Megavi - Outras Vidas escrita por Joana Guerra


Capítulo 5
1832 – Um coração cheio de amor


Notas iniciais do capítulo

Mais uma vez obrigada à Daiana Caster por ter favoritado. O título para este capítulo foi retirado de uma canção do musical Les Miserables (A heart full of love), mas à boa maneira Megavi vamos dar uma guinada nessa história. A música tema para o capítulo é Do Amor e da Guerra, da Adriana Mezzadri, o que cria um momento meio Inception para a fic . Aviso à navegação: vai aparecer um encosto.



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“Sigo os passos do herói sobre a Terra

Sigo os passos do homem bom

O teu rastro é bandeira de guerra

Minha casa, minha lei, minha fé

Teu amor me arrasta perdida

Nave solta no imenso mar

Peleando batalhas e vidas

Nascidas pra te encontrar

Fogo,luz que incendeia os corações

De guerreiros e amantes vem”

(Adriana Mezzadri, Do Amor e da Guerra)

Paris, 1832

O pico do combate já durava há muito tempo. De um lado da barricada, aguentando precariamente a carga policial, estavam singelos estudantes que estavam muito mais à vontade a lutar empunhando uma pena de escrita do que propriamente uma baioneta assassina.

Eram apenas um punhado de jovens republicanos idealistas que julgavam ser muito fácil mudar o mundo e que tinham conseguido aguentar aquela pequena rebelião, frente às tropas governamentais do Rei.

Paris já não era uma cidade sol, mas uma cidade sombra. Longe dos esplendores de muitos anos antes, a capital era agora um espectro cinzento e enlameado dos seus tempos áureos, existindo num equilíbrio precário de subsistência forçada.

O limite já tinha sido atingido muito antes quando a falta de comida por conta de colheitas destruídas e o aumento exacerbado do custo de vida lançaram muita gente no limiar da pobreza, lutando todos os dias para sobreviver e ver um amanhã melhor.

Contudo, a epidemia de cólera que grassou na primavera de 1832 e matou dezenas de milhares de pessoas na capital, incluindo figuras amadas pelo povo, foi a gota de água.

O funeral do general Lamarque, o último grande defensor dos direitos do povo, foi o rastilho que levou um grupo de jovens a barricar-se nos bairros do coração de Paris, exigindo a mudança do regime.

Na bandeira revolucionária tinham adotado a cor vermelha, talvez uma premonição inconsciente do sangue que estava para ser derramado, o que ficou bem patente no mote que adotaram: “Liberdade ou Morte”.

Aqueles jovens estariam talvez se esquecendo que ainda não tinham tido tempo para compreender o conceito de mortalidade. Quem é jovem se esquece facilmente que não vai viver para sempre. Muitos daqueles jovens nunca entenderam que, por terem tomado parte daquela rebelião, não iriam viver nem mais um dia.

Na linha da frente, lutando com uma espada enferrujada, estava Davi Reis, um dos principais líderes e instigadores do partido Republicano. Originário de Marselha, ele se tinha mudado para a capital para estudar Direito, crente de que seria assim que iria criar um impacto positivo no mundo, ajudando os mais desfavorecidos.

O que ele não tinha dito a ninguém era que, apesar de órfão, ele tinha à sua espera uma boa herança dos seus burgueses pais. Luz e sombra, Davi tinha dentro de si vários “eus”, ainda que o mundo só enxergasse um deles.

Um líder por natureza, o estudante tinha conseguido agregar diferentes tribos, mostrando-lhes um objectivo em comum, uma luta a vencer.

Tinha parecido uma decisão lógica a de se tornar noivo de Manuela, a líder de uma organização de oposição ao Governo. Eles pensavam da mesma maneira, tinham os mesmos objetivos e Manu era uma oradora brilhante.

Ficaram célebres as intervenções públicas da morena, estudadas ao milímetro para causar impacto na imprensa, em que ela discursava filosoficamente sobre a luta pelos direitos do povo, não escondendo o pequeno sorriso quando percebia o olhar de admiração que os outros lhe votavam.

O braço direito de Davi era o seu melhor amigo, Zac. Inseparáveis, apesar das diferenças de personalidade, os dois tinham juntado forças quando começaram a distribuir panfletos de propaganda contra as políticas da Monarquia.

Só que onde Davi era impetuoso, agitado e cabeça quente; Zac era calculista, mantendo sempre a cabeça fria em qualquer situação. Foi muito difícil ao jovem Reis conseguir convencer o seu melhor amigo a tomar parte naquela ação tão radical. Reticente, Zac acabou aceitando, mesmo indo contra os seus princípios de calcular todos os cenários pessimistas possíveis e as suas probabilidades.

Nem Zac teria conseguido prever a tragédia de se iria desenrolar. De um modo inocente e crédulo, Davi tinha acreditado que, uma vez que o povo parisiense soubesse da rebelião, eles se juntariam em grande número para ajudar os estudantes revoltosos.

Davi se tinha esquecido da natureza humana, que coloca o instinto de sobrevivência em primeiro lugar. Ninguém veio em socorro deles.

Dois dias depois, à sua volta o bom moço já só via morte e miséria. Tantos jovens na flor da vida lutando e morrendo por um ideal inalcançável.

Durante o calor da batalha, quando parecia que já todos tinham desistido, mesmo diante dele Davi viu um jovem franzino, demasiado pequeno para as roupas que envergava e que correu para voltar a levantar a bandeira revolucionária que tinha caído. Com o boné colocado e inclinado para a frente, apenas alguns fios de cabelo loiro que se escapavam denunciavam quem era o herói anônimo.

Reanimados pelo gesto, os revolucionários começaram a cantar o seu hino e se reposicionaram atrás da barricada, prontos para resistir a uma nova investida.

Às vezes a esperança é sol de pouca dura. Horas depois, os soldados do exército já tinham voltado a ultrapassar a barricada e lutavam corpo a corpo com os rebeldes.

Um dos primeiros a ser atingido mortalmente foi Zac, esventrado por uma baioneta inimiga, sob o olhar horrorizado de Davi.

O que mais doeu no bom moço foi ver o olhar de Zac. Se os olhos são o espelho da alma, também são uma voz que fala volumes mesmo quando tudo em volta está silencioso. Aqueles olhos azuis profundos do amigo de Davi falavam de arrependimento e atribuíam culpas infundadas.

O último pensamento de Zac, antes de ser engolido pela escuridão, foi o de que a culpa da sua morte era toda de Davi. Se ele não tivesse confiado nas certezas infantis do bom moço, ele nunca se teria metido naquilo e não teria perdido a vida.

Um dia, aquelas contas entre Zac e Davi teriam que ser saldadas.

Admitindo no seu íntimo uma derrota pesada, Davi procurou com os olhos os seus aliados, pronto a levantar a bandeira branca para os salvar.

Ele estava em dívida para com o garoto que ele tinha levado com ele. Vicente, criado na pensão onde Davi morava, era pouco mais do que uma criança, mas o bom moço nem tinha pensado nisso quando o convidou para se juntar a ele na manifestação.

Contudo, Vicente tinha já desaparecido no meio da confusão e nem Davi sabia a sua localização, nem se estava ainda vivo ou não.

Os moradores da pensão se tinham tornado no que Davi mais próximo tinha de uma família. Apenas a filha maluquinha dos donos o deixava fora de si com aquilo que ele considerava loucuras de menina mimada.

Davi tinha vontade de lhe dar umas boas palmadas quando ela se lembrava de tocar piano às duas da manhã ou se pendurava no pescoço dele de dois em dois minutos, mas todos os outros tinham uma verdadeira adoração pela loira.

Por outro lado, Vicente, o mais jovem morador da pensão, se tinha rapidamente tornado num grande amigo e Davi nunca se perdoaria de algo de mal também lhe acontecesse.

O bom moço virou as costas para procurar Manuela, que se tinha escondido desde cedo, mas acabou tombando quando foi atingido por uma coronhada na parte posterior da cabeça.

Caindo desamparado no chão num baque seco, ele levou a mão à cabeça, e a palma da sua mão imediatamente ficou marcada pelo sangue rubro que saia da ferida aberta.

Com a visão afetada, ele ainda conseguiu descortinar a figura de Manuela, escondida atrás de uma carroça a poucos passos de distância e esticou o braço, num pedido mudo de ajuda, esperando que ela corresse na sua direção e o puxasse para um local seguro.

Manuela acabou ajudando….. a si mesma. Vendo ali uma brecha para conseguir escapar à prisão ou pior, ela correu como se não houvesse amanhã, deixando para morrer amigos, companheiros e o amor da sua vida.

Aquele gesto doeu mais em Davi do que mil balas no seu coração e ele desistiu de se tentar salvar. Um polícia levantou a baioneta para acabar com ele de uma vez e Davi, se esvaindo em sangue, se preparou para morrer.

De súbito, alguém bateu com força com uma pá no polícia que caiu duro do lado do bom moço.

Olhos de borboleta que choravam surgiram quando o boné caiu, revelando uma face conhecida e uma cascata de cabelos loiros compridos. O instinto da loira lhe ditou aquilo que tinha a fazer para parar a hemorragia e ela se sentou, colocando a cabeça de Davi no colo, enquanto verificava se ele tinha mais feridas.

– Megan…- reconheceu o bom moço, julgando estar a alucinar – O que é que você está fazendo aqui, sua doidinha? Vai embora antes que você se magoe. Essa luta não é sua….

Continuando a ouvir os gritos aflitivos daqueles que morriam à sua volta, ela não conseguiu evitar continuar a chorar e as lágrimas acabaram derramadas sobre Davi.

Percebendo que nunca teria força para conseguir mover o corpo do bom moço até um local seguro e sabendo que nunca conseguiria viver sem ele, ela correu os dedos pelos cabelos de Davi, recuperando a calma com uma última confissão:

Oh, you silly. A sua luta sempre foi a minha luta também…

Prestes a perder a consciência, o bom moço se deixou embalar por aqueles carinhos delicados, beijando inconscientemente as mãos que o afagavam.

– Fica aqui comigo até que eu….- pediu ele já de olhos fechados.

– Fico. Estou aqui com você, my love. – respondeu ela com a garganta apertada.

Megan Lily Blois tinha um pai francês, uma mãe inglesa e um coração do tamanho do mundo.

Habituada desde pequena a conhecer gente de todos os pontos cardeais, por ter crescido na pensão dos pais, ela tinha aprendido a ver muito mais longe do que a vista alcançava.

O seu pai Jerôme tinha um negócio de compra e venda de vinhos, a sua avó Berènice comandava uma cozinha como ninguém e a sua mãe Pamela tratava da restante logística da pensão.

Megan chegou na adolescência sem saber muito bem que lugar ocupar dentro daquela hierarquia, mas como o seu pai lhe dizia muitas vezes, ela sabia que só tinha de dar tempo ao tempo para encontrar o seu caminho, o seu papel.

Mesmo assim, a loira sofria bastante com a terrível necessidade que as restantes pessoas tinham de categorizar todo o mundo, como se os serem humanos fossem folhas de papel bidimensionais.

Megan era muito mais do que a bad girl encrenqueira ou a tolinha que gostava de festas e vestidos bonitos. Ela era a sua própria pessoa, um mapa tridimensional em construção; coração, carne e sangue que pulsavam num ritmo muito seu, mas que tocavam com a benevolência de uma fada todos aqueles com quem se cruzava.

Movida pela procura de um amor que ela sabia que iria acabar por encontrar, Megan tinha o defeito de ter por hábito se apaixonar às terças para se desapaixonar às sextas. O seu ponto fraco costumavam ser os músicos, essa raça com a volatilidade de um catavento.

Tudo mudou com a certeza da inevitabilidade do destino quando um estudante de Direito se mudou para a pensão.

Davi Reis era completamente diferente dos bad boys que eram usualmente o alvo da loira. Para variar, ela queria um bom moço. Pela primeira vez, ela se tinha apaixonado de verdade e sentia crescer dentro dela o tal amor que seria para sempre.

Quando estava sozinha no quarto, Megan gostava de escrever várias vezes no seu caderno secreto, usando a sua caligrafia de colegial, o nome que era simultaneamente uma esperança para o futuro:

– Megan Lily Reis. Megan Reis. I like it! – repetia ela em voz alta, sorrindo, fechando o caderno e abraçando a almofada como se fosse já Davi nos seus braços.

Não escaparam aos outros a mudança que se estava operando dentro de Megan Lily. Se numa outra garota o amor se transformaria numa luminosidade de lanterna chinesa, em Megan o amor se transformou numa explosão de fogo de artifício.

“Menos Megan e mais Lily, my love” – aconselhava uma apreensiva Pamela, mesmo sabendo que a sua sugestão iria cair em saco roto.

A loira era fogo em brasa, o que assustou Davi que fugia correndo da impetuosidade de Megan. Ela era fogo que aquecia numa noite de Inverno, mas Davi só via um incêndio que o devoraria sem piedade.

A sua avó Berènice morria de rir com o jogo de gato e rato entre Megan e Davi, mas mesmo ela parou com isso quando percebeu a seriedade dos sentimentos que a neta nutria pelo estudante.

Com a sabedoria da idade, a senhora percebeu que Megan se tinha encontrado.

Um dia, passando por uma das praças da cidade, Megan viu o trio maravilha que discursava sobre um palco improvisado em cima de caixas de sabão de Marselha. Naquele momento era Manuela quem discorria sobre os direitos dos idosos.

A loira apenas revirou os olhos, encolhendo os ombros em tom de troça revoltada enquanto segurava as cestas cheias de pão e queijo.

Manuela podia ser muito boa a fazer discursos inflamados, dizendo por palavras bonitas aquilo que o público gostava de ouvir, mas na hora da verdade era incapaz de fazer algo pelo seu semelhante.

Por muito que ela advogasse publicamente a partilha de recursos e o auxílio aos mais pobres, nunca Manuela tinha tido a decência de doar nem um franco da sua generosa mesada para as diversas obras de caridade pelas quais dava a cara.

Megan já tinha visto Manu recuar com nojo perante um velho pedinte que lhe pedia auxílio para poder ver um médico e acabou mesmo sendo a loira a pagar a conta do clínico às escondidas de todos.

O sorriso daquele idoso recuperando ao ser cuidado por ela foi a melhor paga que Megan podia ter tido.

Pelos vistos era mais importante parecer do que ser.

Despertando-a da sua revolta interior, já Vicente a puxava pela saia, para a levar para as traseiras do edifício:

– Vem, bad girl. Já tem um monte de criança te esperando.

Ela podia não ter uma educação esmerada como Manuela, Zac ou Davi, mas tinha instinto, força de vontade e mais importante, a capacidade de amar o próximo.

O coração de Megan se apertava quando percebia que a quantidade de comida que trazia era insuficiente para distribuir pelo número crescente de crianças que a procuravam e eram lágrimas amargas que se afloravam nos olhos da loira.

Por muito que ela doasse, nunca lhe parecia ser o suficiente. E aqueles olhos inocentes esfaimados que a encaravam, indefesos perante um mundo cruel, eram adagas num coração demasiado sensível.

Então, ela ia colocando as crianças no colo, uma de cada vez, as beijando na testa e inventava contos de fada sobre banquetes de príncipes e princesas enquanto distribuía o pão, fazendo também o milagre da multiplicação.

Subitamente as palavras da loira conseguiam enfeitiçar todas aquelas crianças como uma flautista de Hamelin e elas conseguiam imaginar que estavam no baile do palácio real, vestidos de seda e brocado, comendo as melhores iguarias do mundo.

Sorrindo, todos aqueles filhos sem mãe se sentiam felizes com aquela mãe sem filhos, retribuindo com carinho todos aqueles desvelos da loira.

Desembaraçada, Megan improvisava com o que tinha à mão uma aula de alfabetização. Se ela conseguisse mudar a vida de nem que fosse apenas uma daquelas crianças, ela mudaria o mundo.

Pegando um cabo de vassoura esquecido, a bad girl desenhava no chão empoeirado as primeiras letras do alfabeto, sendo imitada pelos mais pequenos.

Por muito que fosse agradável ouvir discursos bonitos, era na ação pacífica que ela tinha encontrado a forma de efetivamente ajudar.

Mesmo doendo ao saber que Davi a considerava uma tonta, Megan nunca desistiu de o tentar acompanhar da forma que conseguia.

Quando ela percebeu a loucura que ele queria cometer depois do funeral de Lamarque, Megan não aceitou aquilo que era na certa um suicídio e irrompeu pelo quarto de Davi quando ele tinha acabado de sair do banho.

– Você é maluca?- perguntou ele, ajeitando a toalha para manter a modéstia.

Querendo atirar a referida modéstia pela janela, Megan se mantinha agitada de preocupação por ele:

Please, Davi. O que você quer fazer não vai funcionar e você vai ficar sozinho.

Espantado com o conhecimento de espia de guerra que Megan demonstrava, ele levantou o sobrolho em tom de surpresa:

– Como é que você sabe que…. Megan, você não tem nada a ver com isso. E eu vou ter a Manuela do meu lado.

Controlando a vontade de abanar aquele cego figurativo, Megan o agarrou pelos ombros, tendo vontade de lhe berrar na cara:

– Davi, trust me. Você vai se dar mal por causa da sua sweet Manuela. Você tem que abrir o olho. Essa garota é esperta. Ela pensa nela, não em você.

Atribuindo aquele discurso aos desejos não cumpridos de uma menina mimada, Davi retirou as mãos da loira de cima dele, baixando o tom de voz:

– Megan, me escuta: eu não quero te enrolar. Eu estou gostando da Manuela de verdade. É com ela que eu quero ficar.

Não era possível que ele fosse tão estúpido. O que doía em Megan já nem era o fato de ele não a conseguir enxergar por quem ela era. O que realmente doía era ver aquele silly boy caminhando para a forca sem o saber, se julgando protegido por uma vira-casacas.

Antes de bater a porta com força ao sair do quarto, Megan tentou fazer entrar à martelada na cabeça de Davi a certeza que ela já tinha do que ia ocorrer.

– Você vai ver o que vai acontecer. Ela vai te chutar. Like that!– disse ela, exemplificando o gesto.

Megan não era pessoa para ficar em casa remoendo sobre a estupidez daquele tonto. Ela amava demasiado aquele silly boy. Se disfarçando com as roupas do pai, a loira se juntou aos revoltosos do outro lado da barricada.

Querendo Davi ou não, ela ia lutar por ele e do lado dele, mesmo que o bom moço nunca o soubesse.

A loira devia ter o dom da premonição porque tudo o que ela tinha vaticinado ocorreu. A rebelião nunca teve hipótese. Muitos morreram. Manuela fugiu e deixou Davi para morrer sozinho.

Com Davi desacordado nos seus braços e a batalha que prosseguia à sua volta, Megan se lembrou nas canções de ninar que a sua mom lhe cantava quando ela era pequena. Aquilo não lhe parecia ser o fim, apesar de ela ter a consciência que todos os caminhos a teriam levado até ali. O seu lugar sempre tinha sido do lado de Davi, independentemente das circunstâncias.

Um polícia armado levantou um braço e correu na direção deles e beijando a testa do bom moço, Megan pediu silenciosamente desculpa pelo sofrimento que estava prestes a causar à família.

De olhos abertos, ela manteve a cabeça elevada. Se ia morrer ali, ia morrer com a dignidade intacta.

As lágrimas voltaram a brotar-lhe dos olhos quando reconheceu o polícia disfarçado.

Quando Vicente identificou Megan entre o grupo de revoltosos e percebeu que aquilo tinha tudo para acabar mal, correu por entre os espaços abertos até chegar na pensão e avisar Jerôme.

Aquele gigante loiro francófono se derreteu ao tamanho de uma criança ao entender o perigo em que a filha se tinha colocado. Toda a família Blois tinha estado numa situação de pânico, por desconhecer a localização de Megan durante aqueles dois dias e, sem avisar a esposa ou a mãe, Jerôme foi buscar uma arma e se preparou para resgatar a filha, deixando Vicente a salvo na pensão.

Com o seu porte, foi-lhe relativamente fácil assaltar um polícia e roubar uma farda para entrar nas barricadas. Foi mesmo no limite do tempo. A sua boneca loira estava em campo aberto, indefesa perante o mundo.

Papa… - reconheceu ela com a voz embargada.

– Vai ficar tudo bem, chérie. - a consolava ele - Vou te levar para casa.

Era uma coisa tentar passar pela barreira simulando que Megan era uma prisioneira, mas ninguém acreditaria num polícia que tentasse preservar a vida de um criminoso moribundo.

– Lamento, chérie, mas não vai dar para passar pela barreira com o Davi. - tentou explicar Jerôme.

Apertando com vontade o bom moço adormecido, Megan tinha no olhar a força incomensurável que a ligação inquebrável a Davi lhe dava. Onde um fosse, o outro iria também.

– Eu não vou a lado nenhum sem o Davi, mon pére. – declarou ela, desarmando Jerôme.

Sorrindo, o mais velho dos Blois percebeu que a sua petite fille, já nem era tão pequena, já nem era só dele. Megan já tinha entregado o coração a outro. Jerôme não teve coragem para deixar morrer o que já era uma parte importante do seu tesouro. Ele daria um jeito.

Quando Davi acordou parecia que estava saindo simultaneamente de um sonho e de um pesadelo intermináveis. Nem ele sabia dizer quanto tempo ou quantas vidas se tinham passado até aquele momento.

Dentro da cabeça dele pareciam existir ainda muitas vozes. Uma delas, a principal, cristalina e doce, tinha sido a que o tinha guiado durante aquele tempo, lhe mostrando o caminho de volta. Flashes de imagens de um anjo loiro limpando as suas feridas, o alimentando e velando o seu sono lhe correram pela cabeça, mesmo sem saber de que época eram aquelas memórias.

Ele ouviu ainda uma outra voz, longínqua como a de um fantasma, que lhe dizia ser aquela a sua segunda oportunidade e foi isso que o fez despertar definitivamente.

Apenas uma pequena claraboia deixava entrar luz naquele minúsculo cômodo cheio de garrafas, que Davi não conseguiu reconhecer. A inclinação e a profusão da luz indicavam ser o início de um novo dia e o bom moço se virou no catre, reconhecendo a sua enfermeira, que dormia profundamente do seu lado.

Era como se fosse a primeira vez que estivesse vendo Megan. Sorrindo, mesmo com uma dor de cabeça monumental, o bom moço passou os minutos seguintes estudando aquele rosto de uma beleza clássica, diante de si.

Mesmo desacordado, ele tinha ouvido todas as conversas entre os membros da família Blois. E tinha ouvido Megan. Tinha sido por estar reduzido ao sentido da audição que ele tinha conseguido enxergar a verdadeira Megan. Se tinham quebrado todos os espelhos da ilusão e Davi tinha encontrado um coração pelo qual valia a pena lutar. O coração daquela loira maluquinha que começava a despertar.

– Acordou bem? - perguntou ela, feliz ao vê-lo finalmente recuperar a consciência.

– Parece que tem um bombo batendo dentro da minha cabeça. - brincou ele, franzindo o nariz e a testa.

Ela acabou rindo também. Tinham sido muito aflitivos aqueles dias, sem saber se Davi iria recuperar completamente ou não.

E agora ele estava de volta. Sem saber em que pé estaria a relação entre eles a loira fez tenção de se levantar, mas Davi a segurou pelo braço com uma força surpreendente para quem, dias antes, estava às portas da morte.

Relax, papa usa essa sala para fazer contrabando de vinho. Ninguém te vai encontrar aqui. – explicou ela, com os olhos na boca do bom moço - Quando você estiver recuperado, você pode ir embora. Don´t worry, eu não vou like, te atacar.- riu-se ela, para quebrar aquele clima.

Davi compreendeu que a última coisa que ele queria era ir embora. Ele queria ficar pela eternidade ali, no meio daquelas mobílias velhas e daquele vinho de contrabando, desde que continuasse na companhia daquela loira fenomenal. Não só era fácil se apaixonar por Megan, como ele percebeu que já o tinha feito, mesmo sem se ter apercebido disso.

Megan não era um ídolo com pés de barro ou uma deusa ilusória distante. Ela era fonte de amor e de calor, capaz de brigar como um animal feroz por quem amava ou de se comover até às lágrimas com os pequenos momentos da vida.

Misto de menina e de mulher, Davi a queria proteger e apoiar, sabendo que também ele seria protegido e apoiado por ela. Ele conseguia ver um novo caminho diante de si, desde que Megan quisesse caminhar do lado dele.

Afastando o cabelo que tinha caído sobre a face da loira, Davi a puxou para ela se deitar de novo com ele e sorrindo, se encostou nela.

– Fica aqui comigo….- pediu ele com um fio de voz, temendo uma resposta negativa por parte de quem ele tinha magoado tanto.

Megan sorriu também, porque essa é a resposta natural quando um sonho se torna em realidade. Entrelaçando as pernas com as de Davi, ela se inclinou sobre o bom moço, criando uma memória mental daquele momento antes do primeiro beijo entre eles.

O primeiro de muitos porque já só havia uma resposta que a loira poderia dar àquele pedido de Davi:

– Fico. Eu poderia ficar para sempre aqui com você, Davi Reis.


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Notas finais do capítulo

Outras Vidas vai entrar em hiato. Não estou a conseguir postar com a regularidade com que gostaria e estou lenta para caramba para conseguir escrever. Volto logo que possível, ou que os surtos de madrugada regressem :)
Se não me esqueço de Megavi, muito menos me vou esquecer de quem tem acompanhado a fic. MUITO OBRIGADA A TODOS!



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