Tris

Domingo era o dia da visita.

A primeira fase foi totalmente fechada, nós não recebemos visitas. Eles disseram que esse espaço era necessário para nossa adaptação e desapego dos familiares.

Hoje, porém, foi o primeiro dia em que poderíamos recebê-los e eu realmente, sinto muita saudade dos meus pais. E de Caleb. Mas eu sabia que nenhum deles viria me ver. Principalmente meu pai, que parecia muito magoado no dia da minha escolha. Acho que ele nunca imaginou que eu fosse partir.

Depois de procurar por algum rosto conhecido, dei uma volta e vi Christina com a mãe e a irmã dela. Elas pareciam bem emocionadas.

Voltei para o dormitório e resolvi ficar por lá. Não havia sentido em ficar no fosso perto de todas as famílias.

—Ei careta! – Me virei e vi Peter, um transferido da franqueza que adora pegar no meu pé – Ninguém veio te ver? – Ele estava com os dois amigos. Drew e Molly. Revirei os olhos.

—Não enche! – Respondi.

—Nossa! Ela é nervosinha – Disse Molly. Os três riram – Acho que ela está brava por que os pais dela não vieram – Ela deu de ombros – Não esquenta, eles devem estar tentando arrumar um jeito de continuar no comando da cidade.

Ergui a cabeça do travesseiro e olhei os três.

—O que você quer dizer? Diga de uma vez! – Ordenei. Molly levantou as mãos em sinal de rendição.

—Só estou repetindo uma notícia velha. A Abnegação vai perder o conselho. Muito em breve – Ela sorriu.

Me levantei e saí do dormitório. A presença e o veneno daqueles três estava me sufocando. E eu não estava entendendo bem o que estavam querendo dizer.

**

O dia seguinte começou bem cedo. Depois do café, nos reunimos em uma sala ampla, onde aguardaríamos até que fôssemos chamados para a segunda fase da iniciação.

Um a um, todos foram chamados. A expressão no rosto quando eles saiam da sala era a pior possível. Alguns saíram carregados.

Eu fui a última. Tobias saiu e me olhou sem expressão. Molly tinha sido a penúltima e saiu com a ajuda de uma mulher.

—Tris! – Ele chamou e se virou, esperando que eu o seguisse. Me levantei e andei até a sala.

Tudo aconteceu muito rápido. Ele não falou enquanto me conectava a alguns fios. Apenas me disse que eu iria ver meus piores pesadelos e teria que enfrentar cada um deles, caso contrário, a simulação não terminaria.

Depois de enfrentar corvos, fogo e quase me afogar, eu acordei.

Tobias estava a minha frente, pronto para me segurar. Eu sabia que não era real, mas minha cabeça estava nublada e meu coração batia descontroladamente. Nunca um sonho pareceu tão real e assustador.

Eu me sentei e ele me olhou de forma pensativa.

—Você está bem? – Perguntou.

—Sim, estou... O que foi aquilo? – Eu estava confusa e ofegante – Eu... Eu...

—Aquilo foi apenas uma simulação, você terá outras como essa e terá que se acostumar. No dia da prova final, sua simulação será exibida para os líderes e você precisará ser rápida para alcançar uma boa colocação.

—Você passou por isso? – Ele me lançou um olhar duro.

—Sim. Todos passaram por essas simulações.

—E você não teve medo? Quais foram seus obstáculos?

—Eu não tenho que te dizer isso – Ele respondeu se virando – Agora pode ir, mas evite falar sobre o que aconteceu aqui. Silêncio é o segredo.

—O que você quer dizer com isso?

—Você tem questionamentos demais, sabia? – Ele se virou para me encarar. Ainda carrancudo.

—Você não costumava reclamar disso – Apontei. Me levantei e comecei a andar para a porta.

—As coisas mudaram Tris – Ele disse logo que eu alcancei a maçaneta da porta. Me virei e ele estava me encarando.

—É, eu consigo ver isso. – Respondi.

**

Nos dias que seguiram, eu não troquei muitas palavras com Tobias durante as simulações. Eu apenas me sentava lá, seguia suas instruções, fazia meu melhor em cada obstáculo e no fim ele me dispensava.

Todos estavam tensos sobre a prova final e eu evitei falar muito sobre isso, mesmo a Christina me pressionando bastante para falar como eu me saí.

Hoje é o último dia antes da prova final, que será acompanhada pelos líderes.

E o Tobias estava nervoso.

Assim que minha simulação terminou, eu estabilizei minha respiração e me levantei. Levei um susto quando Tobias me puxou pelo braço até um canto da sala, atrás da porta.

—Você sabe o que está acontecendo, não sabe? – Perguntou olhando dentro dos meus olhos.

—Não – Eu pude ver a inquietude dele nos últimos dias, mas não tinha ideia do motivo – Por que você não me esclarece?

—Suas simulações são as mais rápidas que eu já vi... Dois, três minutos no máximo – Ele coçou a nuca – Na verdade, eu já vi acontecer antes, mas achei que demoraria a ver de novo. E da última vez, eu não pude impedir o pior – Suas palavras me confundiam cada vez mais.

—O que você quer dizer? Não estou entendendo!

—Você tem o tempo mais rápido Tris!

—E isso não é bom? – Eu sorri.

—Não! – Fiquei confusa. Mas logo a compreensão me atingiu.

—Você não quer que eu passe, não é? Você quer que eu seja expulsa? – Torci meu nariz, sentindo a mágoa me corroendo.

—Como você é cega Tris! – Exalou – Tudo o que eu tenho feito nas últimas semanas é fortalecer você, cuidar de você – Ele se virou, dando as costas para mim, estava irritado.

—Me ignorando? – Meu tom era de sarcasmo. Ele riu e se virou.

—É meio difícil ignorar você. Tudo o que você faz chama a minha atenção – Ele se aproximou – Você é petulante, é teimosa e fica andando por aí com esse narizinho empinado pra mim – Eu mordi a bochecha para esconder o riso e ele continuou – Eu te empurrei o máximo que eu pude? Sim! Isso foi ruim para você?

—Você me humilhou mais de uma vez! Você me deu o último lugar de propósito e anda por aí como se eu não significasse nada! – Gritei. Ele tapou minha boca e me empurrou para o canto. Olhando dentro dos meus olhos e seu rosto a poucos centímetros do meu.

—Eu nunca agi como se você não significasse nada pra mim – Seu tom era baixo, quase um sussurro – Você precisava ser forte e agora você é – Ele retirou a mão dos meus lábios e ficou me encarando – Se você puder usar um pouco do seu bom senso, você vai ver que antes você não poderia sobreviver sozinha lá fora de jeito nenhum. Agora você tem uma chance, mas ainda tem muito que melhorar – Ele segurou uma mecha dos meus cabelos e me avaliou. E eu comecei a ficar irritada de novo.

—Eu posso fazer isso, não preciso de você! – tirei meus cabelos de sua mão.

—Precisa sim – Ele sorriu – Você ainda precisa de mim – Estreitei os olhos e preparei uma resposta muito mal criada, mas ele me interrompeu – Você está em perigo Tris – Ele estava sério de novo.

—O quê?

—Você está sempre consciente durante as simulações, não é? – Eu deveria ser sincera com ele?— Você tem consciência de que não é real, por isso você consegue passar tão rápido por cada etapa – Engoli em seco. Eu sabia onde ele ia chegar. Não respondi e ele continuou – Isso coloca você em perigo.

—Não sei do que voc...

—Sabe sim! – Ele voltou a sussurrar – Você não precisa ter medo de mim, você pode confiar em mim, sempre pôde.

—Não... Você foi embora, desistiu de tudo.

—Eu não desisti de você, nunca fiz isso.

—Então por que você veio para cá? – Ele se afastou e tomou uma respiração.

—Isso não importa – Voltando a frente do computador, ele evitou os meus olhos. Estava mentindo, estava me escondendo algo.

—Se você não pode confiar em mim, não me peça para confiar em você.

Abri a porta da sala e saí. Ele não tentou me impedir.

Quando cheguei ao dormitório, encontrei Christina conversando com o Will e o Al.

—Ei, como foi lá – Ela perguntou.

—Foi tenso, como sempre – Respondi.

—Você voltou rápido – Disse Al. Desviei o olhar. Não tinha prestado atenção no tempo que eu fiquei das outras vezes, mas o Tobias sempre me pediu para esperar até que ele terminasse de lançar as informações no computador. Nós nunca conversamos, no entanto.

—Eu não terminei o segundo obstáculo – Respondi a primeira coisa que me veio a mente – Eles arregalaram os olhos e eu me arrependi da minha desculpa idiota.

—Como? Não dá para sair sem terminar! – Disse Christina, se virando para me encarar.

—Eu... Eu não sei... Eu comecei a entrar em pânico e acordei – Eu gaguejei bastante e nem eu estava convencida do que eu disse. No fim das contas, acho que eu não deveria ter saído de lá, ou não deveria ter vindo para cá.

—O Quatro deve ter desligado a simulação – Will observou – Se ele viu que você estava se sentindo mal, ele deve ter feito isso... Sei lá, por segurança.

Christina e Al trocaram um olhar de dúvida e depois Christina deu de ombros.

—É, deve ser...

Suspirei de alívio. Eu daria um abraço no Will por me salvar.

—Vamos sair hoje? Quero fazer outra tatuagem – Disse Christina, voltando a ficar animada.

—Eu passo Chris – Deitei em minha cama e cobri os olhos com o braço – Só quero dormir.

—Você tem setenta anos por acaso? Você devia estar procurando alguém pra tirar esse BV seu – Levantei num pulo e arregalei os olhos. Eu não podia ver meu rosto, mas tenho certeza que eu estava da cor de um tomate maduro.

—Christina! – Ela encolheu os ombros e sorriu em desculpas.

—Foi mal – Ela olhou para os meninos que estavam disfarçando uma risada – Mas é verdade. E você não vai conhecer ninguém ficando dentro desse dormitório sem graça – Ela olhou em volta e depois para mim de novo, apontando o dedo – Apesar de que eu acho que você já tem um pretendente – Seria possível ficar mais vermelha? Eu sabia o que viria a seguir – E o Jensen é um gatinho.

Me joguei de novo na cama e cobri o rosto com o travesseiro dessa vez.

—Vá embora daqui Chris! – Gritei abafado. Ela riu.

—Eu vou tomar um banho e você vai sair comigo, então nem tente dormir ou eu jogo água em você! – Avisou e depois ouvi seus passos se afastando.

Lentamente tirei o travesseiro do rosto e vi Al ainda sentando na cama ao lado da minha. Will tinha saído também.

—Você quer fugir dela? Nós podemos dar uma volta – Ofereceu. Era uma boa ideia.

Sorri para ele e me levantei da cama. Ele pegou minha mão e eu senti vontade de puxá-la, mas não o fiz. Deixei ele me levar para fora do dormitório.

Quando já estávamos no corredor, eu retirei a minha mão da dele disfarçadamente e enfiei nos bolsos do meu casaco enquanto falávamos sobre o trabalho depois da iniciação.

Nos sentamos perto do fosso e ficamos ali um bom tempo.

—Posso te fazer uma pergunta? – Al pediu.

—Claro!

—Você nunca namorou ninguém? Nunca... Beijou ninguém? – Ele estava vermelho e eu devia estar também.

—Acho que você sabe a resposta para isso – Apontei. Tentando suavizar meu constrangimento – Eu era da Abnegação, lembra? – Ele sorriu.

—Sim, eu me lembro – Ele fez uma pausa e ficou olhando meus olhos. Senti um desconforto com isso e antes que eu pudesse desviar, seus olhos caíram para a minha boca – Eu... – Ele aproximou seu rosto do meu e escutei uma risada.

Dei um salto e vi quando Tobias sendo arrastado pela Maria. Ele me viu e olhou entre mim e Al. Que agora estava bem próximo e tinha sua mão sobre a minha.

Maria estava rindo, andando de costas para nós enquanto puxava ele, mas se virou quando viu que não tinha mais a sua atenção.

Al se afastou um pouco e a menina olhou entre mim e Tobias. Depois voltou a puxá-lo e ele desviou o olhar de nós e a acompanhou.

—Ele é estranho – Al disse sorrindo.

Me levantei e ele me seguiu.

—Tris eu...

—Tudo bem Al – O interrompi estendendo minha mão entre nós – Eu só não estou pronta para isso ainda tá?

Deixei ele lá e voltei a andar sozinha.

Estava desconcertada com o que tinha acabado de ver. Fui passando por corredores, por pessoas e não notei que vinha alguém quando me choquei com outro corpo.

— Desculpa, não percebi que... – Levantei os olhos e lá estava Jensen. Com um sorriso divertido. Me senti aliviada, pois era um amigo.

— Tudo bem Tris. Onde está indo?

— Não sei. Voltando para o dormitório – Emendei dando de ombros.

— Não! – Ele pegou minha mão – Você não vai voltar pra lá e ficar sem a diversão que tenho preparada para você. Ainda mais depois de ver essa carinha de preocupada.

— Diversão preparada pra mim? Não estou entendendo.

— Tá legal, não preparada pra você, mas agora você está inclusa – E antes que eu dissesse mais alguma, ele saiu me puxando.