Megavi - Outras Vidas escrita por Joana Guerra


Capítulo 8
2215 – De volta ao futuro


Notas iniciais do capítulo

Está valendo um momento meio Maktub, com vozes do passado à mistura? A Daiana Caster pediu-me para escrever uma encarnação futura e eu resolvi fechar assim a fic. A música-tema é Gravity, da Sara Bareilles (Desculpa, Sofia, se não estiver à altura da música!)
P.S. – Para não dar confusão: nesta encarnação a Megan é mesmo filha do Jonas e da Pamela e o Davi é mesmo filho do Herval e da Sandra.



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Rio de Janeiro, 2215

“Something always brings me back to you

It never takes too long

No matter what I say or do

I'll still feel you here

'til the moment I'm gone

You hold me without touch

You keep me without chains

I never wanted anything so much

Than to drown in your love

And not feel your rain”

(Sara Bareilles, Gravity)

Albert Einstein disse certa vez que não pensava no futuro, porque o futuro não tardava a chegar, o que, vindo do homem que postulou a Teoria Geral da Relatividade, possibilitando em teoria as viagens no tempo, não deixava de ser engraçado.

Curiosamente, imaginar o futuro sempre tinha sido uma tarefa amada por quem se dedicava à escrita e à sétima arte. Fosse um futuro apocalíptico ou um futuro utópico, muitos se debruçaram sobre as possibilidades do mundo do amanhã. Seria a Humanidade capaz de vencer os seus flagelos? Traria a imparável evolução tecnológica as respostas que o Homem ansiava?

Os seres humanos já não eram Ícaro querendo chegar perto do sol e vendo as suas asas arderem antes de lá chegarem. Todos os sonhos eram possíveis. Vencer a morte? Provável. Acabar com as doenças? Possível. Explorar novos mundos? Uma certeza.

O que também continuaria a ser certa seria a imutabilidade da natureza humana e das suas necessidades. No fundo, fosse aqui na Terra, numa colónia em Marte, ou numa galáxia distante, o ser humano só deseja amar e ser amado.

De nada serve alcançar o impossível sem ter alguém com quem partilhar o feito.

O Rio de Janeiro do século XXIII não diferia assim tanto da cidade de duzentos anos antes. Como uma inevitabilidade, a Terra continuava girando e o sol se levantava todos os dias sobre o Cristo Redentor.

Mesmo com todos os avanços tecnológicos, continuavam a existir ricos e pobres, sendo que os últimos não se livravam de ter que se levantar cedo para pegar a condução e já eram anedotas de muitas gerações, as queixas persistentes sobre o aumento exponencial do preço dos transportes públicos.

Parecia sina irónica, mas nem sucessivas quedas e ascensões de Governo tinham conseguido alterar o tecido social do país. Seria fatalismo ter que sempre existir pobreza de muitos para se poder gerar riqueza para alguns?

 O que não pertencia a nenhuma evolução man-made, mas sim ao grande espírito inquebrável do povo brasileiro era a sempre presente alegria de viver e otimismo contagiante que já eram marca registada face aos reveses da vida.

Fazia pouco tempo, o país tinha vibrado de norte a sul com uma vitória histórica da seleção brasileira de futebol frente à seleção alemã, num sete a um épico que a consagrou pela décima-segunda vez como campeã da copa do mundo.

Com a passagem do tempo e a crescente facilidade de migração, se tinham diluído também as fronteiras internacionais, de tal forma que o Brasil era agora um pouco de todo o mundo e todo o mundo tinha um pouco do país dentro de si. Sem o perceber, o Brasil tinha mudado a humanidade.

Quando um conhecido ator americano, descendente do histórico ator Wagner Moura, venceu um Globo de Ouro, o país sentiu, e com razão, que podia festejar a vitória também como sua.

Esses Globos de Ouro ficaram também para a história por um outro motivo, nada relacionado com a arte do cinema ou da televisão.

Aproveitando o palco mundial que a cobertura mediática ao evento oferecia, o empresário Jonas Marra, acionista maioritário de uma conhecida multinacional de tecnologia, fez um comunicado que iria mudar o mundo.

Certo era que ele só tinha sido convidado para o evento na qualidade de plus one da esposa, uma conhecida atriz norte-americana, mas onde quer que se encontrasse, Jonas fazia questão de ser ele mesmo “O” espetáculo principal.

Jonas era maior do que Einstein. Se o segundo tinha postulado a teoria que suportava as viagens no tempo, o primeiro tinha decidido que iria colocar a teoria em prática. Confiante, Jonas sempre soube que a solução para se poder atingir uma abertura no continuum espaço-tempo tinha que existir. Ele só tinha que não desistir antes de a encontrar.

Depois de muitos anos, o Marra-Man tinha encontrado finalmente a chave para abrir um wormhole entre diferentes épocas, o local perfeito para o fazer e a data com mais impacto para anunciar o feito.

Se todo o mundo estava com os olhos em quem criava ficção científica, Jonas iria demonstrar o que iria passar a ser real.

Biliões de pessoas, incluindo a família do empresário, foram pegas de surpresa com a notícia de que Jonas e a sua família estariam regressando definitivamente ao Brasil, sua terra natal, para ligar pela primeira vez o acelerador de partículas dali a sete dias, marcando uma nova era da Marra Corporation com a primeira viagem no tempo.

 Rodeado na red carpet por um mar de jornalistas, Jonas continuou com a sua manobra de marketing, não reparando no olhar de ódio com que a sua filha o presenteou, antes de sair fugindo de perto dos pais.

Megan estava farta de ter que se mudar de acordo com os caprichos do pai, como se ela fosse uma boneca de pano. Já não bastava ter passado parte da infância pelo mundo fora, dentro do trailer ou do camarim da mãe enquanto Pamela trabalhava; mesmo agora que ela já tinha vinte anos, o pai achava que podia continuar mandando nela como se ela fosse desprovida de vontade própria.

Não que ela não sentisse carinho pelo Brasil. Os seus melhores anos de adolescência, talvez os mais estáveis, tinham sido lá passados, mas uma disputa de Jonas com dois dos seus sócios tinha levado a família de volta para a Califórnia.

Mesmo contrariada, Megan acabou se juntando à família no Rio de Janeiro. De qualquer forma, naquela época ao super-jatos já conseguiam fazer a viagem Rio-São Francisco em quarenta minutos. Se ela quisesse mesmo fugir, não teria grande dificuldade.

O que ela não queria confessar a ninguém era o pólo magnético que sempre a atraía à cidade maravilhosa.

O maior show que a cidade alguma vez conheceria seria o da festa fantasia que Jonas e Pamela Marra tinham decidido dar na sede da Marra Brasil para festejar o início das viagens no tempo.

Ninguém podia acusar o empresário e a esposa de não terem sentido de humor. A ideia de dar um baile de máscaras caiu como uma luva no conceito de representação das eras idas e por vir que estariam agora ao alcance de uma máquina.

Não foi uma surpresa o casal Marra ter-se decidido fantasiar de Marco António e Cleópatra, bem como não deveria ter sido uma surpresa para os pais, Megan se ter fantasiado de Sininho. Aquelas asas de borboleta eram um símbolo de que a loira queria voar.

Por sorte todos os veículos da época eram já automáticos, o que evitou que um piloto tivesse que ouvir a discussão que se desenrolou entre a família Marra dentro do helicóptero, durante o trajeto desde a casa dos Marra até o aparelho aterrar no heliporto da Marra 7.

A Marra Corporation era já uma das empresas com maior histórico do país, tendo sobrevivido no topo durante séculos, apresentando como imagem de marca as suas sucessivas sedes, que cresciam não só em tamanho, como em complexidade, acompanhando o grande ego das sucessivas gerações de presidentes da multinacional.

Prestes a iniciar o espetáculo, a família Marra saiu do helicóptero diretamente para a passadeira vermelha e os drones de uma seleta imprensa fizeram disparar flashes incessantes:

— Porque é que você trouxe esse cachorro? – se queixou Jonas  a Megan, enquanto Pamela o ajudava a ajustar a coroa de louros.

Ele se referia a Linus, que mais do que o cachorro da família, era o companheiro de todas as horas da americana. Tanto, que Megan não tinha hesitado em levá-lo para a festa. Para Jonas parecia que a filha ficado encafuada na Terra do Nunca, se recusando a crescer e a encarar o verdadeiro mundo.

Why, dad? Deveria ter trazido like, um dos outros? – respondeu ela, com uma ponta de ironia.

Jonas sabia muito bem que Megan se referia a animais de duas patas e não a amáveis canídeos. Parecia que ela nunca conseguia fazer algo certo, mesmo no que se referia a escolher companhias que lhe soubessem dar valor.

A noite que os Marra tinham projetado para a apresentação da primeira viagem no tempo podia ter sido muito bem planejada, mas daquela vez a oposição que os Marra encontraram na rua ia muito para além dos protestos que eles habitualmente encontravam.

Podia ter escapado à maioria do público, mas mesmo assim muitos tinham sido aqueles que, conhecendo bem a fera, tinham percebido que Jonas Marra iria querer lucrar com a patente sobre as viagens no tempo. Talvez ele quisesse mesmo criar uma agência de viagens para os multimilionários, vendendo a possibilidade de conhecer outras eras a troco de uma quantia imoral de dinheiro.

Claro que vários grupos de ativistas se tinham colocado contra as viagens no tempo, alegando o perigo de inadvertidamente se mudar o passado, com consequências desastrosas para o futuro.

Mesmo que fosse possível abrir um portal entre diferentes tempos, sem os alterar, o receio era o de que só a existência desse buraco provocasse uma cicatriz temporal com vazamento de radiação cósmica que afetasse os dois mundos.

Um grupo de hackers já tinha tentado em vão invadir o computador de Jonas para destruir os planos do acelerador de partículas, mas não tinham sido bem-sucedidos.

Em contrapartida, a manifestação convocada pela internet para decorrer em frente ao edifício da Marra 7 tinha sido um sucesso e eram milhares de pessoas, as que rodeavam o edifício, gritando palavras de ordem contra o projeto de Jonas.

Com o treino de quem sabe só ouvir o que lhe convém, o empresário dirigiu o resto da família para o interior do edifício, para dar início à festa.

A maior parte dos acionistas exultava. Já não se via uma subida tão elevada na cotação da empresa desde os tempos do seu fundador.

Constatando que os únicos acionistas que se opunham constantemente a Jonas nem se tinham dado ao trabalho de comparecer à festa, o Marra-Man sorriu considerando que já tinha atingido a vitória completa.

Farta das demonstrações de poder de Jonas, Megan revirou os olhos, encolheu os ombros, pegou em Linus e resolveu encontrar um local tranquilo para afogar as mágoas num pote de açaí.

O protesto contra a Marra se preparava para passar do exterior do edifício para o seu interior. Dois hackers tinham conseguido entrar sem pedir licença, o que não deixava de ser irónico visto um deles ser filho de dois dos sócios minoritários da corporação.

Davi Reis tentou ajeitar a máscara que lhe cobria os olhos na impossibilidade de ajeitar outra coisa. Os collants verdes da sua fantasia o estavam apertando numa zona impronunciável em público e ameaçando a sua masculinidade. A colorida fantasia de pirata do seu amigo Ernesto também não atestava sobre a sua virilidade.

— Cara, eu não acredito que você só conseguiu essa fantasia. – se queixou um Davi contrariado na sua versão de Peter Pan disfarçado.

— Em cima da hora, foi o que deu para arranjar. – se desculpou Ernesto, enquanto açambarcava tudo quanto eram hors d'oeuvre que surgiam na sua frente.

— Ernesto! - se queixou novamente Davi - A gente tem que descobrir onde é que o Jonas colocou o acelerador de partículas e destruir essa aberração. Eu só vim para acabar com essa palhaçada.

— Só mesmo, Davi? – brincou o seu amigo, consciente de que Davi não tinha parado de olhar em volta, como se procurasse alguém.

Seguindo as orientações do fundador da Marra, o terraço do último andar continuava servindo para que o ar livre oxigenasse o cérebro e melhorasse o fluxo de ideias dos funcionários da empresa, ainda que naquele momento também servisse para esconder uma fugitiva.

Sentada num dos bancos com um pote de açaí no colo e um Linus descansando aos seus pés, Megan contemplava o céu estrelado.

A loira se lembrou do que tinha aprendido nos livros de história. Quando ela ainda era uma baby, um fragmento de um asteroide tinha colidido com a lua, a fragmentando em dois pedaços de tamanho aproximadamente igual.

As maiores autoridades do planeta Terra tinham entrado em pânico, antecipando uma mudança brusca na órbita das luas, sendo altamente provável que pelo menos um desses pedaços acabasse colidindo com o planeta terrestre, conduzindo a um grau de destruição apenas comparável com o que tinha levado à extinção dos dinossauros.

O que acabou acontecendo causou o pasmo de todos os cientistas que estudaram o fenómeno. Contra cálculos matemáticos estudados ao pormenor, as duas metades da lua desafiaram o postulado por Newton e se revoltaram contra as leis da física.

Em vez de serem atraídos pela massa com maior centro de gravidade, parecia que os pedaços eram apenas atraídos um pelo outro, rodando um em volta do outro como numa valsa cósmica interminável. Era como se, mesmo separados, eles continuassem sendo apenas um e foi graças a isso que as meias luas continuaram descrevendo uma elipse à volta da Terra.

Megan não tinha memória visual de como teria sido o tempo em que a lua era só uma, mas sempre se tinha sentido impressionada com a ideia.

Davi chamou instinto ao que o impeliu a pedir a Ernesto para arranjar uma distração que o ajudasse a entrar no elevador sem que ninguém percebesse, mas no fundo o que o movia era a força de uma gravidade invertida, que o chamava ao topo do edifício.

Ernesto acabou exagerando tanto no show em público que foi apanhado pela segurança do evento, mas o seu amigo já estava seguindo o seu destino.

O tear do destino já tinha tocado e trocado aquelas vidas muitas vezes antes, num emaranhado de fios. Cabia a cada um deles se soltar, mas antes disso eles teriam que resolver os nós que os prendiam e impediam de avançar.

Mais uma vez Jonas Marra sabia bem de onde podia vir o perigo, mas não tinha ainda identificado positivamente a identidade de Golias, o conhecido hacker que ameaçava a gigante Marra Corporation, ainda por cima usando como pseudónimo o nome de um dos antigos proprietários da empresa.

Pamela foi a primeira a avisar o marido sobre a presença de intrusos:

— Jonas, os seguranças me alertaram que o tal Golias conseguiu esburacar o sistema de segurança.

— Furar, meu amor. - corrigiu o empresário – E isso não vai ser um problema. O acelerador de partículas está bem protegido no último andar e hoje eu vou pegar esse Golias. – avisou ele.

Podia ser naquele dia, mas não seria naquele momento. Antes disso, o Marra-Man teria que rececionar um casal de acionistas que tinha acabado de chegar, mesmo contra previsões prévias.

O último lugar onde Herval e Sandra Reis se queriam encontrar era naquele evento, com o qual não concordavam, mas era imperativo entrar naquele edifício antes que o filho deles cometesse um ato de delinquência que o colocasse na prisão. Essa seria com certeza a vingança mínima de Jonas caso Davi destruísse propriedade da empresa.

Com o histórico do casal Marra e do casal Reis se poderiam escrever dezenas de trilogias. Já não bastava serem todos parentes afastados uns dos outros, ainda tinham arrastado uma certa promiscuidade durante a adolescência, quando acabavam o namoro com um primo para começar um namoro com outro.

Numa hora eram os melhores amigos e na hora seguinte inimigos mortais. Mesmo após os respetivos casamentos e nascimentos dos filhos, aquela bipolaridade de comportamento se manteve.

 Parecia que eles tinham pesos antigos que os puxavam para baixo. A maiores vítimas aquela história foram Davi e Megan, ora crescendo lado a lado entre reuniões de família, ora tentando evitar entrar naquela guerra.

Os pais descobriram o namoro de adolescência entre o jovem Reis e a jovem Marra no pior momento possível. Naquele ano, Jonas tinha conseguido comprar as ações que o tornaram no sócio maioritário e presidente da empresa e, se sentindo traídos, Herval e Sandra abriram guerra sobre o casal Marra.

A versão do século XXIII da história de Romeu e Julieta não seria tão trágica quanto a original. Com relativa facilidade Jonas afastou Megan de Davi, ao levar a família de volta para a Califórnia, que voltou também a ser o centro de operações da empresa.

Não que Jonas pudesse chamar a si toda a glória pelo sucesso da cisão entre Marras e Reis.

Megan queria confiar em Davi, mas não conseguia. Ela também tinha confiado em todos os outros garotos que se tinham aproximado dela e todos a tinham traído de um jeito ou de outro.

No fundo, era como se o medo de que Davi lhe viesse a partir o coração a petrificasse como a uma estátua de arte renascentista.

Não que ela tivesse algo a apontar ao bom moço, mas a loira não conseguia evitar aquela sensação, aquela certeza que parecia inevitável.

Quando Megan ouviu o ruído do elevador abrindo no último andar, se levantou com o susto. Afinal, as configurações de segurança só deveriam deixar que Jonas Marra entrasse no piso e ela sabia que ainda era demasiado cedo para o pai ligar a máquina.

Tinha sido por achar ser a única a conseguir contornar o sistema que ela tinha escolhido aquele esconderijo. Agora o que é que ela faria contra o intruso? Seria ela capaz de se defender usando apenas uma varinha de condão de plástico?

Por sorte Linus já tinha vindo em sua defesa, derrubando o invasor no chão, mas usando depois a técnica nada assustadora de lamber o criminoso, que gargalhou com cócegas e tirou a máscara.

— Ele é muito afetuoso. - comentou Megan.

Só mesmo a loira para começar uma conversa após uma ausência de anos naquele tom brincalhão.

— É. A dona podia aprender alguma coisa com ele também. – respondeu Davi no mesmo tom.

Era como se o tempo que eles passavam separados fosse, na falta de melhor palavra, relativo.

Podiam passar anos, mas era como se eles se tivessem encontrado ainda na véspera.

Recuperando a verticalidade, Davi a olhou de alto a baixo. Aquele vestido verde de paetês de Megan, com aquele comprimento indecoroso, o fazia recuar à época de colégio, quando ela era uma cheerleader e ele o nerd da turma.

— Cê tá de volta, bad girl? - perguntou ele sorrindo.

No, baby boy. Você está tendo uma alucinação. - respondeu ela gargalhando.

Era possível que fosse de fato mais um dos delírios de Davi. Depois do rompimento, não tinha passado um dia em que ele não pensasse naquela doidinha.

Superada a dor de Megan lhe ter partido o coração, mesmo sem ele ter qualquer culpa, parecia que Davi se sentia mais leve. Era como se ele tivesse conseguido uma absolvição de um pecado que ele não se lembrava ter cometido, mas que equilibrava aquele relacionamento estranho entre ele e a herdeira dos Marra.

— Foi aqui que a gente deu o nosso primeiro beijo. - comentou o nerd, na falta de melhor tópico de quebra gelo.

A loira riu da memória escolhida por aquele silly boy.

Wrong, silly. O nosso primeiro beijo foi like, ainda no tempo da Marra 6. Já foi há muito tempo, Davi.

— Para mim não, Megan. 

Eles sempre tinham vivido entre idas e voltas (aliás, mais idas do que voltas), discussões e reconciliações, sem que se conseguissem ou quisessem libertar um do outro.

Eles se atraíam com a força de um campo gravitacional ao qual não se consegue escapar, mas ao qual tentavam resistir por medo de cair dentro de um buraco negro que os absorvesse.

Agora, ali, naquele momento, sozinhos pela primeira vez em muito tempo, era como se se abrisse uma porta para todos os diálogos com o passado.

Laranja. O céu adquiriu um tom alaranjado quando o acelerador de partículas se ligou inesperadamente, trancando todas as vias de saída daquele piso.

Percebendo a localização do equipamento, Davi correu para o tentar desmontar, mas, achando a ideia perigosa, Megan o segurou pelo braço.

Tarde demais. Davi já tinha instalado um vírus para destruir o software do equipamento. Reconhecendo o estilo de código, ela acabou comentando em voz alta:

— Você é o Golias?

A voz dela ecoou pelo espaço aberto como se fosse uma memória do passado, enquanto se levantava um vento vindo de cima e o céu mudava de tonalidade para vermelho.

Davi a abraçou quando compreendeu que acima deles se abria um wormhole e o véu entre os tempos se dissipava. Aquele contato deu lugar ao formigueiro que eles sentiam sempre que se tocavam e que parecia sobrenatural.

— O que é que você disse? – perguntou ele, com uma estranha sensação de déjà-vu.

Azul. O céu ficou azul quando o portal entre os tempos se abriu finalmente, juntando passado, presente e futuro num só.

À volta do casal e de um Linus que não parava de latir, os objetos do terraço adquiriram vida própria e se levantavam do chão. O mundo poderia não estar ainda de cabeça para baixo, mas a gravidade já o estava.

Se segurando precariamente no vão de proteção, eles também se seguravam um ao outro para não serem aspirados pela corrente que os puxava para o buraco.

— Me desculpa, Megan.

A loira já não sabia dizer se o nerd se referia ao fato de ter provocado aquele incidente ao manipular o acelerador ou a uma outra coisa, mas apenas o abraçou forte.

Um túnel tem sempre duas vias. Eles já não eram apenas Megan e Davi, mas uma coleção de nerds e bad girls, popstars e jornalistas, donos de loja e filhas de conde, enfermeiras e pacientes, amantes que se encontravam e amantes que se perdiam, amores que não cabiam numa vida só; todos numa só voz que o tempo não sabia calar.

“…like, morango e laranja…”       

No, Davi. Eu é que tenho que pedir desculpa.

Eles não sabiam o que encontrariam se atravessassem o portal, apenas sentiam que se um saltasse, o outro saltaria atrás.

“Você ainda vai ver que eu sou a garota certa para você…”

Com o que parecia um furacão à volta deles, ambos se arrependeram do tempo perdido. Podia ter sido necessário, mas tinha doído, todo aquele período para finalmente aceitarem que sempre tinham estado destinados um ao outro.

Como as duas luas orbitavam em torno uma da outra, também eles orbitavam em torno um do outro, com uma força gravitacional que ninguém conseguia quebrar.

“Cê acha que precisa reprogramar o cérebro para eu te amar?”

Com o barulho crescente dos objetos que eram sugados para o wormhole, o casal tinha que gritar para se fazer ouvir:

— Eu te amo, Megan Lily.

— Eu te amo, Davi Reis.

Quando do portal surgiu uma luz prata e eles sentiram que não iam conseguir resistir ao apelo do vazio durante muito mais tempo, os dois se enlaçaram para um último beijo. Eles eram uma supernova prestes a explodir e a dar lugar a um novo universo.

“…nós estamos juntos. Em inglês: we are together…”

— Eu voltei para você e você voltou para mim, Megan. A gente sempre volta um para o outro.

Mesmo no meio de guerras, fatalidades e cataclismos, eles sempre tinham encontrado a estrada familiar que os juntava. Aquela vida não seria exceção.

A poucos segundos de serem engolidos pelas areias do tempo, eles eram um só. Tal como sempre deveriam ter sido.

Acabados de chegar ao último andar e se apercebendo do que estava para acontecer, Jonas e Herval tiveram que trabalhar em conjunto para desbloquear a entrada e resgatar os filhos.

Podia ter sido no limite do tempo, mas o tempo tinha deixado de ter limites.

Quando o wormhole detonou uma explosão de luz branca incandescente, todos foram cobertos pela radiação temporal que envolveu o mundo em poeira cósmica, enviando o planeta Terra e as duas luas numa viagem pelo túnel do tempo.

As segundas oportunidades são um bicho caprichoso. Por vezes nos caem no colo, mas a maior parte das vezes têm que ser conquistadas. O passado deixa marcas que não podem ser apagadas, mas cria cicatrizes que são mais resistentes à passagem do tempo.

O futuro é construído pelas nossas decisões diárias, inconstantes e mutáveis, e cada evento influencia todos os outros que se seguem. O futuro é o agora.

FIM

(ou será apenas o início? )

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Em 2215 não existe Manuzz porque ela morreu quando lhe caiu um meteorito em cima (muahahahaha!)
Chegou ao fim o meu passatempo favorito de torturar Davi Reis. Ficou por escrever a encarnação em que Megavi salgou a Santa Ceia, mas vocês perceberam a ideia 
Momento textão do Facebook: o saldo dos últimos meses de fanfiction não tem sido muito positivo. Às vezes só não duvido que exista gente do outro lado deste wormhole porque vejo o número de visualizações. Sempre dei abertura para comentarem, fosse pela positiva, fosse pela negativa, porque é o que mais me ajuda a escrever. Desanimei muito quando a fic não recebeu comentários durante 2 meses. Mais do que o cérebro, coloco meu coração em tudo quanto escrevo e estava a precisar desabafar este ponto de situação. OBRIGADA a todos quantos acompanharam e comentaram em Outras Vidas!



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