Sombras do Passado escrita por Zusaky


Capítulo 9
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Notas iniciais do capítulo

Fiquei feliz ao ver que causei a reação que esperava em vocês com o final do capítulo anterior! Agora vamos finalmente ver o que a Eileen decidiu fazer.

Boa leitura.



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Eileen estava incrédula. Pensou que talvez pudesse haver alguém parecido com o cientista naquela época. Mas não parecia ser o caso. Ela lembrava-se de cada ponto do rosto dele. Aquele olhar dele o denunciou na hora, pois o medo estava cravado neles ao fitarem a assassina. Por um momento ela sentiu uma certa hesitação correr por todo o seu corpo, como se fosse uma descarga elétrica.

Naquele mesmo instante ela ouviu uma voz sussurrar dentro de sua mente:

“Por que você está neste lugar?”

O mundo tinha parado naquele momento; as outras pessoas ficaram acinzentadas e havia somente ela ali. Os barulhos de conversas e carruagens findaram-se também, sobrando apenas o som de sua própria respiração.

Como resposta para aquela pergunta imaginária, pensou na máquina que estava no subsolo. No jeito como ela desintegrou seu corpo em pequenos pedacinhos.

“Quem te fez ir até aí?”

Só conseguiu pensar na pessoa que estava à sua frente. Mas ainda havia aquele amigo de Ethan, que ela acreditava ser quem procuravam. Ela logo lembrou-se de que o estava ajudando apenas porque ele prometera depois ajudá-la a encontrar o cientista. Era apenas esse o motivo. Ela, porém, tinha acabado de encontrá-lo, então não precisava mais de Ethan.

Foi como um baque chegar àquela conclusão. Havia se acostumado tão rápido com a presença dele a todo instante que acabou por se esquecer de que aquilo era apenas uma troca justa. Um ajudando o outro.

Uma tristeza avassaladora preencheu seu peito ao pensar naquilo. A sensação, porém, sumiu no minuto em que escutou a voz na sua cabeça novamente.

“Quem você é?”

Eileen fechou os olhos com força. Recordou-se de Ethan e sua impassibilidade, da tão gentil Sra. Bradley, de Louisa e sua personalidade tão forte como a sua própria... Sua vida não tinha espaço para nenhuma daquelas pessoas.

Ela não era e nunca seria um deles. Não podia viver naquele lugar, adotar aqueles costumes e passar a falar tão formalmente como eles.

“Quem é você?”

Eu sou uma assassina, ela respondeu mentalmente, por fim.

Quando Eileen abriu os olhos, todas as cores haviam voltado, bem como o barulho e a movimentação. Ela fitou o cientista com fúria queimando dentro dos olhos. Quando o homem percebeu o que se passava ali, não perdeu um segundo sequer e correu na direção contrária, esbarrando em mais pessoas.

Eileen soltou o ombro de Ethan de imediato e tentou alcançar o cientista, sem se importar com o que pensariam dela. O vestido era o que mais atrapalhava naquele momento, mas não havia tempo para fazer alguma coisa a respeito daquilo, então ela somente continuou a correr, mesmo com aquele empecilho.

As mulheres que tinham os corpos empurrados soltavam grunhidos de susto, outras de dor, sem saber o que se passava. Houve um momento em que o cientista pareceu tropeçar em algo, e foi nesse instante que Eileen sentiu a alegria crescer dentro de si, vendo o corpo do velho indo ao chão. Ela não demorou para chegar até ele, segurando-o pela gola da camisa suja de terra.

— Seu maldito! — vociferou ela, perto o suficiente do rosto dele. — Acha mesmo que tem o direito de me trazer para essa época maluca e se safar?

Antes que pudesse haver alguma resposta para aquilo, a assassina ouviu uma voz ao longe a chamando. Quando levantou a cabeça, deparou-se com uma cena deja vu. Estava novamente cercada de pessoas, como na noite em que viu a mulher morta, mas dessa vez não tinha ninguém gritando, apenas alguns murmúrios e faces estupefatas.

— Srta. Hawkins!

Ela virou a cabeça novamente e viu o rosto de Ethan, tão assustado quanto o de qualquer outro indivíduo ali. Ele franziu o cenho ao ver aquela cena incompreensível para qualquer um que não fosse Eileen e o cientista. Para eles, ela analisou, devia parecer que ela estava machucando um pobre e velho idoso, que nada tinha feito.

— Srta. Hawkins, se acalme, por favor — Ethan pediu, ambas as mãos estavam viradas com as palmas para frente, como se ele mostrasse que não tinha segundas intenções. Como não veio resposta alguma, apenas o olhar ferino dela, ele se aproximou pouco a pouco. — Não sei o que ele lhe fez, mas isso não é motivo...

— O que ele me fez? — Eileen não estava reconhecendo a si própria naquele momento. Sua voz, que dias atrás era livre de sentimentos como aquele, expressava completamente a exaltação que sentia. Subitamente, ela sentiu-se cansada de toda aquela novela. Sabia que Ethan não merecia que toda aquela raiva jogada em cima dele, mas ela não conseguia mais segurar aquilo dentro de si. — Ele acabou com minha vida! É por causa dele que estou aqui. Que fui jogada em uma prisão imunda e obrigada a conviver com toda essa gente estranha.

Ela notou que estava tremendo e que, por mais que tentasse, não conseguia colocar força na própria mão. Olhou novamente para o cientista, mas no instante em que concretizou tal ato, sentiu uma presença atrás de si e dedos fazerem pressão em seu pescoço. Arregalou os olhos, mas antes que pudesse se virar, sentiu a visão escurecer e o próprio corpo ficar mais pesado.

Maldito Ethan, ela pensou logo antes de desmaiar. Não precisava ter olhado para trás para saber que era ele.

. . .

Quando Ethan chegou à mansão Caulfield em sua carruagem, ele foi mais do que claro em mandar todos os outros empregados para casa, com exceção da Sra. Bradley. A Governanta ficou sem entender nada, mas não questionou, apenas arrumou a cama de Eileen, como foi mandado.

Ela desceu as escadas novamente e foi para a porta da frente. Assim que olhou para fora, com o corpo protestando pelo frio que fazia, viu Ethan carregando sua convidada no colo e, logo atrás dele, um homem de cabelos já brancos e magro, que esfregava as mãos incessantemente.

— Sra. Bradley, esse é o Sr. Joshua Sanders. Arrume algumas roupas para ele, por favor — disse Ethan, passando pela mulher de maneira apressada e subindo as escadas. — Faça chá também.

Ela olhou para o velho homem e tentou mostrar um sorriso, mas estava estarrecida demais com a situação. Imaginou o que teria acontecido com Eileen e se ela estava bem. Querendo ou não, já tinha se afeiçoado demais pela garota.

A verdade era que Eileen lembrava, tanto em aparência quanto personalidade, sua filha que veio a falecer ainda criança, vítima de uma forte pneumonia. O pai, desolado pela perda, enfiou-se no mundo dos jogos e abandonou todos os familiares e conhecidos, inclusive Adelaide Bradley. Ela, então, passara a dedicar-se aos estudos, passando o conhecimento que adquiria às crianças das famílias que veio a servir.

A Sra. Bradley resolveu que era hora de deixar as divagações de lado e soltou um longo suspiro.

— Sr. Sanders, acredito que o senhor ficará mais confortável na nossa sala de visitas. — Ela o levou rapidamente até o local, incomodada pelo silêncio do homem. — Vou pegar algumas vestes mais quentes. Sinta-se à vontade.

Joshua logo se sentou na poltrona, se sentindo mais aliviado pelo calor proporcionado pelo local. Ele estava extasiado com a decoração da casa, mas aquilo não era algo de importância no momento.

Ainda não conseguia acreditar que estava vivo, depois de todos os acontecimentos. Tinha certeza de que a assassina acabaria com ele instantes atrás, não fosse Ethan tê-la desmaiado, por mais que ele tivesse uma expressão dolorosa no rosto ao fazê-lo. Após a cena toda, ele praticamente o havia intimidado a acompanhá-lo e explicar todos os detalhes sobre o que estava acontecendo.

O cientista estava seriamente preocupado com aquilo.

— Quem é o senhor?

Ele levantou os olhos ao ouvir uma voz feminina ali. Encontrou uma mulher elegante, de longos cabelos castanhos e com o cenho franzido. Abriu a boca para tentar responder, mas antes que o fizesse, escutou uma outra voz.

— Ele é apenas um amigo meu, Louisa — respondeu Ethan, passando a mão pelos cabelos, nervoso. — Não precisa se exaltar.

A mulher apenas o olhou com uma expressão indecifrável e arqueou uma das sobrancelhas.

— Você está com amigos demais ultimamente, irmão — comentou ela, como se estivesse esperando uma resposta mais satisfatória. — Onde está Eileen?

— Ela passou mal na rua, então está dormindo agora — ele disse, simplesmente. — Tente não incomodá-la por agora.

Louisa estalou a língua e fez um sinal negativo com a cabeça, claramente chateada.

— Fala como se eu fosse uma espécie de monstro! — Ela colocou uma das mãos no peito, em um ato dramático, mas vendo que não o tinha comovido, apenas se virou de costas, erguendo o queixo. — Bem, não irei me meter nos seus assuntos, fique tranquilo.

E saiu da sala pela mesma porta que havia entrado antes.

. . .

Após Ethan pedir explicações ao cientista sobre a cena ocorrida na rua, tudo o que obteve foi uma resposta insignificante, dizendo que ele deveria esperar até que Eileen acordasse. O dono da casa havia ficado extremamente confuso com a ação do homem, que não parecia manter mágoa alguma da mulher.

Ele sabia que era aquele homem que sua companheira queria encontrar, mas ela não havia dito exatamente o porquê. Talvez fosse o pai. Ou o avô. Não, Ethan simplesmente não sabia o que esperar daqueles dois.

Ele convidou Joshua para ir até o quarto em que Eileen estava adormecida, para que ela não ficasse sozinha ao acordar. O velho havia ficado o tempo todo absorto em seus próprios pensamentos.

Vendo que não estava sendo observado por ele, Ethan pôs-se a fitar Eileen. Ela parecia estar em paz, ao contrário de minutos atrás. Os cabelos escuros e curtos estavam desgrenhados sobre o travesseiro. Inesperadamente, ele sentiu uma vontade inexplicável de tocar na pele dela.

E foi o que fez. Levou os dedos até as bochechas cheias dela, sentindo a maciez que a pele dela proporcionava. Um alívio imediato acometeu seu corpo, como se ele precisasse daquilo para se acalmar. Sentiu-se péssimo por tê-la desmaiado, mas havia sido a única solução que apareceu em sua cabeça, temendo que ela fizesse algo pior.

Quando Eileen começou a dar sinais de que acordaria, ele recolheu a mão de volta, sentindo o rosto esquentar, mas aquilo não importava no momento. Ela primeiro mexeu a cabeça, para em seguida abrir os olhos lentamente. Franziu o cenho, como se não soubesse mais onde estava.

— Eileen — Ethan chamou, para só depois perceber que a havia chamado pelo nome. Nunca antes tinha feito aquilo, sempre se dirigia a ela por Srta. Hawkins, por causa da falta de intimidade entre eles.

Ela fechou os olhos por um momento e soltou uma risada seca.

— Vejo que finalmente aprendeu meu nome — ironizou ela, ainda com a voz fraca, sentando-se na cama. Ela notou que Ethan estava agachado ao lado da cama, próximo demais. Se perguntou se ele a tinha observado dormir aquele tempo todo. Infelizmente, ela sabia que tinha o péssimo ato de babar na maioria das vezes. Aquela preocupação, porém, deu espaço para uma outra quando ela viu um outro homem no local. — O que o cientista está fazendo aqui?

Foi só naquele momento que Joshua levantou a cabeça, lenta e temerosamente, como se estivesse pressentindo que seria atacado novamente por aquela mulher. O ataque, entretanto, não veio. Eileen somente o olhava com os olhos estreitos e os lábios crispados; em suma, uma expressão nada amigável, assim ele julgou.

— Ele me disse que há algumas coisas que precisam ser ditas — explicou Ethan, finalmente se levantando e limpando a calça escura, por mais que não fosse preciso. — Não estou certo, Sr. Sanders?

No mesmo instante o coração de Eileen acelerou. Se o cientista fosse realmente contar a verdade, ele poderia muito bem dizer que ela havia tentado matá-lo, fazendo com que eles chegassem até aquele ponto. Ethan odiava assassinos. Pensar que poderia ser odiada por ele era algo que definitivamente não a agradava.

Mas o que ela poderia fazer naquele momento? E ainda precisava daquele velho para voltar para casa. Aceitando as consequências, ela somente pôs-se a escutá-lo, enquanto tomava do chá que Ethan havia oferecido.

— O Sr. Caulfield me contou um pouco do que você fez por aqui, Eileen — a assassina estranhou ser chamada daquele jeito tão amigável por ele, mas nada disse. Queria ver até onde aquela história iria chegar. — Ele me pareceu ser uma boa pessoa, e não vejo motivos para não contar para esconder dele a verdade, se a senhorita concordar, é claro.

Eileen notou que ele parecia uma pessoa totalmente diferente. Não estava mais tão assustado quanto antes. Ela logo se deu conta de que todo aquele medo dele era por causa dela. Sempre havia tirado a vida das vítimas de maneiras passivas, usando venenos ou fazendo falsos acidentes acontecerem, de maneira que quase nunca via uma face medrosa na sua frente. Suas vítimas não tinham tempo de pedir misericórdia.

Ele sabe que eu não irei matá-lo agora.

Ela apenas concordou com a cabeça, sem dizer mais nada.

— Pois bem... O que você encontrou no meu laboratório era um acelerador de partículas. É um equipamento que nos permite estudar mais sobre a matéria e, como o próprio nome diz, acelerar partículas ao máximo que pudermos — ele disse, com as narinas dilatando de excitação ao falar da máquina. — Nós temos trabalhado nele há muito tempo.

— Nós? — questionou Eileen, erguendo uma sobrancelha para ele. — Só havia você ali.

— Sim, naquela semana eu era o único responsável, pois estava chegando ao fim e eu queria analisar ainda a ficha de todos os outros que trabalhavam ali. — Ele descolou as costas da cadeira que estava sentado e curvou-se para frente. — Alguém poderia nos trair e revelar algo antes do tempo. Nunca se sabe.

Ela balançou a cabeça e olhou para Ethan, que tinha uma mão no queixo e estava com uma expressão pensativa. Era óbvio que ele estava sem entender nada, mas quanto menos ele soubesse, melhor.

— Quando aconteceu aquele incidente... — Ele a olhou intensamente, se lembrando do fatídico dia em que se encontraram no subsolo. — Bem, você ativou um efeito em cadeia que liberou uma grande carga de energia que estava sendo contida no acelerador. Quando foi liberada pela perfuração, essa energia procurou um meio de condução.

— Nosso corpo — Eileen sussurrou, mas o cientista ainda assim escutou e concordou com a cabeça. Ela já havia ouvido falar sobre alguns aceleradores de partículas, mas nunca na vida poderia imaginar encontrar um desse. E ainda pior, destruí-lo. — E o que explica meu corpo ter se desintegrado? Eu me vi sendo partida em vários pedacinhos!

Por mais complicada que fosse a situação, o cientista deixou uma risada escapar.

— Como você deve ter notado, a energia era imensurável, não é? Por causa disso, nosso corpo sofreu um processo de eletroforese.

— Não faço nem ideia do que seja — ela foi sincera na sua resposta.

— Na eletroforese as moléculas são separadas, e como nós tínhamos o acelerador, as moléculas foram aceleradas a uma velocidade superior à velocidade da luz.

Eileen não conseguiu esconder a surpresa ao ouvir aquilo. Era bem verdade que nunca fora uma estudante realmente boa em física, sabia apenas o básico. Mas tinha perfeito conhecimento de que a velocidade da luz era algo extremamente rápido, sequer conseguia imaginar tudo aquilo que o cientista estava descrevendo.

— Algo superior à velocidade da luz?

Foi Ethan quem havia falado naquela hora, pela primeira vez desde que a explicação começara. Ouvia tudo com total atenção, tentando não interromper, mas havia chegado em um ponto absurdo para ele. Aquele homem estava realmente falando de algo maior que a velocidade da luz? Ele não conseguia crer.

— Sim, meu caro. No nosso tempo, é possível — confirmou o cientista, fazendo a confusão de Ethan aumentar. — Nunca se perguntou o motivo dessa moça ser desse jeito tão incomum para vocês, vitorianos?

Ethan pensou por um momento. Era óbvio que Eileen era excêntrica, com costumes incomuns e um jeito de falar pouco apropriado para o que ele estava acostumado. Quando a encontrara, ela nem ao menos sabia o ano em que estava. Sempre que pensava naquilo, encontrava uma resposta dizendo a si mesmo que ela era de outro país ou algo do tipo.

Ele instintivamente olhou para ela, esperando uma explicação mais decente.

Eileen olhou para o chão e mordeu o lábio. Se o cientista mesmo disse que não teria problema em contar a verdade com Ethan presente, por que hesitar? Duvidava muito que ele fosse enlouquecer, mas ainda assim, era uma possibilidade. Mas já estava feito; estavam falando sobre acelerador de partículas e velocidade da luz, então o que seria mais um pouco de informação.

Com firmeza, ela olhou para os olhos dele de maneira intensa e soltou de uma só vez.

— Nós viemos do futuro, Ethan.


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Notas finais do capítulo

Finalmente temos a explicação! Bom, ao menos parte dela, pois o resto virá logo no próximo. Não sei se ficou chato de ler, tentei explicar da maneira mais natural que pude. Se alguém não entendeu alguma coisa é só falar que eu explico melhor, ok?



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