Alguém Como Você escrita por Belyhime


Capítulo 5
Capítulo V - Dancing On My Own




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/637641/chapter/5

Sakura logo escutou os gritos desesperados e incessantes da prima do outro lado da porta. Colocou as mãos sob os ouvidos e fechou os olhos com força. Não queria ouví-la, não queria vê-la, não queria lembrar que ela existia. Ela foi uma das culpadas por toda sua desgraça, então não, não abriria de forma alguma aquela merda de porta.

 Sakura! Sakura!

Seus soluços ficaram ainda mais incontroláveis e recorrentes. Deuses! Como doía. A voz de Tomoyo invadindo sua mente misturada as imagens horrendas daquele sonho maldito faziam sua cabeça latejar como nunca. Apertou ainda mais as mãos nos ouvidos, mas não adiantou, nada adiantaria. Tomoyo continuaria gritando com ela, sua mente continuaria lhe pregando peças com cenas daquele pesadelo e sua vida continuaria sendo a bosta que se tornou.

Então, gritou em plenos pulmões.

 Vá embora, Tomoyo. Vá embora!

Ela não foi. Desgraçada. Custava lhe deixar em paz naquele momento? Ajudar a destruir a sua vida já não foi o suficiente? Tomoyo não parou de gritar, nem sequer deixou de bater na porta. Abriu os olhos e a sua visão ficou turva por um momento, resultado das inúmeras lágrimas que já caíram e as que estavam se formando em seu globo ocular. Sentia a cabeça girar pela tontura que sentia. Aos poucos a imagem de seu quarto ficou nítida, e o barulho irritante do seu relógio informou-lhe que passava das três da manhã.

 Sakura, abra!

 

Escutava Tomoyo batendo fortemente na porta enquanto gritava, se possível, ainda mais alto. Eriol também a chamava, mas não tão eufórico quanto a prima. Sakura já estava ficando farta daquilo. Na verdade, já estava farta de um bocado de coisa naquele lixo de vida. Tomoyo não era o maior dos seus problemas.

O maior dos seus problemas era que nada estava certo, nada estava em seu devido lugar, nada estava nos trilhos. Sim, trilhos… Sua vida era como um trem que ficou inoperável durante muitos anos e quando voltou a funcionar, não foi capaz de se carrilar nos novos eixos. As rodas estavam completamente enferrujadas e os trilhos eram de uma nova forma e tecnologia. Conclusão: o trem que representava sua vida estava completamente descarrilhado e sem possibilidade de manutenção e melhoria. Riu de forma angustiada ao pensar que realmente se sentia assim, como um trem velho fora dos trilhos novos.

Sakura, por favor…. por favor, abra… Sakura…

A voz agora baixa de Tomoyo a fez voltar a sua realidade. Encarou a porta, ainda com as mãos sob os ouvidos. A prima já não gritava, na verdade agora ela só pedia de forma calma e controlada para que ela destrancasse a porta. Reparou que as batidas também diminuíram. Abaixou lentamente as mãos, ainda atenta a qualquer sinal de Tomoyo.

Sakura ergueu a cabeça e olhou para a linha do horizonte através da janela do seu quarto, era possível observar um neblinoso manto que recobria a bela madrugada de Londres. Lembrou-se de certa noite em seu dormitório na faculdade Tomoeda-Tóquio, enroscada ao tórax nu de Syaoran, confidenciou que um dia gostaria de conhecer não só a Europa inteira, mas sim viajar pelo mundo e desvendar todas as suas singularidades. Como resposta, ele riu e lhe disse que na medida do possível, fariam isso juntos.

Mas nem em seus pesadelos mais ínfimos imaginou que conheceria aquela cidade tão bonita em uma situação tão inacreditável e penosa. Jamais imaginou que conheceria as ruas de Londres vindo ou indo de um hospital ou ambulatório. Jamais imaginou que perderia sua filha, sua vida e sua identidade vinte anos mais tarde em um lugar no qual ela quis tão bem em um passado tão vivo em sua mente.

Abraçou-se, ainda encarando aquela neblina fina que cobria o breu daquela noite tortuosa. Imagens de Nadeshiko nos braços de Syaoran ensanguentada invadiram sua mente e sentiu um bolo gigantesco em sua garganta. Jogou a cabeça para trás e sentiu a madeira da cama lhe limitar. Inferno! Mil vezes inferno! Apertou ainda mais os braços em torno de si, dobrou os joelhos e apoiou a cabeça sob eles enquanto tentava a todo custo segurar as lágrimas que brotavam em seus olhos bonitos. Desejava acordar de tudo aquilo, desejava despertar daquele pesadelo que era a sua realidade, desejava sua filha de volta, desejava Syaoran de volta, desejava uma vida pacata em Hong Kong com a sua família, desejava ter podido ver a sua filha crescer e fazer a sua vida, desejava poder ter tido a oportunidade de se sentar em uma cadeira de balanço ao lado de Syaoran e segurar-lhe a mão quando ambos estivessem velhos.

Abriria mão de conhecer qualquer lugar, abriria mão de qualquer luxo apenas para tê-los de volta. Abriria mão da sua própria vida apenas para dar a oportunidade de Nadeshiko viver a dela. Por fim, sabendo que infelizmente a ciência ainda não tinha tecnologia para rebobinar o tempo, desejava sumir, morrer, ou qualquer coisa que lhe tirasse desta órbita chamada consciência.  

Escutou a porta abrir em um estalo, assustou-se ao ver o semblante transtornado de Tomoyo vindo ao seu encontro. Levantou-se da cama em um pulo.

— SAIA! - Antes que Tomoyo a alcançasse, pegou-a pelos braços e praticamente a arrastou até a porta. -  Saia JÁ daqui! SAIAM OS DOIS! - Gritou tanto para Tomoyo quanto para Eriol.

— Sakura acalme-se, vamos conversar… olhe o que você está fazendo. – Tentou argumentar Tomoyo, enquanto tentava segurar os ombros de Sakura na tentativa inútil de a acalmar.

Sakura bateu nas mãos de Tomoyo, impedindo-a de tocá-la. Gritou mais uma dúzia de vezes para sumirem de seu quarto e a deixarem em paz.

— Por favor Sakura, vamos conversar… Você precisa conversar com alguém, precisa se abrir e eu posso…

Tomoyo não pôde completar a frase, pois logo sentiu a face arder com o forte tapa desferido pela mulher a sua frente. Arregalou os olhos, sem acreditar no que estava acontecendo, sem querer acreditar que Sakura havia lhe batido. Eriol veio imediatamente ao seu enlaço, segurou sua face entre as mãos e lhe chamou uma, duas, três vezes perguntando se estava bem. Tomoyo estava alheia a qualquer coisa. Encarou Sakura por cima dos ombros de Eriol com imenso pesar. Os olhos esmeraldinos que tanto apreciou a mais de vinte anos já não eram os mesmos. Antes, estes mesmos olhos refletiam doçura e ternura, e agora mostravam apenas um ódio imensurável. Um ódio dela. Sakura a odiava e isso doía-lhe muito.

Levantou a mão e tocou levemente a sua face, massageou de forma suave na intenção de aliviar a ardência em sua pele. Não tirou os olhos de Sakura nem por um segundo.

Saia.

Ouviu-a dizer em um tom baixo e ameaçador. Eriol cortou o contato visual entre elas e Tomoyo sentiu o marido lhe abraçar e beijar seus cabelos com carinho. Apertou as vestes dele, enquanto era conduzida para fora dos aposentos de Sakura.  Saiu silenciosamente do ambiente sentindo um peso enorme no peito.

Sakura por sua vez acompanhou com o olhar Tomoyo e Eriol finalmente se retirarem de seu quarto. Sentia a sua respiração ainda ofegante e seu coração agitado dentro do peito. Quando já não via o casal, deixou-se arfar finalmente.

Caminhou até a porta em passos lentos e fechou-a, tentou trancar e não conseguiu, a fechadura havia estourado devido ao chute que Eriol desferiu para abrí-la.  Virou-se e encostou seu dorso na madeira, encarando novamente a janela de seu quarto. Sentiu novas lágrimas se formarem em seus olhos e escorregou sob o apoio da porta até atingir o chão frio enquanto tentava desesperadamente encher seus pulmões de ar.

 

Apoiou os cotovelos em seus joelhos enquanto enxugava o rosto. Sentia-se sufocada, sufocada e envergonhada por perder o controle daquela maneira. Mas o fato é que estava cansada, cansada demais. Apoiou a região tenar de uma das mãos em sua testa, fechou os olhos e respirou fundo.  

Estava perdida em seus pensamentos e conclusões quando ouviu uma voz baixa e abafada  do outro lado da porta.

— Sakura?

Eriol. Percebeu que ele também estava sentado, encostado do outro lado da madeira. Enxugou o rosto e fechou novamente os olhos na tentativa de se acalmar. Inspirou profundamente e lhe respondeu em um tom baixo e controlado alguns segundos depois.

— Eu preciso ficar sozinha.

Sentiu sua voz sair mais falhada do que gostaria. Colocou as mãos sob o rosto, abafando um soluço.

— Por favor, Eriol.

Proclamou em uma voz quase suave e suplicante. Esperava sinceramente que Eriol a atendesse sem mais resistências. Ela só queria ficar sozinha. Era só isso.

— Eu não posso.

Ouviu-o dizer suavemente para ela. Colocou alguns dedos sob a linha dos lábios, achando que assim conseguiria controlar os seus soluços. Não tinha mais forças para gritar e brigar.  Já gastou todas as suas energias com Tomoyo.

— Por favor, Eriol. Por favor... eu não quero conversar.

— Não posso deixá-la, Sakura. Não nesta situação. Você é uma amiga preciosa para mim, o que te aflige também me aflige. Eu não posso sair enquanto não ver que está melhor. Entenda que por mais que as coisas pareçam confusas e você se sinta perdida, bem… você não está sozinha.

Sakura sentiu novamente um bolo se formar em sua garganta. Eriol tinha uma voz suave e reconfortante enquanto falava com ela. E isso a fazia se sentir ainda pior, pois sabia que ele queria lhe apoiar. Ele só não entendia que não tinha formas de ajudá-la e que isso não iria mudar.

— As vezes falar o que está sentindo faz com que as coisas fiquem menos ruins.

Sakura riu quase que ironicamente ao ouvir tais palavras.

— Não tem como as coisas ficarem menos ruins - Proclamou em um tom de deboche enquanto ria da sua própria desgraça. Logo os olhos esmeraldinos tornaram-se opacos e a sua voz, sem emoção alguma, completou - Não tem volta, não tem... jeito.

Você se surpreenderia com o poder de uma conversa.

Sakura abriu um sorriso quase imperceptível. Eriol estava se esforçando para fazê-la se sentir melhor, aliás, tanto Eriol quanto Tomoyo estavam dando tudo de si para lhe ajudar. Sentia muito por decepcioná-los. Mas não queria conversar simplesmente porque sabia se sentiria mais fraca e vulnerável, era como se verbalizar tudo que sentia a machucasse mais. Abaixou a cabeça, encarando o piso do seu quarto com pequenos mosaicos estampados. Sorriu, seus pensamentos e percepção não passavam de mosaicos desuniformes e confusos. Suspirou.

Conversar não vai fazer o relógio girar ao contrário. - Disse lentamente, dando uma pequena pausa para recuperar o fôlego. - Não vai trazer a minha filha e a minha vida de volta. - Completou.

 

— Realmente, não vai. Mas pode aliviar um pouco a sua dor. Eu sei... como é perder alguém que a gente ama, Sakura.

Eriol disse com certo pesar. Era palpável a tristeza e o descontentamento em sua voz ao se lembrar da sua falecida esposa. Sakura o ouviu suspirar do outro lado da porta, julgou que não devia ser fácil para ele falar sobre a morte de Kaho, mesmo com tanto tempo tendo se passado. Julgou também que por mais que tivesse esperança de que um dia este sentimento de perda amenizasse em seu peito, nunca seria fácil para ela falar sobre Nadeshiko. Sim, ela entendia o amigo. Ambos perderam pessoas importantes em suas vidas. Seus devaneios foram interrompidos ao ouvir a voz suave de Eriol.

— Não é o mesmo sentimento, mas eu estou convivendo com isso a mais tempo que você. É como se fosse uma cicatriz Sakura, cicatrizes são marcas de um trauma ou lesão, por vezes elas ficam sensíveis ao toque. Sabe por que? Porque feridas não curam completamente. Com o passar do tempo você verá que mesmo as piores feridas podem cicatrizar, e elas deixarão marcas das suas existências em seu coração e lembranças. De qualquer forma, serão sempre sensíveis ao toque.  - A voz  serena de Eriol fez com que, pela primeira vez desde que acordou do pesadelo, Sakura tivesse esperança que as coisas pudessem melhorar - Confie em mim.

Sakura ficou em silêncio. Mordeu de leve o lábio inferior, pensando se deveria ou não confiar em Eriol. Encostou sua cabeça na madeira da porta e relaxou os músculos. Ela precisava falar o que sentia, ou realmente explodiria.

— Eu sinto raiva – Direcionou o olhar até a noite escura do lado de fora, não via nada além do ódio e do ressentimento represados dentro de si.  Seus olhos verdes tornaram-se opacos e sem vida, e então ela continuou numa voz fria e quase inaudível.  – De tudo.

O silêncio perdurou. Sakura se sentia sufocada, sentia que precisava colocar o que estava entalado em sua garganta para fora, mas não sabia como fazer isso sem desmoronar perante o choro. Ao mesmo tempo que precisava verbalizar em voz alta tudo que lhe consumia, parecia que o bolo em suas entranhas ficava maior e mais denso. Por fim, proclamou em um fio de voz, já sentindo as lágrimas quentes escorrerem por seu rosto bonito.

— Eu sinto tanta… tanta raiva.  – Inspirou de forma lenta e contida, precisava se controlar para não ter outra crise de loucura igual a alguns minutos atrás, mesmo que todas as células do seu corpo dessem indícios de que o faria  – Sinto tanta raiva do Syaoran, daquele clã maldito, sinto raiva pela morte da minha filha. Ela… era um bebêzinho. Que merda de Deus é esse? Porque permitiu que a minha filha morresse aos pedaços estirada no asfalto? E Syaoran? Porque permitiu que me tirassem de onde estava? Que merda, Eriol. Ele se esqueceu de mim, esqueceu da filha dele para se deitar com Meiling. Eles… eles me traíram. Syaoran, Tomoyo, Meiling… todos me traíram.

Disse tudo de uma vez. Dobrou os joelhos e apoiou os cotovelos, apertou  as têmporas sentindo o corpo pesado. Sua dor de cabeça ainda se fazia presente e não parecia iria melhorar.

— Syaoran foi pressionado, Sakura.

— Pressionado? Syaoran foi um irresponsável em me deixar aos cuidados da merda da família dele. Eles nunca nos aceitaram, nunca me tiveram como esposa do todo poderoso patriarca. Tava na cara que eles iam ameaçá-lo. Não imaginei que Syaoran fosse tão ingênuo, para não dizer burro.

— Ele não confiava no Clã, por isso deixou Tomoyo com você.

— A ovelha no meio da alcateia de lobos. - Riu ironicamente da situação. - Repito: ele foi burro. Eu pedi para ele não me deixar sozinha com Nadeshiko naquele carro. E o que ele fez? Me deixou sozinha na porcaria do carro! Estava chovendo, a pista estava escorregadia. Eu sabia que era perigoso! Eu sabia Eriol! Syaoran não me escutou. Foi burro duas vezes. Mereceu o golpe que tomou, ele mereceu tudo!

— Sakura,  Syaoran sofreu muito.

 

Sakura riu descontroladamente.

— Duvido – Proclamou, ainda rindo do comentário de Eriol, deixando-o incomodado – Syaoran seguiu com a vida, tapou os buracos – Logo suas risadas diminuíram à medida que a angústia e mágoa aumentavam, falou em um tom baixo e seco – Se é que existiram.

— Não pense que Syaoran não se culpou por tudo o que aconteceu, ele se martirizou e tenho certeza que até hoje sente o peso dos seus atos. Você e Nadeshiko eram tudo para ele, Sakura. Uma parte dele morreu junto com Nadeshiko, a outra parte teve que se manter firme por você e para você, que estava viva.

A mente de Sakura vagou para longe. Lembrou-se das diversas vezes que se encontraram escondidos do irmão e do clã, das outras diversas vezes que o ajudou a entrar pela janela de seu quarto no campus da Universidade Tomoeda, e de outras diversas vezes que se olharam, se tocaram, se amaram e se quiseram. Sorriu fracamente para si mesma, lembrando de todas as loucuras que fizeram juntos, do quanto se amaram e do quanto se iludiram achando que ficariam juntos para sempre. Eles eram tão jovens… tão sonhadores e tão imaturos. Seus olhos tornaram-se opacos. Custava a acreditar que tudo o que viveram se perdera entre os anos de separação.

— Existiram e existem muitos buracos dentro dele, Sakura. Assim como existem e existirão dentro de você. Ele sempre pensou em vocês, minha querida. Você foi e continua sendo o amor da vida dele, e Nadeshiko foi o fruto de todo o sentimento que existia entre vocês.

 

— Ele reconstruiu uma família com a vaca... – Conteve-se, tentando se acalmar – Com Meiling. Sei que a princípio foi forçado, mas o Clã caiu, não foi? Porque continuar com ela? Entendo que ele teve um filho… Deuses! Um filho!

Calou-se, tentando a todo custo não transmitir para Eriol toda a raiva que sentia, pois sabia que o menos culpado naquela história toda era justamente a criança que Syaoran teve com Meiling. Completou com uma voz controlada.

— Por que ignorar a minha existência? Mandar uma quantia por mês para o meu tratamento não significa nada, Eriol. Absolutamente nada! – Pausou, para recuperar o fôlego - Ele nos esqueceu. Toda aquela merda de amor que ele tanta fazia questão em gritar aos sete ventos, provavelmente nunca existiu. Minha relação com ele foi uma piada, uma lorota, uma mentira.

 

Eriol encarou o corredor da parte superior da sua casa. Olhou para a porta do seu quarto e esperava sinceramente que Tomoyo tivesse pegado no sono depois do forte calmante que ele a fez tomar. Abaixou a cabeça, ouvia os soluços doloridos de Sakura do outro lado da porta. Apesar de não vê-la, sabia que estava sofrendo pelo rumo que a sua vida havia tomado. Não era para menos, faziam apenas quatro meses desde que Sakura havia acordado do coma. Era pouco tempo para digerir tudo o que aconteceu, era normal que ela estivesse extremamente fragilizada e magoada neste momento, era normal que estivesse procurando responsáveis para o que lhe aconteceu, pois devia ser muito difícil acordar e descobrir que o mundo que conhecia desmoronou enquanto ela dormia.

No final das contas, os ataques de nervos e a depressão eminente da amiga já deveria ter sido previsto por ele e Tomoyo. Fechou os olhos e respirou fundo. Sakura precisava deles e por mais que negasse, Tomoyo era a única pessoa conhecida que lhe sobrara. Ele por sua vez, devia ser paciente e lhe prestar todo o apoio necessário, pois sabia que este processo de negação e aceitação era demorado, que provavelmente ela demoraria mais alguns meses ou anos para entender que as vezes em determinadas situações e ocasiões, não existem culpados.

Mas nada, absolutamente nada fora fácil para Syaoran também. Entendia que a amiga estava com raiva, mas não podia deixar de se sentir incomodado com as colocações acusativas de Sakura, como se ele não tivesse sentido na pele todas as decisões difíceis que foi obrigado a tomar.

Sakura estava sofrendo vinte e quatro anos de escuridão de uma só vez, Syaoran sofreu por mais de vinte anos com a morte da filha e com o afastamento de Sakura de forma penosa, lenta e torturante. Uma coisa era sofrer por alguém que já não estava neste plano, como ele sofreu pela finitude de Kaho, e saber que ele jamais a veria novamente. Outra coisa é sofrer por alguém que ainda tinha sangue correndo em suas veias, atividade celular em todos os tecidos do corpo, descargas elétricas em seu encéfalo e não poder tocar, beijar e sentir a textura da pele da pessoa amada por estar incomunicável e intocável.

Como se já não bastasse se culpar pela morte de Nadeshiko e se obrigar a manter distância de Sakura, Syaoran ainda teve que lidar com os deveres como Líder do seu Clã - e nada lhe tirava da cabeça que a queda do Clã tivera dedo de Syaoran -, deitar-se dia após dias com uma pessoa que não amava apenas para ter a oportunidade de ver o filho crescer. Entendia completamente o que motivou Syaoran a continuar na China com Meiling e o filho, ele já havia perdido uma filha, era completamente natural que desejasse ficar ao lado de seu filho, e não seria justo nem lógico tirar a criança de Meiling para isso.  

Apesar de saber que o amigo sempre se culpou pela morte da filha e o coma de Sakura, sabia na verdade que ele era tão vítima quanto Sakura e Nadeshiko em todo aquele circo chamado vida. Era por isso que Eriol respeitava a decisão de Sakura em não procurar por Syaoran, em deixá-lo pensar que seu quadro clínico não mudou. Mas incomodava-o imensamente o fato de Syaoran não saber a verdade, pois se fosse ele, se soubesse que Kaho estava bem e viva em algum lugar, não teria nada mais importante do que estar com ela mais uma vez, ou pelo menos uma última vez.

Por fim, o papel que lhe cabia neste momento era estar presente quando Sakura precisasse, e não apenas ela, mas Tomoyo também. Sabia que a esposa estava sofrendo com a represália e a frieza de Sakura.

Suspirou, decidindo por fim contar o que sabia para a ruiva de olhos verdes.

— Syaoran não esteve alheio durante todo este tempo, Sakura. Ele sabe onde você está a muito tempo.

Sakura arregalou os olhos. Não sabia daquele detalhe.

 

— Syaoran esteve aqui na Inglaterra a muitos anos. Como você sabe, o Clã se desfragmentou, mas Syaoran fez prosperar os negócios que lhe eram de direito. Hoje o nome Li não surte o mesmo efeito de prestígio e status, mas ainda tem certa influência

na economia e no governo Chinês.

 

Sakura escutava atentamente o que Eriol lhe dizia.

Tomoyo não me contou sobre isso.

— Tomoyo me pediu para não contar. Ela acha que você ficará ainda mais magoada ao saber que ele sempre soube onde você esteve. Estou contando agora porque não consigo te ouvir dizer que Syaoran não se importava. Ele sempre se importou, ele sempre esteve a par da sua situação. Da última vez que ele entrou em contato, e eu e Tomoyo precisamos omitir e mentir sobre a sua evolução.  

— Co-como isso aconteceu?

— Na época, eu estava lecionando em uma universidade de Londres, ele foi palestrante de um simpósio para uma das minhas turmas. A universidade convocou a presença de todos os docentes para o evento. Ele não esperava me encontrar e, sinceramente, eu fiz o possível para não ser visto e reconhecido. Mas sim, nos encontramos. Acabamos indo para um pub no centro de Londres, eu sou fraco para o álcool. Perdi a noção do tempo e Tomoyo me ligou, Syaoran viu no visor do meu celular a foto dela. Ficou tudo muito claro para ele… e, bem… ele me perguntou sobre você.

Sakura sentiu o coração parar por alguns instantes. Seus olhos estavam arregalados e sua boca seca. Então Syaoran sabia sobre ela…

— Eu me lembro da expressão que ele fez como se fosse ontem, Sakura. Eu só lhe garanto que… o olhar dele… ele… não era de alguém indiferente.

Sakura engoliu em seco. Abaixou a cabeça e deixou que aquele bolo em sua garganta se desfizesse. Chorou, chorou tudo que queria chorar desde que acordou do pesadelo que teve aquela noite. Chorou por ela, por Syaoran e pela filha. Chorou por tudo o que se sucedeu. Chorou por nutrir e cultivar tanta raiva dentro de si. Chorou por continuar a amar alucinadamente Syaoran. Chorou por sua vontade em estar com ele ser maior do que a vontade em tirar a própria vida e se juntar com a filha. Chorou por não saber o que fazer.

Sentiu a porta se movimentar e não se importou quando Eriol adentrou e lhe aconchegou em seu colo. Apertou as suas vestes de linho branco enquanto sentia todo o seu corpo ficar mais leve.

Eriol por sua vez ouvia os soluços da amiga diminuírem conforme sua respiração se normalizava. Podia sentir de perto toda a dor e toda a angústia que Sakura sentia naquele momento. Lamentava profundamente que as coisas tivessem que ser tão difíceis para uma pessoa tão boa quanto ela.

Observou quando Sakura levantou a cabeça, ainda sem encará-lo. Tocou seu queixo e obrigou o contato visual entre eles.  Encarou-a nos olhos. Antes que ela falasse qualquer coisa, ele proclamou em uma voz firme e resolvida.

— Acho que deveria considerar um encontro com Syaoran, Sakura. Para esclarecer as coisas. - Eriol observou Sakura arregalar levemente os olhos, e então continuou. - Não agora, não amanhã. Faça quando estiver pronta.

Sakura desviou o olhar para a janela, não estava encarando nada mais que o seu próprio eu. Não sabia o que fazer, não sabia se teria cabeça para um encontro com Syaoran. Não sabia se deveria aparecer em sua vida novamente, quando aparentemente ele já havia reconstruído a própria vida e aparentava muita estabilidade. Eriol, reparando a confusão interna que a mulher se encontrava, continuou, como se lesse sua mente.

— Histórias mal resolvidas corroem por dentro, Sakura. Vocês não se afastaram por livre e espontânea vontade. Agora você tem o poder de escolha. Eu sei que deve estar pensando se deveria ou não reaparecer na vida de Syaoran, mas uma coisa eu te digo: eu daria qualquer coisa para rever Kaho mais uma vez, nem que fosse a última vez.

Eriol suspirou. Esperava que Sakura entendesse o que ele estava tentando expessar.

— Se eu soubesse que ela está em algum lugar viva e bem, eu iria até lá para revê-la e me despedir. Kaho foi tirada de mim de forma permanente, e você foi tirada de Syaoran como uma moeda de troca de uma família mesquinha e orgulhosa. Ele fez o que achava certo, ele fez o que achava seguro para você. Ele abriu mão de você para que pudesse continuar viva, mesmo na condição que você se encontrava. Se dê uma chance, Sakura. E dê a Syaoran uma chance para revê-la. Vocês merecem uma segunda chance.

Eriol observou Sakura relaxar os ombros e abrir um pequeno sorriso, que não durou muito, pois logo os olhos verdes foram cobertos por uma nuvem negra.

— Não é justo, Eriol. Não é justo reaparecer agora. Syaoran acha que eu continuo em coma, é melhor que continue assim. Ele reconstruiu uma família, Eriol… - Pausou, recuperando o fôlego por falar de forma tão frenética. - Se eu aparecer na vida dele, irei desestruturar tudo o que ele tentou manter até agora.

— Ou não, Sakura. Pode ser que se você aparecer agora e esclarecer as coisas, independente do conteúdo ou do resultado desse encontro, tanto você quanto ele finalmente se libertarão de um passado que assombrou a vida de ambos. Tudo é um grande SE. Injusto seria se você se obrigasse a viver com todos esses “SE” em seu coração, injusto seria não dar a oportunidade de ele saber que você acordou e está bem. Injusto seria se vocês não se dessem uma nova chance.

Sakura suspirou de forma cansada. Eriol estava irritantemente certo. Nada foi justo com eles naquela vida, nada foi da forma como planejaram, exceto pequenos e curtos momentos dos quais viveram. Ela tinha a oportunidade de revê-lo, e Deuses! Como ela queria isso! Estava curiosa para saber e ver com os próprios olhos como os anos o tocaram. Injusto seria se ela se obrigasse a viver com a eterna lembrança dos seus anos de ouro, sem expectativas para o futuro, mesmo que desconhecido.   

— Eu ainda não estou pronta. - Falou de uma vez.

Sorriu quando Eriol sorriu para ela. Até sorrir parecia mais fácil naquele momento, depois de tirar aquele peso do seu corpo e desfazer o nó em sua garganta. Não sabia dizer o que estava acontecendo, mas um fio de esperança surgiu em seu peito.

— Leve o tempo que precisar.

Sakura abriu ainda mais o sorriso e concordou com a cabeça. Pegou as mãos de Eriol.

— Obrigada.

Eriol acenou positivamente para ela. Mesmo que com um sorriso desenhado nos lábios, Sakura sentiu o amigo tenso. Ela fechou lentamente o sorriso, já imaginando o que se passava em sua cabeça.

— Também não é justo a forma como vem tratando Tomoyo, Sakura. Ela sofreu tanto quanto Syaoran, acredite.

Sakura se encolheu e suspirou. Focou o olhar em qualquer outro ponto do quarto antes de começar a falar.

— Tomoyo conspirou com o Clã, Eriol.

Eriol sentiu o ressentimento estampado na voz magoada de Sakura. Para ela, Tomoyo foi uma das principais responsáveis pelo afastamento de Syaoran, e de certa forma era, o que não entendia porém era que Tomoyo fez o que fez a mercê de uma constante ameaça do Clã em dar cabo da vida de Sakura. No final das contas, tudo o que Tomoyo e Syaoran fizeram foi por amor a ela. Pena que ela não via assim.

— Talvez… talvez ela tenha compactuado até no acidente. Aquele Clã era capaz de tudo. - Sakura baixou a cabeça sentindo novamente a raiva começar a tomar conta de si novamente.

Eriol arregalou os olhos, sem acreditar nas palavras ditas pela amiga. Sakura devia estar muito transtornada para considerar uma ideia absurda daquela.

— Quanto ao Clã, eu não sei. Mas você realmente acredita que Tomoyo faria isso? - Perguntou, não pôde deixar de transmitir certa indignação na voz. - Você realmente acha que Tomoyo seria baixa ao ponto de planejar e arquitetar a sua morte e a da sua filha?

— Eu não sei, Eriol. Eu não sei de nada mais.

Eriol encarou Sakura com certa preocupação e descrença.

— Tudo o que Tomoyo fez foi para manter a sua integridade física, Sakura. Absolutamente tudo. Tomoyo a amou desde que colocou os olhos em você. Impressiona-me que acha que ela seria capaz disso.

— Não me julgue, Eriol. Tomoyo foi tão culpada quanto…

— Culpada pelo quê? Por te tirar daquela casa ao saber que o Clã pretendia eliminar você? Ela não tinha outra opção, Sakura, o Clã tinha um objetivo que era fazer Syaoran se casar novamente, e ele não iria ceder a isso enquanto você estivesse na vida dele. O plano deles era te matar, e Tomoyo driblou a todos apenas para te manter viva.

Um. Dois. Três minutos de silêncio. Eriol ouvia a respiração calma de Sakura, ele sabia que ela estava refletindo sobre as suas palavras e se consumindo em seus próprios demônios.

— Eu me lembro até hoje de quando Tomoyo apareceu na minha porta com você a tira colo. Ela estava sozinha Sakura, e ela sabia que continuaria sozinha. Ela sabia que aqui era uma das suas melhores chances, e ela arriscou vir para cá sem nada, sem ninguém. Eu me casei com ela por pura formalidade, Sakura. Nos casamos para que ela não tivesse problema em mantê-la na Inglaterra. Nos casamos para que ela pudesse dar uma chance a você.

Eriol respirou fundo, tentando recuperar o fôlego. Observou o semblante surpreso de Sakura. Passou as mãos nos cabelos pensando que agora fora longe demais.

— Vo-vocês não são um casal?

Eriol encarou-a. Sakura estava com o semblante lívido depois de tudo que escutou.

— Somos, Sakura. Hoje sim. Mas nós nunca fomos a primeira opção um do outro, eu continuei amando Kaho mesmo depois da sua morte, e Tomoyo… ela também continuou amando alguém… Enfim, nós dois tivemos as nossas cicatrizes, e foi isso que nos uniu.

— Eu… eu não sabia que Tomoyo era apaixonada por alguém. Ela sempre foi muito… discreta. Eu estou realmente surpresa.

Eriol riu de puro nervosismo. Algumas coisas nunca mudariam mesmo. Sakura era muito de vagar para entender certas coisas.

— Talvez um dia ela te conte.

Eriol observou Sakura concordar com a cabeça. Ficou mais alguns segundos apenas a encarando, pedindo aos Deuses para que Sakura entendesse e refletisse sobre a conversa que tiveram. Levantou-se do chão e ajudou a mulher a fazer o mesmo. Abraçou-a e depositou um beijo em sua cabeça.

— Por favor, pense sobre tudo o que conversamos. Sei que as coisas estão difíceis e confusas agora, mas a vida continua. Você está aqui, você é um milagre. - Eriol segurou seu rosto entre as mãos e olhou fundo em seus olhos. - Não desperdice a chance que a vida lhe deu, por mais difícil e penoso que seja o seu caminho. Não se contente em apenas sobreviver, Sakura. Viva.

Sorriram um para o outro. Sakura observou Eriol se afastando em direção ao seu quarto, deixando-a finalmente sozinha com seus demônios.

Através da janela do seu quarto pequenos floquinhos de neve caiam de forma suave no breu daquela noite escura de Londres. Respirou fundo, pensando que realmente a sua vida era um trem, e cabia somente a ela se carrilar nos novos eixos.

Somebody said you got a new friend

Does she love you better than I can?

And yeah, I know it's stupid

But I just gotta see it for myself

Sakura despertou com leves sacudidas de Tomoyo em seu ombro. Abriu os olhos lentamente e deu um demorado bocejo. Estava com muito sono, passou a noite praticamente em claro. Suspirou, seria um dia longo e talvez um dos mais difíceis da sua vida, pois reencontraria o homem que invadia-lhe os sonhos dali poucas horas. Encarou o majestoso lustre da grande sala.

— Levanta Sakura, logo Syaoran estará aqui.

Sakura esfregou os olhos. Espreguiçou e ergueu o corpo, sentando-se de forma confortável no sofá. Rodou os olhos na sala, agora que estava clareando o dia era possível visualizar maiores detalhes do ambiente. Era um cômodo muito amplo, muito bonito e cheio de móveis antigos. Aquela casa realmente era digna de imperadores chineses, como Syaoran lhe informou no primeiro dia que colocou o pé ali.

Mas a verdade é que agora sentia algo estranho dentro do peito, era como se aquela casa onde viveu tantos bons momentos já não lhe acolhesse. Era como se a ela nunca pertenceu. Não sentia mais como sendo a sua casa. Era apenas uma casa em uma enorme fazenda. Doía constatar que não pertencia mais àquele ambiente.

— Sakura? - Chamou Tomoyo, percebendo que a prima havia ficado catatônica ao observar a sala.

— Senta aqui, Tomoyo. - Sakura bateu uma das mãos nas almofadas que estavam ao seu lado. Não tirou os olhos do ambiente, mas sabia que Tomoyo a olhava com um ponto de interrogação - Anda!

Tomoyo afastou as almofadas e se sentou ao lado da prima. Franziu o cenho ao observar o olhar distante de Sakura. Era como se ela não estivesse naquela órbita.

— Está tudo igual, ele não mudou nada.

Tomoyo olhou finalmente para a sala reparando em todos os detalhes da mesma. Sorriu fracamente. Syaoran zelou muito por aquela fazenda mesmo depois de Sakura partir. Tudo estava muito limpo, mas nada estava fora do lugar. Imaginou que o amigo quis transformar aquele local numa espécie de santuário, para eternizar a memória de Sakura e a filha. Fechou o sorriso, estava preocupada não só com Sakura, mas com Syaoran também. Não sabia os efeitos que os anos de separação causaram nele. Apesar de tudo, esperava que tivessem uma conversa tranquila.  

— Vai ficar tudo bem, Sakura.  - Tomoyo pegou as mãos frias da prima entre as suas, esfregando levemente para tentar lhe aquecer.

Sakura abriu um sorriso pequeno, quase triste. Olhou para Tomoyo e concordou com a cabeça, em silêncio.

— Nós costumávamos jogar cartas aqui, você lembra?

Tomoyo encarou a mesinha de centro da grande sala, lembrando das diversas vezes que ela, Sakura e Syaoran se sentavam para jogar cartas enquanto bebiam vinho. Normalmente em uma sexta a noite ou sábado, quando Syaoran chegava do trabalho estressado pelas cobranças do Clã. Ou até mesmo quando ele estava fora do país elas sentavam e jogavam. Era divertido. Sorriu com a lembrança e olhou para a prima, que também sorria. Podia jurar que o brilho nos olhos de Sakura por um curto momento voltou a ser como era a vinte anos atrás.

— Sim, e você ficava bêbada.

Sakura gargalhou ao ouvir as palavras de Tomoyo. A verdade é que nunca fora forte para o álcool, duas taças de vinho já eram o suficiente para deixá-la “alta”.  Lembrou-se das tantas vezes que Syaoran precisou ajudá-la a se levantar e levá-la para o quarto, enquanto ria e sorria para tudo igual uma boba.

Tomoyo sorriu para a prima, daria tudo para vê-la naquele estado de graça por mais tempo.

Logo Sakura se recompôs e as gargalhadas diminuíram. Sorriu para as suas próprias lembranças. Bons tempos.

— Você quer ajuda para preparar o café? - Perguntou Tomoyo, levantando-se e indo em direção a cozinha. Cruzava a porta quando proclamou em um tom um pouco mais alto. - Levanta, Sakura! Syaoran chega daqui a pouco.

Sakura suspirou e fechou o sorriso, apertando levemente as mãos enquanto sentia algo lhe apertar as entranhas. Faltava pouco para ela rever o seu marido. Sim, seu.

I'm in the corner, watching you kiss her, oh oh oh

I'm right over here, why can't you see me, oh oh oh

And I'm giving it my all, but I'm not the guy you're taking home, ooh

I keep dancing on my own

I'm just wanna dance all night

And I'm all messed up, I'm so out of line, yeah

Stilettos and broken bottles

I'm spinning around in circles

Sakura encarava a vasta propriedade através da janela da cozinha. Os raios solares refletiam na grama e nas árvores ao longe, e o vento soprava mansinho levando consigo folhas secas que batizavam o ambiente. Cerrou os olhos nos estábulos vazios e se lembrou dos belos corcéis que Syaoran costumava manter ali. Observou a boa terra para além dos estábulos, nada mais era cultivado. Suspirou, aquele lugar nunca esteve tão seco, vazio e silencioso.

Virou-se de costas e foi em direção ao armário, sabia que ali encontraria as suas fôrmas de alumínio . Abriu.

Não havia apenas as fôrmas, havia também as mamadeiras e as chupetas de Nadeshiko. Sentiu os olhos marejar imediatamente ao pegar uma peça. Sorriu, lembrando-se que aquela ali fora um presente do irmão para a sobrinha.

— Achou, Sak…

Tomoyo se calou ao se deparar com as mamadeiras e chupetas da afilhada. Encarou os objetos por alguns segundos até acordar do transe com a voz quase chorosa da prima.

— Será que ela sofreu, Tomoyo? Digo, será que ela sentiu dor? Será que foi rápido?  

Tomoyo encarou a prima. Seus olhos verdes estavam rasos pelas lágrimas que se formavam, mas ela estava tentando a todo custo não derramá-las. Ela já havia contado tudo sobre a finitude de Nadeshiko, inclusive que Syaoran não autorizou a cremação da criança, optou pelo enterro tradicional, mesmo sabendo que na China aquela prática já não era comum a muito tempo. No fundo, ela sabia que o amigo queria que algum pedacinho da filha permanecesse no mundo, mesmo que fossem seus ossos.  

— Foi num piscar de olhos, Sakura.

Um sorriso fraco se desenhou na linha dos lábios de Sakura. Pelo menos ela não havia sofrido. Devolveu a mamadeira para o armário, pegou a fôrma que colocaria seu bolo e fechou o móvel. Enxugou o cantos dos olhos e sorriu para Tomoyo.

And I'm giving it my all, but I'm not the guy you're taking home, ooh

I keep dancing on my own

And oh, no

So far away but still so near

The lights come up, the music dies

But you don't see me standing here

I just came to say goodbye

Sakura olhava o seu reflexo no espelho tentando encontrar aquela garota de vinte anos atrás. Não era a mesma, não tinha como ser. Fisicamente ela não mudou muita coisa, o tempo foi amistoso e gentil com ela, parecia ter pelo menos dez anos a menos do que realmente tinha. Estava bem conservada. Tocou a face levemente maquiada. Apesar de ter praticamente o mesmo porte, sabia que agora era uma pessoa completamente diferente do que já foi um dia. A vida lhe obrigou a entender que nada está sob controle, nada é da forma que as pessoas desejam, nada tem uma data pré-estabelecida de onde e como as coisas começam e terminam.

Tudo é volúvel, mutável, superável. Era tudo uma questão de escolhas, as pessoas podem simplesmente escolher se acomodarem e esperarem que a vida traga de mãos beijadas as coisas mais lindas e fáceis, ou podem chorar, se escabelar e por fim serem obrigadas a se reerguerem, olhararem para dentro de si e verem que nem tudo está perdido, ou que nem tudo foi de um todo ruim. A vida tem dessas, não é fácil, não é simples, não é palpável. Ela derruba uma, duas, três vezes. Mas te ensina a levantar quantas vezes for necessário. A vida é como uma mãe, ela corrige mas também lhe estende a mão, o braço, o corpo. Tudo que for necessário para que se torne uma pessoa melhor. Vai do livre-arbítrio aproveitar as belas e sucintas oportunidades que lhe são apresentadas e oferecidas.

Não estava como antes, era verdade. Mas não se sentia pior por isso. Desde que conversou com Eriol, decidiu que agarraria a nova oportunidade que a vida lhe deu. Ou pelo menos tentaria. Precisou de tempo. Precisou de paciência. Precisou chorar, precisou aceitar, precisou entender que coisas acontecem o tempo todo e nem sempre elas são justas. Que justiça depende de ponto de vista, que se algo ruim acontece com determinada pessoa, aquela mesma coisa pode ser boa para outra. Porque há sempre uma luz no fim do túnel, por mais longo e escuro que seja.

— Sakura?

Virou-se para Tomoyo e sorriu. Observou a prima se aproximar pegando as suas mãos, Tomyo mantinha um olhar sereno e acolhedor para ela.

— Eu vou para a cidade. Deixarei vocês a vontade, já conversei com o neto de Wei, ninguém irá incomodá-los. - Disse Tomoyo, enquanto sentia as mãos suadas de Sakura apertar levemente as suas pelo nervosismo. Sorriu. - E você está linda.

Sakura sorriu e agradeceu. Estava chegando a hora, em alguns minutos, no máximo uma hora encontraria Syaoran, seu primeiro, único e grande amor. Mordia o lábio inferior de puro nervosismo, sentia que seu corpo ia explodir tamanha era a sua ansiedade.

— Não fique nervosa. Vai ficar tudo bem.

Sakura sorriu, era incrível como Tomoyo lia suas expressões e sabia exatamente o que ela estava pensando e sentindo. Tomoyo era um anjo na terra que foi enviado para cuidar e ajudá-la a passar por todas e quaisquer situações difíceis. Sempre fora assim, desde criança. Tomoyo sempre a colocou como prioridade em absolutamente tudo. E sim, hoje ela entendia as palavras de Eriol. Tomoyo a amava, sempre amou.

— Eu espero que você seja feliz, Tomoyo. - Sakura encarou os belíssimos olhos violetas que a morena possuía. Continuou. - Com Eriol.

Observou a morena arregalar levemente os olhos com a sua observação.

— Ele te ama, você sabe disso, não é? Eu também te amo, mas não…

— Eu sei que o Eriol me ama, e eu também o amo. Não se preocupe, Sakura. Se você for feliz, eu serei feliz também.

Sakura sorriu. Entendeu o recado. A última coisa que queria na vida era magoar Tomoyo. Arrependia-se muito da forma como a tratou nos primeiros meses após acordar do seu coma. Tomoyo merecia tudo de melhor que a vida podia oferecer. Sorriu e abraçou a prima fortemente em agradecimento.

— Obrigada.

I'm in the corner, watching you kiss her, ooh

And I'm giving it my all, but I'm not the guy you're taking home, ooh

I keep dancing on my own

And oh, no

Sit down in the corner, watching you kiss her, oh no

And I'm right over here, why can't you see me, oh no

And I'm giving it my all, but I'm not the guy you're taking home, ooh

I keep dancing on my own

 

Sakura mais uma vez encarava sua própria imagem no espelho após a partida de Tomoyo. Corretivo, pó, rímel e um batom levemente avermelhado. O vestido que usava marcava sua cintura e caía leve e suave em seus quadris até a altura dos joelhos, o decote canoa deixava parte de seus ombros à mostra e o tom verde musgo contrastava com os belíssimos olhos esmeralda. Seus cabelos caíam graciosamente até a altura dos ombros. Tocou-os, sentindo a textura e a consistência dos fios. Syaoran provavelmente ficaria surpreso, pois quando mais jovem mantinha as madeixas na altura dos quadris. Sorriu para si. Estava simples e bonita.

— Eu não gosto de festas, Sakura. Pelo amor de Deus, não me dê mais motivos para desistir!

Sakura riu enquanto dava os toques finais em seu penteado. Syaoran era um reclamão mesmo! Sabia que o rapaz estava encostado do outro lado da porta do seu dormitório, aguardando-a terminar de se arrumar para ir a festa do prédio FAK. Os nerds do prédio de Direito sabiam como fazer uma boa festa! Syaoran era muito anti social, ele preferia se trancafiar horas na biblioteca com aqueles livros mofados do que curtir um pouco a vida. Nada que ela, muito esperta, não pudesse resolver a base de muita insistência e chantagem psicológica.

— Você vai infartar o Lee, Sakura!

Riu com gosto do comentário de Tomoyo. No fundo estava se divertindo demais com a impaciência do rapaz.  Ele provavelmente já estava infartando do outro lado da porta. Tadinho!

— Eu tenho que estar maravilhosa, Tomoyo.

Encarou Tomoyo cair na gargalhada logo em seguida.

— Para ele?

Sakura fechou a cara. Já estava cansada daquelas brincadeirinhas idiotas sobre eles serem um casal. Syaoran era seu amigo. Fim!

— Claro que não! Syaoran não é o único cara na face da Terra. Francamente, isso já perdeu a graça.

— Mas é o único cara com quem você quer sair, não é mesmo? - Tomoyo recebeu um olhar fulminante da bela ruiva, riu ainda mais. - Calma! Eu não te julgo! Bonito, inteligente, atleta, podre de rico e…

— Tomoyo!

— É sério! Você nunca reparou o jeito que ele te olha? Vocês estão sempre se encostando, se olhando, sorrindo. - Sakura observou Tomoyo largar o livro que lia e se endireitar na cama. - Sakura, a tensão sexual entre vocês é tão evidente, bobinha!

Sakura cerrou os olhos na morena que ria descontroladamente. Era impressão ou Tomoyo estava mais irritante que em outros dias? Encarou-a através do espelho, a prima mantinha um olhar zombeteiro para ela. Baixou os olhos e mordeu os lábios.

— Eu não disse? Você sente o mesmo!

— Sério, Tomoyo? - Sakura revirou os olhos e se levantou da penteadeira. Sua irritação e descontentamento com aquela conversa era palpável. Abriu o guarda roupa e pegou um casaco fino.

— O quê? Eu só estou dizendo o que eu vejo.

Sakura se virou e olhou desaforada para o semblante irônico da prima. Bufou.

— Precisa de óculos, está vendo errado. Não há nada entre mim e o Syaoran! - Salientou bem a palavra “nada”, quem sabe a prima entendesse de uma vez por todas que aquilo a deixava extremamente desconfortável.

— Rá! Syaoran! Vocês se tratam pelo primeiro nome!

Tomoyo estava de brincadeira com ela? Só Pode!

— E daí? Chiharu e Yamasaki também me chamam de Sakura.

Sakura escutou uma risada gostosa da prima. Estava ficando cada vez mais irritada e para não discutir com a morena, começou a colocar alguns pertences na bolsa de mão sem encarar Tomoyo.

— Completamente compreensível! Todos nós estudamos juntos desde o primário. Você conhece o Lee a quanto tempo? Cinco meses? Seis, no máximo.

Sakura suspirou. Tomoyo tirou o dia para alugá-la mesmo. Não daria trela.

— Não estou entendendo aonde quer chegar, mas sinceramente? Não importa. Com tantas meninas atrás dele ele nunca olharia para mim mesmo. - Sakura franziu a testa ao reparar que seu tom saiu mais baixo e ressentido do que realmente gostaria. - Parece que o Syaoran tem mel! -  Forçou uma risada para tentar driblar quaisquer que sejam as impressões da prima.

Tomoyo gargalhou novamente ao ver a expressão emburrada e contrariada de Sakura.

— E isso a incomoda muito, é claro! Você queria ser a única abelha a desfrutar do mel dele, não é?

Perplexa, Sakura encarou novamente Tomoyo. Abriu a boca uma, duas, três vezes sem verbalizar qualquer palavra. Balançou negativamente a cabeça de forma frenética.  

— O quê? Não… É claro que não! Meu Deus Tomoyo, o que deu em você hoje?

— Em mim? Nada.

Sakura observou Tomoyo se levantar da cama e vir em direção a ela olhando-a de frente.

— Eu só estou cansada desse lenga-lenga. Vocês deviam se acertar logo.

Sakura revirou os olhos e suspirou. Tomoyo era mais teimosa que uma mula empacada quando queria.

— Não tem o que acertar, Tomoyo. Juro. Syaoran é meu amigo, fim. Porque é tão difícil acreditar em mim?

Não esperou ouvir a resposta da morena, pegou sua bolsa e foi em direção a porta pronta para destrancar e encontrar Syaoran.

— Sakura?

Estancou e respirou fundo, pedindo aos Deuses para Tomoyo não retomar aquela conversa sem pé nem cabeça. Virou-se lentamente e encarou a prima que sorria para ela.

— Você está linda. O Lee seria um tremendo idiota se olhasse para qualquer outra menina desse campus. E sinceramente, ele não parece ser idiota.  

Sakura sorriu verdadeiramente para a prima. Adorava a forma como Tomoyo a fazia se sentir tão bem consigo mesma. Por mais que ela a provocasse e testasse seus limites, a morena estava sempre ali para colocá-la para cima qualquer que fosse o assunto ou situação delicada.

— Sakura, eu tenho cara de planta? Pois saiba que eu não sou uma para me deixar plantado na porta do seu dormitório!

Sakura e Tomoyo riram alto com o comentário mal educado de Syaoran do outro lado da porta. Definitivamente, ele estava quase tendo um treco! Mais um pouco e o rapaz realmente teria um infarto fulminante por pura impaciência. Sakura girou a maçaneta da porta e Syaoran quase caiu em cima dela, visto que estava realmente escorado na madeira.

A bela moça tocou levemente o queixo do rapaz, sentindo a aspereza da barba por fazer. Encarou as fortalezas âmbares que vinham  roubando suas noites de sono nos últimos meses de forma incessante. Fechou os olhos e inspirou lenta e deliciosamente o perfume masculino que Syaoran usava, sentindo-se tonta e embriagada logo em seguida.

Definitivamente, Syaoran era como mel e ela realmente queria ser a única abelha a desfrutar da sua delícia.

Sakura sorriu ao se lembrar da noite que saíra para dançar com Syaoran. Foi agitado, intenso, e foi quando eles finalmente se resolveram.

Syaoran de fato costumava ter mel em seus lábios, em seu corpo, em seu olhar e em seu jeito de ser. Não era atoa que chamava tanta atenção em qualquer que fosse o lugar que pisasse. Era dono de uma beleza rústica, máscula, intensa, rara. Isso a fazia imaginar como os anos o tocaram, a fazia imaginar se o tempo fora gentil com ele como foi com ela. Será que ele continuava tão bonito quanto antes? Será que seus olhos âmbares possuía o mesmo brilho? A mesma penetração? Deuses! Que saudades daquela voz, daqueles olhos, daquele corpo, daquela boca, dos seus beijos, toques, abraços, gemidos, carinhos… que saudades de tê-lo na ponta dos dedos.

Se Syaoran era o mel, ela era a abelha. Pena que nem tudo foi feito das delícias daquele doce. Sua relação com seu amado foi simples, bonita e pura em muitos aspectos, mas também foi demasiadamente intensa, ofegante e por vezes sufocante. Não que Syaoran a sufocasse, mas as alternativas foram dadas, as escolhas feitas e as consequências impostas. Desde o começo tiveram muitos indícios de que eles não podiam prosseguir. Foi uma menina tola em achar que poderia ser verdadeiramente feliz com uma pessoa cuja origem e inserção fossem tão diferentes da dela.  Syaoran a fez feliz, ele era o seu porto, seu amor, sua força de vontade. Mas todo o contexto da vida e das obrigações  de Syaoran só lhe trouxeram inquietude e tensão.  Isso a fazia pensar se realmente deveriam ter ficado juntos ainda na época da faculdade, a fazia pensar se não deveria ter dado um basta quando naquela noite que saiu para dançar teve a devida oportunidade para isso.

Amor. Adolescência. Paixão. Desejo. Imaturidade. Inexperiência. Mas amor…

Sim, hoje conseguia definir melhor tudo o que aconteceu com eles, uma pena que descobriu isso após o trauma que foi obrigada a sofrer e lidar. No final das contas, tudo foi por amor. Tomoyo traiu Syaoran por amor a ela, Syaoran se casou com Meiling por amor a ela, Meiling aceitou a situação provavelmente por amor a Syaoran. Amor. Uma palavra que devia trazer paz e tranquilidade à alma, mas que na verdade só lhe trazia um gosto amargo na boca.

Queria do fundo do coração que as coisas tivessem sido diferentes para ela, Syaoran e a filha. Queria poder ter tido a oportunidade de viver uma vida normal ao lado dos dois amores da sua vida. Queria que pudesse rebobinar o tempo, voltaria para aquela noite de lua cheia que saiu para dançar, e daria a resposta que deveria ter dado a Syaoran.

Talvez se ela tivesse feito escolhas diferentes na vida, não estaria passando pelo luto de um filho ou a perda de um amor. Talvez se ela tivesse dito um simples “não” a Syaoran, hoje teria uma vida normal e tranquila ao lado de uma suppsta família.

Abaixou a cabeça se culpando intimamente por considerar mesmo que em pensamento outra família, pois se assim fosse não teria sido mãe de Nadeshiko, e a sua neném definitivamente foi a melhor coisa que aconteceu em sua vida. Com certeza se tivesse a oportunidade diria novamente “sim” para Syaoran apenas para poder conhecê-la, pegá-la no colo e ser novamente a sua mãe.

Sua real vontade era amar e desejar menos aquele homem, aquela vida que não teve, aquela filha que não viu crescer.

Foi este pensamento passar por sua cabeça, que escutou um ranger de madeira. Seu coração faltou pouco sair pela boca, seria ele?

Apoiou os punhos na penteadeira e arrumou forças do além para finalmente se levantar. Caminhou a passos lentos até a porta e girou lentamente a maçaneta. Estava trêmula, nervosa e ansiosa. Encarou o corredor que levava a escadaria e caminhou até os degraus sentindo suas mãos suarem como nunca.

Desceu os degraus fazendo o mínimo de barulho possível. Chegou ao hall de entrada e encarou a porta entreaberta, do lado de fora um elegante carro estava parado com os vidros abertos. Não havia ninguém no interior do automóvel.   

Fechou os olhos e sentiu um bolo na garganta. Levou as duas mãos até o peito sentindo uma dor fina em seu coração. Syaoran estava ali, naquela casa.

Respirou fundo e abriu os olhos, girou os calcanhares e encarou o topo da escada que dava para o andar de cima da bela mansão.

Sabia onde ele estava...

Subiu vagarosamente as escadas. Não sabia ao certo da onde estava tirando forças para contrair sua musculatura, mas lá estava ela, indo em direção ao seu passado e futuro.

Arfou em silêncio ao encarar a porta do quarto de Nadeshico parcialmente aberta.

Seguiu.

Empurrou a porta.

Syaoran Lee.

Levou as mãos até a boca e abafou um soluço. Lá estava ele, a ínfimos três metros de si. Não pôde ver seu rosto, mas reconheceria aquele porte em qualquer lugar, situação ou época. Ele estava de costas para ela, com seus braços apoiados sob o berço da filha, os ombros largos ligeiramente retraídos. Cerrou os olhos em seus cabelos.

Avançou para mais perto de Syaoran com passos lentos e silenciosos, seus olhos estavam vidrados no dorso do marido enquanto suas pernas se movimentavam de forma automática para o corpo tão amado. A medida que se aproximava, ouvia ruídos cada vez mais nítidos.

Syaoran estava chorando.

Estancou. Agora estava a menos de um metro do seu amor. Levantou uma das mãos lentamente, queria tocá-lo, queria abraçá-lo, queria consolá-lo. Syaoran nunca esqueceu de Nadeshiko. Ele era pai e pais não se esquecem dos seus filhos, não importa a quantidade de rebentos, pois um filho não substitui o outro. Como foi estúpida em achar que ele havia esquecido tudo que viveram juntos.

Em um lapso de sanidade retraiu seu toque e apertou os punhos. Fechou os olhos. Aquele não era o rapaz que se apaixonou na graduação. Aquele era um homem que precisou aprender com a vida e com os seus erros para se tornar a dor e a delícia de ser quem é. O tempo muda tudo e as pessoas não estão isentas a tais mudanças. Não podia esperar encontrar o mesmo homem de vinte anos atrás.  

Abriu os olhos com pesar.

Syaoran Lee. Seu mel…

Sentiu as lágrimas quentes escorrerem por sua pele alva até pingarem finalmente em seu colo. Ele estava ali. Eles estavam ali. Juntos. Naquela casa, naquele templo. De novo. Seu amor, seu passado, sua calmaria, sua perdição. O fantasma de uma relação esquecida. Sua vida, seu futuro. Parecia que uma constelação inteira explodiria em mil pedaços dentro de si.

Levou as mãos até a boca e proclamou com sofreguidão.

— Eu sabia que estaria aqui.

So far away, but still so near

The lights come up, the music dies

But you don't see me standing here


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Oi gente! Tudo bem com vocês?

Finalmente chegamos no ponto crucial de toda a fanfic: o encontro do Syaoran com a Sakura! Para quem não se lembra, o primeiro capítulo termina no mesmo ponto que esse, e eu fico muito feliz por conseguir chegar até aqui.

O próximo capítulo será o último (amém!), e eu já estou com todas as ideias fechadas para ele. O que me falta é apenas tempo, mas aos pouquinhos eu vou escrevendo e quando menos esperarem terá atualização.

O nome da música é Dancing on my own, é o Calum Scott que canta. Caiu como uma luva para o contexto!

Muito obrigada a todos que me apoiaram, de verdade! Espero saber a opinião de vocês sobre o andamento da fanfic.

Um beijo enorme,
Bely.




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Alguém Como Você" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.