendo querer lhe dar um soco e depois um beijo. Detestava aquela impressão de que ele sempre queria dizer algo a mais. – E você, por que está ferida?

– Daniel me chamou para um jantar. – e Karl franziu tanto a testa e arregalou os olhos. Poderia virar uma caricatura. – Dussel até se ofereceu para me levar em casa, mas eu recusei. Eles me queriam por perto, eu podia sentir isso.

– Como você escapou?

– Silvia me deu um alerta e comecei a correr, mas logo Daniel veio atrás.

– Eu não acredito! Foi esse cretino quem fez isso com você? Eu vou acabar com a raça dele, por tudo que ele já te causou! Adora bater em mulher, não é mesmo? Quero ver quando estiver cara a cara comigo, lidando com alguém de seu tamanho. Que merda! – se levantou da cama e começou a andar pra lá e pra cá, passando as mãos no cabelo, cheio de nervosismo.

– Foi muito estranho, Karl... Ele tentou me arrastar para sua casa, ao invés de me matar ali mesmo. Não consigo entender!

– Eles precisam de você para conseguir alguma coisa – e começou a roer as unhas, pensando em alguma possibilidade. O sol começava a apontar naquele céu imenso e só então me dei conta de que eu teria que ir trabalhar. Não estávamos conseguindo pensar em nada, mas ainda tínhamos esperanças de combater Daniel e Dussel.

– Desculpe ter vindo para cá, mas foi o lugar mais próximo que encontrei. – disse, um pouco tímida, porque não gostava de ter que me sujeitar a ninguém. Karl aproximou os dedos do meu rosto e os passou na minha bochecha, enquanto nós nos olhávamos. Eu não sabia o que ele queria demonstrar com aquele gesto, mas eu só consegui sentir carinho. Carinho que, há tempos, não recebia.

– Nunca peça desculpas por estar ao meu lado, Lisa. – pegou em cima do criado-mudo uma xícara azul, levou-a a boca e prosseguiu. – Fica parecendo que não me quer por perto e tenta dizer isso educadamente.

– Eu não quis que parecesse assim.

– Bom mesmo, porque eu odiaria ficar sem ouvir sua voz. – me ofereceu um pouco do café que estava na sua xícara e, mesmo sem vontade, eu tive que pegar e tomar. O que eu iria responder depois daquele comentário? Minhas bochechas deveriam estar denunciando minha vergonha. Ele admirava a paisagem e o vento que passava pela janela fazia com que seus fios de cabelo, se sacudissem em contraste com o sol.

Ah menina, estou tão feliz agora! Por que está se afastando de mim? Venha conversar um pouco... Pare com isso de que vai se jogar da janela! Há tantas coisas boas para se viver ainda.

– Eu preciso ir. – disse para ele, que estava com o pensamento longe ou fingiu não me ouvir. Gostaria de saber o que se passava na sua cabeça, cada sonho e cada frustração, e até tentar ajudar a realizá-los ou superá-los. Passei meus dedos na sua nuca, tentando chamar sua atenção ou fazer um carinho, mas ele continuou sem dizer nada. Apenas fechou os olhos, deu um beijo na minha mão e sorriu. Queria sempre ver aquele sorriso, um que não era cínico ou falso. O seu verdadeiro sorriso era a melhor visão que eu poderia ter.

– Você irá à festa de Amanda?

– Eu não sei.

Ele se levantou, colocou a xícara de volta na mesinha, se encostou na porta do guarda-roupa embutido e ficou me olhando por alguns segundos, enquanto eu tentava entender o porquê de gostar tanto daquele rapaz.

– Escute, Lisa, eu preciso que você vá. – molhou os lábios e ficou esperando minha resposta. Como negar alguma coisa quando ele me olha desse jeito? – Laura pediu para te dizer que o tema será “realeza”.

– Não posso ir a essa festa! – disse já nervosa. Bem a cara de Amanda fazer uma festa daquele jeito. – Não dá tempo de comprar uma fantasia assim.

– É por isso que eu comprei pra você. – ele abriu o guarda-roupa e pegou um cabide com um vestido longo, próximo ao branco, com umas mangas curtas e a saia bordada. Sabe a primeira coisa que eu pensei, menina? Que aquele vestido era um vestido igual ao de casamento. Vá, menina, solte sua gargalhada frouxa e ria da minha cara por pensar assim, mas eu iria me casar com Karl, mesmo que não trocássemos alianças e nem sorrisos no altar. Casamento é a união de duas almas e você não precisa que os outros vejam isso. Karl nunca abriu a boca para me pedir em namoro e eu tinha certeza de que ele não faria isso. Mas, dentro do meu peito, eu estava gritando “Eu aceito ser tua. Eu aceito. Eu sei que eu deveria te prometer mil e uma coisas, mas eu só posso garantir que sempre vou estar ao seu lado para começarmos uma briga e no final de tudo, nos acertar. Dizem que temos que arcar com as consequências dos nossos atos... E nunca estive tão feliz por ter feito uma burrada, porque você é a minha consequência, Karl.”

– Diga a Amanda que irei aparecer em sua casa, pela manhã. – falei, sorrindo, lhe dei um beijo estalado na bochecha e saí porta a fora com o vestido.

Minha roupa continuava molhada por causa da chuveirada, e minhas pernas depois que foram lavadas, mostraram os reais machucados. A vida é como uma árvore. Quando chega um vento forte e a balança, muitas folhas caem, mas outras permanecem no mesmo lugar. Também precisamos desse vento, um chacoalhão para que as coisas ruins caiam e somente as necessárias fiquem.


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Notas finais do capítulo

Critiquem, elogiem... expressem-se!



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