Comente Depois de Ler escrita por Victoria


Capítulo 15
Capítulo 14 — Um Café para Enzo


Notas iniciais do capítulo

Olá ♥



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Havia um alvoroço no saguão do Instituto Westin Hills, a polícia havia sido chamada pela médica-chefe da clínica, Clara Lahey, logo após ela ser devidamente informada sobre o incidente com um dos pacientes. Enzo já estava dormindo a quase quinze horas seguidas, os enfermeiros já estavam preocupados com a possível desidratação do paciente, assim como o atraso da medicação.  

Após a visita de Alice, Enzo sentiu-se confuso e sua mente entrou em curto-circuito. As coisas fizeram ainda menos sentido quando Galeno o acertou com uma bandeja de metal, e seus pensamentos dissiparam mais uma vez. Quando o escritor finalmente acordasse do golpe dado pelo assassino, ele ainda estaria à beira da dúvida sobre o seu plano maligno com Galeno ou ele prosseguirá como se nada jamais tivesse acontecido?

Essa é a nossa questão.

— Boa tarde. — cumprimentou a delegada Elizabeth Marsh, adentrando na sala de direção do Instituto Westin Hills. — Quero ser breve, vou fazer perguntas rápidas à todos vocês antes de recolhê-los para depoimentos individuais na delegacia.

A sala era compacta, parecia minúscula para quem via de fora, mas em seu interior era gigantesca. Várias prateleiras da cor cinza estavam organizadas lado a lado no fundo da sala, quadros de horários com avisos preenchiam as paredes laterais em tom branco gelo e no centro da sala tinha uma mesa redonda com seis cadeiras. Todos os funcionários estavam em suas devidas cadeiras olhando para a Delegada, que andava elegantemente da porta de entrada até seu lugar a mesa, e durante a fração de segundo que a mulher levou até a cadeira vaga, ela pensou em tudo o que aquilo era: assassinatos misteriosos, aparentemente sem solução, todos os mortos tinham apenas uma história e agora uma tela de bate-papo em comum, e o autor da história, seu principal suspeito, era apenas um louco internado e agora atacado por quem pode ser a peça chave da situação, o assassino. Elizabeth Marsh tinha todo o seu caso nas mãos naquela tarde. Ela precisava sair daquele sanatório com algo a mais nas mãos. Algo relevante.

— O que a senhora quer saber? — pronunciou-se a médica-chefe do Instituto, assim que a delegada sentou-se em sua frente.

Sra. Marsh, limpou a garganta e direcionou seu olhar a todos na sala.

— Como eu disse, serei breve. — a delegada abriu seu bloco e estalou a extremidade de sua caneta, fazendo a ponta dela surgir. — Enzo Monroe teve algum comportamento estranho relacionado à sua vida antes de ser internado, algo pessoal?

Sam Johnson, um dos enfermeiros que foi responsável por Enzo, olhou para Elizabeth e disse:

— Ele insistia em ser chamado de “Anonimato”, e dizia sempre querer escrever suas histórias. Eu soube que ele era escritor amador, mas nunca entendi esse tal “Anonimato”.

Elizabeth assentiu.

— Esse era seu nome de usuário no site online onde ele postava a história. — a delegada correu os olhos entre os presentes. — Alguém de diferente ou com aparência estranha entrou aqui no dia do ocorrido?

—Não. Inclusive, estávamos fechados. — Tess, a recepcionista, ajeitou a postura. — Estávamos em dia de manutenção elétrica, suspendemos as visitas ou consultas durante seis horas. Aquilo aconteceu nesse intervalo.

— Então foi alguém daqui de dentro. Mas quem teria motivos? — Perguntou Marsh, tão silenciosamente que só ela ouviu, então aumentou o tom de voz. — Naquela tarde, algum funcionário esteve ausente?

— Sim, liberamos o zelador mais cedo. Ele faz aulas de teatro, e não estava sendo muito útil naquele dia. — disse Tess. — Inclusive, ele não está aqui hoje, e ele não foi dispensado desta vez.

Marsh levantou a sobrancelha direita e negando devagar.

— Aulas de teatros... Claro. Um artista. — A delegada soltou um riso debochado. — E qual é o nome do indivíduo?

— Elton Gonzalez.

Elizabeth anotou o nome do rapaz rapidamente, e o fitou por uns instantes, quase o reconhecendo, mas logo ergueu o olhar a todos na sala.

— Agradeço a colaboração de todos, eventualmente serão chamados individualmente. Encerramos.

Então, ela se levantou e deixou a sala. Intrigada, mas nunca menos determinada. No momento que a delegada saiu do lugar da reunião, ela entrou no saguão principal da clínica e naquele mesmo instante um homem entrou com uma criança no colo, que esperneava e gritava, logo atrás desse homem, vinha uma mulher, muito nervosa e pálida. Os gritos da criança despertaram a atenção de todos os presentes e não demorou muito para aqueles que estavam reunidos com Elizabeth saírem da sala.

A menina que berrava no colo do pai parecia ter de seis a sete anos, seus olhos estavam inchados e seu rosto avermelhado.

— Nós precisamos de ajuda! — A mãe gritava no meio do saguão. — Alguém, por favor!

— Por favor! — o pai implorava. — Minha filha chora há semanas!

A garota berrava continuamente.

— Meu irmão me matar! Ele tem facas! Ele virá atrás de mim, eu o vejo todas as noites! — A garota esperneava. — Mamãe, papai, ele virá nos pegar!

A pequenina era Lúcia Martinel, irmã de Joshua Martinel. Garoto morto há quase seis semanas, vítima de Galeno. A garotinha ainda tinha pesadelos que a assombravam e Elizabeth via nela sua mais nova pista.

**

Já estava quase anoitecendo, e Lydia e Alice estavam trancadas no quarto desde a hora do almoço. Ambas encaravam o pacote de drogas que tinham achado, ele estava no criado mudo ao lado da cama de Alice, que estava andando de um lado pro outro há quase vinte minutos. Lydia, impaciente, tomou coragem, pegou o notebook e começou a fazer uma pesquisa.

— Vou procurar informações sobre isso. — disse a garota, teclando nervosamente com os olhos cravados na tela.

Alice parou de andar e sentou-se no chão, de frente para a prima sentada na cama. Lydia empalideceu durante alguns segundos, suas bocas faziam um movimento contínuo e rápido, como se estivesse lendo algo.

— O que você achou? — perguntou Alice, com urgência na voz. Ela pensou em agarrar o computador e ler, mas não sabia se teria coragem.

Lydia abriu o artigo e releu em voz alta:

— “Pó de anjo, mais conhecido como PCP, é a fenciclidina. A droga bloqueia alguns receptores do cérebro, sendo mais perigosa que outros tipos de alucinógenos por que causa sintomas similares aos da esquizofrenia. Na década de 60, a droga chegou às ruas como recreação, famosa pelos sentimentos de euforia e invencibilidade concedidos ao usuário. Mas todo o resultado dessa euforia é um comportamento destrutivo, — Lydia fez uma pausa, tomando fôlego, ela estava assustada. — incluindo usuários que tentam saltar de janelas, outras formas de automutilação e suicídio.

Após a leitura, Lydia fechou o notebook devagar e colocou-o ao seu lado, em cima da cama. Alice estava em choque, demorou alguns segundos para que pudesse falar algo.

— Acha que ele está tentando se matar? — ela perguntou num fio de voz enquanto se levantava do chão.

Lydia negou devagar.

— Eu não faço ideia e não sei se é bom confrontá-lo sobre isso, pelo menos por agora.

Alice assentiu.

— Vamos observá-lo, ele anda meio estranho mesmo. — ela disse e deixou o quarto.

Lydia escondeu a droga no armário do banheiro e saiu do quarto junto com sua prima. Do alto da escada, ambas presenciaram o momento que Soul abriu a porta da frente e entrou em casa, ele parecia preocupado, seu olho estava pulsando no habitual tique de quando ele ficava nervoso. Lydia e Alice afastaram-se do topo da escada, para que ele não as visse. Soul sequer tirou os tênis, ou o casaco, ao menos se preocupou em secar o cabelo molhado de chuva. Ele parecia concentrado em ler algo. Ele tinha dois papéis em mãos.

— Aquilo é um boleto bancário? — Alice sussurrou, semicerrando os olhos focando nas mãos do garoto.

— Acho que é uma carta e um boleto. — Lydia observou melhor. — Ele está pagando algo.

— Será que são as drogas? — Alice olhou Lydia de forma apreensiva.

Lydia ponderou e em seguida soltou um suspiro pesado que deixou seus ombros baixos.

— Não sei e estou longe de saber qualquer coisa. — a menina passou a mão no rosto e fez um coque desajeitado no cabelo. — Você lembra quando eu disse que não tentaríamos descobrir mais nada? Esqueça aquilo. Nós vamos descobrir o que está acontecendo. Tudo o que está acontecendo.

Lydia pontuou e começou a descer as escadas. Alice a seguiu.

**

Anonimato estava abrindo os olhos pela primeira vez em alguns dias. Ele estava um tanto tonteado e a com visão turva, e suas memórias ainda embaralhadas pelo golpe que havia recebido dias atrás. Pela primeira vez em alguns meses, ele não estava com raiva, ele não queria gritar, e nem bater em algo até sangrar. Ele estava vazio. Ele não tinha vontades naquele momento, era como um transe, sua mente estava lhe pregando peças. Enzo estava tendo lapsos de memórias rápidos, urgentes e confusos. Ele fechava os olhos e conseguia puxar na mente o tempo em que ainda estava em sua casa, bebendo seu café forte, escrevendo seus capítulos e brigando com os gatos.

E ele conseguia enxergar, um pouco confuso, um rapaz. E por um momento, sentiu-se bem com aquela figura, mas depois de alguns instantes, Enzo pôde sentir sua boca amargurar com isso. O escritor sabia que esse rapaz o visitava frequentemente durante poucos meses, durante os últimos meses antes de ser internado.

O rapaz do qual ele não sabia – ou apenas não lembrava— o nome, nem idade ou endereço, o fazia se lembrar do cheiro de café forte e do gosto também. Ah, como Enzo gostava de café forte. Anonimato nunca pareceu entender as visitas misteriosas do garoto. Ou apenas, naquele segundo, ele não se lembrava.

— Olá. — o garoto sorriu docemente, entrando na casa que estava com a porta dianteira aberta. — Está trabalhando em algo?

Enzo olhava carinhosamente para seu computador onde estava teclando algo por horas e em seguida olhou o menino.

— Sim, estou. — respondeu-o monótono, sacudindo as mãos em um tique e tendo espasmos rápidos e confusos. — Menino, por que você vem aqui?

O menino já o visitava há alguns dias, e vinha observando detalhadamente o comportamento compulsivo – e quase destrutivo – que o homem possuía. Houve um dia que o menino chegou à casa e encontrou Enzo prestes a saltar a janela do andar de cima.

— E que diferença isso faria, senhor?

Enzo semicerrou os olhos para o garoto que lhe deu as costas seguindo para sua cozinha. Passado alguns minutos, um cheiro de café forte dominava a casa inteira, e isso sinalizava que a bebida que o rapaz preparava já estava pronta. O menino sempre preparava um bom café para o escritor.

— Aqui. — O garoto estava com uma xícara cheia em mãos quando retornou à sala, e a entregou à Enzo.

O escritor sentou-se em sua cadeira de madeira e bebeu sua farta xícara de café. Estava muito forte. Após tomar toda a bebida e desejar mais, Enzo deslizou de sua cadeira indo em direção ao seu sofá velho. Ele começou a se sentir revigorado, mas ainda com a necessidade de descansar, como se algo tivesse sido tirado dele. Algo. Mas o que exatamente?

— Você escreve muito bem. — o rapaz sorriu, sentando-se à cadeira de Enzo, olhando seus arquivos.

O escritor não conseguia responder, ele estava ficando pequeno dentro de si, quase dormindo. Enzo não viu quando o rapaz foi embora, ele apenas dormiu em seu sofá duro.

(...)

Preso àquela cama fria do Instituto Westin Hills, Enzo conseguiu se lembrar desta cena e de algumas outras com a presença do tal garoto em sua casa, lhe preparando um forte café. Desde então, desde a primeira visita do rapaz, Anonimato tomava quantidades absurdas de café.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ter vindo até aqui sz