Fogo e Gasolina escrita por Didilicia
Herculano respirou o ar fresco da noite, passou por alguns caras do bando que estavam conversando perto da fogueira, e foi deitar numa rede mais afastada das pessoas.
Bel viu quando ele passou e foi atrás do capitão.
– O quê que houve capitão?
– Nada não Bel...
– É a volta da duquesa, né mermu...? – ele riu.
Herculano estava deitado. Cada perna de um lado da rede, o pé encostando no chão batido de terra. Um braço por baixo da cabeça.
– Não posso deixar que levem ela pra longe de mim.
– O que o capitão vai fazer?
– Ainda não sei, Bel... mas faço o que for preciso.
Bel sorriu e deixou Herculano sozinho com seus pensamentos.
...
Estava escuro e cinzento quando Herculano se levantou, na manhã seguinte. Calçou as botas, abotoou a calça e pegou a camisa que havia deixado no punho da rede. Ele caminhou até a tenda. Todos no acampamento ainda dormiam.
Seu olhar pousou na forma adormecida e no brilho acobreado do cabelo dela. Sentiu uma forte tentação de tê-la outra vez em seus braços. Debruçando-se, o capitão sacudiu-a rudemente pelo ombro.
– Levanta. Tá na hora.
Os cílios dela tremeram, depois se abriram. Herculano se afastou para abotoar a camisa. Ela usava apenas suas roupas de baixo, a lingerie fina e bordada que ele quase rasgara na noite passada. Ursula espreguiçou-se, arqueando as costas como uma gata. O coração dele bateu mais depressa ao ver o contorno empinado dos seios dela. Ele desviou o olhar e começou a enfiar a camisa pra dentro da calça.
– É melhor tu se vestir. – falou, com voz seca.
– O capitão acha? – ela riu, levantando e se exibindo diante dele – pensei que ia querer terminar de rasgar minhas roupas.
O fogo nas veias dele não poderia ser mais ardente. Não poderia haver mais sensualidade na forma como ela falava e se movimentava ao redor dele. Vê-la daquele jeito provocante era mais do que ele podia aguentar. Envolveu a cintura dela com o braço para puxá-la para junto de si e cortar abruptamente o discurso provocador. Antes que pudesse toma-la completamente nos braços, ela já se esticava para alcançar a boca que descia ao encontro da sua.
A ansiedade e o ardor dela fizeram ele apertar ainda mais o abraço esmagando-a contra si. O gesto a fez gemer.
–Hmmm...
– Tu tem que se vestir, não temos muito tempo.
Ela percebeu a seriedade dele e instantaneamente soube que ele planejava algo.
– Para onde vamos?
– Faz o que to mandando.
O capitão deu ordens para os cangaceiros jamais falarem que Ursula esteve no acampamento caso alguém perguntasse. Especialmente se fosse alguém da Corte de Seráfia.
Ele selou um cavalo. A duquesa estava esperando de pé, ao seu lado. Ela nunca se cansava de ver como ele subia na sela. Uma ação suave, um movimento fluido e ágil. Já montado, ele dirigiu um olhar para ela que se adiantou em segurar a mão dele e botar um pé no estribo. Sentou-se atrás dele, grudando o corpo ao dele e cravando suas mãos na camisa.
– Pra onde vamos? – ela perguntou.
– Vou levar tu pro acampamento de uns companheiros meus.
– Mas porque? Eu não quero ir! Quero ficar com você!
Herculano deu duas batidas no lombo do cavalo e o animal pôs-se a correr mata adentro.
– Não Herculano! Eu não quero ir! - ela insistia.
– A duquesa não percebe que não pode ficar comigo?!
– Vai dizer que você não me ama? É isso!?
– Não se trata disso.
– Então...?
– O Rei Augusto não vai deixar a duquesa escapar de todas as artimanhas que tu aprontou. Ele vai vir procurar por tu. E qual é o primeiro lugar que ele vai olhar? - ele deixou a sugestão no ar.
– O seu acampamento... - ela disse, entendendo então qual era o propósito do capitão ao tirá-la de lá.
Partiram com destino certo: o acampamento de São João da Areia. Liderado por Firmino da Silva, era um grupo de cangaceiros que ficava mais ao norte, saindo de Brogodó.
– Por quanto tempo ficarei escondida lá?
– O tempo que for preciso.
O sol já começava a despontar no céu. E era por ele que Herculano se guiava para achar o caminho.
Seu olhar varreu o percurso que tinham percorrido. De repente ele achou ter ouvido vozes à alguma distancia. Ele acelerou o passo.
– por que estamos correndo Herculano?!
– Fica quieta! – ele ordenou, cada vez mais atento. – Tu faz muita pergunta!
Ouviu o silvar de uma bala cortando o caminho antes que pudesse ouvir o eco do disparo na mata fechada. Ele ficou escondido em meio às arvores o quanto pôde. O capitão podia apenas adivinhar a direção da perseguição.
– O que está acontecendo?! Quem está atirando na gente?!
– O maldito cozinheiro deu com a língua nos dentes! Vieram pra pegar a duquesa. – ele desceu do cavalo, arrastando ela consigo logo atrás. – mas eu não vou deixar que eles te levem.
Ele se deu conta que precisavam se esconder ou a Corte cruzaria o caminho deles e os encontrariam em pouco tempo.
– Vamo!! – ele a chamou, indo um pouco na frente para abrir caminho.
O ritmo puxado estava começando a cansá-la. Suas vestes compridas e cheias de pompa também não ajudavam. Ursula tentava acompanhar o passo quando tropeçou e caiu de joelhos.
– AAAII capitão...!
Ele olhou para atrás e a viu caída. Voltou até ela e a agarrou pela cintura, ajudando ela a levantar. A duquesa tentava recuperar o fôlego.
– Não aguento mais...
– Precisamos continuar. – a mão dele ergueu o queixo dela encontrando seus olhos.
Ela tentou dar mais uns passos, mas desistiu, agarrando-se a um tronco de árvore. Sua respiração saía com dificuldade diante de todo o seu esforço.
– Entregue a Ursula, capitão! – a voz do Rei Augusto soou por entre a mata fechada chegando em seus ouvidos alto e claro. – Vocês estão cercados.
A reação dele foi guiada pelo instinto: na mesma hora ele a puxou para trás de si, protegendo-a com seu corpo, tirou a faca da bainha da calça e tentou visualizar algum volante.
– Capitão Herculano, não tente resistir! Se precisar atiramos! – gritou um soldado.
– Herculano, tudo bem... – Úrsula disse baixinho logo atrás dele - ... não temos chance! Eu vou me entregar! Não suportaria se alguma coisa acontecesse com você.
– Não! Não vou deixar! – ele a olhava de frente, segurando seus braços. – seu olhar denunciava seu desespero.
– Capitão! Entregue a duquesa para que ela seja julgada em Seráfia do jeito que tem que ser!
O silêncio se fez entre os dois numa fração de segundos, tempo suficiente para o olhar dela encontrar o dele numa súplica sem palavras. Ela levou a mão até o rosto dele e lhe fez uma carícia. Seu polegar contornou os lábios dele e ela lhe deu um meio sorriso como se quisesse lhe assegurar que estava “tudo bem”.
– Eu estou aqui! Me entrego! – ela gritou, antes que Herculano pudesse lhe impedir.
(...)
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