Alguém Como Você escrita por Belyhime


Capítulo 2
Capítulo II - Grace




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VINTE E SEIS ANOS ATRÁS

Syaoran ria ao observar a gargalhada gostosa que a sua bebê emitia com as brincadeiras de Tomoyo. A moça de longos cabelos pretos e olhos violetas chacoalhava divertidamente a criança. Ele, Sakura e Meiling apreciavam a cena.

Tomoyo abraçou a pequena de forma carinhosa, encostou sua testa na cabecinha da afilhada, que com suas pequenas mãozinhas agarrou os longos cabelos da moça. Tomoyo riu e fitou a menina.

— Tchau, meu amorzinho, a madrinha precisa voltar para o Japão – Beijou delicadamente a testa de Nadeshiko.

Syaoran podia jurar que a morena estava prestes a chorar. Não era para menos, Tomoyo acompanhou Sakura durante toda a gestação, assistiu o parto e auxiliou a prima nos primeiros meses de vida de Nadeshiko, a moça tornou-se pare da sua rotina, de certa forma a considerava como se fosse da família.

A pequena criança balbuciava palavras que estavam fora da compreensão, mas sabia que a filha sentiria muita falta da madrinha. Virou-se observando Sakura, que tinha o braço entrelaçado no seu e reparou que a esposa secava discretamente as lágrimas nos cantos dos olhos.

Observou Tomoyo entregar Nadeshiko para Meiling, que havia ido até o aeroporto para se despedir da morena, já que se tornaram amigas durante a estadia de Tomoyo em Hong Kong.

— Boa viagem, Tomoyo! – Meiling pegou a criança dos braços da japonesa, e logo sentiu ser abraçada por Tomoyo – Eu sentirei muito a sua falta, venha nos visitar, está bem?

Tomoyo gargalhou brevemente, também sentiria muita falta da amiga chinesa, Meiling era temperamental e as vezes sem juízo, mas adorava seu jeito espontâneo e divertido.

— É claro que eu venho! Por mim eu nem ia – Gargalhou e secou uma lágrima, antes que rolasse pela face.

Syaoran se aproximou da querida amiga, constatando que ele próprio sentiria falta da moça de olhos violetas.

— Você sabe que pode ficar o tempo que quiser – Declarou Syaoran, enquanto abraçava a amiga – Será sempre muito bem-vinda.

Syaoran sentiu Tomoyo retribuir-lhe o abraço, a moça agradeceu e afastou-se. Observou a morena encarar a esposa, que já não segurava o choro.

— Vem cá, Sakura – A moça não precisou insistir, logo as duas estavam abraçadas e chorando no ombro uma da outra – Não chora, Sakura, assim eu choro também.

Sakura tentava conter as lágrimas, mas elas brotavam de seus olhos a todo segundo.

— Eu vou sentir tanto a sua falta, Tomoyo! O que eu vou fazer sem você? Você me ajudou tanto! – Abraçou ainda mais forte a prima - Eu queria que você ficasse com a gente para sempre.

— Eu sei, minha querida, eu sei – Tomoyo também soluçava, não queria deixar a China, mas sabia que era necessário pois Sakura já tinha sua vida e precisava cuidar de sua família – Eu voltarei Sakura, daqui dois meses estou batendo em sua porta de novo.

As duas riram e secaram as lágrimas, deram as mãos e se encararam.

— Obrigada, Tomoyo, obrigada por tudo.

Syaoran observou sua querida flor abrir um sorriso e o brilho alegre retornar aos olhos esmeralda. Era assim que gostava de vê-la: sorrindo.

— Eu só quero que você seja feliz, Sakura – A morena sorriu para a prima – Você estando feliz, eu estarei também.

Mais uma vez, as primas se abraçaram.

Syaoran observou o avião levantar vôo. Suspirou, já sentindo saudades de Tomoyo. Olhou para a esposa que também observava o céu. Meiling tinha as mãos juntas no peito e Nadeshiko, como uma bebê curiosa, olhava a tudo e todos ao seu redor. Observou novamente o céu escuro, o avião já não era visível a olho nu. Reparou que nuvens de chuva estavam se formando, era melhor se apressarem antes que começasse a chover, pois pegariam a estrada para chegarem a fazenda onde moravam

— Vamos, minha flor? - Disse Syaoran, indo de encontro a esposa e a filha.

Sakura observou o relógio, já era tarde.

— Vamos, está tarde, e estamos cansadas – Disse a moça, olhando para Nadeshiko – Não é, meu amorzinho? Fala para o papai que estamos cansadas.

Syaoran observou a pequena emitir sons os quais não entendia o significado. Ela era tão linda. Apertou de leve as bochechas rechonchudas da filha. A garotinha estendeu os pequenos bracinhos para ele.

— Vem com o papai – Não decepcionou o pedido da criança, e logo pegou-a nos braços. Não demorou para a menina puxar seus cabelos rebeldes, deixando-os ainda mais bagunçados que de costume – Vamos para casa? Gosta da ideia?

— Mas já? Não irão para a mansão? – Questionou Meiling, se aproximando do casal.

— Eu trabalho amanhã, e você também Meiling – encarou a prima de forma carrancuda – Vou começar a descontar seus atrasos.

Observou a chinesa fechar a cara. Meiling era estagiária na coorporação Lee, o rapaz percebeu que a prima era inteligente e capaz o suficiente para auxiliá-lo na gestão da corporação Lee. Sua família obviamente foi contra, pois mulheres na família Lee não trabalhavam, existiam apenas para darem herdeiros ao Clã. Com muita lábia, o rapaz conseguiu convencer seus tios a permitirem que Meiling trabalhasse.

No início a prima mostrou-se surpresa, pois não esperava que Syaoran conseguisse convencer seus tios e muito menos o seu pai, mas ele conseguiu, e a ideia de trabalhar e ser independente a deixou muito empolgada. Syaoran, por sua vez, sabia que havia feito bem em insistir que ela fosse para a corporação, pois a moça se mostrou muito dedicada nos dias que seguiram a sua entrada. É claro que os dois, como primos, estavam sempre se provocando, Syaoran sempre ameaçava descontar seus atrasos, mas não falava realmente sério, era apenas para se divertir com o temperamento explosivo da moça.

O rapaz franziu a testa ao observar a prima mostrando a língua para ele, mas logo deu um meio sorriso, pensando em como a mulher a sua frente era infantil as vezes. Observou a moça se despedir de sua filha.

— Nos vemos qualquer dia desses, está bem? E vamos para o parque, observar os gatinhos. Nós duas precisamos de namorado, não acha?

Syaoran franziu a testa. Meiling era completamente louca.

— Dã! Estou brincando – Meiling deu um soco fraco no ombro do primo – Eu sei que você não confia em mim – Concluiu, em tom divertido.

— Não mesmo, você é louca.

Meiling novamente deu-lhe a língua, virando-se para despedir-se de Sakura, que ria da briga dos dois.

— Tchau, Sakurinha! E cuida bem dessa coisinha gorda.

Syaoran dirigia calmamente pela rodovia. Virou-se brevemente para o lado e observou Nadeshiko dormindo tranquilamente nos braços da mãe, que também caiu no sono. As duas estavam cansadas, Sakura por preparar a viagem de Tomoyo, e Nadeshiko por não ter tirado seu costumeiro sono da tarde tamanho era a agitação para o embarque.

Ele e Sakura sentiriam falta da moça de cabelos negros, Tomoyo já estava com eles a um ano, desde que Sakura descobriu a gravidez. A morena cuidou para que a esposa tivesse uma gestação tranquila, tomou de conta da dieta de Sakura e de todas as medidas necessárias para o bom desenvolvimento do bebê. Concluiu que ele próprio não teria feito melhor.

Quando moravam no Japão, Sakura já era extremamente apegada a prima, e o tempo que Tomoyo passou na China tomando de conta dela e da filha apenas fortaleceu ainda mais esse laço, e por mais que a esposa fingisse que estava tudo bem, Syaoran recusava-se a acreditar, pois sabia que Sakura sentia falta do Japão, dos seus amigos e familiares. Tomoyo foi uma companhia fraterna para a esposa durante mais de um ano, e por mais que estivesse sempre rodeada por sua mãe, irmãs e Meiling, ter a presença da prima fez toda a diferença.

Quando a filha nasceu, receberam em sua casa alguns amigos e familiares da esposa, que vieram visitar a pequena Nadeshiko, mas dentro de uma semana todos voltaram para seus lares e Tomoyo foi a única que se recusou a ir embora, pois queria auxiliar Sakura nos primeiros meses de vida da filha. De certa forma, Tomoyo foi como uma segunda mãe para a pequena. Sorriu, desejando do fundo do coração que a amiga fosse feliz.

Então, seus pensamentos foram até Meiling, sua prima e amiga querida, ela também esteve presente durante a gravidez de Sakura. Sorriu lembrando-se com carinho dos mandos e desmandos que a prima gritava aos sete ventos. Tinha que admitir, a chinesa não era nada fácil, tinha um jeito espevitado e escandaloso, mas nutria um grande carinho por ela.

O destino dele e da prima sempre foi um casamento. Meiling desde pequena era apaixonada por ele, a moça desde menina e sonhava com o dia que se casariam. Ele, por sua vez, nunca a enxergou como mulher, a amava apenas como uma querida irmã, nada além disso. Nunca afirmou nem negou nada sobre um possível casamento entre eles, para ele era indiferente se casar com ela ou com qualquer outra noiva escolhida pelos anciões, pois sabia que seu único dever era dar herdeiros ao Clã Lee.

A vida, então, lhe pregou uma peça colocando Sakura em seu caminho e então entendeu o real significado do amor. Apaixonou-se por ela, e mesmo sabendo que iria contra a tradição e tudo que haviam lhe ensinado, lutou com unhas e dentes para conseguir com que ela fosse aceita por sua família. Isso machucou Meiling, e machucou muito.

Uma nuvem negra se formou nos olhos ambarinos do rapaz ao se lembrar de como a magoou quando disse que não iria se casar com ela.

Flash Back

Syaoran estava em seu quarto, deitado em sua cama lendo um livro quando ouviu um barulho qualquer na janela, observou a área por um tempo e logo viu uma pedra atingir o vidro. Franziu a testa.

Levantou-se e rapidamente vestiu uma bermuda. Aproximou-se da grande janela e abriu o vidro, levou um susto ao encontrar uma moça de longos cabelos negros escorada em um galho de árvore que ficava em frente ao seu quarto.

— Me ajude, seu idiota!

— Meiling?

— Quem mais poderia ser?

Constatou surpreso que a moça era sua prima e noiva. Já faziam duas semanas que desembarcou em Hong Kong afim de desfazer seu casamento com a prima e insistir para que os anciões aceitassem Sakura como sua noiva, e em todo este tempo ainda não havia se encontrado com a moça de olhos rubis.

— Vai ficar aí parado? Me ajude!

O rapaz rapidamente ajudou a moça a entrar pela janela, quando finalmente conseguiram, afastaram-se se encarando, afinal, fazia cinco anos que não se viam, já que Syaoran fora para Tomoeda-Tóquio estudar Administração.

— Oi – Proclamou Meiling, em um tom tímido, enquanto encarava o primo com carinho. Sentiu tanta falta do rapaz que por vezes achou que sufocaria. Mas lá estava ela, observando bem a sua frente o homem que sempre amou e que dali uns dias seria seu marido. Deu um passo a diante e tocou levemente a face de Syaoran. Sorriu de pura felicidade ao constatar que não era um sonho, o amado estava realmente a sua frente – Você está tão diferente, tão bonito – Corou.

O rapaz deu um meio sorriso. Por mais que o temperamento de Meiling o irritasse as vezes, sentiu muito a sua falta. Afinal, ela esteve com ele durante toda a sua infância e toda a sua adolescência. De toda a sua família, Meiling foi a única que esteve com ele nos momentos difíceis, e foi a única que realmente o enxergou como pessoa, e não como o filho homem de Chang Lee, futuro líder do Clã.

— Você também está diferente – E era verdade, Meiling estava madura, o corpo antes de menina deu lugar a um corpo de mulher. Sorriu ao constatar que sua querida prima estava crescida – Mas pelo jeito continua louca, o que está fazendo aqui a essa hora? – Ralhou.

— Queria te ver, oras! Meu pai não me deixou te encontrar desde que chegou, não estava mais aguentando a ansiedade até o dia do nosso casamento.

O rapaz franziu a testa constatando que ninguém contou a ela sobre sua decisão. Suspirou. É claro que não contaram, afinal ainda não haviam aceitado sua união com Sakura. Precisava ser honesto, devia isto a Meiling.

De repente, sentiu os braços da prima apertando-lhe o pescoço.

— Senti tanto a sua falta, Xiao Lang.

Em seguida sentiu os lábios da prima colarem-se aos seus. Num primeiro instante ficou estático, assimilando o que acabara de acontecer, mas logo afastou Meiling quase que bruscamente. Encarou a moça de forma séria.

— Não posso.

A moça sorriu.

— Por que não? Estamos noivos, Xiao Lang, daqui uns dias seremos marido e mulher e faremos muito mais que... nos beijar – Corou, mas logo voltou a sorrir feliz imaginando sua noite de núpcias com o primo.

— Não haverá casamento.

Syaoran observou o sorriso da moça fechar. Os olhos rubis da prima mostravam-se confusos com sua declaração. Então, a moça rebateu em um fio de voz.

— É claro que haverá, meu pai me falou que... – Parou. Sentiu os as lágrimas virem aos olhos entendendo a real situação.

Syaoran reparou que Meiling finalmente se dera conta do por que ele havia voltado para a China.

— Não me diga que...

A moça olhou para baixo, não queria que o primo a visse chorar. Todos os seus sonhos e planos haviam sido massacrados. Balançou a cabeça de um lado para o outro, tentando dissipar a dor que sentia. Logo sentiu os dedos ásperos de Syaoran tocar seu queixo, fazendo com que ela o olhasse. E então, sem ter para onde fugir, encarou os olhos que tanto amava.

— Perdão, Meiling – Declarou o rapaz, seu coração doía ao ver a querida prima sofrer – Eu te desejo toda a felicidade do mundo, só quero que você encontre alguém que te ame e te faça feliz.

— Só você pode me fazer feliz – A moça declarou enquanto sentia lágrimas quentes escorrerem pela face.

— Não posso, Meiling, eu realmente não posso – Pegou o rosto da prima com as duas mãos, secou delicadamente as lágrimas que teimavam sair e seus olhos vermelhos – Por favor, não chore.

— Mas... por quê? Eu não sou boa o suficiente? Não sou bonita? Inteligente? Durante a minha vida inteira eu fui preparada para um casamento, o que está faltando para...

— Shhh! Não tem nada de errado com você, acredite – O rapaz sentiu o peito fisgar ao observar o semblante triste da prima, incomodava-o que o motivo de seu choro tenha sido sua rejeição, mas não tinha outra alternativa, precisava ser honesto com ela – Eu não te amo.

A moça fungou, afastou-se brevemente do rapaz e fitou o chão. O Syaoran que saiu da China para estudar no Japão não se importava com sentimentos, mas afinal aquele que estava a sua frente não era o Syaoran que saiu da China, e sim o Syaoran que voltou do Japão.

— O que aconteceu no Japão?

O rapaz arregalou os olhos, a última coisa que esperava era que Meiling perguntasse sobre sua estadia no país do sol nascente. Devia contar-lhe sobre Sakura? Não queria que Meiling sofresse ainda mais. Pelo menos não naquela noite.

— Não aconteceu nada.

— Você nunca foi bom com mentiras, Xiao Lang – Ela finalmente o encarou e constatou que estava certa, aquele que estava a sua frente não era o mesmo Syaoran que saiu da China, mas ainda sabia quando o primo mentia – Qual é o nome dela?

Syaoran ficou em silêncio, apenas observando os olhos vermelhos de Meiling. Relaxou os ombros ao confirmar que a prima o conhecia melhor que sua própria mãe.

— Sakura.

A moça franziu a testa.

— Uma japonesa?

Meiling observou o primo confirmar positivamente com a cabeça. Prendeu a respiração, incrédula.

— Os anciões não aceitarão, você sabe.

— Já estou tratando disso.

O coração frágil da chinesa fisgou ao ouvir aquelas palavras. De alguma forma esperava conseguir convencer o primo de que não havia possibilidade da união de um Lee com uma estrangeira.

— É uma estrangeira, Xiao Lang – Ralhou com o rapaz – Ela nunca será aceita pelo Clã, você tem plena consciência de como a família Lee é tradicional. Você é do ramo principal, herdeiro direto e será o líder de todo o Clã, acha mesmo que permitirão essa união?

— Se não permitirem, deixarei o Clã.

Syaoran observou os olhos arregalados de Meiling olhando-o fixamente, as lágrimas em seu rosto de boneca já haviam cessado.

Meiling recusava-se a acreditar no que acabara de ouvir. O primo só podia estar louco. Deixar o Clã significaria a quebra da tradição, escândalo e vergonha. Os anciões não deixariam esse despeito por parte de Syaoran passar em branco, ele sofreria as consequências, mesmo que tentasse evitar. O Clã Lee era poderoso e influente e Syaoran sabia disso, então por que estava sendo tão imprudente?

Abrir mão de tudo por uma simples japonesa era loucura. Não entendia o fato do primo esquecer-se de tudo que lhe foi ensinado, e não entendia principalmente o fato do rapaz ter se esquecido de quem era. Syaoran era o líder, o filho homem de Chang Lee. Aquele que levaria a diante a dinastia milenar dos Lee. O casamento do herdeiro com uma estrangeira era simplesmente inadmissível.

A moça continuava a encarar os olhos determinados de Syaoran. Ele não parecia ter qualquer tipo de dúvida ou insegurança. Por fim, deu um meio sorriso para o primo.

— Não faria isso.

— Não me subestime.

Meiling novamente trocou faísca com o rapaz. Ele falava sério.

— Por Deus! É uma japonesa – Gritou na cara do rapaz, tentando a todo custo tirar aquela ideia maluca da cabeça do primo – Você tem ideia do que está em jogo? Tem ideia do quão grandioso o Clã Lee é? O que está acontecendo Xiao Lang? Ficou burro? Louco? Está realmente disposto a sofrer as consequências por uma japonesa? – Perguntou, se recusando a acreditar que Syaoran faria tamanha loucura.

Syaoran sorriu ao lembrar-se de Sakura, Meiling reparou nisto e prendeu a respiração.

— Estou disposto a tudo para ficar com ela – O rapaz observou os olhos da prima novamente marejarem.

Passaram-se alguns minutos em completo silêncio, Meiling apenas observava a face do homem que amava. Doía-lhe o peito ao constatar que todo o amor que o rapaz parecia sentir pela estrangeira, era verdadeiro. Por um momento teve raiva da Japonesa, afinal ela lhe roubou o homem que amava, o homem que estava destinado para ela, a estrangeira destruiu todos os seus sonhos e planos. Odiava-a.

— Não a odeie.

A moça arregalou os olhos, era como se Syaoran estivesse lendo seus pensamentos. Encarou-o assustada.

— Ela é a culpada.

Syaoran cerrou os olhos na prima e logo se aproximou, colocou suas mãos nos ombros de Meiling, a moça tentou resistir, mas o rapaz insistiu que ela o encarasse.

— Sakura não tem culpa de nada, Meiling, se alguém tem culpa esta pessoa sou eu – Levantou o queixo da prima e encarau-lhe – Por favor, não a odeie. Você conhece a nossa família, mesmo que eu me case com ela, não aceitarão inteiramente a presença dela e ela se sentirá sozinha e desprezada. Me ajude, eu preciso de você, preciso que seja amiga dela, que esteja com ela quando eu não puder estar. Eu sei que é pedir demais, sei que você me ama, sei que será difícil para você e te peço perdão por isso, mas não tenho mais a quem recorrer, você sempre me apoiou, sempre esteve comigo quando a minha própria família não esteve. Eu nasci para ser o líder, Meiling, sou apenas um objeto para esta família, mas você foi a única que me enxergou como pessoa, foi a única que realmente se importou com o meu bem-estar e sentimentos, então, por favor, me ajude só mais dessa vez, seja amiga de Sakura, não a deixe sozinha. Eu lhe imploro.

Meiling fungou, e então desmoronou abraçando o corpo que tanto amava, sentia o primo fazer carinho em seus cabelos e então chorou, chorou tudo que queria chorar desde o dia que Syaoran viajou para o Japão, pois desde o momento que o avião decolou, soube que o perderia. Chorou mais forte com o fato de Syaoran não a amar, chorou por seus sonhos e planos irem por água a baixo, e chorou mais ainda por não odiar Syaoran e nem a japonesa por quem estava apaixonado, chorou por seus próprios sentimentos, chorou por amá-lo demais.

Longos minutos se passaram, Syaoran murmurava sem parar pedidos de desculpa enquanto a moça aos poucos se recuperava de sua crise. Sentia o cheiro gostoso emanando do corpo másculo de Syaoran, doía-lhe o peito em saber que o coração do primo estava ocupado por outra pessoa, mas concluiu que se Syaoran amava a esta estrangeira, ela devia apoiar-lhe, pois ninguém mais o faria. Aos poucos, sua respiração normalizou e ela não mais soluçava. A esta altura estava deitada na cama de Syaoran, sua cabeça estava apoiada no colo do primo, que continuava a fazer carinho em seus cabelos.

— Ela deve ser muito especial para você a amar assim – Disse a moça, virando-se lentamente para encarar os olhos âmbares que durante toda a sua vida tomou conta de seus sonhos.

Syaoran a observou, pegou um lenço em cima da cômoda e limpou delicadamente o rosto marcado pelas lágrimas.

— Sim, ela é muito especial – Sorriu fracamente.

Meiling também sorriu, um sorriso triste, mas ainda era um sorriso.

— Estou ansiosa para conhecê-la, deve ser linda – Disse a moça, com certa angústia.

— Tanto quanto você.

A moça se levantou e encarou o semblante sério do primo. Observou o rosto bonito, seus cabelos rebeldes cobriam parte dos olhos ambares, levantou a mão e ajeitou uma mecha do cabelo castanho, olhando finalmente para os olhos caramelizados. Observou a boca carnuda e naturalmente vermelha. Syaoran era lindo por inteiro.

A moça aproximou-se lentamente do primo, que continuava olhando fixamente para ela. Tocou seus lábios trêmulos nos lábios de Syaoran. Em um primeiro momento o rapaz ficou estático, pensando no que faria.

Afastá-la? Era justo? Seus pensamentos foram até Sakura, sentindo-se um traidor. Mas não teve coragem de afastar a prima, pois este era um beijo de despedida, um beijo que devia a ela por longos anos de expectativa, sonhos e espera.

Entreabriu os lábios, aprofundando o beijo, levantou uma das mãos e segurou a nuca da moça, firmando-a contra ele, logo tomou a língua da prima entre a sua e brincou com sua boca por longos minutos. Por fim, Meiling se afastou e tocou a face tão amada em um carinho suave.

— Adeus, Xiao Lang. E obrigada.

Syaoran observou o corpo de Meiling se afastar em direção a porta e sair. Por um tempo, observou o local por onde a prima acabara de passar. Deitou-se de forma pesada, encarando o teto de seu quarto. Logo a imagem de Sakura formou-se em sua mente. Fechou os olhos, sentindo-se mal por beijar Meiling, pensou em mandar uma mensagem contando a namorada o ocorrido, mas logo desistiu da ideia. Sakura não entenderia, e isso poderia prejudicar uma futura amizade entre as duas mulheres. Virou-se para o lado, puxando um travesseiro para cobrir-lhe a cabeça. Sentia-se o pior dos cretinos.

Fim do Flash Back

Syaoran observou a face adormecida de Sakura, ainda se sentia culpado por ter beijado a prima e não contar a esposa, mas era melhor que ela não soubesse. Aquele beijo não significou nada para ele, fez o que fez por Meiling.

Olhou para o pequeno embrulho nos braços da sua amada, sorriu ao observar as bochechas coradas de Nadeshiko, ela era a prova viva de todo o amor que sentia por Sakura.

Olhou para frente, observando o trânsito, ainda pensando em Meiling.

Em seu íntimo, sabia que ela ainda o amava. Sentia-se até certo ponto lisonjeado, Meiling além de ser uma moça muito bonita, era uma pessoa boa, que sempre colocou as prioridades dos outros em primeiro lugar. Rezava e pedia aos Deuses para que a moça o tirasse da cabeça, que conhecesse alguém que fosse digno de seu amor, e que ela fosse tão feliz quanto ele era com Sakura.

Olhou novamente para o lado, dessa vez observou por mais tempo a sua família. Doía-lhe o peito em constatar que dali algumas semanas viajaria para outro país. Quando anunciou para a família que Sakura estava esperando um bebê, os anciões se dispuseram a tomar conta dos negócios até que a criança nascesse, de certo modo fazia parte da tradição que o pai acompanhasse a gestação da esposa. O rapaz continuou trabalhando e fechando contratos, mas quem fazia as viagens eram seus tios e primos. Quando a filha completou um mês de vida, a rotina de viagens voltou e ele não teve como contornar a situação e ficar mais tempo com elas. De tempos em tempos tinha que partir em uma viagem de negócios, e sempre deixava Sakura e Nadeshiko aos cuidados de Tomoyo. Suspirou, pensando que agora teria que deixar a esposa e a filha aos cuidados de sua mãe e irmãs, na mansão Lee.

Não podia dizer que não gostava do mundo dos negócios, gostava sim, o desafio do dia-a-dia chamava sua atenção, mas o preço que se pagava era alto demais, era um preço que definitivamente não gostava de pagar. Se pudesse escolher, escolheria nascer em qualquer outra família, escolheria viver uma vida simples e tranquila com a esposa e a filha, escolheria ser professor, talvez de matemática ou física. Poderia até mesmo abrir uma academia de luta e ensinar os jovens e crianças a grandiosidade e complexidade das artes marciais.

Mas, por mais que se sentisse incomodado com sua vida profissional, agradecia aos deuses por ter conhecido a Sakura, pois se algo em sua vida fosse diferente, com certeza não iria para o Japão e consequentemente não teria sua família formada.

Novamente, observou seu pequeno botão de flor nos braços da mãe, Nadeshiko era tão bonitinha quanto Sakura, em muito lembrava a esposa. Seus cabelos, ainda ralos, eram de um tom castanho claro, como os de Sakura, o formato do rosto, o desenho da boquinha e os demais detalhes de sua face, lembravam e muito o semblante de Sakura. O único detalhe que herdara dele, era o tom dos olhos. Nadeshiko tinha olhos caramelizados como os de Syaoran.

Sorriu de forma nostálgica ao constatar como o tempo passava rápido, parecia que havia sido ontem que segurara a pequena pela primeira vez, e agora ela já estava com dez meses, daqui a pouco estaria com um ano, e dali mais um pouco com vinte anos. Fechou o sorriso, pensando que deveria e tentaria ao máximo passar o maior tempo possível com ela, pois não queria perder sua infância e adolescência.

Observava a estrada pouco movimentada. Logo viu grossos pingos de água cair no vidro do seu carro, reduziu a velocidade do veículo, o que não adiantou muito pois logo o temporal se formou, fazendo com que o rapaz tivesse dificuldade em dirigir, resolveu parar no acostamento e esperar a chuva diminuir. Ligou o pisca-alerta e encostou a cabeça no apoio do banco.

Virou-se, olhando para Nadeshiko que continuava a ressonar suavemente, pegou a garotinha no colo tomando cuidado para que nenhuma das duas acordassem, tirou-lhe a chupeta da boca. Não queria que Sakura desse a chupeta para a filha, pois sabia que prejudicava a formação e crescimento dentário, mas a esposa insistiu, argumentando que não havia problema, e que logo tirariam o costume da criança. Sakura era teimosa quando queria.

Então observou a esposa, dormindo serenamente. A maternidade, por incrível que pareça, deixara Sakura ainda mais bonita. Era um anjo de tão bela e intocável. Jamais cansaria de olhá-la, de senti-la entre os braços. Jamais se cansaria de ouvir a risada gostosa que ela emitia, de beijar-lhe a boca enquanto sorria. Era sua flor, sua flor preciosa e única. Deuses! Como a amava. Com a outra mão, acariciou levemente a face de Sakura. Ela o fazia o homem mais feliz do mundo. Sorriu observando sua flor e o seu botão de flor.

Um trovão ressonou e Sakura acordou sobressaltada, olhando para os lados a procura da filha. Observou o marido balançar a criança, que também se assustou com o estrondo, apesar de ainda estar em sono profundo. A moça sorriu aliviada, vendo que Syaoran tinha a filha nos braços.

— Não é perigoso parar aqui? – Murmurou, olhando para a tempestade.

— Não, estamos no acostamento – Respondeu o rapaz, ajeitando o bebê nos braços.

Syaoran olhou para Sakura. Sentia falta da esposa, pois desde que Nadeshiko nasceu Sakura se dedicava inteiramente a ela. Não estava magoado nem com raiva, apenas um pouco carente da esposa. Percebendo o olhar demorado de Syaoran, a moça ergueu a mão e acariciou levemente a face masculina.

— Precisamos passar mais tempo juntos.

— Eu sei, Syaoran, mas entenda que...

Syaoran interrompeu Sakura com um beijo rápido e sorriu.

— Eu entendo, de verdade.

Sakura sorriu e continuou acariciando a face do marido carinhosamente. Logo lembrou-se de algo que Tomoyo havia comentado com ela mais cedo.

— Estou preocupada com Eriol.

O rapaz franziu a sobrancelha.

— Tomoyo disse que ele está com problemas, alguma coisa aconteceu com aquela professora... como era mesmo o nome dela?

— Mizuki, Kaho Mizuki.

— Isso! – Disse a moça, um pouco alto demais, fazendo a pequena filha se mexer nos braços do marido, e então baixou o tom de voz – Parece que a professora Mizuki ficou doente, e parece que é grave.

— Sério? Nossa, eles acabaram de se casar.

— Verdade! – Syaoran sentiu que Sakura estava triste, mas antes de falar algo a esposa continuou – Sabe, eu sempre achei que ele e Tomoyo ficariam juntos na faculdade, eles tinham o mesmo gosto para tudo.

Syaoran gargalhou, houve uma época que até mesmo ele achou, mas quando o amigo confessou seus sentimentos com relação a professora de matemática, já não imaginava Tomoyo e Eriol como um casal.

— Eu sempre soube que ele era afim da Professora Mizuki – Gargalhou divertidamente ao observar Sakura mostrar-lhe a língua.

— Nem para me contar! – Replicou emburrada.

— Adoro quando você faz beicinho, sabia? Ninguém faz beicinho igual ao seu.

Sakura olhou desconfiada para o marido.

— E o senhor fica reparando no beicinho das outras garotas, é?

Syaoran riu com a cena de ciúmes.

— É claro, querida.

Como resposta recebeu um soquinho no braço.

— Idiota!

Riram, e em seguida foram surpreendidos com o choro de Nadeshiko. Syaoran entregou o pequeno embrulho para Sakura, que ajeitou a menina nos braços para mamar. Virou-se para trás, remexendo a bolsa infantil até encontrar uma mamadeira. Entregou a Sakura e olhou para a chuva que teimava em cair. Reparou em algumas luzes a alguns metros dali, lembrou-se que naquela parte da rodovia tinha um restaurante. Virou-se para Sakura.

— Vou comprar alguma coisa para comer – Declarou o rapaz, já abrindo a porta do carro.

— Não, não! Eu tenho medo – A moça imediatamente pegou o marido pelo braço, impedindo que ele saísse.

— Medo do quê, Sakura? Eu volto em um minuto.

— Não! Eu não quero ficar aqui sozinha, é perigoso! Além de que está chovendo, você pode pegar um resfriado – Insistiu a moça.

Syaoran pegou uma jaqueta no banco de trás e mostrou a esposa.

— Pronto, me cobrirei. Eu já volto amor, não tem com o que se preocupar.

A criança mais uma vez choramingou, reclamando da agitação da mãe.

— Você não pode ficar sem se alimentar, Tomoyo foi embora, mas sua dieta continua igual – Observou Sakura novamente fechar a cara. Sorriu e fez um carinho de leve na face de sua filhinha, em seguida beijou rapidamente os lábios da esposa.

O rapaz saiu do carro, deixando uma Sakura aflita para trás.

O estabelecimento estava quase vazio. Já era tarde e havia apenas alguns senhores em uma das mesas, bebendo e rindo alto. Syaoran dirigiu-se ao balcão, onde se encontrava uma moça de cabelos longos e escuros.

— Ahn... boa noite – Disse, chamando a atenção da mulher.

— Boa noite, senhor – A moça dirigiu-lhe um sorriso lascivo, enquanto ajeitava o decote – O que posso lhe oferecer?

Syaoran franziu a testa. Sabia quando uma mulher se insinuava para ele. Disfarçou olhando rapidamente para o lado de fora, onde estava seu carro com sua esposa e filha. Pegou o cardápio. Havia pratos de diversas nacionalidades, e então sorriu ao reconhecer a receita brasileira, a qual ele e Sakura adoravam.

— Um chá, por favor, e pães de queijo, para viagem – Disse, evitando olhar para a moça.

— Espere um momento, senhor – Respondeu a moça, enquanto se afastava. Seu nome era Nakuro, Syaoran pôde ler em seu crachá, e reparou que ela tinha um leve sotaque ao falar chinês.

Dirigiu-se para o banheiro e rapidamente retornou para o balcão do estabelecimento, mais uma vez olhou para fora, checando sua família. Sentou-se no banco, tomando seu chá enquanto esperava os pães de queijo. Lembrou-se da reação da esposa, ao experimentar a receita pela primeira vez em sua viagem para o Brasil, onde passaram a lua de mel.

Tomou o último gole de chá, enquanto Nakuro trazia seu pedido embrulhado para viagem. Syaoran pegou sua carteira, retirando o dinheiro.

— Posso lhe servir em algo mais, senhor? – Questionou a moça, sorrindo maliciosamente.

— Não – Syaoran disse seco, fazendo com que Nakuro tirasse o sorriso bobo da cara.

— Tem cert...

— Tenho, obrigado – Falou, pegando a sacola e colocando o dinheiro em cima do balcão – Pode ficar com o troco.

Virou-se, andou até a porta e abriu-a.

Viu e ouviu a pior cena de sua vida.

Acabou. Sua família acabou.

Caiu de joelhos.

I'm on my knees

only memories

are left for me to hold

Sangue, sirenes e agitação. Sentia como se tudo ao seu redor estivesse girando, sua cabeça era como uma caixa d’água. Eram sonhos inversos? Ou realidade ilusória? Não sabia ao certo de nada, só sabia que ele estava sozinho, mais uma vez estava sozinho no mundo. Elas não sobreviveram, não havia possibilidade de sobreviverem a um acidente daquele porte.

Syaoran ouvia vozes o chamando, mas ele estava longe demais para responder qualquer coisa. Ao longe observava uma carreta parada, viaturas de polícia e bombeiros cercavam o local e tentavam inutilmente afastar os curiosos. Elas morreram. Não. Não podiam morrer, elas eram tudo que ele tinha.

— Sa... Sakura... Nadeshiko...

Encarou o chão e piscou várias vezes, quem sabe tudo aquilo não era um pesadelo. Tinha de ser.

Don't know how

but I'll get by

Slowly pull myself together

Lembranças de sua esposa e sua filha formaram-se em sua mente. Agora, meras recordações era tudo o que sobrara delas.

— Senhor?

Sentiu ser sacudido por alguém, mas não olhou, nada lhe importava naquele momento. Queria apenas ser uma folha solta no vento, queria apenas sumir daquele local, acordar daquele sonho, virar-se na cama e observar Sakura dormir como fazia todas as manhãs, depois levantar e preparar a mamadeira da filha, tomar o seu banho e ir trabalhar. Queria apenas que nada daquilo estivesse acontecendo. Encostou a testa no asfalto da rodovia, sentia um aperto nas entranhas, uma dor que jamais sentiu antes. Ele as perdeu, tinha certeza disso.

There's no escape

So keep me safe

This feels so unreal

Não sabia ao certo a quanto tempo estava ali, de joelhos com a testa no asfalto, sentia que a chuva estava diminuindo, agora era uma fraca garoa batizando o local. A lembrança do caminhão batendo em seu carro se repetia em sua mente como um looping. Ergueu lentamente os olhos. Observou os pedaços do carro pela rodovia, pouco sobrara do automóvel, mas isso era o de menos, pois Sakura e Nadeshiko estavam dentro do carro e foram atingidas.

Nothing comes easily

Fill this empty space

Nothing is like it seems

Turn my grief to grace

 

I feel the cold

Loneliness unfold

Like from another world

Sentia o corpo dormente, talvez pelo frio que sentia. Só não sabia dizer se era um frio por estar todo molhado, ou o frio psicológico pela perca de alguém. Sentiu ser sacudido mais uma vez, ergueu os olhos. A sua frente tinha um homem que o chamava sem parar.

Observou o bombeiro por um momento, mas não pronunciou uma única palavra. Sentiu a aproximação de mais bombeiros, em seguida um deles o ajudou a se sentar. Olhou para o homem que o chamava.

— Senhor? Qual é o seu nome?

Syaoran ainda observou por um tempo o homem. Seus reflexos estavam lentos, e sentia como se sua cabeça fosse explodir. Com os olhos, procurou o local onde havia um aglomerado de bombeiros, provavelmente tentavam resgatar Sakura e Nadeshiko.

— Senhor?

Syaoran desviou novamente o olhar para o homem.

— Elas eram tudo que eu tinha.

Sentiu o bombeiro colocar uma mão sobre o seu ombro e apertar de leve.

— Estamos fazendo todo o possível, confie em nossa equipe.

Syaoran observou demoradamente o homem.

— Não tem como saírem vivas, não minta para mim.

O homem apertou um pouco mais seu ombro e o encarou fixamente.

— Precisará ser forte, senhor.

Syaoran encarou novamente o chão. Sentia a garoa fina molhar sua nuca, enquanto tentava inutilmente raciocinar. Remexeu brevemente os bolsos e em seguida entregou sua carteira ao homem que estava a sua frente.

O bombeiro se levantou com os documentos de Syaoran e olhou para o rapaz surpreso por ver que a sua frente estava o líder do Clã Lee.

Syaoran observou de relance o semblante surpreso do homem a sua frente, e logo viu outro bombeiro se aproximar, os dois homens trocaram algumas palavras as quais Syaoran não compreendeu, o senhor que antes o chamou entregou sua carteira ao recém-chegado, ambos trocaram olhares e um deles discou algo no celular.

Come what may

I won't fade away

But I know I might change

Ficou por mais um tempo ali, parado, observando a movimentação. Observou a garoa fina lavar o sangue da pista. Era o de Sakura? Ou de Nadeshiko? Com certeza de ambas. Queria se levantar, queria gritar, chorar, queria correr, queria salvar sua filha e sua esposa. Mas como? Seu corpo não se movia, era como se estivesse colado naquele chão. Escutou uma voz estridente invadir o local, algo em seu íntimo o alertou que aquela voz era de alguém que conhecia, só não sabia de quem.

Os gritos ficaram cada vez mais próximos, mas ainda assim não conseguiu distinguir quem era. Moveu o rosto em direção a voz que ouvia, observou uma moça de longos cabelos negros correr em sua direção. Meiling. Era Meiling.

— Xiao Lang! O que aconteceu?

O rapaz observou a prima ajoelhar-se a sua frente. Os olhos dela estavam aflitos e seu semblante confuso e preocupado. Observou mais algumas pessoas o rodearem, era sua família, os Lee. Olhou para cada um daqueles rostos, reconheceu três de seus tios e a mãe.

Sentiu alguém segurar-lhe o rosto, era Meiling que chamava sua atenção para ela. A moça não parava de perguntar o que aconteceu. Reparou que alguns bombeiros vieram em direção a família, seus tios e sua mãe se afastaram para tratar do que quer que fosse. Sentiu uma mão pesada bater em sua face.

— Acorda! – Esfregou o lado da face que levou a bofetada, Meiling tinha a mão pesada para uma mulher – Reaja! Sakura e Nadeshiko precisarão de você!

Sakura e Nadeshiko precisarão dele? Mas como? Sakura estava morta, assim como sua filha. Não teriam como sobreviver aquele acidente. Seu carro foi totalmente destruído. Fechou os olhos. Não queria chorar, queria ser mais forte que isso, queria levantar daquele chão e ir de encontro aos pedaços do automóvel, talvez se ele resgatasse sua família, as encontraria com vida. Riu. Gargalhou. Como era idiota.

— Você é louco ou o quê?

Ouviu a prima gritar na sua cara, no momento em que ela levantou a mão para dar uma segunda bofetada, ele segurou seu punho.

— A vida... ela é engraçada.

Meiling não tinha real noção da gravidade da situação, a mansão Lee recebeu uma ligação da polícia a pouco mais de uma hora falando sobre um acidente na rodovia, logo soube que se tratava de Syaoran e não teve quem a fizesse ficar em casa. Chegou no local e viu o carro do primo aos pedaços e uma carreta, seu coração deu um pulo de felicidade ao ver Syaoran de joelhos na porta de um estabelecimento, foi de encontro a ele sem se importar muito com o acidente. Sentiu-se até certo ponto culpada. Virou o rosto, observou alguns policiais e bombeiros no local do acidente, Sakura e Nadeshiko com certeza estavam presas na lataria do carro.

A moça de olhos rubis observou o primo abrir um sorriso fraco, se assustou ao ver duas lágrimas correrem pelo rosto do amado, misturando-se com as gotas finas que continuavam a despencar do céu. Nunca, em toda sua vida, viu Syaoran chorar.

— Não chora, meu amor – Meiling secou rapidamente as lágrimas que rolavam pelo rosto de Syaoran. Seu coração estava apertado ao observar o rosto do homem que amava ser invadido pelas lágrimas.

Syaoran abaixou a cabeça. Sua visão ficou turva e logo percebeu que estava chorando. Esfregou o rosto, não entendendo aquela confusão de sentimentos. Sentia uma dor aguda no peito cada vez que a imagem de Sakura e Nadeshiko se formavam em sua mente. Em um impulso colocou as duas mãos na cabeça, tentando inutilmente dissipar suas lembranças enquanto sentia mais lágrimas rolarem pela face.

— Elas... morreram, Meiling... elas eram... tudo que eu tinha – Abriu os olhos lentamente e observou os olhos marejados da prima.

— Você tem a mim, você sempre terá a mim – Meiling segurou o rosto de Syaoran entre os dedos. A moça secou novamente as lágrimas que teimavam em sair dos olhos do primo, se aproximou e deu pequenos beijinhos no rosto dele, chegou até a roçar-lhe os lábios sem se importar. Queria apenas confortá-lo.

Syaoran estava alheio as tentativas de Meiling, seus olhos opacos estavam longe e as donas de seus pensamentos eram a esposa e a filha.

Ele sempre foi sozinho. No passado, era uma criança sozinha, um adolescente sozinho e seria um adulto sozinho caso não tivesse conhecido Sakura. Sua vida mudou quando se apaixonou por ela, pois entendeu o real significado do amor e sua importância. Casaram-se, e então conheceu um outro tipo de amor, o amor de pai. Nadeshiko foi um presente precioso dos Deuses, e ele finalmente não estava mais sozinho no mundo, pois construiu uma família. Mas agora, tudo estava acabado e ele novamente não tinha ninguém. E o culpado era ele mesmo.

Nothing comes easily

Fill this empty space

Nothing is like it was

Turn my grief to grace

Sentiu como se o mundo caísse em seus ombros. Sakura não queria que ele se afastasse, e mesmo assim ele ignorou suas súplicas e deixou-as sozinhas. Deuses! Como se arrependia de ter ignorado os medos da esposa. Deveria ter ficado com elas, deveria ter morrido junto com elas. Ele sabia que aquela rodovia era perigosa. Por quê parou? Podia ter reduzido ainda mais a velocidade. Não devia ter parado, pois nada disso teria acontecido e ele estaria em casa, colocando Nadeshiko para dormir junto com a esposa. Burro! Mil vezes burro, estúpido, idiota. Como não pensou na hipótese de baterem em seu carro? Como pôde ser tão imprudente? Podia ter feito um milhão de coisas que evitariam esse acidente, e sua família estaria a salvo. Mas não, ele estacionou e deixou Sakura sozinha com Nadeshiko, e então tudo aconteceu, e agora elas estavam mortas e o único culpado era ele próprio. Apenas ele.

Levantou-se de forma brusca, derrubando Meiling.

Correu, correu em direção ao carro, ele as pegaria, ele as salvaria, ele as manteria a salvo de tudo e todos. Salvaria sua família e iria embora da China, iria embora junto com elas e eles viveriam em paz em qualquer outro lugar do mundo. Não as deixaria nunca mais.

Sentiu ser segurado por um bombeiro, o qual levou um soco em seguida. Correu ainda mais depressa para um amontoado de bombeiros, muitos tentavam segurar o rapaz, mas ele era mais ágil devido aos anos de treinamento em artes marciais.

Ouvia os gritos de Meiling atrás de si, mas não se importou, queria apenas seguir em frente e tirar sua esposa e sua filha daquele carro.

Parou.

Parou ao fitar uma estrutura que estava sendo recolhida por um dos bombeiros. Era um bracinho de criança, bracinho de bebê. Reconheceu pelo tamanho dos dedinhos, que era a única parte que não havia sido estraçalhada pelo impacto.

Não, isso não podia estar acontecendo.

Deu um passo para trás. Era o bracinho de sua filha, pois pendurado em um pedaço de osso havia uma pequena pulseira coberta de sangue, era a pulseira que a filha ganhara de seu tio Touya quando este veio a China.

Olhou para os lados, vendo outros aglomerados de bombeiros recolherem pedaços de um pequeno corpo.

Analisando a situação, constatou que Nadeshiko fora arremessada para fora do carro e seu corpinho estava sendo recolhido na rodovia.

Deu mais um passo para trás, recusando-se a acreditar no que seus olhos viam.

Sentiu Meiling alcança-lo, logo a moça levou as mãos a boca e emitiu um grito abafado ao entender o que se passava. Seus olhos rubis estavam assustados e chocados. A moça olhou para o primo, que tinha o olhar vidrado na cena. Colocou-se à sua frente forçando-o a olhá-la.

— Não olhe para lá. Olhe apenas para mim.

O rapaz encarou a prima. Sua filha morreu, seu pequeno botão de flor, tão pequena e tão frágil. Ela não tinha vivido nada, era apenas um bebê. Por que os Deuses a levaram de forma tão cruel? Com certeza para puni-lo. Pensou em como sua vida era desgraçada. Em um momento tinha tudo e no outro não tinha nada.

Fez o que Meiling lhe mandou, apenas a encarou. Não queria ver sua pequena Nadeshiko sendo recolhida na pista.

Levantou lentamente o olhar e observou o céu, sentindo a chuva lavar seu rosto. Fechou os olhos. Em seguida a dor aguda em seu peito intensificou enquanto sentia a água fria misturar-se com as lágrimas quentes. Sentiu uma claridade repentina e abriu os olhos, a luz o cegou momentaneamente. Abaixou a cabeça e pelo barulho constatou que havia helicópteros no local. Provavelmente a notícia já estava sendo transmitida pelas televisoras. Afinal, era um acidente envolvendo o Clã Lee. Encarou novamente a prima.

— Eu... só quero acordar.

Sentiu seu corpo ser envolvido pelos braços de Meiling, por fim enterrou o rosto no pescoço da prima, abraçou sua cintura e ali chorou seu luto.

Nothing comes easily

Where do I begin?

Nothing can bring me peace

I've lost everything

I just want to feel your embrace


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Notas finais do capítulo

Oi, gente!

A música presente no capítulo se chama Grace, e é a lindíssima da Kate Havnevik que canta.
Para quem está acompanhando, eu aconselho dar uma olhadinha na tradução, pois cai como uma luva para o contexto do capítulo.

Primeiro eu gostaria de agradecer imensamente as pessoas que estão acompanhando, seja lá quem for! hahaha Meus amores, muito obrigada, de coração. Vocês não fazem ideia do quanto me motivaram a escrever.

Segundo: Mil desculpas por demorar tanto com o segundo capítulo, acontece que deu em torno de 40 páginas no word (e eu ainda não havia terminado), então precisei dividir e fazer algumas alterações. E além de que, eu tenho um grande defeito de não achar que as coisas estão boas, então reviso milhões de vezes antes de postar.

Esse capítulo é de esclarecimento sobre o passado do nosso casal, caso alguém tenha ficado confuso basta me mandar uma mensagem ou enviar nos comentários, que eu explico com todo o prazer.
O próximo capítulo eu não sei quando sai, está uma correria só na faculdade, apesar de já ter 20 páginas prontas, ainda falta bastante coisa e o meu tempo está curto. MAS tentarei ao máximo terminar até o fim de novembro.

Por favor, comentem, eu preciso muito saber o que estão achando.

Beijo enorme,
Belyhime.



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