Caravaneiros do Limbo escrita por GlauSimões


Capítulo 1
I Still Haven't Found What I'm Looking For


Notas iniciais do capítulo

Você está sentado(a) no banco traseiro do Impala 67 dos irmãos Winchester e você acompanhará de perto cada estágio deste novo caso. Aperte o cinto e aproveite a viagem aos embalos de muito rock clássico. Prepare-se, o nosso destino é o Abrigo dos Homens das Letras.



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A discussão dos irmãos Winchester sobre os recursos que Sam usou para salvar Dean da Marca de Caim foi, momentaneamente, deixada em segundo plano após um caso de possessão sem precedentes testemunhados por eles. Tanto a água benta quanto os rituais de exorcismo foram ineficazes para salvar a vida de uma adolescente que definhou até morrer por inanição. Os demônios que possuíram a garota alegaram que ela merecia passar por aquilo, e anunciaram que se os portões do Céu não fossem abertos e se eles não fossem selecionados para o recrutamento da guarnição celestial, uma nova guerra eclodiria e os humanos seriam os primeiros a sofrer com o conflito.

Durante o retorno a cidade de Líbano, os caçadores pensavam em qual tipo de demônio seria imune a água benta ou a rituais de exorcismo. Porém, nenhum dos lembrados e citados apresentou tal característica. Nem mesmo uma rápida consulta ao diário de John deixou aquele caso menos nebuloso, e tampouco Castiel tinha conhecimento de algo semelhante.

Assim que os irmãos regressaram ao Abrigo dos Homens das Letras, começaram a pesquisar coletando os livros da biblioteca que apresentavam a possibilidade de esclarecer o caso. Após longas horas de leitura ininterrupta e sem resultado, a busca pela solução era como caminhar em círculos em um labirinto. Dean pegou no sono na biblioteca do abrigo dos Homens das Letras. Havia adormecido sobre um livro e uma dupla de garrafa de cerveja vazia descansava ao lado de uma pilha de livros já lidos e descartados. Sam travava uma luta contra o sono e o cansaço com o auxílio de sua principal arma: uma térmica de café concentrado. Seus olhos, quando abertos, pareciam estar com areia, e, quando fechados por breves segundos, pareciam febris.

O próximo livro da pilha continha um hexagrama unicursal gravado em sua lombada e a contracapa anunciava o título da obra: “Além da morte: espíritos, anjos, demônios e reencarnação”. O autor, um cronista da Ordem, estava apenas identificado pelas iniciais H. L., e ao lado dessas letras havia os seguintes números: 39.809978, -98.553747. Apesar de o título sugerir um conteúdo bem explorado, Sam continuou a folhear as páginas endurecidas pela umidade e não se arrependeu de tê-lo feito, pelo contrário, ele foi surpreendido. Os Homens das Letras mostraram-se dignos de receberem a denominação de preceptores, observadores e cronistas de mistérios que não são facilmente explicáveis ou conhecidos pelos homens.

Naturalmente, alguns trechos atraíram mais a atenção de Sam do que outros, principalmente aqueles que agregaram mais conhecimento ao caçador. Entre estes, o que confirmava que havia um processo de recrutamento de espíritos para integrar a guarnição celestial e outro que revelava que os demônios resgatavam e ludibriavam espíritos encontrados no Limbo para integrarem suas falanges.

Dean acordou sobressaltado com o toque de seu celular e o atendeu: — Cass? — sua voz soou um pouco rouca. — Vou te por no viva voz. Desembucha!

— O que aconteceu com a garota não foi possessão demoníaca, mas uma obsessão desenvolvida por espíritos. Acreditamos que sejam os espíritos que estão no Limbo desde que o Céu foi fechado. Desde então, bases emergenciais recomeçaram a operar e acolheram alguns espíritos que não fizeram a passagem. A questão é que essas bases atingiram seu limite e também fecharam seus portões, por isso os espíritos que não foram resgatados estão revoltados e agressivos. — explicou o anjo.

— E com tanta revolta e ódio esses espíritos adquirem o perfil ideal para tornarem-se aliados em potencial dos demônios. — Sam entendeu onde Castiel queria chegar.

— Exatamente. — o anjo concordou em um suspiro de desânimo e preocupação.

— O que foi Cass? — Dean questionou franzindo o cenho e percebendo que havia algo que o amigo não havia revelado.

— Esses espíritos estão clamando pela abertura dos portões, mas não temos a mínima ideia de como fazê-lo. Se eles concretizarem a ameaça, não sabemos a que proporção esta batalha poderá chegar e eu não poderei tomar partido nela sem a minha Graça.— disse o anjo.

Após alguns segundos de um silêncio abissal, Dean desativou o viva voz e disse tentando soar o mais convincente possível: — Nós vamos encontrar alguma maneira de evitar essa guerra e de achar a sua Graça. — Onde você está? — ele perguntou e obtendo a resposta de imediato, informou: — Ok. Estou indo aí.

— Achou algo? — questionou Dean ao irmão.

— Pode acreditar que sim. Apesar da maioria dos espíritos se prepararem para a reencarnação, existe, de fato, um processo de recrutamento de seletos espíritos para integrar a guarnição celestial, a qual é composta de Nove Coros Angelicais. O sistema é rígido e implica séculos de preparação e estudo intensos. — Sam expôs sua pesquisa.

— Só pode estar de brincadeira!

— Bem, fica ainda melhor. — Sam destilou ironia — Como sabemos, demônios são criações de Lúcifer ou um dia foram humanos que pactuaram com demônios vendendo suas almas, as quais suportaram séculos de sofrimento no Inferno. Porém, a minoria deles um dia era composta por espíritos vingativos e violentos que receberam propostas para integrar as falanges do Inferno. — esclareceu o caçador mais novo.

— Hoje em dia, os espíritos parecem não mais se contentar com uma possessão comum ou assombrar uma casa. Há alguma notícia boa no meio dessa sopa de letrinhas ? — Dean questionou.

— Sim. Apesar de o livro ser superficial em algumas partes, está claro que eles pretendiam seguir com a pesquisa, no entanto, eu não encontrei algum volume aqui no Abrigo que dê continuidade ao estudo. Talvez as coordenadas que constam na contracapa sejam relevantes e úteis, pois elas são referentes a uma livraria que especializada em livros usados. Deveríamos ir lá dar uma olhada. — Sam informou, mostrando no seu laptop uma foto da tal livraria que provavelmente conseguiu através de recursos dos mapas virtuais modernos.

— Ótimo! Você vai à livraria e eu irei à Base angelical ver se Cass precisa de ajuda. — disse Dean.

Quando as coordenadas levaram Sam à fachada da livraria, o entardecer aquarelado formava um jogo de luzes e sombras sobre a cidade. O nome da livraria escrito na fachada em letras douradas: Quartel General dos Livros – especializada em volumes usados e raros. Ela estava situada na Rua Maple em um sobrado comercial com a residência no andar de cima. O Winchester resgatou o livro do casaco e olhou novamente para a capa marrom e soltou um longo suspiro.

Uma mulher, na faixa de seus trinta anos, estava sentada junto ao balcão lendo um livro que recebia o título de “O Grimório das Bruxas”, o qual era fruto de uma mente tão doentia quanto obscura e certamente seria dispensado do acervo ao se juntar ao conjunto montanhoso de livros que mais cedo ou mais tarde crepitariam numa fogueira até reduzirem-se a cinzas. Incinerar os livros de conteúdos duvidosos e perigosos era uma tradição adotada pela família Lavigne, pois se estes livros caíssem nas mãos erradas, certamente causariam sérios problemas.

Apesar de Olívia estar envolvida na seleção de livros, seus olhos e ouvidos estavam atentos às clientes da livraria: uma mãe e filha. A mãe percorria os olhos nas páginas em um exemplar de Dom Quixote e a menina, maravilhada na seção dos contos infanto-juvenis, escolheu o seu livro e o colocou debaixo do braço ao servir-se de água. Um segundo de descuido, e no próximo o copo d’água estava no chão: o líquido espalhou-se rapidamente como se tivesse vida própria pelo piso amadeirado e revelou a ponta de um pentagrama que, aparentemente, não estava ali antes.

Olívia observou o acidente, porém não foi ágil o suficiente para impedi-lo e logo teria que derramar os argumentos de praxe sobre uma mãe assustada e uma criança surpresa. Entretanto, desta vez, as palavras não saíram, pois elas ficaram congeladas em sua garganta. Talvez devido ao excesso de trabalho ou as poucas horas de sono.

— Que tipo de lugar é este?! — perguntou a mulher empurrando a menina para trás de si a fim de protegê-la.

Como se não tivesse ouvido a pergunta da mãe ou se fizesse pouco caso do ocorrido, a criança indagou: — Mãe posso levar esse livro do Pequeno Príncipe? É uma edição da década de 70! — a euforia era quase palpável na voz da menina.

—Não! Nós vamos para casa! — disse a mulher puxando o livro debaixo do braço da filha e entregou os livros à Olívia, que apenas observou em silêncio as clientes deixarem o local.

A água arrastou-se e tocou a sola da bota de camurça cinza de Olívia. O toque pareceu despertá-la de um transe. A mulher de cabelo castanho-chocolate fitou novamente o fragmento da Chave de Salomão pintada no chão da livraria, visível pelo fato de estar coberta por uma película de água. Esta tinta inovadora é fruto do talento de seu irmão gêmeo, Vincent, um profundo admirador e estudioso da química. Segundo Olívia, se ele não estivesse atrelado ao trabalho da família, teria significantes chances de se tornar um cientista químico de renome e talvez, quem sabe, um dia pudesse concorrer ao prestigiado e cobiçado Premio Nobel. No entanto, tais conquistas nunca deixariam de ser meros delírios de uma irmã fascinada pelo talento do irmão.

Ela pareceu finalmente respirar após o ocorrido e depositou os livros em seus respectivos lugares, subindo nas pontas dos pés enquanto proferia uma autocensura em voz baixa. Um pigarro veio atrás de si e ao virar-se encontrou um homem alto, cuja aparência denotava cansaço e uma sombra de ansiedade escondida atrás da expressão de desânimo.

— Como posso ajudá-lo? — ela perguntou cordialmente.

— Eu procuro por um livro que complemente o conteúdo deste. — o homem lhe estendeu um exemplar, cuja capa era antiga e rústica.

A mulher pegou o livro e o abriu, procurando por um título ou autor, pois estes dados não estavam presentes na capa. As mãos de Olívia fraquejaram quando seus olhos, de um azul tão escuro que poderia ser facilmente confundido com castanho, quase saíram das órbitas assim que avistaram as iniciais H.L. ao lado das coordenadas escritas a punho na contra capa do livro.

— Impossível! — Olívia murmurou ao passar os dedos nas iniciais. A moça de cabelo castanho-chocolate fechou o livro repentinamente, antes que sua reação revelasse mais do que deveria, porém, era tarde demais.

—Esse livro veio de onde você está pensando. — revelou o Winchester ao perceber o efeito que o livro provocou na mulher.

—Eu não tenho o livro que procura, desculpe-me. — Olívia levou o livro próximo ao corpo e caminhou em direção ao balcão com o caçador em seu encalço.

— Espere! Este livro me trouxe até aqui e eu não acredito que seja uma mera coincidência. — O Winchester passou os olhos nas lombadas dos livros que Olívia analisava anteriormente e continuou: — Você pensa que o fragmento da Chave de Salomão no chão ou o filtro de água posicionado perto da seção de livros religiosos passaram despercebidos pelos meus olhos?! — Sam argumentou. Sua voz um pouco áspera e um tom mais alto. — Essa não é uma livraria comum. — ele suspirou e sua voz recobrou o tom gentil e calmo.

Sentindo-se como um camundongo encurralado por um gato, Olívia pegou o walkie-talkie que descansava ao lado do telefone e falou: — Vince! A chave da Montanha Solitária foi encontrada! Notícias da Pedra Arken!

— Entendido! Estou a caminho. — a resposta soou pelo aparelho imediatamente.

O ponteiro dos segundos deu uma volta e um pouco mais quando um homem de rosto alongado e bochechas altas apareceu coberto de cinzas e postou-se ao lado de Olívia.

— Ele procura pela continuação deste livro. — informou Olívia percorrendo uma das mãos sobre a capa dele.

Os irmãos sustentaram um olhar silencioso, uma clara comunicação muda. Vincent deslizou o livro para próximo de si e o abriu. Seus olhos percorreram pelas páginas amareladas até crivarem nas iniciais do nome de seu ancestral.

— Eu sou Vincent Lavigne e esta é minha irmã, Olívia. — ele estendeu a mão para Sam e ao cumprimentá-lo pressionou o polegar, por um segundo, entre as juntas do primeiro e do segundo dedos do cliente e logo um aperto de mãos comum se firmou. Uma clara forma oculta de identificação, a qual foi adotada pela Ordem após sua desfragmentação, porém o cumprimento não foi correspondido na mesma proporção, indicando que o homem a sua frente não era um membro da Sociedade.

— Eu sou Sam e eu ... — o Winchester tentou se apresentar.

— E você é um caçador. — Vincent o interferiu e falou : —Se você fosse um Homem das Letras, saberia que não há livro que complemente este. — sua voz soou áspera e seus olhos eram como dois blocos de gelo. — Horace Lavigne faleceu há muito tempo e esse livro é seu legado. — Vincent revelou voltando a fixar olhos no livro.

Vincent olhou novamente para o livro em suas mãos. A brincadeira de infância se tornou realidade: a Pedra Arken era real e estava diante a sua frente. O livro de Horace era chamado de tal forma carinhosamente pelos irmãos gêmeos em alusão a valiosa e cobiçada pedra citada no conto favorito deles, O Hobbit. Vincent lembrou com nostalgia das inúmeras vezes que Eleanor, sua mãe, os encontrou cobertos de terra e grama por brincarem de desbravar a Montanha Solitária em busca da Pedra Arken no terreno baldio ao lado da casa deles.

Sam observou a devoção que cintilava nos olhos de Vincent e a tensão contida nas mãos de Olívia fechadas em punho. Em um movimento repentino, o caçador fechou o livro enquanto Vincent passeava os olhos nas páginas e o puxou para perto de si.

— Escutem. Eu não tenho tempo para isso. Vamos fazer um acordo. Aparentemente todos nós temos perguntas cujas respostas não conseguimos encontrar sozinhos, mas vocês podem responder as minhas e eu posso responder as suas. Se vocês me ajudarem, eu lhes dou o livro que vocês tanto estimam.

—Vocês caçadores ... — o homem protestou.

—Vince, pare! Essa não é uma discussão para massagear o seu ego. A proposta dele é boa e pode ser a nossa única chance de saber mais sobre o abrigo dos Homens das Letras e nosso avô. — Olívia interveio, enérgica. — Sam, nós aceitamos a sua oferta. Volte amanhã e trataremos do assunto. — ela continuou, não dando tempo para que seu irmão interferisse.

—Tudo bem. Eu voltarei amanhã de manhã e trarei o livro. — concordou Sam encerrando o assunto por aquele dia antes que Vincent voltasse a alimentar a discussão.

Os irmãos Lavigne esperaram o Winchester deixar a livraria antes de proferir qualquer palavra e foi Olívia quem rompeu o silêncio quando viu seu irmão resgatar uma chave da gaveta do balcão: — Não Vincent! Espere até amanhã! Não o siga! — ela pediu segurando o irmão pelo braço.

— Eu preciso saber quem ele é! — Vincent falou ao puxar o braço e se livrar do aperto da mão feminina.

●●●

Os pneus da Shovelhead deixavam um rastro úmido no asfalto da pista ladeada por uma vegetação de tons de verde. A moto roncou mais baixo assim que Vincent avistou a construção que já viu milhares de vezes e que considerava abandonada e fechada para sempre: o Abrigo dos Homens das Letras.

O cricrilar dos grilos soava alto na noite primaveril. Vincent não viu Sam entrar no Abrigo, mas sabia que ele estava lá dentro. Vincent escondeu sua moto entre os arbustos e esgueirou-se nas sombras ao caminhar para a parte de trás do Abrigo, onde encontrou uma entrada aberta, a qual dava acesso a um túnel. A passagem era extensa e iluminada por lâmpadas. Vincent prosseguia a passos lentos e cuidadosos quando um ruído soou atrás de si, indicando que a entrada havia sido selada.

O fim do túnel desembocou em uma ampla garagem que mais parecia um museu de automóveis, pois ali estavam dispostas várias motos e carros antigos, entre estes, um Impala preto.

Vincent caminhava por entre os carros quando alguém o surpreendeu com um golpe “gravata”, imobilizando-o rapidamente.

— Quem é você e o que faz aqui? — o homem cobrou respostas.

Vincent não respondeu e o homem repetiu a pergunta aumentando o aperto em seu pescoço.

O invasor se certificou de que não conhecia seu agressor quando avistou Sam ingressar na garagem a passos largos anunciando: — Está tudo bem, Dean! Eu sei quem ele é. Solte-o!

— Quem é ele? — Dean perguntou. Ele não soltaria o intruso até obter uma resposta.

— O nome dele é Vincent e é um dos donos da livraria que conversamos a respeito. Ele é um Homem das Letras.

Dean libertou o invasor com um leve empurrão para frente.

— Parece que a nossa conversa começará mais cedo. — anunciou Sam.


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Notas finais do capítulo

O fato de os Portões do Céu estarem fechados desencadeou um problema maior do que se poderia imaginar e os nossos garotos Winchester e Castiel terão muito trabalho pela frente!Se você gostou do que leu, ou e mesmo se não gostou, deixe a sua opinião. Será um prazer interagir com vocês!