Megavi - Outras Vidas escrita por Joana Guerra


Capítulo 7
1615 – Debaixo do equador


Notas iniciais do capítulo

Tomei algumas liberdades (históricas e não só) com este capítulo por isso, por favor, não me batam. A música para este capítulo é Danza Kuduro, do Don Omar.



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São Tomé e Príncipe, 1615

Davi Reis devia mesmo estar muito doente. Pelo menos era isso que toda a população da ilha pensava quando para ele olhava. Era impossível Davi ser menos do que um morto vivo, porque só quem tem sangue de lagarto é que vestiria tantos agasalhos no meio do calor infernal de São Tomé.

De pé no pequeno cais da ilha, Davi era o único membro do comité de boas vindas à futura noiva do maior proprietário de São Tomé e Príncipe.

Ernesto Avelar era dono de metade da ilha de São Tomé, de um quarto da ilha de Príncipe e de todo um sentido de humor muito peculiar.

Uma verdadeira máquina de fazer dinheiro, Ernesto tinha feito um amigo improvável em Davi Reis, um anónimo contabilista, desde que se cruzaram pela primeira vez em São Tomé.

Avelar e Reis se tinham tornado naqueles companheiros de alma que se encontram para nunca mais se desencontrar e, de fato, na única família que Davi tinha.

Um pensava e o outro dizia. Mesmo quanto tiveram que se separar temporariamente quando Ernesto passou uma longa temporada na capital do Império e Davi permaneceu em São Tomé, a amizade entre eles não foi beliscada.

Eles eram não só uma equipa, mas um todo. Ernesto era o cérebro dos negócios e Davi lhes dava um corpo. Tão acertado era aquele relacionamento que os dois jovens residiam na mesma casa, o que nunca seria um problema visto se tratar de uma mansão com vinte quartos.

Tinha sido por essa proximidade que, na impossibilidade de um adoentado Ernesto se levantar do leito para receber a noiva recém-chegada, foi o certinho do seu amigo Davi a ocupar o seu lugar.

O jovem Reis não podia negar a curiosidade que o assaltava. Ernesto tinha feito questão de manter o mistério em torno da identidade da sua noiva, o que só tinha contribuído para espicaçar o interesse de Davi.

Afinal, nunca antes Ernesto lhe tinha escondido alguma coisa. Quem seria essa mulher misteriosa que tinha conseguido conquistar o coração do seu melhor amigo?

Davi apenas sabia que eles se tinham conhecido na temporada que Ernesto tinha passado em Lisboa e que tinha sido paixão à primeira vista.

Quando Avelar entrou no barco de volta a São Tomé, já tinha deixado um anel de diamantes no dedo da sua prometida e a promessa de a levar para a ilha na primeira oportunidade.

Davi respirou fundo quando percebeu que a sua espera tinha terminado. O bote com os passageiros do barco já tinha tomado a direção do cais e o bom moço especulou que seria a moça debaixo de uma sombrinha cor-de-rosa a futura senhora Avelar.

A especulação se transformou em susto quando, diante de si, Davi viu uma sombrinha rosa que se inclinava para trás, revelando o rosto travesso de uma loira bem conhecida que gargalhou na cara dele:

Hello, silly boy!

Aquilo não era possível. Com tantas mulheres habitando o Império Português, só podia ser uma tremenda falta de sorte ter que se cruzar novamente com aquela devassa.

– Megan Torres….- reconheceu ele, usando o subterfúgio de recolocar os óculos e passar as mãos pela espessa barba para esconder o tremor das mãos.

Ela se divertiu com o desconforto daquele púdico que claramente tinha guardado muitas recordações do passado. Pelos vistos Davi continuava o mesmo menino de coro tímido que ela tinha conhecido muitos anos antes, em Lisboa.

A loira se aproximou Davi, segurando com uma mão na face do bom moço, sentindo-o tremer como reação.

No. Call me Megan Marra. - corrigiu ela sorrindo - E, em breve, you´ll call me Megan Avelar, right?

“Nunca, se eu puder evitar esse disparate. “ - pensou Davi.

Custasse o que custasse, o bom moço prometeu para si mesmo que iria salvar Ernesto das garras daquela ladra de carteiras e de corações.

Megan Marra ou Megan Torres, não existia na alta e na baixa sociedade lisboeta quem não conhecesse a loira.

Para uma vida tão curta, a sua história já poderia ter dado origem a muitos livros cujo género poderia variar desde o romance até à tragédia, ainda que Megan preferisse encarar tudo como uma comédia para não ter que enxergar o drama que a havia perseguido.

Nascida em berço de ouro como filha de um dos homens mais ricos de Portugal, Megan Marra parecia predestinada a uma existência de conto de fada.

O seu pai Jonas fazia questão que todos os pedidos excêntricos da sua pequena Peanuts fossem atendidos como ordens de um marajá e Megan cresceu sem conhecer o significado da palavra não.

Os dias se sucediam com uma doçura de primavera até que chegou o verão na vida da jovem Miss Marra. De uma flor delicada, a menina deu lugar à mulher, como um fruto que amadurece e fica pronto para a apanha.

A mulher ansiava por amar. Foi num baile em casa dos tios que Megan veio a conhecer aquele que seria a sua ruína.

Alex a divertia, com o seu jeito de playboy safado. Megan queria conhecer a vida de excessos do bad boy, aprender o que era viver no limite, sugando o tutano da existência como se fosse o seu último dia na Terra.

Com Alex a vida parecia uma festa interminável e ela sentia o sangue correr com força nas suas veias, o que era muito diferente do tédio que ela sentia do lado dos almofadinhas que eram presença habitual nos salões lisboetas.

Seduzida pelas promessas daquele diabo, não tardou muito tempo até Megan provocar um escândalo ao fugir de casa para casar com Alex, mesmo contra a vontade dos pais.

Pouco tempo depois, o coração de Jonas Marra não aguentou o desgosto e deixou de bater. De um momento para o outro, Megan se viu com a fortuna e o destino da família nas suas mãos.

Aliviando-a dos bens dos Marra, Alex esbanjou em tempo recorde aquele enorme património, estimulando a economia de muitos prostíbulos e de casas de apostas.

Megan acabou pagando pela sua ingenuidade quando, depois de delapidado o património herdado, os credores lhe começaram a bater à porta para exigir o pagamento das dívidas do marido.

Três anos depois da morte de Jonas Marra já não sobrava um alfinete do seu património, nem um fio de amor de Megan por Alex.

Felizmente o perdulário tinha tido o bom senso de falecer prematuramente num acidente de carruagem. O que quase ninguém sabia, porque Megan tinha feito questão de esconder, era que Alex não estava sozinho quando a carruagem rolou ladeira abaixo.

Ter que admitir perante a sociedade que mais uma vez tinha sido traída com uma amante teria sido uma humilhação impossível de ultrapassar para Megan Marra.

Ela ainda era a filha de Jonas Marra, uma sobrevivente por natureza. Megan resolveu lutar com as armas que tinha à disposição.

Foi nessa época da sua vida que se começou a criar o mito da devoradora de homens, da estelionatária mais elegante de que Lisboa teve memória, de uma cortesã com requintes de gueixa e de mulher fatal.

Com a reputação já dilacerada, Megan nada mais tinha a perder. Os homens seriam tão tolos quanto ela tinha sido. E ela iria roubar de cada um tanto quanto conseguisse, de preferência até os deixar de cueca na rua, pedindo esmola.

Às vezes ela se cruzava com um ou outro espécimen raro, daqueles que quase se benziam na sua frente e aí ela ria dessas criaturas com crendices de aldeões.

Ela era uma deusa, não uma bruxa. E todos os homens se iriam prostrar aos seus pés, prontos para a servirem, sempre que ela tirasse um dos seus truques da sacola.

O único homem que tinha conseguido resistir aos encantos da loira era aquele que, naquele momento, pensativamente se debruçava sobre um livro de contas da plantação Avelar.

Davi tinha passado os dias anteriores pensando num plano para se livrar de Megan, mas ao ver o seu amigo tão derretido pelos desvelos da loira percebeu que não poderia jogar limpo.

A safada já tinha ocupado os seus aposentos na casa de Avelar e de cada vez que se ouvia o frufru do seu vestido arrastando pela casa, muitas cabeças se voltavam para apreciar o anjo loiro que sorria beatificamente para todos.

– ….. uma pausa para o café?

A voz de Ernesto acabou despertando o torpor de Davi, que estremeceu de susto:

– O que é que você disse?

– Calma, só estava perguntando se você quer fazer uma pausa e tomar café. - riu-se Ernesto, já completamente recuperado da gripe e trabalhando a todo o vapor. - Sabe do que você está precisando para não ser tão bundão? De. Um. Amor. - sussurrou brincalhonamente Avelar.

Como é que se rebenta a bolha de felicidade de uma pessoa querida? Davi cruzou os braços enquanto tentava encontrar as palavras certas:

– Ernesto, você não acha que as coisas entre você e a Megan avançaram rápido demais?

– O meu amigo, sempre tão céptico. - riu-se Avelar - Não. A minha Meguinha é tudo o que eu sempre sonhei. Uma princesa, sabe? Ela é uma fada do lar, calminha, gosta do aconchego da casa assim como eu e de uma vida tranquila. Ela e eu somos almas gémeas.

Davi temeu que a verdadeira Meguinha de Ernesto se tivesse extraviado na viagem, porque a Megan que Avelar descrevia não tinha nada a ver com a loira que causava um escândalo onde quer que se encontrasse.

O bom moço bem o podia afirmar com propriedade porque tinha presenciado cenas de bradar aos céus em Lisboa. Para ele Megan era um capeta em forma de gente, mas ponto para ela por ter conseguido criar uma imagem tão contrária na mente de Ernesto.

Nada como visitar o covil da loba para tentar descobrir os seus segredos. Quando no final da noite se despediram todos num tom cortês para se retirarem para os seus quartos, Davi deslizou pelas tábuas conhecidas do corredor até chegar no quarto que tinha sido destinado à loira.

Reduzido ao comportamento de um adolescente, Davi se ajoelhou para espreitar pelo buraco da fechadura. As velas do quarto ainda estavam acesas, o que lhe permitiu vislumbrar a femme fatal que já se tinha trocado e que, de roupão, se encontrava diante da penteadeira.

Menos mal, se ela ainda estava no quarto pelo menos não tinha tentado atacar Ernesto durante a noite.

Ele já tinha confirmado tudo o que tinha pensado confirmar, mas o seu corpo se deixou ficar estático esperando nem ele sabia bem o quê.

Megan deixou cair o roupão, revelando uma roupa íntima muito à frente do seu tempo e com muito menos pano do que o usual à época e o bom moço deixou sair um suspiro, tapando imediatamente a boca com a mão. Deus devia ter um sentido de humor muito especial para permitir que uma diaba como aquela tivesse um corpo tão bonito.

A referida diaba também tinha dado uma mãozinha à Natureza. Abrindo um pote fino, a loira colocou um pé sobre uma banqueta e, colocando um pouco de creme nas mãos, começou a massagear preguiçosamente a pele branca, desde o pé até à coxa, descrevendo pequenos círculos com movimentos lânguidos.

Davi acabou trincando com força o lábio inferior se sentindo um pervertido por estar apreciando aquele espetáculo, mesmo não tendo adquirido o ingresso.

Foi esse pensamento que lhe fez refrear os ânimos. Megan podia ser a mulher mais bonita que ele já tinha visto em toda a vida, mas ele sabia bem o que a movia.

Quando, anos antes, eles se tinham cruzado em Lisboa, Davi pensou que a sua falta de liquidez na conta bancária o colocaria salvo das garras da loira.

Toda a Lisboa sabia que os favores de Megan Marra nunca eram distribuídos com liberalidade a quem tivesse menos do que centenas de contos de réis para queimar.

Ele não tinha contado que ela o quisesse conquistar por um capricho. Pior, ele não tinha conseguido prever que aquela caçada pudesse ser tão interessante.

Megan podia ser uma diaba, mas era uma diaba culta, engraçada, divertida, com um sentido de humor que o fazia gargalhar, com uma mente tão arguta que…

Davi acabou interrompendo a sua linha de pensamento ao se sentir inundado pelas lembranças estimadas, resolvido a não acrescentar nem mais um adjetivo positivo ao carácter daquela maluquinha.

Ele pensava que tinha sido uma sorte ter conseguido resistir aos ataques da loira. No final, ele tinha conseguido embarcar imaculado para bem longe de Lisboa, sem que ela o tivesse conseguido levar para a cama.

Davi não tinha dúvida que Megan teria arranjado rapidamente outra companhia bem mais proveitosa para partilhar o leito. E por falar em leito…

Com o tempo que já se tinha passado desde que Davi tinha começado a discorrer em pensamento, mesmo que Megan fosse uma centopeia já teria tido tempo para massagear todas as pernas e se ter recolhido à cama.

Como se conseguisse escutar pensamentos alheios através de paredes, a loira acabou se colocando de costas, olhando para o espelho com uma profundidade, como se estivesse olhando para o buraco da fechadura diretamente atrás de si e conseguisse adivinhar um Davi escorrendo suor do outro lado da porta. Megan não conseguiu evitar um sorriso sacana quando piscou o olho para o espelho e soprou sobre as velas que a iluminavam. Aquela danadinha sabia que estava sendo observada!

Alguns meses passaram voando e a um mês daquele malfadado casamento Davi ainda não tinha conseguido se livrar de Megan. Em sua defesa, ele era demasiado bom moço para conseguir conceber um plano digno de vilão de novela, mas era como se a loira conseguisse antecipar todos os seus passos.

Pior, Davi já tinha percebido que ela se divertia como se aquilo fosse de novo um jogo de gato e rato entre eles. De entre o trio que residia naquela casa, Ernesto era quase um acessório. Os dias se passavam num quase flirt indecente entre a noiva e o melhor amigo de Avelar, cada um procurando o melhor ângulo de ataque sobre o outro.

O problema é que aquilo se estava tornando até divertido. Tão divertido que eles até quase se esqueciam do motivo que tinha iniciado aquela peleja. Tinha sido uma asneira terem passado tanto tempo debaixo do mesmo teto, porque agora eles começavam a pegar o jeito um do outro.

Uma visita inesperada veio interromper o rumo daquela história. Foi durante o café da manhã em casa de Ernesto e Davi que uma mulher recém- desembarcada de um navio veio desequilibrar a balança de poder, exigindo ser recebida por Avelar o quanto antes.

Mom? - reconheceu Megan quando Pamela entrou no cómodo onde eles se encontravam.

Tendo sido avisada do paradeiro da filha, Pamela tinha rumado a São Tomé com a esperança de dar também um rumo na vida de Megan.

O seu coração de mãe nunca tinha aceitado o estilo de vida da sua baby e, ao sabê-la prestes a casar de novo, dessa vez apenas por dinheiro, Pamela queria evitar aquele novo erro.

Mr Avelar, seria possível conversarmos num local a little bit mais privado? - perguntou Pamela, mesmo sentindo o olhar da filha a cilindrando.

Game over. Poucos minutos depois Ernesto Avelar foi informado por uma fonte irrefutável sobre as verdadeiras intenções de Megan para aquele casamento.

De resto a loira já se tinha evaporado mal Davi tinha virado as costas, distraído por aquela mudança súbita.

Deixando no escritório um Ernesto abatido, processando ainda toda aquela informação, Pamela se reuniu a Davi. Também ele merecia saber toda a verdade.

A mom de Megan fez questão de contar para o bom moço a verdadeira história da vida da filha, o que realmente a tinha levado a ser como era:

– Megan sempre foi uma menina frágil, you know?– concluiu Pamela, depois de contar toda a verdade sobre a sua baby para Davi - No fundo ela é uma good girl, só que o coraçãozinho dela foi tão machucado pelo Alex que ela se fechou.

Nem todas as ações de Megan tinham ficado moralmente justificadas, mas para Davi aquela conversa permitiu preencher muitos espaços vazios dentro da sua cabeça e ver Megan sobre uma nova perspetiva.

Please, Davi, não se afaste dela. - pediu Pamela, segurando no braço do bom moço - Deep down, Megan é apenas uma flor procurando uma chance para se abrir de novo. Do you understand?

Davi tentava entender, mas quando percebeu que um dos cofres da casa tinha sido arrombado e que a culpada só podia ter sido uma certa loira se sentiu traído.

Remexendo no cofre, percebeu qual sempre tinha sido o plano de reserva de Megan. Claro. A gaveta com os diamantes estava agora vazia.

Megan devia ter muita imaginação para pensar em se esconder numa ilha tão pequena quanto São Tomé, mas Davi saiu para a rua decidido a encontrá-la e recuperar os diamantes de Ernesto.

A caça pareceu acabar rapidamente quando o bom moço vislumbrou a loira ao longe distribuindo doces entre as crianças pobres na praça da cidade. Davi sorriu pensando que, afinal, a loira tinha mesmo um soft spot, como lhe tinha dito Pamela.

Contudo, bastou uma carruagem parar na sua frente, lhe bloqueando a passagem, para o bom moço perder novamente Megan de vista.

O único local para se saber de alguma coisa era a taberna junto ao cais, procurada por quem procurava partir da ilha. Quando a noite caiu sem Davi encontrar a sua fugitiva, foi para lá que o bom moço se dirigiu.

Colocando as mãos sobre o balcão, Davi esperava poder pedir auxílio à dona do estabelecimento. Com aquele faro para saber sempre tudo sobre todos, Verónica teria dado uma boa jornalista.

– Aí, menino. Cê não vai ter que ir muito longe, não. - riu-se ela quando Davi lhe perguntou por Megan - Essa loira está no pátio aqui de trás. - apontou ela, enquanto continuava a limpar os copos.

Foi para lá que Davi se dirigiu depois de agradecer a resposta.

Fogueiras improvisadas em barris iluminavam o espaço em que se encontravam os folgazões da cidade. A música improvisada corria alta, bem como o álcool fluía solto entre os foliões, ameaçando resultar num bacanal.

Defensor da moral e dos bons costumes, Davi estremeceu enquanto passava por entre aqueles corpos que dançavam com luxúria, até que viu sentada a uma mesa, bebendo pelo gargalo de uma garrafa, o seu objeto de procura.

Os bons costumes também tinham sido quebrados pela indumentária da loira. Colocando de parte as restritivas roupas europeias, ela envergava apenas uma blusa e saia de linho branco de uma transparência pouco decorosa, como se fosse o fantasma de uma autóctone.

– Cadê os diamantes, Megan? - atirou ele, quando se pespegou na sua frente.

Ela levantou os olhos humedecidos para ele, claramente já ébria, procurando usar o seu melhor tom de troça ensaiada:

Oh, my. E eu pensando que você tinha vindo atrás de mim porque eu te tinha enfeitiçado, silly boy.

Davi se sentou do lado dela, procurando em vão retirar-lhe a garrafa das mãos. Confuso, o bom moço segurou no queixo da loira:

– Aquilo que você fez na praça. Você está querendo me impressionar? –perguntou ele - Isso não vai funcionar, Megan.

Ela se inclinou sobre ele e Davi constatou que, mesmo com o álcool, o seu hálito continuava doce. Megan aproveitou a deixa para sussurrar no seu ouvido:

– Se eu quisesse te impressionar, te mostraria outros segredos meus que cê não conhece... Cê ia fica bobo!

Depois de lhe trincar o lóbulo da orelha e de o beijar no pescoço, Megan puxou por ele e Davi se deixou conduzir até perceber que ela o levava para dançar perto de uma das fogueiras.

Foi com convicção que ela colocou as mãos de Davi em torno da sua fina cintura e com ainda mais firmeza que ela enlaçou o pescoço do bom moço.

Eles se deixaram levar pelo perfeito encaixe dos corpos e Megan rodou dentro daquele abraço apertado, sentindo os braços de Davi a segurarem forte enquanto as suas costas roçavam no peito de Davi e ela sentia as respirações ficarem mais ofegantes com o ritmo crescente da música.

De resto muitas crianças podiam dever a sua existência a músicas como aquela, qual ritual de fertilidade de tempos idos, que obrigava os seus participantes a ondular em sincronia descendo até ao chão e subindo até ao céu.

Inebriado na sua sobriedade, Davi começou a fazer o que tinha vontade de fazer desde que tinha entrado naquele pátio e bateu o olho em Megan. O bom moço a apertou ainda mais quando segurou no queixo da loira para a voltar a sua cabeça para trás e a engoliu com um beijo de fazer corar.

Megan voltou para ele todo o seu corpo, se sentindo como se finalmente tivesse chegado em casa. Sorrindo dentro do beijo, a loira deixava voltar à tona a menina que ela tinha sido muitos anos antes.

– Quem é você, Megan? - perguntou um Davi com a voz embargada, quando soltou aquele beijo interminável.

– Depende do ponto de vista, silly boy. - respondeu ela, com as lágrimas querendo aflorar nos olhos.

– Os diamantes…- pediu o bom moço.

Of course, os diamantes…- comentou Megan, recuperando o controlo.

Bastou um deslize para Davi dar o espaço necessário para Megan lhe dar uma joelhada numa parte anatómica sensível e o deixar se contorcendo de dores no chão.

A loira não perdeu tempo e fugiu no mesmo momento. O pensamento de Davi foi o de que se ela corria assim completamente bêbada, Megan bateria todos os recordes de velocidade se estivesse sóbria.

Com todos os navios atracados, o bom moço tinha ainda uma boa suspeita do local onde aquela maluquinha se poderia estar escondendo, o que curiosamente era tema de conversa a algumas léguas de distância.

So, você tem plantações de cacau, Ernesto? - perguntava Pamela ao seu anfitrião.

Avelar tinha resolvido esquecer a invulgaridade de estar partilhando uma refeição com a mãe da sua ex-futura-esposa e ladra do seu património e, voltando a encher as taças de vinho, continuou aquela conversa tranquila.

– Sim. Mas não são só as plantações. - explicava o empresário - Tenho uma fábrica de transformação e exporto muito do chocolate que vocês consomem lá em Lisboa.

– So é a você que tenho que agradecer o fato de ter engordado tanto nos últimos tempos! - brincou Pamela, dona de uma figura capaz de fazer inveja a jovens com metade da idade.

Ernesto acabou gargalhando como já não gargalhava fazia muito tempo. Pamela era uma companhia absolutamente deliciosa, de uma sinceridade e tranquilidade que o faziam querer mantê-la ali tanto tempo quanto conseguisse. Talvez….

Tinha sido mesmo na fábrica de chocolate Avelar que Megan se tinha escondido. Ela só tinha que aguentar até ao amanhecer. Com os diamantes não seria muito difícil subornar um capitão para embarcar de volta a Lisboa.

Sem sono, ela passou o polegar pelos lábios, sentindo ainda o sabor de Davi na sua boca. Felizmente o filho da mãe não se tinha apercebido da comoção que aquele beijo tinha causado na loira.

Ela quase tinha acreditado que o bom moço podia sentir algo de verdadeiro por ela, tal como ela sabia que estava sentindo algo por ele, mas como Megan tinha aprendido até os beijos mais apaixonados podem ser fingidos.

– Megan, devolve os diamantes. - pediu um recém-chegado à fábrica.

Davi estava aprendendo depressa a descobrindo em dois tempos e a tinha deixado sem saída aparente.

Or what?– perguntou ela sorrindo enquanto bolava um plano.

Megan empurrou Davi para uma das tinas de chocolate do andar inferior, mas acabou caindo também quando o bom moço a puxou pelo braço.

Enterrados até ao peito naquela mistura pouco fluída, a loira começou a gargalhar com a situação. Megan só pensava que aquela camisa florida horrorosa que Davi envergava (uma de entre uma coleção enorme) devia mesmo ter como destino ser afogada numa tina de chocolate.

O bom moço nem tinha noção do quanto ele precisava que alguém tomasse conta dele.

Davi gargalhou também sem outro motivo aparente que não fosse aquele riso delicioso de Megan.

– Os diamantes, Megan….- recomeçou ele.

Right, os diamantes… - repetiu ela, subitamente séria.

Segurando as mãos dela debaixo daquela pasta viscosa, Davi a impediu de continuar:

– Megan, me escuta: a gente precisa devolver esses diamantes para o Ernesto. Depois, nada mais te liga a ele e a gente pode começar de novo. Juntos.

Seria possível ela estar ouvindo aquilo? Depois de tudo, Davi queria mesmo ficar com ela?

A loira achava ter já esgotado todas as suas chances, mas por vezes bastam seis palavras para mudar uma vida:

– Megan, me deixa cuidar de você….

Durante o resto daquela vida Davi Reis não faltou àquela promessa.

São Tomé e Príncipe, 10 meses depois

Alguém se tinha esquecido de fechar a porta do Inferno. Só podia ser a única explicação para a temperatura diabólica que se fazia sentir na ilha, mesmo quando caía a noite.

O calor era tanto que Davi não aguentou mais e acabou arrastando o colchão da cama até à varanda, esperando que o sereno da noite não fosse tão insuportável quanto o ar abafado do interior da habitação.

O bom moço acabou mostrando o quão prendado era, acabando rapidamente de arrumar a cama, mas foi derrubado pela loira que se atirou em cima dele.

Oh, my. Você mudou mesmo. - riu-se ela, sentada em cima de um Davi deitado - Já nem aguenta a little bit de calor? Te mudei mesmo, silly boy.

O silly boy acabou revidando, virando o jogo, ao mesmo tempo que virava a loira espevitada em cima daquela cama.

Segurando as mãos de Megan acima das suas cabeças, Davi se inclinou para beijar de um modo casto o dedo da loira que exibia a aliança de casamento e para depois fazer descer beijos nada inocentes desde o pescoço da nova senhora Reis, seguindo a direção do sul.

– Você é que mudou. - comentou o bom moço, levantando com malícia de garoto a saia da esposa - Eu fiz de você uma mulher séria.

Ela riu enquanto o ajudava a tirar a camisa azul:

My love, eu posso ter casado com você, mas ainda está para nascer quem faça de mim uma mulher séria.

– Vou morrer tentando? – perguntou o bom moço, quando acabou de arrancar o espartilho da esposa.

Ela riu, deixando transparecer na face o brilho de uma alegria sincera:

No, silly. Você vai ser feliz tentando.


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Notas finais do capítulo

Who Hoo! Já só falta um capítulo para “me livrar” de Megavi :P 



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